Manual de Jornalismo

Anabela Gradim, Universidade da Beira Interior

Maio de 2000

1º de 6 ficheiros

(2/6, 3/6, 4/6, 5/6,6/6)

 

1. O papel do jornal; 2. O papel do jornalista;  3. Organização da Redacção; 3.1. A Direcção; 3.2. A Sub-direcção; 3.3. O Conselho Editorial; 3.4. A Chefia de Redacção; 3.5. Editores de Área ou Secção; 3.6. Redactores; 3.7. Colaboradores; 3.8. Colunistas; 3.9. Secretaria de Redacção; 3.10. Arquivo

 

Introdução

            O presente trabalho começou por ser a modesta proposta de uma folha (ou poucas mais) de estilo para aplicar ao Urbi et Orbi, o jornal digital do Curso de Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior. Rapidamente se revelou, porém, que uma mera folha de estilo seria insuficiente para os propósitos a atingir, e este trabalho acabou por miscigenar essas características com as de um manual de jornalismo.

            Porquê? São suficientes nos jornais as folhas ou livros de estilo porque os jovens estagiários que os integram são imediatamente socializados, por jornalistas mais experientes, nas práticas comuns à profissão e na cultura da empresa. Ora no Urbi, que ainda se está fazendo, não existe nem este cimento ideológico, nem um cabedal de experiência acumulado, uma cultura própria,  que pudesse ser distribuido equitativamente pelos recém-chegados — todos o são.

            Por outro lado, constata-se que uma boa parte dos jovens formados na UBI têm sido integrados em órgãos de imprensa regional, onde constituem — apesar da sua falta de experiência — o capital humano com maior formação aí presente. Muitos arcam, dentro desses órgãos, com tremendas responsabilidades; outros  estão por conta própria, não dispondo de quem os oriente enquanto dão os primeiros passos na tarimba. Este texto foi escrito também a pensar nesses percursos.

            Ao arrepio dos tempos, este é um manual extremamente conservador, tanto na forma de encarar a imprensa e o seu papel, como na ideologia e propostas deontológicas implícitas e explícitas ao longo do texto. Há lugar para tal numa altura em que os media estão debaixo de fogo, e a concorrência e espectacularização das notícias têm propiciado práticas de natureza duvidosa. A ratio de publicações recentes sobre o tema bem o demonstra: por cada dúzia de obras de filosofia, epistemologia, análise, desconstrução, e literacia dos media, há uma sobre como fazer jornalismo. Ora a crítica cerrada pode ter efeitos perversos, do cepticismo desencantado, síndroma de impotência, ao leilão dos princípios em proveito próprio. Em face a isto, há que optar.

            Faz sentido nos dias que correm formar jovens por um figurino que nos Estados Unidos já data de meados do século que passou?

            Muitas vezes a lógica das empresas não se compadece com atitudes quixotescas, é certo. Mas não há nenhuma em que a seriedade, o talento, a competência e o rigor não sejam valorizados. Isto parte de uma visão extremamente optimista. Em Portugal, felizmente, a imprensa está de boa saúde e recomenda-se. Consequentemente, as pressões sobre os jornalistas, internas e externas, não são tantas nem tão fortes assim. Manifestam-se, a maioria das vezes, por uma sub-reptícia forma de contornar obstáculos: através de uma uma eficiente gestão de recursos humanos, a qual se socorre de profissionais com determinada sensibilidade quando esta é a pretendida[1]. Mil flores floresçam pois. Em jornalismo, como em tudo na vida, as primeiras experiências e impressões são as que mais profundamente marcam, e poderão ditar toda a praxis futura. Para um profissional, uma postura eminentemente conservadora como a aqui perfilhada é, creio-o, preferível a qualquer outra.

 

Ý  1. O papel do Jornal

 

 

O jornal serve para informar os seus leitores, podendo constituir, subsidiariamente, uma fonte de distracção e entertenimento.

Se a função do jornal é informar os seus leitores, tal significa, em primeiro lugar, que a coisa mais importante do jornal, a única coisa importante, são as suas notícias. Não são, pois, os jornalistas, as emoções dos jornalistas, os perigos que correu, as batalhas que travou, bem como a sua pequena sede de fama e estrelato, assuntos que mereçam ser noticiados. O jornalista não é notícia, não é a notícia, e, pese embora a crescente pressão motivada por uma concorrência feroz entre os media, não deve nunca confundir-se com ela.

Sendo o jornal uma empresa que produz e divulga notícias, não pode servir interesses criados, nem outros interesses que o seu interesse de informar. O jornal não serve para dar cumprimentos, tecer loas, promover partidos, personalidades ou ideais, ganhar eleições, forjar mitos, arregimentar hostes ou empreender guerras santas. Nem o inverso. O jornal não serve para desacreditar pessoas ou instituições, pagar favores, perseguir inimigos, encetar campanhas, comprometer-se com acções de propaganda ou servir de trampolim para se atingirem fins velados de natureza pessoal.

A única coisa que o jornal faz, de forma rigorosa e fundamentada, é divulgar factos actuais de interesse geral – as notícias. Se, eventualmente, tais factos desacreditam ou abonam a favor de pessoas ou instituições, é algo que cumpre aos leitores concluir a partir da leitura dos tais factos que o jornal noticia.

Mas nem só. O jornal também veicula análises e opiniões. Algumas, como os editoriais, da responsabilidade do director, ou os artigos de opinião não assinados, comprometem e obrigam todo o corpo redactorial. Outras, da responsabilidade de jornalistas individualmente identificados, colaboradores ou colunistas, exprimem os pontos de vista e as apreciações subjectivas dos factos que são feitas pelos seus autores.

Entende-se como parte fundamental do serviço prestado por um jornal o contributo que este presta para a análise dos acontecimentos, o esclarecimento e a formação dos seus leitores. E por isso a opinião não é parente pobre da informação, nem vice-versa. São produtos diferentes, que visam objectivos diferentes e possuem igual estatuto e dignidade.

Com a publicação de textos de opinião visa-se proporcionar aos leitores análises e perspectivas diversificadas sobre factos de relevância social, contribuindo para a sua formação e para um alargamento, através da análise de colunistas credíveis e experientes, da percepção que estes têm dos fenómenos. Os artigos de opinião, que podem ser polémicos, servem ainda para lançar o debate público sobre as questões que abordam, promovendo o diálogo e o intercâmbio de ideias, e são por isso fundamentais à democracia e ao exercício de uma cidadania consciente e responsável. Aprende-se sempre com um bom colunista, goste-se ou não dos seus textos e opiniões.

