O vídeo documentário como instrumento de mobilização social


Vanessa Zandonade e Maria Cristina de Jesus Fagundes


2003


Índice




Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, do Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis/Fundação Educacional do Município de Assis para obtenção do grau de bacharel em Jornalismo.



Dedicatória

Dedico este trabalho aos meus pais, Nilo Zandonade e Vilma Antunes Zandonade, que sempre dedicaram todos os seus esforços aos meus estudos, além de lutar pela minha felicidade e de meus irmãos.

Aos meus irmãos que tanto amo, Reginaldo e Patrícia.

Ao meu amor, André Vicente, que sempre me apóia e torce pelo meu sucesso. Desejo que ele também tenha muitas glórias!

E ao mais novo integrante de nossa família, Gabriel S. Zandonade. O meu lindo sobrinho.

E, é claro, a minha amiga Cris, pelas ``responsas'' divididas e as horas de sonos que teve de suportar.

Vanessa Zandonade

Dedico este trabalho à minha mamãe, Dona Nenê, por ser ela a maior incentivadora da conclusão do meu curso universitário e aos meus irmãos, Wilson e Cilço, por terem segurado a barra durante esses anos todos de faculdade.

À minha amiga e parceira de TCC, Vanessa Zandonade, pela paciência e muito companheirismo durante todo o desenvolvimento dessa monografia.

Aos amigos que muito contribuíram, me dando força e encorajamento, em todos esses anos de curso.

Maria Cristina de Jesus Fagundes



Agradecimentos



Agradecemos ao nosso orientador, Oswaldo Miguel (Niva), pela disponibilidade, constante diálogo, incentivo e força nos momentos em que mais precisamos.


À mestre e pesquisadora portuguesa Manuela Penafria, pela presteza e atenção dedicada a nós.


À jornalista Neide Duarte, pelo companheirismo que nos fortaleceu e pelo tratamento sem distinção.


Aos professores que nos acompanharam durante todos esses anos, à nossa banca e, em especial, à nossa paraninfa, Márcia Buzalaf.


``O documentário, entre as inúmeras tendências audiovisuais, pode então passar a ser considerado como uma das adaptações culturais desenvolvidas na evolução da espécie humana, onde a questão do Conhecimento e da Realidade assume posição destacada. Sua forma de produção aproxima-o do fazer investigativo, que também está presente na ciência''.

Hélio Godoy


``É, sem dúvida, um modo de incentivar um conhecimento aprofundado sobre a nossa própria existência''.

Manuela Penafria

Resumo

O documentário é um gênero audiovisual utilizado como forma de expressão da sociedade e registro dos acontecimentos, desde o início do século XIX. Com a invenção do cinema, alguns autores utilizavam os recursos do documentário para suas produções cinematográficas, antes mesmo que sua denominação fosse configurada como é atualmente.

Alguns fatores presentes no documentário facilitam a compreensão dos espectadores, como a linguagem mais aprofundada e o maior tempo disponibilizado para a sua produção e exibição. Neste contexto, o presente estudo irá sistematizar o conceito do documentário e traçar a sua trajetória evolutiva e social desempenhada no Brasil e no mundo pelo documentário.

No desenvolvimento deste trabalho, será reforçada a importância do documentário na construção e divulgação do conhecimento, além da possibilidade de desenvolvimento de uma participação ativa de uma determinada comunidade a partir da utilização do gênero, em especial, no âmbito jornalístico.

O bairro Jardim Eldorado, localizado na região periférica da cidade de Assis, é um dos locais em que as dificuldades econômicas e sociais contribuem para a falta de perspectiva dos moradores. A realização prática de um vídeo documentário, evidenciando a desigualdade social observada no local estudado, terá o objetivo de contribuir para a constituição de novos sujeitos sociais, e ajudá-los na busca por melhor qualidade de vida, ou ainda, dar condições para o surgimento de líderes que lutem a favor daquela população.

Palavras-chave: jornalismo, documentário, cinema, televisão, mobilização, desigualdade social, bairro, Assis.



Introdução

Este trabalho tem por objetivo geral, pesquisar e analisar o vídeo documentário como instrumento mobilizador da sociedade. Mais especificamente pretende-se demonstrar que, com o detalhamento e contextualização dos fatos evidenciados na linguagem desse gênero midiático, é possível desenvolver o aspecto crítico dos membros de uma determinada comunidade e dar-lhes condições de participar ativamente nas decisões sociais que os envolvem.

