Manual de Jornalismo

Anabela Gradim, Universidade da Beira Interior

Maio de 2000

3º de 6 ficheiros

(1/6, 2/6, 4/6, 5/6, 6/6)

 

5.3. Editorial;  5.4. Reportagem; 5.5. Fotojornalismo; 5.6. A legenda; 5.7. Faits-divers; 5.8. Opinião; 5.9. Crónica; 5.10. Entrevista; 5.11. Fotolegenda.

 

 

5.3. Editorial

“Um jornal sem voz nem voto é como um homem sem juízo. Jornalismo que não se sente capaz ou não pode dar orientação nem formular critérios é um jornalismo sem uso da razão”

Luiz Beltrão

            O editorial é um texto da responsabilidade da direcção do jornal, que deverá acompanhar cada número da publicação, e que se debruça sobre os acontecimentos mais marcantes da actualidade ou dessa edição do periódico, comentando, analisando, exortando - em suma, fazendo opinião; não uma opinião qualquer, mas a opinião do jornal.

            E é esta característica que distingue o editorial dos restantes textos de opinião do jornal - ele exprime a opinião e a cultura da empresa como um todo, ao passo que os textos de colunistas, colaboradores, e as participações dos leitores do jornal comprometem apenas quem as emite, e não a redacção como um todo.

       Está bem de ver que, só por isto, o editorial se constitui como a secção mais nobre do jornal, e deve ser posto cuidado extremo na sua elaboração.

       Há jornais que têm mais de um editorialista, e em tais casos, para além do editorial fixo do director, as notas, comentários e textos que acompanham outras secções do jornal não são assinadas, assim se vincando o carácter colectivo de tais tomadas de posição.

            Na imprensa portuguesa, regra geral, os jornais publicam apenas um editorial, da responsabilidade do director ou elementos da direcção, prevalecendo, e muito bem, a tradição de identificar o autor desses textos.

            Depois de ter corrido tanta tinta sobre a separação entre notícias e opinião, é lícito perguntar: pode um jornal, tomado como entidade colectiva, ter opinião? A resposta é: não só pode, como deve absolutamente tê-la.

            O jornal não serve só para relatar de forma isenta factos e acontecimentos, pode e deve pronunciar-se sobre esses factos, tentando extrair deles o seu real significado, as relações que estabelecem com outros acontecimentos, e as consequências que poderão vir a ter na vida das pessoas — isto é atribuir-lhes uma dimensão radicalmente nova em relação ao tratamento noticioso: a dimensão de profundidade.

            Os leitores esperam que o seu jornal se pronuncie, num ou mais editoriais, sobre as grandes questões que agitam o mundo, o País ou a sua aldeia, e por isso um editorialista deve assumir desassombradamente essa tarefa — emitir opiniões e orientações rigorosas e fundamentadas, de preferência num texto curto e de leitura agradável.

            Não há nada mais patético que o editorial  uma no cravo, outra na ferradura, que procura agradar a gregos e troianos, se recusa a tomar qualquer posição e, bem espremido, nada diz. Ou ainda o seu congénere, o editorial em órbita, aquele que já deixou há muito a órbita terrestre, e fala de tudo menos do que interessa aos leitores e ao próprio jornal.

            É certo que é difícil fazer opinião, e opinião investida das responsabilidades que um editorial lhe comete ainda mais, mas ela deve absolutamente ser feita. Editoriais sistematicamente falhados descredibilizam o jornal e atraem o ridículo sobre quem os assina e sobre a própria redacção. Se um jornal não tem coragem para se pronunciar sobre o que se passa à sua volta, então não justifica as árvores abatidas por ano para que possa circular, e melhor fora que fechasse.