Daqui se depreende que o Urbi et Orbi acolherá nas suas colunas o mais amplo leque possível de opiniões, e velará pela rigorosa separação destas dos conteúdos noticiosos. Assim sendo, e em conformidade com o seu estatuto editorial, o jornal está aberto à participação da comunidade onde se insere, e acolherá de igual forma, sem prejuízo dos critérios editoriais, opiniões diversificadas – sendo que tal pluralismo é considerado desejável por contribuir para o debate público.

Todavia, tal não significa que toda a opinião caiba num jornal. Todos os dias, em todos os jornais, por dificuldades de expressão, deficiência de forma ou irrelevância dos conteúdos muitos textos acabam por ser rejeitados. Rejeitados liminarmente serão também os que visem servir interesses velados dos seus autores; contenham acusações sem provas; expressões desprimorosas; incitamento à violência ou à discriminação racial, sexual, religiosa ou outra; e ainda aqueles que defendam a subversão da ordem democrática ou incitem à prática de quaisquer outros crimes.

O Urbi et Orbi também defende a rigorosa separação entre notícias – que se baseiam em factos - e opinião – que se baseia em impressões subjectivas filtradas pela personalidade, crenças e formação cultural de quem analisa os factos. Nas notícias, não se misturam ou imiscuem as opiniões dos redactores. Mas também não se castram jornalistas. Isso será bom na ópera ou no harém, não no jornal. Se o jornalista sentir necessidade imperiosa de dar a sua opinião, poderá fazê-lo num comentário àparte identificado como tal.

Em conformidade, nenhum texto noticioso incluirá, velada ou abertamente, manifestações da opinião do seu autor; e todos os textos de opinião deverão ser claramente identificados como tal, de forma a que não possa, quanto a isso, subsistir a mínima dúvida no espírito de um leitor. Sempre que um texto, relativamente a este aspecto, não é identificado, é porque se trata de um trabalho noticioso.

Excepções justificadas a tais princípios são tão extraordinariamente raras que nem deverão ser tomadas em linha de conta na definição dos critérios gerais que regem um jornal. Mas já aconteceram entre nós. Tome-se o recente caso do referendo sobre a independência de Timor Leste, e da campanha que os portugueses, media incluídos, encetaram pela intervenção de uma força multinacional de paz no território. Não há ainda estudos sobre o material noticioso produzido durante os dias que antecederam a entrada da força multinacional em Timor Loro Sae, mas a havê-los mostrariam que o risco foi intencionalmente pisado, porque a questão se transformara em desígnio supra-nacional. Em tal caso os jornais faziam eco do sentir da generalidade, senão totalidade, da população portuguesa. E também não podem demitir-se das suas responsabilidades sociais.

Aqui chegados não pode deixar de se abordar a questão da objectividade jornalística.  1 É impossível não a postular quando se pretende fazer informação; e postulá-la não como intenção pia, mas conferindo-lhe um conteúdo concreto. Objectividade significa realismo à boa maneira aristotélica: há o mundo, há factos e acções que ocorrem nesse mundo, e é possível descrevê-los, inventariando o máximo de determinações possíveis de tais factos.  2

As notícias não são espelhos rígidos e fiéis dos fenómenos, mas construções metonímicas que se desenvolvem segundo formas de produção ritualizadas e passam por patamares diversos de selecção: das secretarias aos editores e chefias, passando pelos olhos, preconceitos, crenças e formação cultural dos jornalistas, para, no limite, produto pronto, terem de competir em visibilidade com todas as outras notícias do dia, submetendo-se ao espaço limitado do jornal, onde um anúncio de última hora pode significar peça no cesto dos papéis.

A crítica da objectividade só será positiva no sentido em que despertar os jornalistas para o plano da reflexão metodológica. Não pode ser esgrimida como arma de arremesso contra milhares de profissionais que todos os dias, com riscos e sacrifícios pessoais, produzem as notícias que nos chegam; nem, pior ainda, como esteio do vale tudo no big show news.  3 A obscenidade pós-moderna de declarar que o mercado seleccionará os deontologicamente mais aptos não passa disso mesmo ­-- uma obscenidade.

Objectividade significa que, com todos os condicionalismos subjacentes à actividade de informar, é possível produzir informação que relata de forma rigorosa e isenta os acontecimentos que tem por base. A própria multiplicação das instâncias de selecção de notícias pode ser entendida não como condição restritiva mas como garante dessa objectividade. Numa redacção de dimensões razoáveis, dez gatekeepers, com toda a aleatoriedade, e mesmo erros, que o seu trabalho possa comportar, asseguram que é impossível a um só manipular determinada informação, o ângulo como a notícia será dada e o espaço que ocupa no jornal, na primeira página, e nas preocupações dos leitores. O processo, se multiplicado por vinte Redacções de dimensões razoáveis assegura que podemos esperar obter uma representação estatisticamente fidedigna dos acontecimentos mais importantes da véspera quando lemos o jornal da manhã. Só isto. Mas já basta para nenhum profissional poder esperar demitir-se de cumprir conscienciosamente a sua função. E defender ciosamente o seu direito a fazê-lo.

É evidente que atingir que uma objectividade propriamente científica quando se pratica a actividade de informar, ou esperar obter uma fundamentação de tipo transcendental da mesma, é impossível. Acusações de ingenuidade epistemológica - elas são sempre possíveis e, se se recuar o suficiente em busca de uma fundamentação, “irrespondíveis” - não podem todavia abalar a boa fé e firmeza de quem tenta informar. A objectividade em informação - como de resto em muitas outras actividades - existe como princípio regulador para o qual se deve tender, que se tentará respeitar, e em torno do qual urge estar vigilante, procurando constantemente aperfeiçoar os procedimentos utilizados.

A reflexão sobre os procedimentos é tanto mais importante quanto esta é também uma profissão de grande exposição pública e pressão constante. O jornalista pode passar 20 anos a construir uma reputação e perdê-la em 20 segundos ao noticiar uma mentira ou cometer um erro grave. Cuidado, rigor, e o cumprimento estrito dos procedimentos deontológicos são a única forma de prevenir tais riscos.

Um jornalista também deve ter sempre presente, e não deixar que isso abale a sua capacidade de decidir como e em que circunstâncias informar, que quando se noticiam situações em que há interesses em conflito agradar a gregos e troianos é impossível - e mesmo, agradar, as mais das vezes, não é sequer desejável. Se tal suceder, constitui pelo menos razão para rever os procedimentos e opções tomadas, ainda que para concluir que foram adequados.