Pretende-se apresentar um trajeto histórico e conceitual sobre o documentário e ressaltar a importância de sua utilização pelos profissionais da imprensa. Busca-se fazer uma abordagem no âmbito jornalístico, com o objetivo de ressaltar uma das opções de sua atuação. Além disso, será evidenciada no campo social, a possibilidade de desenvolvimento do senso crítico nas comunidades. No entanto, considerando que existem muitas definições e conceitos variados sobre o documentário, a presente monografia não tem a pretensão de abranger todos os seus aspectos e nem tampouco preencher as lacunas teóricas que o tema desperta.

Sabendo que a televisão é um grande veículo de persuasão social e construção do senso coletivo, pretende-se inserí-la no contexto da argumentação do presente trabalho, como uma aliada no processo de mobilização social a partir do vídeo documentário. Acredita-se que, com uma linguagem mais aprofundada, esse gênero aborda os assuntos com mais clareza, permitindo aos telespectadores uma maior compreensão do tema apresentado.

Com base nessa afirmação, é possível crer que esse meio audiovisual seja capaz de desenvolver o discernimento de uma determinada comunidade e, a partir de então, possibilitar alguns avanços sociais, ou seja, uma melhor qualidade de vida para os indivíduos.

A primeira parte do trabalho estará voltada para a definição dos conceitos e identidade histórica do documentário, já que a sua utilização na esfera televisiva está diretamente ligada à teoria cinematográfica do gênero, enquanto característica e função.

No capítulo inicial, serão apontados os modelos de documentários existentes, conceituando o gênero como clássico e moderno, bem como algumas modalidades que o caracterizam em suas diversidades e variações. Entre elas, destacam-se os modos expositivos, observacional, interativo e reflexivo.

Apesar de cada documentarista apresentar posições diferentes quanto às definições relacionadas ao gênero, é possível verificar algo em comum entre as expressões utilizadas por eles. Nota-se que todos consideram o caráter autoral de suas produções e retratam o dia-a-dia do espectador para despertar uma reflexão em torno da realidade em que vivem.

Ressaltam-se ainda alguns tipos distintos de documentários televisivos, como os de compilação, investigativo, culturais, sobre pessoas ou lugares e os conhecidos como especiais, que serão apresentados detalhadamente nessa monografia.

Dando seqüência à identidade do documentário, o presente trabalho irá retratar a evolução histórica do gênero, suas características e atuações. Além disso, serão ressaltados as influências e os estilos dos documentaristas pioneiros. Mais especificamente, ainda será abordada a trajetória do documentário no Brasil e todas as suas fases de transformações ocorridas desde a década de 20 até os dias atuais.

Já na segunda parte, será salientada a importância do vídeo documentário no que se refere às formas de transmitir as informações, em relação ao jornalismo diário. Enquanto que o telejornalismo se sustenta no imediatismo e superficialismo dos assuntos abordados, o vídeo documentário se preocupa com a contextualização dos fatos, indo além dos depoimentos desprendidos de linearidade, observados no jornalismo diário de televisão. Dessa forma, acredita-se que ele constrói uma visão mais ampla da realidade e possibilita a compreensão e reflexão sobre as mensagens transmitidas.

Apesar de existirem posições contrárias de alguns cineastas documentaristas sobre a atuação do jornalista em produções do gênero, a argumentação desta monografia será embasada na concepção defendida por alguns profissionais, de que o jornalismo deve se voltar para a exaltação dos pequenos gestos da comunidade e acrescentar a sua vivência em suas criações. Sendo assim, entende-se que a imparcialidade não contribui para construção da consciência crítica. É, portanto, no vídeo documentário que se permite à criatividade do profissional e a possibilidade de uma atuação interpretativa da realidade apresentada.

Considerando que no Brasil, poucas pessoas têm acesso à cultura e ao conhecimento, a influência da televisão na formação do senso comum adquire proporções expressivas. Defende-se que o vídeo documentário pode ser um instrumento mobilizador da sociedade, capaz de impulsionar a participação conjunta dos membros da comunidade em busca de melhorias.