            O editorial “tem sempre de tomar partido, pois sua finalidade é aconselhar e dirigir as opiniões dos leitores. Não se pode reservar: tem de decidir-se. O jornal está, por essência, comprometido a dizer em voz alta o que pensa. Eis porque se deve culpá-lo pelo seu silêncio (...) Está-lhe vedado dar o silêncio por resposta ao interrogatório da actualidade, ou dar uma resposta ambígua. A ambiguidade é excusa de mau pagador. Ou medo à verdade. O cepticismo da acomodação. O jogo bonito de não comprometer-se, de expôr os prós e os contra, embora sem desatar o nó da dúvida, pode resultar engenhoso, mas adoece de estéril... Há jornais que pelo seu afã de assepsia no critério permanecem muitas vezes em suspenso, sesaber ao que ater-se. Isto não vale; o jornal não só tem que saber sempre ao que se ater como ainda de manifestá-lo. Os editoriais insignificantes e fora de compasso são uma escamoteação à boa fé dos leitores que os lêem com ânimo de encontrar em suas linhas o caminho”[21].

            Piedrahita refere ainda como estratégia de muitos editorialistas, na sua aversão pelo que está próximo, o que os americanos chamaram de “afganistanismo”: “El editorialista pontifica con tranquilidad y seguridad de algo que nadie sabe. Nada pasará. Ninguna personalidad importante se dará por aludida”![22]

            É evidente que o jornal toma uma posição firme, e chega a conclusões fundamentadas que corroboram essa tomada de posição, mas essa firmeza deve ser adoçada com o mais intenso respeito pelos leitores. Tal como na notícia, o editorialista sabe que o leitor acabará por chegar às suas próprias conclusões, concordando ou não com ele, e deve sempre atender a esse aspecto: são por isso totalmente desadequados os editoriais dogmáticos, arrogantes, ou ainda os que de alguma forma insultam os leitores. Como em tudo, a justa medida basta.

            A realização de um editorial coloca ainda questões éticas, por vezes delicadas, do ponto de vista de quem o redige.  Afinal, que opinião pode um jornal ter? Todas as que não violem os princípios contidos no seu estatuto editorial e que inspiram diariamente o trabalho da redacção. Também, devido às especificidades deste tipo de texto, não pode, ao contrário do simples artigo de opinião, radicalizar demasiado as questões, evitando servir-se de muitos dos artifícios retóricos que tais textos utilizam para dar força e vigor às suas prosas.

            Por outro lado, o editorialista, quando escreve, sabe muito bem que não pode, ao contário do cronista, dar largas a todas as suas opiniões: só algumas serão aceitáveis do ponto de vista daquilo que um editorial deve ser, e ele respeitará escrupulosamente esses limites. Por exemplo, pode um editorialista ter opiniões muito sólidas, e radicais, sobre o que deveria ter sucedido aos antigos funcionários da PIDE/DGS após o 25 de Abril, mas deverá ter bom senso e presença de espírito suficientes para perceber que não pode comprometer todo um projecto editorial com tais opiniões. Neste sentido, ele produzirá um texto adequado aos valores que o jornal defende — e que, neste caso concreto, são bem mais tolerantes que os seus.

            Outra questão pertinente, e já aqui aflorada, é o que escrever? Manuel Piedrahita insurge-se contra o editorial fóssil, o texto rebuscado cujo tema interessa ao próprio e mais dois. A este respeito, Santo Agostinho conta uma anedota esclarecedora: “Catão, tendo sido consultado por um certo homem que desejava conhecer o significado de os ratos lhe terem roído as polainas, respondeu: isso nada tem de extraordinário; portentoso fora que as polainas tivessem roído os ratos”[23].

            E é essencialmente isto que um editorial faz: procura estabelecer de forma esclarecida  o significado dos acontecimentos, mas não quaisquer uns. Aqui voltam a cruzar-se as componentes subjectivas da selecção da notícia: deverá debruçar-se sobre acontecimentos pertinentes, prenhes de consequências, com interesse inequívoco para a maioria dos leitores. O editorial saberá tomar o pulso da opinião já formada, contradizê-la se for caso disso; mas ainda aperceber-se da opinião que se está formando, do clima cultural e expectativas que o seu público vive, e aí, nesse caldo de ideias ainda em formação, intervir com lucidez, inteligência e rigor.

            Quanto aos temas eles deverão ser de interesse geral, estar próximos do coração ou preocupações do público; deverão ser assuntos que o editorialista domine bem, e sobre os quais possa emitir com sinceridade e convicção as opiniões que serão a opinião de todo o jornal.

