CAMPOS EM CONFRONTO: JORNALISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS

AS RELAÇÕES ENTRE O MOVIMENTO SEM TERRA E A ZERO HORA


Tese de Doutorado na ECA, USP - Maio de 1996


Christa Liselote Berger Kuschick, Universidade Federal do Rio Grande do Sul


(Introdução; Capítulo II; Capítulo III; Capítulo IV; Conclusão)




Primeiro Capítulo

Das Relações: Realidade & Linguagem, Política & Comunicação

 Mi relato será fiel a la realidad o, en todo caso,
a mi recuerdo personal de la realidad, lo cual es lo mismo.
Jorge Luis Borges

Toda linguagem é politicamente contaminada.
Hayden White


 A pertinência de perguntar acerca das relações entre a realidade e a linguagem, no caso do jornalismo, encontra argumentos e antecedentes num conjunto de disciplinas - História, Semiologia, Teorias do Discurso e na Literatura - que se pautam por esta questão, legitimando-a, assim, para os produtores e estudiosos da Imprensa.

À primeira vista, à Imprensa cabe noticiar os acontecimentos do passado imediato, não só para informar aos cidadãos do que acontece ao seu redor (do bairro ao planeta) mas, também, para registrar o que no futuro servirá de matéria-prima aos historiadores na tarefa de escrever a história do passado.  É evidente, nesta passagem, que os fatos acontecidos chegam aos interessados através da descrição que se faz pela linguagem.

  Por muito tempo, acreditou-se que a linguagem era um instrumento capaz de ser fiel ao acontecido.  Lembramos que nas redações de jornal, nos anos 70, era comum identificar na censura o único obstáculo para a expressão integral da realidade, com a crença de que a liberdade de imprensa garantiria o desvendamento do mundo tal qual ele era.  Os impedimentos ao conhecimento do que se passava no país, portanto, estavam tão somente no poder político e a superação de tais impedimentos era uma questão de tempo - a História se encarregaria de fazer transparecer a realidade.

Os primeiros passos na tentativa de complexificar esta relação de causa/efeito (acontecimento/linguagem) vieram da Semiologia, que ensinou a ver os fatos como relatos, e da História, que chamou a atenção para a natureza textual do passado.  Logo, as notícias eram relatos de alguém sobre o acontecimento que, por sua vez, só era acessível a este alguém porque era relatável.  E a História só se fazia História através de relatos a partir de relatos sobre os acontecimentos passados.

Da linguagem instrumento do real ao real, como texto, há um abismo de incompreensões.  Problematizar a existência do real, se faz sentido para a filosofia ou a semiologia, é inacessível à compreensão de um jornalista.  Pois, para o jornalismo a construção discursiva que preenche espaços nos jornais, e tempos no rádio e na televisão tem sempre uma referência efetivamente acontecida.

Também para a História isto é verdadeiro, pois, ainda que se abandone a ênfase em datas e nomes, para reivindicar a determinação da interpretação, há  situações que confirmam o factual como determinante.  É o caso do exemplo de Robert Darnton em O Beijo de Lamourette quando explica a diferença, para a história dos poloneses, se o massacre de Katyn aconteceu em 1940 ou 1941.  De acordo com a história polonesa oficial, o corpo de oficiais poloneses foi destruído num gigantesco massacre executado pelos alemães, quando o exército germânico alcançou a floresta de Katyn, durante a invasão do território soviético em 1941.  De acordo com os alemães, o massacre ocorreu pelo menos um ano antes, e eles não encontraram em Katyn nada além de uma vala comum.  Por outro lado, uma placa em homenagem a um soldado morto numa igreja de Varsóvia não traz nenhum comentário além de um local e uma data: “Katyn, 1940”.  Se o fato ocorreu em 1940, foi obra dos soviéticos;  se foi em 1941, a obra foi dos alemães.

Por isso podemos falar do Jornalismo, da História e da Ficção pela sua condição fundante:  nos três casos, estamos nos referindo à produção de sentidos através da linguagem.  E é a realidade quem “cutuca” o Jornalismo, a História e a Ficção e estas existem como linguagem.  Mas há, também, um fio - ainda que tênue - que as separa.

A cena da escrita, bem como a cena da leitura, diferenciam as três instâncias de construção simbólica.  O lugar social da produção do discurso jornalístico (a empresa), do histórico (a academia) e do ficcional (a produção individual/privada); a rotina de trabalho que organiza as narrativas bem como as expectativas dos leitores demarcam as diferenças.  O sujeito-leitor-modelo posiciona seu corpo e sua atenção diferentemente se recebe uma informação, estuda História ou lê um conto.  O contrato que afirma a relação da escrita é confirmado pelo contrato de leitura.  “Cada sistema só conhece a fundo suas próprias formas primitivas e não saberia falar de outra coisa”, diz Bourdieu (1996, p.134) citando J. Nicot.[1]

A característica que identifica o Jornalismo, a História e a Ficção, ou seja, a expressão verbalizada de uma realidade, também marca a sua diferença.  A intenção do olhar dos narradores/autores serve de metáfora para explicar as diferenças.  O jornalista olha o acontecimento acontecendo por todos os lados.  Busca pessoas e cenas.  Seu movimento é de aproximação distanciada.  O tempo é o presente, ele trabalha com o aqui e o agora e seu texto repercute instantaneamente.