Em suma, diante de todas as teorias e conceitos acumulados no decorrer do trabalho, a terceira e última parte será fundamentada na observação da prática do vídeo documentário em Assis. Será aplicado um questionário junto aos responsáveis pelas emissoras de TV a cabo da cidade, para constatar a utilização do gênero e o reconhecimento de sua função social.

Posteriormente será analisada a situação atual do bairro Jardim Eldorado, localizado na região extremo oeste da cidade. Entre todos os outros bairros periféricos da cidade, considera-se que ele mereça ser destacado por suas necessidades, embora se reconheça que muitos outros compartilhem das mesmas dificuldades.

Por fim, pretende-se ressaltar por meio do vídeo documentário, que será produzido como parte prática dessa monografia, a desigualdade social existente entre o centro comercial de Assis e o bairro em questão, a partir da divulgação do cotidiano dos moradores envolvidos. Dessa forma, pretende-se incentivar a união e participação dos membros da comunidade, fazendo com que se reconheçam no vídeo e criem elos de companheirismo para buscar soluções e mudanças no meio em que vivem.

Teoria

Conceito de documentário

O vídeo documentário se caracteriza por apresentar determinado acontecimento ou fato, mostrando a realidade de maneira mais ampla e pela sua extensão interpretativa. O jornalista Walter Sampaio1.1 ressalta a sua importância ao afirmar que se trata de um estágio evolutivo do telejornalismo. Mesmo que alguns autores reafirmem seu valor, observa-se que o vídeo documentário é um gênero jornalístico pouco explorado na mídia televisiva brasileira, sendo uma linguagem regularmente usada no cinema.

São poucas as bibliografias específicas existentes sobre o gênero, no que se refere a sua utilização como extensão jornalística de televisão. As teorias do documentário estão concentradas na produção cinematográfica, que apesar de se distinguir do vídeo documentário enquanto público e produção, se assemelha nas funções e características adotadas no gênero. Por isso, esse trabalho utilizará a história e o conceito do documentário cinematográfico para traçar o percurso evolutivo do gênero e posteriormente apresentar uma abordagem mais específica do vídeo documentário.

As reflexões a respeito do documentário englobam uma série de características e definições variadas, porém ainda não existem conceitos ou pressupostos definitivos, nem tampouco, modelos fechados que sirvam como parâmetros a serem seguidos.

Entretanto, é consenso entre os pesquisadores, afirmar o aspecto pessoal do documentário que age sobre determinada realidade ao retratá-la, seja em vídeo ou em filme. Nesse contexto, a atuação do jornalista em produções documentais adquire o caráter autoral que se contrapõe à definição de jornalismo imparcial e isento, criticado por muitos profissionais da área. Dessa forma, existe uma maior possibilidade de entendimento dos telespectadores a respeito do assunto retratado.

De acordo com a jornalista Neide Duarte, é preciso que o jornalista procure ressaltar o espírito investigativo da profissão, por meio de sua atuação interpretativa dos fatos, e revelar as coisas que aparentemente não são evidenciadas. Em entrevista concedida às autoras da presente monografia, ela explica que o vídeo documentário é o programa jornalístico que tem um olhar autoral que, de alguma forma, coloca questões para quem assiste: ``espalha idéias, pensamentos pelo ar, para que deles alguma coisa frutifique, ainda que não se perceba, ainda que não se veja, nem saiba.'' (2003, p.1)

Embora as definições sejam variadas nos aspectos de gêneros e tipos, a função do documentário é reconhecida com unanimidade pelos documentaristas que, acreditam no objetivo de estabelecer um elo de ligação entre os receptores da mensagem transmitida e o realizador da obra, de forma a permitir uma empatia capaz de proporcionar uma reflexão sobre os fatos cotidianos que lhes cercam. Para Manuela Penafria, mestre em Ciência da Comunicação pela Universidade da Beira Interior, Covilhã - Portugal, o documentário tem o objetivo de voltar a atenção dos espectadores para os fatos cotidianos e estabelecer uma ligação entre os acontecimentos. Ela ressalta que a principal função do gênero é:

Incentivar o diálogo sobre diferentes experiências, sentidas com maior ou menor intensidade. Apresentar novos modos de ver o mundo ou de mostrar aquilo que, por qualquer dificuldade ou condicionalismos diversos, muitos não vêem ou lhes escapa. (2001, p.5)

O documentário pode ser dividido entre os modelos clássico e moderno. O clássico era utilizado no início do século 20, com a escola britânica de John Grierson, baseada em ilustrações e narrações construídas com finalidades, na maioria das vezes, institucionais. A jornalista Luciana d'Anunciação define1.2, o documentário clássico com as características estruturais de: ``imagens rigorosamente compostas, fusão de música e ruídos, montagem rítmica e comentário em voz off despersonalizada'' (2000, p.1).