            Ao texto propriamente dito, aplicam-se-lhe as mesmas regras que regem qualquer artigo de opinião: deverá ser claro, incisivo, vigoroso e assertivo. Em princípio deverá ater-se a um único tema, ou uma única tese, expondo-o na abertura, argumentando no corpo do texto, e concluindo, de forma lógica e necessária, pela posição inicialmente adoptada.

            É de extrema importância o rigor da argumentação, a clareza das deduções, a lucidez da análise e a justeza das conclusões. Falhas nestes aspectos são imperdáveis num texto de tanta responsabilidade.

            Todos os jornalistas sabem que o tamanho não é proporcional à importância. O editorial deve ser um texto relativamente curto, deverá ocupar sempre sensivelmente o mesmo espaço, e ser escrito com graça, ritmo e vivacidade, utilizando um vocabulário rico e variado que não abuse das frases longas. O editorial não pode ser entediante, aborrecendo de morte os seus leitores; nem pedante, tratando-os como retardados aos quais, do cimo da cátedra, é preciso ensinar coisas tão óbvias como apertar os cordões dos sapatos.

            Luiz Beltrão[24] divide os editoriais, quanto à topicalidade, em preventivo, que se antecipa à realidade, avaliando situações ainda esboçadas e concluindo as consequências; de acção, que acompanha uma ocorrência analisando as suas causas e desenvolvimento no preciso momento em que sucedem; e de consequência, quando se debruça, dedutivamente, sobre as repercussões e consequências de um facto.

            Já quanto ao conteúdo, considera que o editorial pode ser informativo, esclarecendo o leitor sobre factos ou situações e explirando aspectos que apenas ficaram implícitos na notícia; normativo, que intenta convencer e exortar o leitor a assumir um determninado rumo de acção; e ilustrativo, o que procura aumentar a instrução dos leitores, chamando a atnção para questões do quotidiano que costumam passar despercebidas.

            No que toca ao estilo, podemos estar perante um editorial intelectual quando este apela à razão dos seus leitores, convidando-os a raciocinar e a seguirem uma determinada linha de argumentação;  e emocional, quando apela à sensibilidade do leitor, procurando tocar os seus instintos, crenças e sentimentos mais arreigados, de uma forma emotiva e não totalmente racional.

 

5.4. Reportagem

            A reportagem é o género jornalístico mais nobre, havendo até quem o considere sublime e literariamente privilegiado. Tal como na notícia, o propósito da reportagem é informar os seus leitores sobre algum tipo de acontecimento — a diferença é que a reportagem adopta uma estrutura diferenciada da notícia, procurando tratar o assunto exaustivamente, segundo o ponto de vista adoptado, e em profundidade.

            Neste género de texto, o jornalista investe habitualmente muito mais tempo e recursos que na realização de uma simples notícia. Como se trata de reproduzir um assunto em profundidade, ele deverá ser cuidadosamente investigado, sendo objecto de cuidados diferenciados na apresentação.

            A reportagem já não é uma notícia do tipo hard news mas uma prosa de grande fôlego que conta uma história com o máximo de pormenores possíveis, incluindo muitas notas de cor local, procurando levar os leitores o mais próximo possível do acontecimento, como se eles próprios o pudessem estar também a viver.

            É evidente que pelas suas características as reportagens pedem títulos apelativos, leads retardados, e não se conformam à técnica da pirâmide invertida; antes são possíveis vários tipos de construção, entre os quais se contam a pirâmide normal, o encadeamento de pirâmides invertidas ou, até, pirâmide nenhuma. Tudo dependerá do talento e inspiração de quem a redige.

            A reportagem supõe sempre a recolha de informação in loco por parte do jornalista — não se fazem reportagens pelo telefone —­, permanece presa aos factos e não admite nem a intromissão da opinião de quem escreve[25], nem que o jornalista se tome de liberdades poéticas relativamente aos acontecimentos.