O historiador olha o acontecimento acontecido através de outros olhares.  Busca nos documentos, depoimentos e arquivos os elementos para refazer o trajeto do fato, reconstruindo-o na distância do tempo, contando com isto para a garantia do distanciamento.

O ficcionista olha o acontecimento acontecendo dentro dele sem ordem ou hierarquia.  É a repercussão subjetiva que ancora seu relato do mundo que prescinde do distanciamento pois, justamente, reivindica o envolvimento e a entrega.

Assim, o Jornalismo, tal qual a História, a Sociologia e a Ciência Política, enuncia fenômenos sociais.  Mas o Jornalismo, diferente destas disciplinas, não tem o rigor científico como premissa para elaborar seus enunciados.  A sua é uma premissa ética e estética.  E o Jornalismo, assim como a Ficção, tem a linguagem como cúmplice de sua produção.  Mas enquanto a Literatura inventa o mundo, o Jornalismo deve descrevê-lo.

Nesta pequena associação, reconhecemos o Jornalismo entre duas instâncias de saber:  a Ciência e a Ficção.  E podemos perguntar sobre sua relação com o saber do senso comum, com quem dialoga privilegiadamente pois o jornal fala do trivial, do banal, do cotidiano.

A compreensão do jornalismo passa, portanto, no nosso ponto de vista, pela problematização da referencialidade pois, assim como a historiografia reconhece que o passado foi real mas o acesso a ele só se dá pelos relatos textualizados e interpretados, também para o jornalismo o presente/real existe, só sendo acessível, no entanto, ao ser editado.

Fica claro que para esta perspectiva a noção de linguagem deve ser revista.  A análise de discursos oferece um ponto de vista conveniente, pois a “entende não como um simples suporte para a transmissão de informações, mas como o que permite construir e modificar as relações entre os interlocutores, seus enunciados e seus referentes”. (Maingueneau, 1989, p.20)   Nesta medida, a linguagem constitui e não descreve aquilo que é por ela representado.  Esta concepção abala a prática jornalística pois, se é assimilada, deixa de reivindicar a imparcialidade ou a neutralidade na passagem do acontecido para o editado e reconhece a notícia como construção de um acontecimento pela linguagem.  Ao mesmo tempo, esta perspectiva enfatiza a tensão inerente ao fazer jornalístico, pois é na “crença” da superposição entre o real e o texto que reside a credibilidade da imprensa, que foi sofisticando os artifícios para comprovar a existência do real/verdade com a foto, o rádio e a tevê.  A instantaneidade, o “ao vivo”, ratificam a aparência do acontecimento acontecendo, logo, fato e relato indistingüíveis.

Em segundo lugar, a apropriação da análise de discursos para o estudo do jornalismo justifica-se pela compreensão da linguagem como processo  produtivo.  A linguagem é trabalho (simbólico) e “tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações:  conflitos, reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidades, etc.”  (Orlandi, 1988, p.17)

Novamente a interpretação do discurso jornalístico beneficia-se desta concepção, pois, ao inscrever o modo de produção da linguagem na produção social geral permite situar a notícia no interior de uma complexa rede produtiva.  E, então, as notícias passam a ser produtos produzidos por jornalistas assalariados, mais ou menos bem pagos, trabalhando num mercado mais ou menos saturado e competitivo, em redações com determinadas definições hierárquicas.  Estas condições de produção do discurso jornalístico marcam as relações entre os jornalistas e suas fontes, e o jornal e seus leitores.  Ou seja, os estudos dos discursos permitem introduzir na reflexão sobre o jornalismo, o sujeito e a História.

A noção de Sujeito[2] é fundamental para o estudo do jornalismo que na sua constituição prevê a interação entre vários sujeitos.  Na produção do texto jornalístico convivem o enunciador e o emissor, compondo o sujeito da enunciação.  A notícia, por outro lado, ao contar uma história, conta a história de alguém, sujeito do enunciado.  E, como não há processo de comunicação que não considere o destinatário, este é constituído no plano semântico para assegurar um determinado contrato de leitura.  Ou, como diz Umberto Eco “além de supor competência de seu leitor-modelo, o texto a institui, não somente prevendo um leitor, senão também construindo-o.” (1979, p.55)

Autor e leitor não precisam ter presença explícita no texto para existir,  ainda assim, cada um recobre entidades diferentes, como veremos no capítulo quatro.

A matéria-prima do discurso jornalístico se encontra em algum lugar do social e se torna notícia por apontar para alguma conseqüência (um futuro discurso), produzindo, assim, a história e, portanto, a nossa primeira inquietação encontra guarida pois, de fato, se faz necessário observar as maneiras de a linguagem vincular-se à realidade o que, da nossa perspectiva, somente se realiza com a pesquisa empírica.