A escolha de um facto potencialmente noticiável, a disposição de notícias numa página ou a selecção dos temas da primeira supõem opinião. Mas a única opinião que devem supor é a de que, para quem efectuou tal selecção, esses foram os factos mais importantes de entre o conjunto dos que nesse dia chegaram à Redacção. Para determinar o que são “factos importantes”, jornalisticamente relevantes e potencialmente noticiáveis utilizam-se critérios de avaliação que passam pela proximidade, relevância, estranheza ou importância do acontecimento. Manuel Piedrahita  4 sistematizou-os da seguinte forma:

Proximidade – um facto será ou não notícia consoante ocorreu numa zona mais ou menos próxima da área de influência do jornal. Para um diário português, trinta mortos numa avalanche no Nepal são menos importantes do que um, nas mesmas circunstâncias, na Serra da Estrela. A morte de um pedreiro por queda de um andaime em Madrid é um facto sem significado para os leitores lisboetas, mas não o será se o acidente ocorrer nas obras da ponte sobre o Tejo. A proximidade é um valor relativo à dimensão e localização do jornal que relata o acontecimento. Por isso, acrescenta Ricardo Cardet  5, “deve considerar-se igualmente notícia a chegada do primeiro homem à Lua, a morte de um vizinho muito estimado numa aldeia, o falecimento de um Papa, o assassínio, por soldados americanos, de uma mulher na Indochina, ou o massacre da população de uma aldeia angolana por mercenários.(...) Geograficamente o interesse geral da notícia expande-se como as ondas na água: são intensas no lugar onde se produzem e tornam-se mais débeis à medida que se afastam. Se atirarmos uma pedra num lago tranquilo, veremos o gráfico desta comparação”.

Importância – este princípio resume-se ao seguinte: as pessoas importantes são sempre notícia. Os leitores estão muito mais interessados no que sucede às figuras importantes do que ao homem de rua. É irrelevante se o sr. Silva, que é cleptómano, for apanhado shoplifting num supermercado; mas já não o será se o protagonista da história for o ministro da Finanças, um conhecido banqueiro, ou o herdeiro de uma das coroas europeias. Para o bem – Tony Blair vai ser pai do quarto filho – e para o mal. Neste último caso, diz Piedrahita, os leitores sentem uma espécie de regozijo democrático ao comprovar que as pessoas importantes não aparecem só nos jornais para fazerem propaganda a si próprias.

Polémica – a polémica jornalística é um foco de atracção dos leitores. Deve ser gerida com cautela, para não descambar no insulto, mas quando bem fundamentada é socialmente útil.

Estranheza – o estranho, o insólito, bizarro, surpreendente, é sempre notícia porque atrai os leitores.

Emoção – o interesse humano, as histórias que lidam com os sentimentos e emoções dos homens: grandes feitos, extraordinária coragem, sexo, corrupção, miséria, ascensões ou quedas vertiginosas na escala social, possuem um poder de atracção quase irresistível sobre os leitores. Eros e Tanatos, resumiria Freud a história das grandes emoções humanas.

Repercussões – uma notícia é importante quando as suas consequências se podem repercutir, a curto, médio ou longo prazo, na vida dos leitores. O crude subiu lá longe na Arábia Saudita? Nada de especial se isso não significar aumentos na gasolina aqui à porta. Parte da arte de avaliar e bem escolher notícias consiste em conseguir prever as consequências que certos factos poderão vir a ter na área de influência do jornal. A recusa do ministro em reforçar as verbas para o funcionamento das universidades jamais será notícia para a Gazeta da Soalheira, mas sê-lo-á nos jornais da Covilhã se estes estiverem atentos.

Agressividade – O jornalismo pode e deve ser agressivo, no sentido de lutar desassombradamente pelos anseios das populações. Não adoptando uma postura servil relativamente aos poderes instituídos, mas antes cultivando a sua independência face a estes – a voz do povo ao ouvido do monarca, e não a voz do dono.

Na mente de todo o editor, quando decide do destaque a dar a determinada matéria, devem ser formuladas, concomitantemente, as seguintes questões: É importante? Afectará a maioria dos leitores? É interessante? É nova? Ocorreu longe ou perto? É verdadeira? É exclusiva? Está de acordo com a política editorial do jornal? – Quanto mais forte for a notícia em cada um destes critérios, mais probabilidades terá de ser noticiada.

Nuno Crato  6 considera como núcleo duro da selecção de um acontecimento noticiável os critérios da actualidade, significado, e interesse, sendo que o ênfase com que os jornais ponderam um ou outro destes factores determina o estilo de publicação que produzem.

Actualidade porque ninguém deseja ser informado do que já é público e do conhecimento geral, nem nenhum jornal sobreviverá muito tempo se apresentar como destacada notícia aquilo que todos os outros já disseram há dias atrás.

O significado prende-se com a relevância social de um acontecimento e as consequências que este comporta para a colectividade. A ementa do que comemos hoje ao almoço é certamente actual, pena que absolutamente irrelevante. Crato demonstra que muitas vezes é difícil avaliar o real significado de um acontecimento, mas nenhum jornal pode demitir-se dessa função, nem dar-se ao luxo de, sistematicamente, considerar irrelevante aquilo onde todos os outros vêem factos de importância decisiva.

Interesse reporta-se à apetência do público por certos acontecimentos, e está dependente da formação cultural e expectativas dos leitores, as quais variam de publicação para publicação. Interesse é um critério que não coincide, as mais das vezes, com o significado de um acontecimento, de forma que a maneira como os jornais ponderam o peso relativo de cada um dos critérios nas suas notícias determinará boa parte do carácter da publicação. Nenhum jornal pode alhear-se totalmente do interesse do público, mas também nenhum jornal que se preze poderá deixar-se escravizar por ele.

Crato classifica os jornais, pela análise dos critérios de selecção de notícias, em imprensa informativa quando os três aspectos estão presentes nas notícias; imprensa sensacionalista quando o significado dos acontecimentos é preterido em favor do interesse pelo escandaloso, insólito e fortemente emotivo; e jornalismo de opinião político, aquele que noticia factos da actualidade perspectivados de acordo com determinadas balizas políticas que orientam editorialmente o jornal, e que poderão ser mais ou menos rígidas.

A construção de uma linha editorial não é linear, depende, entre outros factores, de quem lidera e de quem trabalha no jornal, dos objectivos da publicação, da sua área de influência, e do público a que se destina. Certo é que ela implica sempre critérios de valorativos de selecção do material noticioso.