            Pelas suas caractrísticas a reportagem é um trabalho normalmente preparado com certa antecedência nas redacções. . É durante esta fase de preparação que o jornalista decide, em conjunto com editores e chefias, o tema do trabalho, o ângulo de abordagem a utilizar, e ainda os passos que deverão ser seguidos durante a realização do trabalho de campo.  Significa isto que a reportagem já está praticamente fechada ainda antes do jornalista pôr o pé fora da Redacção? É evidente que não. A observação directa e a recolha de dados desempenham um papel fundamental na execução da reportagem, e são estes que ditarão essencialmente o seu carácter.

            Por outro lado, ideias claras àcerca do tema e do ângulo de abordagem não significam de modo algum que o jornalista quando sai em reportagem se prive da frescura do olhar fenomenológico. Pelo contrário, por mais difícil que isso possa parecer, os dois aspectos deverão ser conjugados: ângulo pré-definido e saber olhar para tudo como se tudo fosse novo, como se fosse a primeira vez que tais coisas são olhadas. Em caso de conflito insanável entre as previsões e o real, este último aspecto toma sempre a dianteira dos acontecimentos, sendo que o ângulo de abordagem do trabalho deverá, muito simplesmente, ser alterado em função dos novos dados.

            Daniel Ricardo deixa alguns conselhos preciosos ao jornalista que se encontra a recolher informação para uma reportagem. “Tente interessar-se, tão profundamente quanto possível, pelo tema da reportagem. Não receie embrenhar-se na história. Se for caso disso, meta-se na pele dos protagonistas, para compreender as razões que os levam a agir de uma forma e não de outra, a emocionar-se, a sentir necessidade de esconder ou, pelo contrário, explicar os seus actos. Mas não se deixe enredar pelos acontecimentos ao ponto de confundir a realidade com a fantasia. Nem tome partido. E recuse o maniqueísmo. Registe, com fidelidade, as declarações de quem entrevistar, e ao tomar notas, esforce-se por reproduzir, objectivamente, os factos que presenciou”[26].

 

5.5. Fotojornalismo

            As fotografias que acompanham os textos de um jornal são de importância extrema - estudos realizados sobre esta matéria provam que, depois dos títulos e antetítulos, as fotos e respectivas legendas são a segunda coisa a que a esmagadora maioria dos leitores atentam no jornal.

            Além de cumprirem propósitos estéticos, como embelezar as páginas, cortar a monotonia dos extensos blocos de texto, afirmando-se pela sua qualidade e beleza intrínseca, as fotografias devem ser jornalisticamente relevantes, isto é, estarem relacionadas com o acontecimento que ilustram, provando-o, comentando-o, ou revelando perspectivas novas àcerca dele.

            Uma boa foto fala por si (“vale mil palavras” - como é lugar comum dizer-se). Confirma, comprova, verifica os dados apresentados na notícia; e, se bem conseguida, deverá ser um objecto com valor estético autónomo.

            Daqui se depreende que a reportagem fotográfica é uma missão altamente especializada: exige apurados conhecimentos técnicos: focagem, enquadramento, medições de luz, velocidade de obturação — decisões que têm de ser tomadas num piscar de olhos; e ainda um elevado sentido jornalístico: escolher a melhor imagem possível para ilustrar um acontecimento.

            A fotografia jornalística não é uma chapa que se insere no jornal para ocupar espaço; prima pela oportunidade e saberá captar o acontecimento que ilustra de forma nítida e expressiva. O repórter fotográfico como que borboleteia à volta do acontecimento, captando imagens vívidas e reais do mesmo. Tal significa, entre outras coisas, que não fará — como nos álbuns de família ou casamentos — fotos de pose; nem pedirá aos entrevistados que deixem de falar ou fazer o que quer que estejam a fazer para serem fotografados, porque isso elimina de imediato a espontaneidade e expressividade que deve pautar o seu trabalho.

            Por todas estas razões a reportagem fotográfica é de vital importância no jornal, e o fotógrafo um jornalista com carteira profissional que se dedica a uma tarefa altamente especializada, que exige talento e dedicação, e não um bate chapas. Não basta carregar num botão para produzir uma reportagem fotográfica: há que ter conhecimentos técnicos, sensibilidade e formação intelectual para fazê-lo.