Por enquanto, deixamos em suspenso a pesquisa e seguimos a construção conceitual.  A noção de Campo,[3] emprestada de Bourdieu (1983, 1987, 1989, 1990), vem ao encontro da necessidade de relacionar o lugar da produção social com o lugar da produção simbólica.  O Campo Político e o Campo do Jornalismo, o Campo Jurídico e o Campo do Jornalismo, por exemplo. 

Se nas sociedades modernas a vida social se reproduz em campos, que funcionam com relativa independência mas, ao mesmo tempo, atuam combinados, a questão é estudar a dinâmica interna de cada campo e suas interdependências.  Um dos aspectos mais instigantes deste conceito é a utilidade para relacionar as diferentes esferas da vida social e deduzir, do caráter geral da luta de classes, o sentido particular que adquire o enfrentamento no interior de um determinado campo.

O território de um Campo constitui-se a partir da existência de um capital e se organiza na medida em que seus componentes têm um interesse irredutível e lutam por ele.  Capital, conceito-chave neste modelo, só é definível a partir do Campo.  O Capital do Campo Acadêmico, por exemplo, é a titulação, e a luta que se trava na academia gira em torno do título, que elevado a valor máximo confere autoridade a quem o possui.  O título, no entanto, não vale enquanto capital para ingressar no Campo Religioso ou Artístico.  O que não significa que o capital de um campo não funcione como “mérito” em outro.

Infelizmente, Bourdieu não trabalhou o Campo do Jornalismo como fez com a cultura, a política, a academia e a religião.  Conhecemos apenas o texto L’emprise du Journalisme (1994) em que ele trata especificamente da influência que o jornalismo exerce sobre os diferentes campos da produção cultural. Ao identificar leis gerais de constituição e relacionar campo e capital (artístico/prestígio;  político/poder; religioso/fé), oferece a possibilidade de se ampliar esta noção para outras esferas, como as referentes à comunicação e ao jornalismo.

Na descrição de Bourdieu acerca dos capitais, aparece um - o simbólico - como superior aos demais, por dar sentido ao mundo e transitar por todos os campos.  A este capital cabe o poder de fazer crer e é nisto que consiste sua superioridade.

A nossa hipótese é que o Campo do Jornalismo detém, privilegiadamente, o Capital Simbólico, pois é da natureza do Jornalismo fazer crer.  O Capital do Campo do Jornalismo é, justamente, a credibilidade.  É ela quem está constantemente em disputa entre os jornais e entre estes e os demais campos sociais.  E está constantemente sendo testada, através de pesquisas, junto aos leitores.  A credibilidade é construída no interior do jornal assim como um rótulo ou uma marca que deve se afirmar, sem, no entanto, nomear-se como tal.  Credibilidade tem a ver com persuasão pois, no diálogo com o leitor, valem os “efeitos de verdade”, que são cuidadosamente construídos para servirem de comprovação, através de argumentos de autoridade, testemunhas e provas.

A luta que é travada no interior do Campo do Jornalismo gira em torno do ato de nomear, pois, nele, se encontra o poder de incluir ou de excluir, de qualificar ou desqualificar, de legitimar ou não, de dar voz, publicizar e tornar público.  Este poder se concentra em quem escolhe a manchete, a foto, a notícia de primeira página, o espaço ocupado, o texto assinado ou não.  É esta a luta que os jornalistas travam no interior do Campo do Jornalismo em suas concretas e históricas relações de trabalho.

Algumas passagens em que Bourdieu descreve o poder simbólico poderiam ser a descrição do poder atual da comunicação.

O poder simbólico como o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer crer e fazer ver, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer ignorado como arbitrário.  (1989, p.14)

Em outro texto, ele diz:

O poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras.  E somente na medida em que é verdadeira, isto é, adequada às coisas, que a descrição faz as coisas.  Nesse sentido, o poder simbólico é um poder de consagração ou de revelação, um poder de consagrar ou de revelar coisas que já existem.  Isso significa que ele não faz nada?  De fato, como uma constelação que começa a existir somente quando é selecionada e designada como tal, um grupo - classe, sexo, religião, nação - só começa a existir enquanto tal, para os que fazem parte dele e para os outros, quando é distinguido, segundo um princípio qualquer dos outros grupos, isto é, através do conhecimento e do reconhecimento.  (1990, p.167)

A partir do olhar da comunicação, quem constitui o dado pela enunciação, legitimando-o publicamente, na contemporaneidade, é o jornalista, já que a definição social do jornalismo está na passagem do acontecido para seu relato que, para Bourdieu, pertence ao poder simbólico (poder de consagrar pessoas e instituições) e faz parte da função mediadora da imprensa, não encontrando-se em nenhuma outra instituição, social ou cultural, a mesma competência.  Basta ver que o discurso político hoje é realizado pela mídia, que não só enuncia os fatos e apresenta os políticos, como antecipa causas e anuncia conseqüências, moldando o Campo Político a partir de seus interesses.