A actividade de selecção é fundamental e inerente ao serviço que os jornais prestam aos seus leitores, e por isso deverá ser desempenhada sem complexos. Ninguém quereria um jornal onde se amontoassem todas as informações que diariamente chegam às redacções – seria um tijolo muito indigesto. As pessoas têm um tempo limitado para despender no consumo de notícias, e desejam ser informadas com rapidez e eficiência. Por isso são absolutamente disparatados os vaticínios de que a internet, enquanto espaço virtualmente infinito de posting de informações poderá extinguir a profissão de jornalista. Procurar aí a informação diária, prescindindo dos jornalistas, seria como ir à maior lixeira de Lisboa tentar encontrar uma agulha e um dedal, e fazê-lo 365 dias por ano. Num mundo onde o volume de informação disponível é cada vez mais difícil de gerir, a profissão de jornalista pode metamorfosear-se, mas não deixará de ser necessária.

Temos pois que a função do jornal é seleccionar e produzir notícias, transmitindo-as de forma fidedigna e objectiva. As notícias são, estruturalmente, tão importantes que não se pode conceber um jornal sem notícias, e no entanto este pode sobreviver, e muitos sobrevivem, por vários números, sem crónica, crítica, editorial, opinião ou reportagem.

Por notícia o dicionário, fantástico barómetro do senso comum, entende “relatório ou informação sobre um acontecimento recente; aquilo que se ouve pela primeira vez; assunto de interesse; conhecimento, informação, resumo, exposição sucinta; breve relação, memória, biografia, escrito sobre qualquer assunto de interesse; nota histórica ou científica; lembrança; recordação; nova, novidade”.

É com base no relato de factos deste tipo, relato esse que pode assumir a forma de qualquer um dos géneros, que os jornais são elaborados. São ingredientes fundamentais da notícia aquilo que é novo ou está oculto e que, ademais, é susceptível de interessar a muitas pessoas.

Anunciar que Pero da Covilhã foi um prócer dos descobrimentos portugueses, não é notícia, é ridículo. Dizer que o Ministério da Saúde escolheu o nome do prócer dos descobrimentos para baptizar o novo hospital da Cova da Beira, isso, porque é novo, já é notícia. As notícias também servem muitas vezes como pretexto para actualizar certas informações. É o caso do jornal que, ao saber que Pero da Covilhã vai de facto dar nome ao novo hospital, aproveita para publicar um dossier aprofundado sobre a personagem, e realizar uma sondagem entre os covilhanenses para apurar, ao certo, quantos sabem quem foi.

Se nem tudo é notícia, porque nem tudo obedece aos critérios da novidade e relevância; paradoxalmente, um bom jornalista também sabe que potencialmente tudo é notícia. Não refiro aqui, sequer, os pseudo-acontecimentos, acontecimentos semi-forjados pelos media devido à falta de notícias, e cuja importância é claramente exagerada; mas, simplesmente, que quase tudo pode ser notícia, dependendo da forma como for perspectivado. Os dias sempre iguais do carteiro ou da operária fabril que tem dois filhos não são ordinariamente notícia – como poderiam? – mas podem constituir um excelente tema da reportagem que aborde a solidão urbana e a condição de vida nas sociedades industrializadas.

O jornalista vive mergulhado na actualidade e tem de estar em sintonia com o público e o ambiente cultural da sua época. Nas Redacções fala-se de “faro jornalístico” para referir esta particular sintonia com os tempos e o talento para descobrir notícias onde outros nada vêem. É um talento tão importante quanto o escrever bem e dominar as técnicas de expressão jornalística. Ducasse sabia como ninguém como manejar a língua francesa, mas vivia enclausurado numa água-furtada, completamente alheio ao que o rodeava, e teria dado um péssimo jornalista.

Jornalismo, na definição do escritor britânico Chesterton, é dizer que Lord Jones morreu a pessoas que nunca souberam que ele estava vivo  7. É que o jornal reflecte a actualidade, mas também a cria, faz a sua própria agenda, e tem a obrigação de trazer para o debate público questões que de outra forma poderiam passar despercebidas. O Governo aprova discretamente novas regras para as deduções do IRS que se vão traduzir num aumento efectivo da carga fiscal? É obrigação do jornal reparar nisso, traduzir a informação em termos que todos compreendam, mostrar quais os mecanismos que conduzirão ao aumento da carga fiscal, e confrontar os responsáveis com essas questões.

O jornal veicula notícias, mas é também uma fonte de cultura, entertenimento e prazer para os seus leitores. As pessoas procuram o jornal para estarem informadas do que se passa no mundo, no país e na sua aldeia. Mas não só. Quase todos os jornais admitem como parte da sua função esta vertente de entertenimento e por isso publicam nas últimas páginas passatempos diversos, como palavras cruzadas, horóscopos, folhetins e vinhetas de banda desenhada.

Produzem também material informativo que, não obstante, se lê com outros fins que não exclusivamente o de estar informado. É o caso da grande reportagem, entendida enquanto género literário, e cujo conteúdo noticioso estrito se poderia reduzir a dois parágrafos de um telex de agência; das páginas de cultura, que englobam crítica de cinema, teatro e livros; das páginas de divulgação de sites da internet e de crítica de jogos; das revistas de domingo e de suplementos temáticos diversos.

Um bom periódico saberá conciliar sem conflito estes dois aspectos da actividade jornalística: informar rápida, fidedigna e eficientemente; e ser fonte de prazer e descoberta ao virar da página para os seus leitores.

 

Ý2. O papel do jornalista

 

Informar, segundo o dicionário universal da Língua Portuguesa, é “dar conhecimento, noticiar, avisar, esclarecer; colher informações ou notícias, inteirar-se de”. Como tarefa, é das mais exigentes: requer atenção, perspicácia, vivacidade de espírito e inteligência para a recolha da informação; e ainda um perfeito domínio da língua em ordem a transmitir, de forma adequada, essa mesma informação. Não é raro encontrar estas qualidades reunidas num candidato a jornalista. Muito mais raro é encontrar a outra grande qualidade do jornalista: humildade suficiente para se apagar face ao acontecimento que se relata.

Salvo muito raras excepções, o papel que um jornalista desempenha num acontecimento, as emoções ou dificuldades por que passou, não fazem parte da notícia. Os americanos sintetizam-no muito bem com o newsmen is no news. O jornalista pode é, por vezes, informar os seus leitores das condições de produção da notícia – como lhe foi vedado o acesso a certas áreas ou fontes, ou como certos efeitos resultaram precisamente da presença dos media no local. É que neste caso a informação que ele aporta contribui para que o leitor ou espectador possa avaliar com outros olhos o acontecimento que relata

É ridículo o homem que vai cobrir o grande incêndio na Serra da Estrela, do qual já resultaram vários mortos e dezenas de habitações destruídas, abrir a reportagem de forma descabidamente emotiva, e contando como quase se viu cercado pelo fogo mas felizmente escapou ileso. Pese embora o exagero do exemplo, o jornalista tem de perceber que o critério de proximidade se aplica à proximidade do acontecimento com os seus leitores, e não com ele próprio.