            Regra geral o repórter fotográfico, depois de executados os serviços do dia, procede à revelação das suas próprias fotos no laboratório fotográfico para esse efeito instalado na redacção, selecciona as melhores e entrega-as ao editor ou jornalista competente na matéria. Isto aplicava-se a todos os trabalhos fotográficos produzidos no jornal, exceptuando-se por vezes as fotografia a cor, que poderiam ser reveladas em laboratórios exteriores à empresa - já que esse trabalho não é, como no caso do preto e branco, manual.

            Agora, bem recentemente, uma nova modalidade de fotografia fez a sua aparição no mercado: a foto digital, que tende, se bem que não em exclusivo, a ser cada vez mais utilizada.

            As vantagens são imensas: dispensa-se o complexo processo de revelação e impressão, poupando muito tempo; e é possível — em Portugal já há jornais que o praticam — enviar imagens de um acontecimento para a redacção ainda durante o decurso do mesmo da forma mais simples: através de um computador portátil ligado a um telemóvel.

            A fotografia digital também veio revolucionar o trabalho dos correspondentes do jornal, permitindo o envio através de e-mail das fotos produzidas, e dispensando o complicado e moroso esquema das tarifas, que era a forma tradicional de fazer chegar imagens — rolos ou fotos — ao jornal.

            Mas nem tudo são vantagens, como reconhecem os profissionais do ramo. As máquinas fotográficas digitais ainda são menos sofisticadas que as tradicionais, e ainda estão bem longe de oferecer o potencial de uma máquina tradicional em lentes, possibilidades e efeitos relativamente ao produto final.

            Neste sentido, são limitadoras do conteúdo e qualidade do produto apresentado ­— há preciosismos que pura e simplesmente ainda não podem ser feitos com uma máquina digital. Mas é quase certo que a evolução tecnológica venha a suprir estas — por ora — desvantagens da câmara digital, e não faltam indicadores nesse sentido. A mítica marca que máquinas fotográficas Leica  acaba de dar um sinal inequívoco disso mesmo, lançando no mercado a sua primeira câmara digital. Indício de que, mesmo apresentando uma qualidade mais reduzida, a indústria já percebeu que nesta  corrida ainda a procissão vai no adro.

            Uma palavra ainda sobre a paginação das fotografias: apesar da total liberdade de que os editores devem gozar na colocação das fotos numa página - tentando simplesmente não desperdiçar o potencial de uma boa imagem, e produzir páginas visualmente atraentes —­ uma regra deve ser seguida: as fotografias, em relação ao espaço delimitado do jornal, não devem ser colocada de forma a que os seus elementos pareçam estar a cair da página.

            Significa, muito simplesmente, que a foto não pode ter pessoas ou coisas a olharem ou dirigirem-se para fora da página - como se estivessem ansiosos por fugir dela, prontos a saltar a qualquer momento. A foto poderá ser delimitada por uma coluna de texto, ou voltada para o corpo de peça, como forma de evitar este defeito. Há muitas fotografia, que pela página onde vão ser colocadas, e pela paginação escolhida, provocam inevitavelmente este efeito. Quando tal ocorra, depois de digitalizada, a foto deverá muito simplesmente ser invertida.

 

 

5.6. A legenda

            As legendas são pequeníssimos textos, normalmente apenas uma frase, colocados na base inferior da fotografia; à qual fazem referência, ilustrando, explicando ou simplesmente chamando a atenção para os aspectos mais interessantes da imagem. O carácter da legenda  é eminentemente informativo, ou deverá conter traços disso. Ela comenta e contextualiza determinado objecto gráfico, fornecendo precisões que, por vezes, é impossível à imagem comunicar por si só.