Assim como cada campo caracteriza-se por deter um determinado capital, a cada capital corresponde um determinado discurso.  O Campo Religioso, por exemplo, cujo capital é a fé, produz um tipo específico de discurso, que pode ser identificado nos textos bíblicos, na fala e nos rituais dos religiosos e num conjunto de “palavras de ordem” que orientam os leigos.  Eni Orlandi, ao trabalhar uma tipologia dos discursos, identifica três tipos - o autoritário, o polêmico e o lúdico - tendo como critério “a interação (a reversibilidade, a troca de papéis ou de estatutos entre interlocutores) e a relação entre polissemia e paráfrase (a possibilidade, ou não, de múltiplos sentidos)”.  O discurso religioso, por exemplo, é situado por ela na tendência ao tipo autoritário, “pois é o que tende para a paráfrase (o mesmo) e em que se procura conter a reversibilidade (há um agente único: a reversibilidade tende a zero), em que a polissemia é contida (procura-se impor um só sentido) e em que o objeto do discurso (seu referente) fica dominado pelo próprio dizer (o objeto praticamente desaparece).” (1988, p.24)

Seguindo as pistas de Orlandi, consideramos o Discurso Jornalístico o objeto teórico, enquanto a Notícia é o objeto empírico/analítico.  E a noção de Tipo operacionaliza esta relação, pois:

[...] dada a institucionalização da linguagem, os tipos se estabelecem como produto dessa institucionalização e se fixam como padrões, como modelos.  Esses produtos, os tipos vão entrar nas condições de produção do discurso, em seu funcionamento que, por sua vez, determina aquilo que pode vir a constituir um novo tipo ou a reproduzir uma forma já estabelecida.  (ibidem, p.23)

Um campo tem um padrão, um modelo discursivo que entra nas condições de produção de cada novo discurso.  O Tipo-Padrão ou o consensual do Discurso Jornalístico é, sem dúvida, o informativo, pois é da vocação da imprensa cobrir todas as dimensões da vida social, mas, seguindo a tipologia indicada acima, podemos enquadrá-lo na tendência ao tipo autoritário.[4] Depois, cada jornal acrescentará um terceiro tipo de diferenciação interna no campo e que se encontra na combinação da construção discursiva da notícia com a forma como o jornal se apresenta e seus jornalistas se representam.  Sabemos, intuitivamente, que a natureza informativa se expressa de modo diferente em o Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo e Zero Hora.

O primeiro tipo é o do consenso, o discurso jornalístico é, acima de tudo, informativo.  Para localizar o segundo tipo, o pesquisador deve buscar as marcas da notícia, considerando sua propriedade para, assim, descrever o tipo de discurso enquanto fixação do funcionamento da instituição  jornalística específica que  está a estudar.  As marcas do Discurso Jornalístico estão na organização (gramatical, textual, da disposição espacial - títulos, ilustrações) da notícia que remetem à sua propriedade (a notícia em relação à exterioridade, à situação - institucional, social) que, por sua vez, permite transcender para o Tipo, que permitirá compor o capital do Campo do Jornalismo.  Para reconhecer a especificidade do discurso do jornal em análise, o pesquisador deve partir do reconhecimento dos dois primeiros tipos, observando ainda as formas pelas quais o jornal se enuncia, enuncia seus profissionais e seu destinatário.  Aqui perseguimos a subjetividade do jornal que, como tal, encontra-se nos intervalos das notícias e nas margens dos acontecimentos.

Se o capital gira em torno do discurso e de quem possui as condições de elaboração do mesmo, é, também, fundamental reconhecer que a Imprensa não produz apenas um tipo de discurso mas que convivem nela diferentes tendências e que as condições sociais e institucionais no interior de onde ele é produzido contribuem na definição do contorno ou na ênfase em um tipo.  Por exemplo, há o discurso informativo autoritário persuasivo, o informativo autoritário polêmico, o informativo autoritário opinativo, o informativo autoritário irônico.  Por isso, o Discurso Jornalístico é híbrido e somente a observação do funcionamento do discurso de um jornal em suas condições de produção permitirá descrever o tipo informativo deste jornal e seu capital que, no entanto, estará inscrito nas características do discurso midiático: ele é público, institucionalizado e legitimado para as transmissões do saber cotidiano.  É o discurso da atualidade com recursos estetizantes.  Esta idéia está resumida na Figura 1.

Ainda no plano dos conceitos para refletir o jornalismo, há que se ter presente:

que a relação de sentido, ou seja, a “semiose ininterrupta” (Verón, 1980) é o princípio básico dos fatos da linguagem: todo discurso nasce em outro (sua matéria-prima) e aponta para outro (seu futuro discursivo);

que todo processo de produção discursiva é, ao mesmo tempo, um processo de recepção, e que todo processo de recepção implica, por sua vez, o começo de uma nova cadeia de construção de significantes ou de semiose.