Outra vertente da humildade necessária ao exercício da profissão prende-se com a capacidade de resistir a misturar factos com opiniões e, de alguma forma, manipular os leitores induzindo-os a retirarem determinado tipo de conclusões. As opiniões do jornalista são certamente muito importantes para a namorada, o cão, os vizinhos e o seu círculo de amigos – serão até muito importantes em termos absolutos - mas ele não tem o direito de se servir do medium onde trabalha para tentar influenciar o público que espera dele seriedade, rigor e isenção. Misturar factos com opinião, aparência de rigor com manipulação, devem ser consideradas faltas profissionais muito graves.

O papel do jornalista é fazer com que o jornal cumpra o seu dever de informar os leitores, e por isso muito do que já foi dito se aplica também à actividade de quem escreve para jornais. O jornalista não é uma vivandeira que espalha boatos e devassa a intimidade e privacidade das figuras públicas  8; não trafica influências; não paga nem presta favores; não promove nem desfaz a imagem de ninguém; não ameaça; não dá recados; não trai a confiança dos leitores ou das fontes; não se arvora juiz ou autoridade moral das questões quando relata factos. Limitar-se-à a relatá-los.

Tudo o que fará se resume pois numa frase: o jornalista cumpre escrupulosamente o código deontológico e os princípios éticos que norteiam a sua actividade. Por dever, mas também no seu melhor interesse.

Todo o jornalista que permaneça tempo suficiente em actividade descobrirá, mais cedo ou mais tarde, que uma vez ou outra se enganou ou foi enganado - por pessoas hábeis ou desonestas, ou em questões de peritagem que não pode dominar. O cumprimento de regras de equidade e distanciamento na apresentação dos factos assegura, mesmo em tais casos, que nem ele nem o leitor foram ludibriados. Para isto é preciso humildade e admitir sempre, como princípio heurístico, que as coisas podem não ser aquilo que parecem apesar de parecerem muito ser aquilo que são. Nunca pode esperar não se enganar. Infalibildade, só mesmo o Papa.

Em suma, o jornalista, enquanto trabalha, deve ser um céptico radical. Se não souber como ser um céptico radical, leia o Discurso do Método, e aplique-o, mas só até à parte pré-res cogitans.

Como corolário de todas estas características do jornal e dos jornalistas, mais algumas regras:

- Aceitar críticas fundamentadas, reflectir sobre elas, agradecê-las quando for caso disso; mas nunca, por nunca, ceder a pressões de qualquer tipo. O jornalista na realização do seu trabalho é soberano.

- Não agir como um deslumbrado misturando-se com acontecimentos ou personalidades. Nunca será uma delas, e está a um passo de ser utilizado – como o tolo da aldeia que faz recados a toda a gente – provocando danos irreparáveis na sua reputação profissional.

- O jornalista não é amigo dos seus entrevistados, nem parte nas causas que relata; quando o for, deve rejeitar o serviço porque sabe que a proximidade excessiva prejudica a sua isenção.

- As fontes devem ser cultivadas, evitando porém cuidadosamente a promiscuidade. Em meios pequenos esta questão é muito sensível porque o jornalista se vê compelido a recorrer amiúde às mesmas fontes, criando inadvertidamente relações de familiaridade que dificultam o seu trabalho. Deverá sempre preferir ser respeitado a estimado.

O jornalista deve ainda ser inteligente, pensar pela sua própria cabeça, possuir uma dose suficiente de sentido crítico, e auto-estima em níveis razoáveis para não se deixar influenciar indevidamente pelos outros nem sucumbir a pressões. Num certo sentido, será um individualista. Gozando profissionalmente de grande autonomia e liberdade de movimentos, quando realiza um serviço, ele é juiz e soberano do seu próprio trabalho; e quando toma decisões, deverá ter a certeza de que foram as melhores decisões possíveis, quer quanto ao material noticioso, quer quanto aos seus pares – que podem simplesmente estar a fazer coisas diferentes ou de outra maneira.

É verdade que é natural a tendência para o “gregarismo”: fundir-se sistematicamente em pool com outros jornalistas - mesmo quando o assunto não o justifica – e avaliar e editar a informação rigorosamente da mesma maneira. E é natural porque ajuda a consolidar a imagem que o jornalista tem de si, e a ilusão de que presta um bom serviço e reporta os factos.

Só que esta política – que quando conduzida sistematicamente tem a ver com preguiça, comodismo, ou simplesmente falta de aptidão profissional - tem por resultado a médio e a longo prazo a criação de pesadas rotinas burocráticas; estereótipos e maneirismos na forma de veicular notícias; falta de imaginação e noticiários entediantes.

Com o tempo, cria-se uma verdadeira fábrica de lugares comuns onde a tendência é nivelar tudo pelo mínimo denominador comum. Ora esta é uma profissão em que é impossível acomodar-se. Para manter o interesse pelo produto que se oferece, ainda que ligeiras, são necessárias alterações nos textos e evolução. Os jornais (e os jornalistas) que estagnam no tempo – quando é sua obrigação, recorde-se, estar em sintonia com a actualidade - e não aprendem nada de novo, congelam, fossilizam. Poderão manter os seus fiéis leitores mas são incapazes de conquistar novos, e quando essa geração desaparecer, estão condenados também a extinguir-se. Foi o caso de “O Diário”, que fechou, apenas, porque os seus leitores com o passar dos anos foram morrendo.

É pois desejável ser original, inovar e procurar melhorar continuamente. O que nunca se pode esquecer é que leitor quer isso, quer novidade, mas também é um animal de hábitos e rotinas. Habituou-se a estimar e ler o seu jornal, diz até que não saberia ler outro. Possui determinadas rotinas cognitivas em relação ao jornal que lhe dão segurança e garantem um acesso rápido e eficiente à informação que pretende. Habitua-se ao estilo, à paginação, ao aspecto gráfico, ao corpo de letra utilizado, a ir directamente à página onde escreve o seu colunista preferido ou às notícias de desporto... enfim, a mil e um pormenores que garantem a sua fidelização a um determinado produto.

Não se pode portanto impunemente violentar o perfil de um jornal. Intervenções demasiado radicais podem ter custos elevados. Mas também não se sobrevive sem evolução. Inovar é inevitável, sob pena de, não o fazendo, pôr em risco a empresa e os que nela trabalham.