            Depois de oito horas de negociação ininterrupta, Guterres encontrava-se visivelmente cansado”.  A foto que acompanha tal legenda mostra de facto um Guterres com olheiras, e visivelmente abalado pelo cansaço. Agora o que a foto não mostra, e aos leitores seria impossível descobri-lo de outra forma que não através da legenda, é que Guterres, às 19 horas de um determinado dia, estava cansado depois de oito horas de trabalho seguido. A mesma imagem poderia ter sido captada durante o mesmo acontecimento, mas às nove horas da manhã, antes do início dos trabalhos, apresentando um Guterres igualmente cansado e olheirento devido a uma noitada numa discoteca local.

            Por isso as legendas fazem justiça aos acontecimentos e imagens, explicando-os, contextualizando-os, e ajudando o leitor a descobrir o real significado da imagem, significado esse que, de outra forma, lhe poderia passar despercebido. 

            Nada é absolutamente óbvio, por mais que assim nos possa parecer. Neste sentido, no Urbi et Orbi, mesmo uma fotografia do reitor Santos Silva, personagem sobejamente conhecida da maioria dos leitores, que integram a comunidade académica que a UBI é, deverá ser legendada. É que um jornal chega a sítios que aqueles que o produzem jamais poderão prever, é lido, perto ou longe, por pessoas com as mais diversas formações e interesses; e muitos desses, encontrando tal foto sem legenda, interrogar-se-iam justamente: “Mas afinal quem é este senhor?”

            Poderá argumentar-se que as legendas são, por vezes, desnecessárias ou redundantes, porque as peças, o corpo do texto, ilustram perfeitamente aquilo de que a foto fala, mas nem este argumento colhe. Ainda que tal suceda, nem todos os leitores irão de facto ler a peça. Muitos ficam pelos títulos e imagens, saltando imediatamente para o texto seguinte. Por isso a foto e respectiva legenda deverão sempre funcionar como uma unidade significativa autónoma; que pode depois ser associada ao texto que acompanha.

            Exceptuam-se, na legendagem, as fotografias da primeira página, que são acompanhadas de pequenos textos funcionando eles próprios como legendas; e as fotos de colunistas e cronistas de opinião, que em todos os números acompanham os seus escritos. Todas as outras, deverão ser legendadas.

 

5.7. Faits-divers

            Como o próprio nome indica, faits-divers são pequenas notícias de temática muito diversificada que relatam aspectos curiosos do quotidiano. Incluem-se nesta categoria os roubos, os acidentes, as coincidências, os casos de polícia, e, regra geral, todo o facto suficientemente curioso, ou pela sua originalidade ou pelas coincidências que envolve, susceptível de gerar uma notícia.

            O faits-divers, embora retenha traços informativos e uma ligação estreita com o real, não é propriamente uma notícia. Os factos descritos são-no por serem aberrantes, extraordinários, curiosos, exemplares, e não pelo seu carácter estritamente informativo. O faits-divers é a pequena notícia de interesse humano exemplar que apela ao lado voyeur e um pouco mórbido de todos os leitores.

            O faits-divers é assim o pequeno facto curioso que funciona como uma unidade fechada e praticamente se basta a si próprio. O interesse destas pequenas notícias encontra-se muito mais ligado ao seu aspecto exemplar e arquetípico, que propriamente ao facto de terem ocorrido ao Sr. B às tantas horas de determinado dia.

            O que caracteriza assim os faits-divers é a originalidade, enquanto a sua inserção no jornal serve fundamentalmente para distrair e desanuviar os leitores. “De uma maneira geral, considera-se que se caracterizam pela originalidade os factos raros, insólitos, extravagantes ou, simplesmente, burlescos. São os chamados faits-divers, a partir dos quais se elaboram as notícias de distracção”.[27]

 

5.8. Opinião

            A opinião é um texto no qual o seu autor exprime pontos de vista subjectivos relativamente a assuntos que, por qualquer razão, despertaram o seu interesse. A amplitude dos estilos e temáticas ao fazer opinião varia muito, podendo ir desde o texto leve e bem humorado sobre os costumes, ou a falta deles, até à análise dura e rigorosa de acontecimentos, relacionando factoa aparentemente díspares e deles retirando deduções e conclusões.