Com isto, reforçamos a idéia de que a matéria-prima do discurso jornalístico está em algum Campo Social, produzida com a intenção de se tornar notícia (os acontecimentos previstos) ou irrompendo com a força do imprevisível e, assim, ganhando notoriedade.  De qualquer forma, será  notícia se apontar para uma conseqüência - um futuro discurso de confirmação ou transformação da visão de mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo.

Nesta perspectiva, Bourdieu contribui novamente:  agora com seu conceito de Homologia[5] E, novamente, se torna necessário adaptá-lo, pois ele o aplicou para falar da “esfera de bens restritos” - a arte, a ciência, a literatura - e nestes há uma autonomia (ainda que entre aspas) de criação, inexistente na Cultura de Massa, onde o mercado - dos anunciantes e dos leitores - delimita a produção final.  Por isso, a homologia entre a produção e o consumo no campo da Cultura de Massa é tão total.  A garantia de aceitação dos programas, se dá pela presença do receptor no texto dramático, no humor, no ritmo musical e no discurso jornalístico.  O novo, para ser aceitável, precisa apoiar-se no já aceito.  Por isso, o vínculo produtor/receptor transcende as feições sociológicas da relação e ingressa na própria discursividade.  Esta relação é tão imbrincada que a análise de discursos reconhece, por exemplo, as marcas do leitor nos Manuais de Redação.  O receptor é “capturado” através de operações de linguagem que, na verdade, o contêm, diz Fausto Neto e acrescenta:

 [...] o receptor dos suportes de comunicação é alguém construído na própria economia enunciativa [...] Ou seja, o outro, que compôs a cadeia interativa da atividade linguajeira jornalística, não é apenas um personagem revestido com certas matizes de indicadores sociais, mas alguém que é construído na própria produção imaginária dos organizadores e enunciadores do discurso.  (1991, p.37)

Afirmar a presença do receptor no discurso é reconhecer as estratégias do Campo da Produção para garantir o seu êxito, pois o que circula no mercado lingüístico não é a língua, mas, como diz Bourdieu:

[...] discursos estilisticamente caracterizados, ao mesmo tempo do lado da produção, na medida em que cada locutor transforma a língua comum num idioleto, e do lado da recepção, na medida em que cada receptor contribui para produzir  a mensagem que ele percebe e aprecia, importando para ela tudo que constitui sua experiência singular e coletiva.  (1996, p.25)  (grifo do autor)

No mercado das trocas simbólicas, a lei da aceitabilidade é determinante, pois “de fato, as condições de recepção antecipadas fazem parte das condições de produção, e a antecipação das sanções do mercado contribui para determinar a produção do discurso.” (ibidem, p.64)

A matéria-prima do Campo do Jornalismo encontra-se, privilegiadamente, no Campo Político.  Este é entendido, na perspectiva de Bourdieu, como campo de forças e campo de luta, onde os agentes dos subgrupos estão em constante disputa para transformar a relação de forças, já que o capital que está em jogo é o poder.  Como em todos os Campos Sociais, o Campo Político tem seus dominantes e seus dominados, seus conservadores e suas vanguardas, suas lutas subversivas e seus mecanismos de reprodução.  Os agentes deste campo concorrem produzindo produtos políticos, tais como:  problemas, programas, análises, comentários, conceitos e acontecimentos para sensibilizar seus “consumidores” que devem estar aptos a votar, escolher e ter opinião.  Ou seja, também o Campo Político está para um mercado - o mercado da opinião pública - e, por isso, a luta dos agentes (individuais ou coletivos) gira em torno do capital simbólico acumulado no transcorrer das lutas e no acúmulo de trabalho e de estratégias investidas, que se consubstanciam no reconhecimento e na consagração.

O reconhecimento e a consagração dos agentes políticos, passam, no entanto, pela legitimação dos jornalistas.  Esta relação - sutil, invisível, de enfrentamento e de convivência - entre o Campo Político e o Campo do Jornalismo é o que nos importa saber ver.

A homologia entre o Campo Político e o Campo do Jornalismo se faz através da correspondência entre os acontecimentos produzidos por um subgrupo do  Campo Político - os Movimentos Sociais, por exemplo - para, pela “espetacularização”, constarem da pauta do jornal e, assim, dialogar com os agentes do seu próprio campo, no caso o subgrupo Governo.  O poder simbólico dos políticos é fazer crer, pois o seu capital é também a credibilidade.  Mas esta credibilidade necessita do aval da imprensa, pois, informando, ela está reconhecendo uns em detrimento de outros e, assim, consagrando-os.

Bourdieu ensinou a observar o movimento de luta em torno do Capital de um Campo.  No caso que estamos estudando, a luta se dá entre o Movimento Sem Terra, cuja intenção é fazer crer que as suas reivindicações são justas e devem ser atendidas e os detentores do poder do Campo Político (governo e proprietários da terra) que devem fazer crer que as terras são produtivas, que a reforma agrária um dia irá acontecer e que os sem-terra, na verdade, representam interesses políticos de oposição a eles.