 

Ý3. Organização da Redacção

 

Em termos de organização interna da empresa jornalística, os jornais encontravam-se tradicionalmente divididos em quatro grandes áreas: Administração, Redacção, Sector Comercial, e Oficinas (impressão e distribuição). Outros tempos, tempos em que as empresas jornalísticas eram praticamente auto-suficientes: possuíam rotativas e sistemas de distribuição próprios. Hoje só muito raramente tal sucede. A partir de meados da década de 80 impressão e distribuição passaram a ser entregues a firmas exteriores especializadas só nessas áreas, com ganhos consideráveis para as empresas jornalísticas ao nível dos custos de produção. Aqui ocupamo-nos apenas da orgânica e funcionamento da Redacção de um jornal, que é, de resto, dadas as suas características de jornal universitário em suporte digital, a única secção do jornal tradicional que o Urbi et Orbi possui.

 

Ý3.1. A Direcção

A direcção do jornal é composta pelo director, que pode ser coadjuvado por directores-adjuntos ou sub-directores. São, em geral, tarefas do director do jornal:

§ definir a orientação e a linha editorial da publicação, o que faz, entre outras formas, através dos editoriais que periodicamente escreve;

§ representar o jornal em ocasiões importantes para a vida da publicação;

§ convidar e manter a ligação com os colaboradores mais importantes do jornal;

§ assumir as responsabilidades legais decorrentes dos textos não assinados que são publicados no jornal; e co-responsabilizar-se pelos textos cujo autor está identificado;

§ promover a ligação - tarefa por vezes delicada - entre a administração do jornal, de quem tem a confiança, e a redacção;

§ executar as directivas da administração - gestão de pessoal e de custos, por exemplo - e simultaneamente zelar pelo bom ambiente na redacção e pela integridade do produto final;

§ tendo responsabilidades na gestão de pessoal, promoções e constituição das hierarquias que coordena, deve avaliar os jornalistas que com ele trabalham e esforçar-se por agir segundo critérios de justiça e equidade;

Na grande maioria dos jornais o director assume habitualmente responsabilidades editoriais na produção da publicação, nomeadamente:

§ supervisionando a realização de reportagens e trabalhos de maior fôlego e importância para o jornal, ajudando a definir o ângulo de abordagem e os meios humanos que serão colocados ao serviço da peça;

§ auxiliando o chefe de redacção a definir o perfil dos números do jornal e da primeira página;

§ escolhendo, em conjunto com a chefia de redacção, destaques, títulos e textos que integram a primeira página;

§ lendo as peças mais delicadas, já que terá de se responsabilizar por elas; podendo, ou não, ser informado pelo jornalista da identidade de fontes confidenciais.

 

No entanto, por força das suas funções, o director pode por vezes encontrar-se ausente da publicação, e, no caso dos órgão que produzem material informativo diariamente, folga, como qualquer trabalhador, não podendo acompanhar todas as edições. É por isso que as chefias de redacção, na ausência da direcção, gozam de autonomia para cumprir tais tarefas; sendo estas, por vezes, consoante a organização das empresas, maioritariamente da sua responsabilidade.

Por determinação do Estatuto da Imprensa Regional, quem exerce funções de direcção numa empresa jornalística tem direito ao título de equiparação a jornalista, mesmo que o não seja, a que corresponde um documento de identificação próprio emitido pela Comissão da Carteira Profissional.

O director é nomeado pelos proprietários da publicação, ouvido o Conselho de Redacção, quando o haja. –Se, no exercício das suas funções, vier a sofrer mais de três condenações por crimes cometidos através da imprensa é forçado a resignar.

São imprescindíveis pois, além de profissionalismo, inteligência e bom senso, qualidades morais e humanas. O director do jornal deverá ser uma figura grata aos jornalistas que trabalham na redacção, e, simultaneamente, possuir a confiança e poder negocial junto da administração. Por inerência, devido ao poder de que goza, o director de um jornal é também geralmente uma figura pública, e como tal deverá ter uma reputação impoluta, ser uma figura credível e digna. Um director que já não possua, junto da opinião pública, este perfil, abalará irremediavelmente o prestígio da publicação que dirige.

A Lei de Imprensa, no Artigo 20º, estabelece em relação ao director de publicações periódicas o seguinte:

“1 - Ao director compete:

a) Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação;

b) Elaborar o estatuto editorial (...)

c) Designar os jornalistas com funções de chefia e coordenação

d) Presidir ao Conselho de Redacção

e) Representar o periódico perante quaisquer autoridades em tudo quanto diga respeito a matérias da sua competência e às funções inerentes ao seu cargo.

 

2 - O director tem direito a:

a) Ser ouvido pela entidade proprietária em tudo o que disser respeito à gestão dos recursos humanos na área jornalística, assim como à oneração ou alienação dos imóveis onde funcionem serviços da redacção que dirige;

b) Ser informado sobre a situação económica e financeira da entidade proprietária e sobre a sua estratégia em termos editoriais”

 

Por outro lado, o Estatuto da Imprensa regional, relativamente à figura do director, acrescenta ainda, no Artigo 6º, o seguinte:

“1. Para além dos jornalistas profissionais que exerçam as suas funções em publicações da imprensa regional, são ainda considerados jornalistas da imprensa regional os indivíduos que exerçam, de forma efectiva e permanente, ainda que não remunerada, as funções de director, subdirector, chefe de redacção, redactor ou repórter fotográfico (...)

2. Os indivíduos referidos no número anterior têm direito à emissão de um cartão de identificação próprio”, emitido pela Direcção-Geral da Comunicação Social.

 

Ý3.2. A Sub-direcção

A sub-direcção do jornal, quando exista, tem por função coadjuvar o director na execução das tarefas que lhe incumbem. Em princípio um director-adjunto pode desempenhar todas as tarefas que cometem à direcção, já que parte importante das suas atribuições é substituir o director na sua ausência, tomando decisões e preenchendo as funções que este normalmente tomaria. O sub-director gozará, evidentemente, da confiança da administração e do director e, tendo responsabilidades na definição da linha editorial da publicação, deve actuar de forma consentânea com o director do jornal, cujas opções aceita e partilha.

 

Ý3.3. O Conselho Editorial

O Conselho Editorial, como o nome indica, é um órgão consultivo com responsabilidades na definição da linha editorial do jornal, e cujos elementos podem ser, igualmente, colaboradores da publicação. Tendo por tarefa aconselhar a direcção, reflectir sobre o produto e o cumprimento da linha editorial, e pugnar pela qualidade e aperfeiçoamento do jornal, é um cargo que deverá ser ocupado por profissionais experientes e idóneos, ou figuras de reconhecido mérito que - para além das contribuições concretas que poderão prestar - ao avalizarem a publicação emprestam-lhe também algum do seu prestígio.