            Tanto no estilo mais ligeiro como no mais lógico e silogístico o objectivo de quem faz opinião continua a ser o mesmo: afirmar determinadas posições pessoais, aduzindo argumentos a esse favor; e levar os outros a aderirem a tais teses ou conclusões.

            A opinião distingue-se muito claramente da notícia porque não serve para fornecer informações novas, ou dar notícias. O seu objectivo é lançar o debate, e esclarecer o público. Por outro lado, através da utilização das capacidades de análise do opinante, muitas vezes tais textos procuram chamar a atenção para determinados aspectos das notícias que tendem a passar despercebidos, e que não podem, pela sua natureza, ser tratados na própria notícia.

            Os textos de opinião são pessoais e inteiramente subjectivos, mas também trazem em si uma pretensão de validade se não universal, pelo menos intersubjectivamente alargada. Quem escreve opinião está ciente da parcialidade das suas posições, mas simultaneamente, admite e deseja que estas sejam partilhadas e adoptadas por um grande número de receptores dessa opinião — é esse o sentido da argumentação: converter, convencer, arregimentar.

            Quase não há regras para escrever um bom texto de opinião, e já vimos que quer quanto à forma quer quanto à temática os textos podem variar muitíssimo. Uma coisa porém convém ter em mente: quem a escreve deve ter algo importante para dizer aos leitores do jornal, e não deve contentar-se com grafar um chouriço por esse ser, de todos, o género mais fácil de manipular e falsificar, ao prescindir de investigação e entrevista. De resto as opiniões valem o que vale quem as enuncia, e os critérios editoriais da publicação deverão, evidentemente, ter isso em conta.

 

5.9. Crónica

            A crónica é um género que é habitual amalgamar ou confundir com a opinião. As razões são várias, sendo que a mais importante é que cronistas e opinion makers praticam por vezes indistintamente as duas modalidades, em rubricas que recebem sempre o mesmo nome. Por outro lado, textos há que estão no limite entre um e outro género, e são eles próprios difíceis de classificar.

            Regra geral a crónica é um texto que, fazendo apelo à imaginação e às potencialidades estéticas da linguagem, conta uma história ou debruça-se sobre factos curiosos do quotidiano. Já não é um texto que obedeça a um rigoroso encadeamento lógico, nem tem propósitos proselitistas — as crónicas só muito raramente exprimem opiniões ou têm por fim convencer um auditório. São normalmente textos de leitura leve e agradável, sem pretensões a grandes consequências políticas.

            Outra diferença fundamental entre opinião e crónica é que ao passo que a primeira utiliza sempre dados solidamente ancorados no real — pois visa informar, embora não ex novo, e convencer — a crónica apenas toma o real como pretexto, permitindo-se liberdades poéticas, criadora e imaginativas que não são toleradas em nenhum outro género.

            Praticamente não há regras para realizar uma crónica, e todavia um bom leitor reconhece imediatamente a preseça de uma boa crónica: ela prende-o, propõe, sugere, diverte e é fonte de prazer e estímulo intelectual.

 

 

5.10. Entrevista

            A entrevista é o género básico de toda a praxis jornalística. Em sentido lato, entrevista denomina todos os contactos com uma fonte que são efectuados pelo jornalista durante o processo de recolha de informações. Significa isto que é a entrevista que fornece a matéria prima — os dados e informações — para quase todos os géneros jornalísticos: da notícia à legenmda, ou opinião ou reportagem.

            Mas entrevista pode também ser entendida num sentido técnico mais restrito, quando designa o género jornalístico autónomo conhecido como entrevista pergunta-resposta. Tratam-se das grandes entrevistas de fundo a uma personagem que são publicadas no jornal em forma de pergunta-resposta, ao invés de sofrerem uma composição ou arranjo, como sucede na notícia ou reportagem.

            Regra geral, para este tipo de trabalho, em que há a preocupação de ser minuciosamente fiel, o entrevistador socorre-se não apenas do seu bloco de notas, mas também de um gravador. Por outro lado, a própria entrevista foi cuidadosamente preparada com a antecedência devida, já que neste género as questões a colocar ao entrevistado têm de ser certeiras e pertinentes, e se o não forem, tais falhas, na passagem à forma escrita, tornar-se-ão evidentes aos olhos de todos os leitores.