Mas a luta do Campo Político só se efetivará através de uma “segunda relação”, entre o MST e a imprensa, entre os ruralistas e a imprensa e entre o governo e a imprensa, confirmando a natureza mediadora do Campo da Comunicação, que faz falar entre si os agentes do próprio Campo - governo, ruralistas e colonos sem-terra. Eles travam, através da imprensa, a luta própria do seu Campo que é fazer crer a todos acerca da sua verdade.  E a imprensa, ao buscar a sua credibilidade, constrói a credibilidade “na verdade” de uns ou outros.

Por isso, a “sala de redação” do jornal pode ser apreciada como uma metáfora da luta do Campo do Jornalismo, cujos agentes têm por ofício produzir sentidos, ou seja, veracidades que dizem respeito a outros Campos.  Neste caso, a interação se dá entre jornalistas e MST, jornalistas e ruralistas, jornalistas e governo, numa nova dinâmica que relaciona como cúmplices sujeitos de Campos opostos e, como opositores, sujeitos do mesmo Campo, tendo a linguagem como um artifício de luta, confirmando-a como um ato social que produz sentidos e constitui poderes.  Esquematizamos esta idéia na Figura 2, na próxima página.

Neste momento, aflora uma nova questão:  quem é o sujeito que faz crer, que constrói sentidos, que media os agentes do Campo Político e faz interagir os diferentes Campos Sociais? Vale a pena perguntar-se pelo jornalista, profissional acusado de especialista em generalidades, leitor assíduo de orelhas de livros e porta-voz do poder.  Buscamos pistas conceituais para acercar-nos dele.

A primeira encontramos em Roland Barthes (1970, p.31) quando, identificando na palavra um poder, refaz a história humana descobrindo em  cada tempo histórico o detentor do monopólio da linguagem.  Os proprietários incontestáveis durante toda a era capitalista clássica, do século XVI ao XIX, foram os escritores.  Na Revolução Francesa apareceram os primeiros a se apropriar da língua com fins políticos.  E ao lado dos escritores desenvolveu-se um outro grupo, produtor da linguagem pública.  Barthes os chama de escreventes opondo-os aos escritores.  “O escritor realiza uma função, o escrevente uma atividade.”  O escritor escreve e ponto final, como diz Leyla Perrone Moisés (in Barthes, 1970, p.9), a linguagem é meio e fim e escrever um verbo intransitivo.  Já os escreventes, escrevem sobre alguma coisa, a linguagem é instrumento, eles põem um fim (testemunhar, explicar, ensinar) para a qual a palavra é apenas um meio.  Barthes encontra o escrevente na universidade, na pesquisa, na política; o escritor, na literatura.

E, reconhece, mais contemporaneamente, devido à produção mercantil da palavra, um tipo “bastardo” - o escritor-escrevente.  Ele não dá exemplos, mas descreve-o como aquele que tem uma relação ambígua com o público. 

Em resumo, [diz Barthes] de um ponto de vista antropológico, o escritor-escrevente é um excluído integrado por sua própria exclusão, um herdeiro longínquo do Maldito: sua função na sociedade global não está talvez muito longe daquela que Claude Levi-Strauss atribui ao Feiticeiro: função de complementaridade, já que o feiticeiro e o intelectual fixam de certo modo uma doença necessária à economia coletiva da saúde.  E naturalmente não é espantoso que tal conflito (tal contrato, se se quiser) se trave no nível da linguagem; pois a linguagem é este paradoxo: a institucionalização da subjetividade.  (1970, p.38)

O jornalista pode ser um exemplo de escritor-escrevente.  Como escritor realiza uma função, como escrevente uma atividade, pois ao escrever sobre o mundo, testemunha-o e o explica mas, também, o faz de forma única e pessoal.  Reafirmando a doxa[6]na atividade e rompendo com ela na função, quando alcança a produção da escritura.

E este escritor/escrevente (sacerdote assalariado) que mercantiliza as palavras do poder não deixa de ser o herdeiro do Maldito, no sentido do feiticeiro de Levi-Strauss.  Um feiticeiro da linguagem e do poder.

A segunda pista encontramos em Walter Benjamin (1986, p.195) também no confronto com o ficcionista.  Ele explica a figura do narrador e, com nostalgia, aponta a arte de narrar em vias de extinção.  O primeiro narrador foi o contador de histórias que, partindo da experiência, estava autorizado a dar conselhos, suscitar perplexidades e propor reflexões. Há, para Benjamin, duas famílias de narradores apoiadas na seguinte hipótese:  a) quem viaja tem muito que contar e b) quem conhece profundamente seu lugar, por nunca o abandonar, sabe de sua história, sua gente, sua tradição e por isso, tem muito que contar.  O representante primitivo do primeiro é o marinheiro comerciante e do segundo, o camponês sedentário.  Mas, a extensão da narrativa só é assimilável quando se observa a inter-relação entre estes dois tipos.