 

Ý3.4. A Chefia de Redacção

A chefia de redacção tem uma função marcadamente executiva, competindo-lhe coordenar e supervisionar todo o trabalho produzido na redacção, organizar cada número do jornal e responsabilizar-se - sozinha ou em colaboração com a direcção - pela execução da primeira página.

Assim como o director reporta à administração que se subordina aos accionistas do jornal, a chefia de redacção reporta ao director do jornal. O chefe de redacção pode ser coadjuvado por sub-chefes de redacção - na verdade nos diários esta estrutura é incontornável, já que é necessário substituir o chefe de redacção durante as suas folgas.

 

Ý3.5. Editores de Área ou Secção

Os editores ou chefes de secção têm por tarefa coordenar os trabalho dos redactores da sua área, editar as peças jornalísticas por eles produzidas, e definir, consoante o número de páginas que lhes forem atribuídas em cada edição, os textos que serão inseridos e a localização e paginação. Tal implica uma apreciação valorativa dos trabalhos que vão chegando à redacção, e experiência suficiente para ajudar a definir ângulos de abordagem e rever peças jornalísticas. Ao longo do dia, reúnem várias vezes com os jornalistas para saber do andamento dos trabalhos, e com a chefia de redacção, a quem informam da existência de trabalhos que poderão vir a integrar a primeira página.

Compete-lhes a grande responsabilidade de “fechar” um número pré-determinado de páginas – haja muitas ou poucas notícias – e programar com a devida antecedência aqueles dias do calendário em que o fluxo de informação que chega às redacções abranda significativamente – caso dos feriados de Natal e Ano Novo; ou do mês de Agosto, em que a política, os serviços dependentes do Estado, e muitas outras fontes do jornal, vão a banhos.

 

Ý3.6. Redactores

São os jornalistas que elaboram os textos que compõem o jornal. Normalmente estão ligados a uma secção e editoria e especializam-se na área em que trabalham: Sociedade, Cultura, Educação, Política... Devem dominar todos os géneros pois serão solicitados para serviços muito diversos: notícia, crónica, reportagem, fait-divers, e por vezes mesmo opinião.

Aos jornalistas, ou redactores, são atribuídos trabalhos pelos editores ou chefias, dos quais estes se deverão inteirar através da consulta da Agenda. A partir desse momento, o jornalista diligente deve providenciar para a sua execução o mais rapidamente possível, cumprindo rigorosamente as dead lines da publicação onde labora, as quais variam de órgão para órgão: é muito diferente, em termos temporais, produzir uma peça para uma agência noticiosa, um jornal diário ou um semanário.

No caso do jornalista de agência, este sabe de antemão que o trabalho que realiza tem de chegar às redacções dos jornais a tempo de ainda vir a ser utilizado pelos diários. Também nestes últimos, o fecho da edição é sagrado – só acontecimentos muito excepcionais poderão levar a que se atrase, mas mesmo assim só por algumas horas, o fecho de um jornal. As rotativas não vão é parar por causa de uma reportagem sobre a caça ao pato bravo que não ficou pronta para a edição aprazada. E sucessos desses devem ser evitados pelo jornalista responsável, pois colocam dificuldades ao editor, à chefia de redacção, e mesmo aos outros redactores, que podem ser chamados a preencher o espaço deixado em branco pelo colega.

 

Ý3.7. Colaboradores

Os colaboradores são pessoas que colaboram com uma publicação através da realização de trabalho jornalístico, e fazem-no numa base regular. O tipo de colaboração prestada varia muito, consoante o acordo em vigor entre o prestador do serviço e a empresa, e pode ir desde o auxílio nas secções de desporto ao fim de semana, até ao profissional que propõe trabalhos da sua lavra aos editores, encarregando-se depois de os executar.

Também há colaboradores que asseguram rubricas fixas nas publicações – gastronomia, cinema, fait-divers, polícia, opinião – realizando exclusivamente essas tarefas, e consequentemente não integrando as rotinas de trabalho dos outros jornalistas da redacção. Há até colaboradores que permanecem invisíveis aos jornalistas, porque lidam directamente com as chefias ou os editores de área, fazendo chegar os seus trabalhos à redacção, onde raramente se deslocam.

Os colaboradores, que podem ou não ser jornalistas profissionais, não são funcionários da empresa jornalística, onde não trabalham a tempo inteiro, e o seu trabalho pode ser remunerado ou não.

 

Ý3.8. Colunistas

Colunistas são personalidades de peso e reconhecido mérito social, intelectual, ou outro, que asseguram rubricas de opinião fixas nos jornais onde colaboram. Em geral é possível avaliar a pujança, qualidade, e mesmo a linha ideológica de um jornal através da análise do elenco de colunistas que integram a publicação. Ao contrário dos editoriais, e dos artigos de opinião não assinados, os trabalhos dos colunistas não representam a linha editorial do jornal nem comprometem toda a publicação e os que nela trabalham.

Os colunistas exprimem e emitem opiniões em nome individual, sobre temas gerais ou áreas específicas, porque lhes é reconhecido mérito para o fazerem, mas as suas posições não são necessariamente partilhadas pela direcção ou pelos jornalistas da casa. Muitos, funcionam como verdadeiros opinion makers devido à profundidade das suas análises e à justeza das suas conclusões.

Podem ser tomados como índice da saúde e até mesmo da linha ideológica de um jornal, porque um bom colunista já famoso não vai escolher um jornal que menospreza para publicar os seus trabalhos – preferirá um que garanta a maior circulação possível das suas ideias junto do tipo de público que preza; e também porque aqui opera – como em tudo com excepções - uma espécie de selecção natural: um militante comunista não escolhe ser colunista de O Dia – e mesmo que escolhesse o seu trabalho provavelmente seria rejeitado; nem o conhecido economista de tendência ultra-liberal procuraria o extinto O Diário para publicar as suas crónicas.

Um jornal verdadeiramente pluralista, conseguiria porém – e muitos fazem-no – conciliar colunistas das mais variadas tendências, o que é positivo porque aumenta a riqueza do jornal, a quantidade de informação que este traz aos leitores, estimulando o debate e a livre circulação de ideias.

 

Ý3.9. Secretaria de Redacção

A secretaria vela pela parte logística do jornal e pela organização do serviço da Redacção. É da sua responsabilidade a elaboração da Agenda e dos dossier e elementos de background que o jornalista utilizará na elaboração do serviço.