            O número de vezes que o jornal recorre a este género jornalístio depende do seu tipo de público, do estilo da publicação e da sua área de influência.  Todavia a entrevista pergunta-resposta deve ser utilizada com parcimónia e só se justifica quando o tema abordado, ou o perfil da personagem entrevistada, fazem parte dos interesses e preocupações já estabelecidas dos leitores. Isto é, trata-se de um recurso de que convém não abusar, que só deverá ser utilizado quando for, por uma razão ou outra, verdadeiramente oportuno. Quando não o resultado são duas ou mais páginas sem graça, cheias de densa prosa em que nenhum leitor se atreveria a tocar.

            A entrevista de pergunta-resposta deverá ser acompanhada por um lead, que pode explicar a oportunidade do trabalho, ou aspectos mais marcantes da própria entrevista; e ainda fornecer uma nota do tom e cor locais, fazeno referência ao ambiente e ao estado de espírito dos participantes enquanto decorria o trabalho.  

 

 

5.11. Fotolegenda

            É discutível se a fotolegenda constitui propriamente um género, ou se é simplesmente o resultado do amalgamar de todas as técnicas anteriores, com especial ênfase para as utilizadas na crónica e faits-divers.

            Por fotolegenda entende-se aqui uma fotografia, sem título, comentada por um pequeno texto que se lhe segue imediatamente, e que não constitui uma notícia no sentido estrito do termo. Trata-se, normalmente, de aproveitar a felicidade de um apontamento fotográfico, destacando esse elemento ao publicá-lo separadamente acompanhado de um comentário.

            Muitas podem ser as motivações e o teor das fotolegendas. Consoante o material em apreço produzir-se-ão textos sérios, comoventes, ternos, rigorosos, exortativos, humorísticos, irónicos, surpreendidos... Sendo que o género que se tem vindo a tornar mais comum na imprensa portuguesa é o que dela se serve para chamar a atenção para um facto ou acontecimento pouco natural, exortando os responsáveis a procurarem-lhe uma solução: o semáforo avariado, o buraco na estrada, as obras com falta de segurança... ou ainda o tipo de notícia que serve de pequeno agrado ao herói local:  o padre que trabalha na recuperação de toxicodependentes, o homem que tem 35 filhos, o bombeiro que salvou uma criança da casa em chamas. Enfim, os temas e os motivos da fotolegenda são infinitos, sendo este um género que pelo seu aspecto gráfico e concisão quebra a monotonia das extensas notícias atraindo sempre um elevado número de leitores.

 



[21]. In Beltrão, Luiz, 1980, Jornalismo Opinativo, Ed. Sulina, Porto Alegre, Brasil, p. 60..

[22]. Piedrahita, Manuel, 1993, Periodismo Moderno - Historia, Perspectivas y Tendencias, Editorial Paraninfo, Madrid, p. 60.

[23]. Santo Agostinho, De doctrina christiana, Obras Completas de Santo Agostinho, vol. XV, BAC - Biblioteca de Autores Cristianos, La Editorial Catolica, Madrid, p. 129.

[24]. Ibidem, p. 58 e ss.

[25]. É extraordinariamente discutível, este  ponto. Muito mais que na notícia, na reportagem podem ser perfeitamente sensíveis opiniões e valorações de fundo do jornalista, especialmente na forma como constrói a descrição das personagens ou descreve o local onde decorrem os acontecimentos. No interior da própria reportagem há-as mais e menos opinativas, mas este é sem dúvida o género onde todas as dificuldades objectividade versus subjectividade se tornam sensíveis. Pode ainda assim utilizar--se o primeiro destes conceitos no sentido em que a reportagem permanece presa aos acontecimentos e ambientes que a motivaram, o que não sucede na fábula, novela ou conto. Isto é, há respeitar os factos, e há violentá-los, levando-os a dizer aquilo que, claramente, não dizem.

[26]. In Daniel Ricardo, op.cit., p. 46.

[27]. In Daniel Ricardo, op. cit. p. 14.