No sistema corporativo medieval trabalhavam juntos o mestre sedentário e os aprendizes migrantes, ensinando os artífices a arte de narrar.  Estes foram aperfeiçoando-a ao associar o saber que veio de longe com o saber do passado.  O narrador entrelaçava, então, espaço e tempo ancorando a existência dos que o ouviam e passando uma sabedoria - o lado épico da verdade - em uma forma artesanal de comunicação.  Trabalhando artesanalmente a matéria-prima da existência - a sua e a dos outros - transformava-a num exemplo ou conselho, relacionando a sua existência com aquilo que sabia por ouvir contar.  O narrador é narrador primeiro porque sabe ouvir, depois porque sabe contar o que ouviu a partir da sua experiência/sabedoria.

Esta narrativa tecida junto à existência cotidiana foi se extinguindo, conforme Benjamin, com a evolução das forças produtivas.  O romance surgido no início da modernidade é o primeiro indício do fim da narrativa -  ele se vincula ao livro e à invenção da imprensa e não provém da tradição oral.  Por outro lado, a consolidação da burguesia, se foi favorável ao romance, acelerou também outra forma de comunicação já conhecida mas que não se desenvolvia - a informação.

Narrativa de um lado, romance e informação de outro, pois enquanto os “relatos recorriam ao miraculoso é indispensável que a informação seja plausível.”  Diz Benjamin:

Cada manhã recebemos notícias de todo mundo.  E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes.  A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações.  Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação.  Metade da arte narrativa está em evitar explicações.  O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor.  Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação.  (p.203)

A questão é:  não será o jornalista o artífice do tempo presente?  Não terá ele atualizado junto com o desenvolvimento das forças produtivas o narrador do passado?  Não é ele quem viaja e traz a experiência de longe ao mesmo tempo que observa o cotidiano próximo?  Não é a ele que cabe narrar o passado e o longínquo, sensível aos ouvidos que o ouvem, estimulando a perplexidade? 

Ele não tem a sabedoria do narrador do passado, mas detém uma sabedoria condizente com o seu tempo que não é individual mas, fruto do trabalho coletivo, é composta pela intervenção de diferentes sujeitos (repórter, editor, fotógrafo) ensinando, outra vez, que o desenvolvimento das forças produtivas marca relações de trabalho e oferece pontos de vista.

Por outro lado, Benjamin chama a atenção para a correspondência da voz com a mão no ato de narrar, pois os gestos intervêm na narração, expondo a essência do narrador (a sua substância mais íntima) com aquilo que sabe por ouvir dizer.  No rádio também temos a voz que empresta o som às palavras e na televisão o gesto se faz presente, anunciando também seu enunciador.  Mas isto não substitui nem aproxima o narrador/jornalista do narrador primeiro, porque, conforme Benjamin, ele não escreve para narrar a ação da própria experiência, mas o que aconteceu com x ou y em tal lugar e a tal hora.

Ecléa Bosi busca compreender os diferentes narradores em seu tempo (como Benjamin fez com a obra de arte), mas também é nostálgica do narrador arcaico. 

A narrativa exemplar foi substituída pela informação de imprensa, que não é pesada e medida pelo bom senso do leitor.  Assim, a união de uma cantora com um esportista ocupa mais espaço que uma revolução.  A informação pretende ser diferente das narrações dos antigos:  atribui-se foros de verdade quando é tão inverificável quanto a lenda.  Ela não toca no maravilhoso, sequer plausível.  A arte de narrar vai decaindo com o triunfo da informação...  A informação só nos interessa enquanto novidade e só tem valor no instante que surge.  Ela se esgota no instante em que se dá e se deteriora.  Que diferença a narração.  Não se consuma, pois sua força está concentrada em limites como a da semente e se expandirá por tempo indefinido.  O receptor da comunicação de massa é um ser desmemoriado.  Recebe um excesso de informações que saturam sua fome de conhecer, incham sem nutrir, pois não há lenta mastigação e assimilação.  A comunicação em mosaico reúne contrastes, episódios díspares sem síntese, é a-histórica, por isso é que seu espectador perde o sentido da História.  (1994, p.86)

O desvirtuamento da narrativa de que Ecléa Bosi sente saudade é conseqüência da Indústria Cultural que tem pressa em reproduzir a realidade, pois ela se transformará em mercadoria.  Deixa de ser narrativa, portanto, para ser divulgação comercial.

Lá está o maldito feiticeiro espreitando o narrador pós-moderno e nos convidando a tentar outra designação.  A mais corrente e que encontra maior consenso é a de mediador - o jornalista está entre dois pólos:  o público e o poder e os faz falar.  Este conceito está imbricado da conotação corriqueira de “relação entre", mas Jesus Martin Barbero (21-26, set/nov.1989, p.19),  ao trabalhar as mediações, problematizou a figura do mediador cultural.  Primeiro, distinguindo o comunicador intermediário do comunicador mediador.  Enquanto o intermediário se instala na divisão social, reforçando-a, o mediador explicita a relação entre diferença cultural e desigualdade social, mostrando a impossibilidade de pensá-las em separado.  Diferente do intermediário, o mediador se sabe socialmente necessário, ainda que culturalmente problemático, pois lhe cabe pensar a comunicação desde a cultura, lugar de reconhecimento e confronto.