Durante as deslocações dos jornalistas, é a secretaria quem trata das reservas de bilhetes e hotéis. Pode também - no caso dos jornais que dispõem de frotas automóveis - gerir a utilização dos carros e motoristas.

Tratam de recuperar as “tarifas” - textos ou imagens - enviadas pelos correspondentes. Encarregam-se da elaboração dos mapas de folgas; da gestão de pessoal para trabalhar durante os feriados e piquetes; de controlar, e justificar, as faltas dos jornalistas; e da elaboração dos mapas de férias, e das “folgas atrasadas” de cada jornalista.

Para além disso, colaboram ainda no trabalho da Redacção, elaborando “recortes” de outros jornais, escuta de rádio e televisão; e distribuindo pelos editores e chefias os telexes de agência que vão chegando durante o dia.

Poderão ainda ser responsáveis pela execução de certas páginas: cinemas, televisão, telefones úteis; e encarregam-se - trabalho especialmente penoso - de “desgravar” os serviços que os correspondentes ou enviados especiais fazem chegar à Redacção através do telefone.

 

Ý3.10. Arquivo

O arquivo é uma das secções mais importantes do jornal - só um bom serviço de arquivo permite reconstruir o background de um acontecimento, ou relacionar acontecimentos passados com casos presentes - aquilo que muitas vezes distingue um jornal que trata a informação em profundidade, daquele que se limita a viver exclusivamente o presente. É evidente que a experiência e memória de um jornalista constitui um excelente arquivo - mas ele apenas guarda temas ou tópicos, não os dados concretos de ocorrências: isso compete ao aquivo fornecer, quando solicitado.

Até há bem pouco tempo os arquivos  9 eram perfeitamente artesanais: constituídos por dossiers de recortes indexados por assuntos, e estes, por sua vez, catalogados por ordem alfabética. As desvantagens eram muitas: pesquisa morosa, dificuldades de indexação; e embora a notícia - vários recortes - pudesse ser arquivada em várias categorias o mesmo não sucedia com as fotografias - uma imagem, um assunto - o que limitava grandemente o potencial do arquivo fotográfico.

A digitalização veio revolucionar as concepções de arquivo e a forma como este era realizado e gerido. A maioria dos jornais optou por criar arquivos digitais dos seus textos e imagens; e algumas publicações chegam mesmo a colocar, acompanhado de um motor de busca, a totalidade do arquivo on line.

É evidente que o Urbi et Orbi possui um arquivo deste tipo, disponível para consulta pública nas suas páginas. Todos os textos e imagens que forem publicados no Urbi passarão a fazer parte de uma base de dados onde a pesquisa poderá ser feita a partir dos critérios de indexação ou através da busca de palavras chave no interior do próprio texto.

Embora a possibilidade de pesquisar palavras-chave no interior dos textos ajude a colmatar eventuais erros de que a indexação em base de dados possa enfermar, a verdade é que a realização de um arquivo exige preparação e sensibilidade da parte de quem desempenha a tarefa.

Preparação porque os critérios de indexação de imagens ou textos são eminentemente jornalísticos: uma imagem cataloga-se não por ser interior ou exterior; natureza morta ou animada; a cores ou a preto e branco; pela impressão ou tamanho; mas, sobretudo, pela relevância jornalística do acontecimento que narra, e os usos potenciais que a publicação poderá vir a fazer dela no futuro. Assim, uma imagem do primeiro ministro a ser apedrejado por populares durante uma greve poderia ser indexada em: Guterrres, Segurança, Violência, Manifestação, Greve...

Nunca é demais frisar que num arquivo é especialmente necessária sensibilidade e bom senso. O editor de fotografia do mais antigo diário português do continente costumava contar como salvara in extremis o acervo mais precioso do arquivo fotográfico do jornal. Certo dia ao entrar no arquivo, que estava em reestruturação (leia-se arrumações) depara com um administrativo a rasgar fotografias do início do século que além de deslumbrantes constituiam preciosos documentos históricos. “Estas, Sr. X, são velhas, já não prestam...”

Ý

 


1 Sobre este aspecto, e ainda as pressões e constrangimentos a que a actividade de produção das notícias está sujeita, veja-se Furio Colombo, 1995, Conhecer o Jornalismo Hoje - Como se faz Informação, Editorial Presença, Lisboa.

2 No limite, se inventariássemos todas as consequências possíveis do objecto, teriamos o próprio objecto.

3 Colombo, novamente, sobre as relações entre informação e espectáculo: “A alternativa, para os profissionais do jornalismo, é regressar ao espaço nobre do tabelião-garante dos acontecimentos averiguados, das fontes identificadas, das razões conhecidas, das reconstruções independentes. Talvez tudo isto se venha a verificar em espaços de mercado mais restritos, com modalidades mais modestas, com um grau de ressonância menor. E pouco espectáculo. Mas, com o tempo, será possível restabelecer aquelas relações de respeito, aquele investimento na confiança do público e na cautela dos poderes, que não são nesta época o aspecto mais típico e mais difundido do modo de fazer jornalismo”, in Furio Colombo, 1995, Conhecer o Jornalismo Hoje - Como se faz Informação, Editorial Presença, Lisboa, p.24.

4 Piedrahita, Manuel, 1993, Periodismo Moderno - Historia, Perspectivas y Tendencias, Editorial Paraninfo, Madrid, p. 32 e ss.

5 Cardet, Ricardo, sd, Manual de Jornalismo, col. Nosso Mundo,Editorial Ca minho, Lisboa, p. 39 e ss.

6 Crato, Nuno, 1992, Comunicação Social - A Imprensa, Editorial Presença, Lisboa, p. 109 e ss..

7 In Piedrahita, Manuel, 1993, Periodismo Moderno - Historia, Perspectivas y Tendencias, Editorial Paraninfo, Madrid, p. 39.

8 É claro que a profissão se presta ao mexerico e à bisbilhotice, mas uma boa parte das informações que os jornalistas obtêm, nunca chegam, por essa razão, a ver a luz do dia nos jornais.

9 O Arquivo é uma secção específica do jornal, e não se pode confundir o trabalho que realiza com as “colecções” de jornais - capas onde se vão colocando por ordem cronológica os jornais do dia - que todas as Redacções têm permanentemente à disposição dos jornalistas.



[1]. Esta conclusão é fruto de experiência pessoal, e é corroborada por um estudo empírico realizado por Jorge Pedro Sousa, “Perfil sociográfico dos jornalistas do Porto” e disponível em www.bocc.ubi.pt