O jornalista, quando mediador/cultural, não reivindica a objetividade pois, por reconhecer-se sujeito da História, sabe que ao olhar o mundo o faz desde um lugar social e que ao descrevê-lo o produz na mesma dimensão de uma ação social - de referendamento ou transformação.  Além do mais, ao mediar o mundo a seu leitor, o jornalista o conclama a elevar-se, também, à condição de sujeito-leitor. 

Independente do rótulo mais apropriado - escritor/escrevente, narrador, mediador - o jornalista, sujeito da história contemporânea, sintetiza estas figuras, as perpassa e as transforma.  É um sedutor, pela palavra, do poder e do leitor, um sacerdote assalariado; conta estórias do mundo e da tradição e dá conselhos;  provoca o encontro da diferença, fazendo interesses divergentes se confrontarem.  O jornalista ouve, observa, interpreta e tece seu texto, no computador da empresa jornalística, produzindo a comunicação própria do nosso tempo, assim como escritores e narradores teceram os seus textos e produziram a comunicação do seu tempo.

   Importante é não esquecer que o jornalista, como todos os produtores da Indústria Cultural, é um trabalhador, cuja produção específica o qualifica como um intelectual, pois a mercadoria que produz são idéias, valores, imagens e sons que explicam o mundo, lhe dão sentido e substrato para  sonhá-lo.

A História contemporânea é a História das relações e das mediações.  “O real é relacional”, na feliz expressão de Bourdieu e a “comunicação é uma questão de mediações, isto é de cultura”, como ensina Barbero.  Foi esta a idéia mestra que buscamos ordenar e que nos propomos a compreender, examinando a fatia da História que nos toca viver.

 


[1]           Para os três discursos o problema da linguagem é central.  As palavras emprestadas da linguagem comum são apropriadas para o jornalismo e a ficção, mas são redefinidas quando compõem o  discurso científico.  A tradição de tratar a ciência como discurso é apresentada por Maria Immacolata Vassallo de Lopes em A Pesquisa em Comunicação (1990).

[2]           Para os estudos dos discursos, a noção de sujeito é necessária para dar conta da transformação da língua em discurso.  O sujeito, aqui, só é conhecido através do discurso.  Dependendo do ponto de vista teórico, mudam as nomeações dos sujeitos.  Para o nosso estudo estas precisões não são consideradas.

[3]           Para Bourdieu, “com a noção de campo obtêm-se o meio de apreender a particularidade na generalidade, a generalidade na particularidade.  Pode-se exigir da monografia mais idiográfica proposições gerais sobre o funcionamento dos campos e pode-se levantar, a partir de uma teoria geral do funcionamento dos campos, hipóteses muito poderosas sobre o funcionamento de um estágio particular de um campo particular.” (1990, p.171)  É esta concepção que justifica a apropriação para o nosso estudo da relação entre o Campo Político e o Campo do Jornalismo.

[4]           De acordo com o método proposto por Eni Orlandi, (considerando que a tipologia é uma tentativa de descrição e deve ser interpretada e não aplicada mecanicamente), observamos as marcas e a propriedade do discurso jornalístico e o incluímos na tendência ao tipo autoritário.  Usando como critério de observação a interação - troca de papéis entre os interlocutores - constatamos que estes interagem pelo discurso mas não trocam de papel: a fonte, os jornalistas e o leitor ocupam papéis fixos.  E, pelo segundo critério, de predominância entre polissemia ou paráfrase, avaliamos que, apesar da composição polifônica, como veremos adiante, o sentido do conjunto do discurso jornalístico tende para o mesmo, para a paráfrase.  Além disso, ao acrescentar as condições de produção (industrial e lucrativa) do discurso da imprensa, o confirmamos na tendência ao tipo autoritário.  (1988, p.25; 1987, p.152)

[5]           Bourdieu propõe o conceito de homologia para explicar “a economia das práticas”, ou seja, as relações hierárquicas entre os capitais e as similitudes e as subordinações entre os campos.  Ele diferencia homologia estrutural e funcional para observar as relações entre os campos, concebendo-as para aplicação em diversas situações.  (1989, 1990)  Para nós, são as relações entre o Campo dos Movimentos Sociais e o Campo do Jornalismo, bem como as relações entre o Campo da Produção da notícia (enunciação) e o Campo do Consumo (recepção) que importa saber observar.

[6]           Doxa, conforme Roland Barthees, é a “Opinião Pública, o Espírito majoritário, o Consensus pequeno-burguês, a Voz do Natural, a Violência do Preconceito.  Pode-se chamar de doxologia (palavra de Leibnitz) toda maneira de falar adaptada à aparência, à opinião ou à prática.” (1975, p.53)