Já o moderno, utilizado por documentaristas brasileiros desde a década de 60, busca uma interação com o público alvo, de modo a lhes despertar o senso crítico e permitir interpretações variadas, de acordo com a realidade de cada espectador. O jornalista piracicabano Thiago Altafini, em seu trabalho publicado no site português - Recensio: Revista de Recensões de Comunicação e Cultura - caracteriza o documentário moderno da seguinte maneira:

Geralmente trabalha com fragmentos de uma realidade, buscando a reflexão e a compreensão aprofundada da questão abordada, deixando para o espectador o papel de relacioná-la com seu contexto histórico, econômico, político, social e cultural (...) permitindo ao espectador suas próprias conclusões. (1999, p.1)

O gênero é reconhecido por algumas modalidades de representações que evoluíram no decorrer dos anos 20 até aproximadamente os anos 80. Entre elas estão os modos: expositivo, observacional, interativo e reflexivo. De acordo com Manuela Penafria, o modo expositivo, utilizado por Grierson, é definido como um modelo de documentário clássico, baseado no controle de conteúdos, limites e fronteiras por parte do realizador. Tais características são evidenciadas no seguimento de filme produzido pela escola griersoniana, que se baseia na produção de documentários institucionais, os quais tendem a reafirmar os fatos de acordo com ponto de vista de determinada entidade. Esses documentários geralmente retratavam os problemas sociais da época e mantinham a função educativa defendida por Grierson.

Por sua vez, as entidades patrocinadoras se utilizavam dessa função para demonstrar as soluções que poderiam trazer aos problemas vigentes e assegurar que a população assimilasse a mensagem transmitida. Segundo Penafria, ``o interesse que esse filme suscita assenta na relação que se estabelece entre a voz off e a imagem, relação essa que se assume como altamente eficaz em termos de persuasão'' . (1999, p.59)

Já o documentário de observação se diferencia do modelo expositivo, basicamente, pela ausência de intervenção do produtor. Nele, não há comentários ou entrevistas delimitadoras de expressão na tentativa de controlar os acontecimentos ou as pessoas, como no modelo apresentado anteriormente. Para os documentaristas adeptos a esse modelo, a câmera deve passar despercebida pelos interlocutores e captar a essência do aspecto do cotidiano. Frederick Wiseman, autor norte-americano apontado por Penafria como referência para o documentário de observação, o define da seguinte maneira:

Os sons e as imagens são sempre os obtidos durante os momentos de observação. Em relação à montagem, Wiseman afirma que aquilo que mais o intriga e estimula é construir uma argumentação sobre determinado assunto sem utilizar um narrador. Essa construção é realizada a partir da relação que a montagem permite estabelecer entre os diferentes acontecimentos. (apud PENAFRIA, 1999, p.63)

Ao contrário do modo observacional, em que a principal característica é a ausência do documentarista no filme, no modelo interativo há a intervenção dinâmica do autor nas situações que retrata, demonstrando o seu ponto de vista aos espectadores. Essa intervenção também pode ser evidenciada no modelo expositivo, porém, no interativo, há a presença física do autor, ou, ao menos, existe a percepção de sua intervenção na realidade retratada, seja em entrevistas, depoimentos e outros. Já no modo expositivo, a intervenção é ideológica. Manuela Penafria observa que no modelo interativo: ``o documentarista tem a oportunidade de se manifestar, podendo ser provocador, mentor ou participante do tema do filme.'' (1999, p.67).

Ela ainda ressalta que o documentarista soviético, Dziga Vertov, foi um precursor do ``cinema-verdade'', baseado na divulgação dos acontecimentos in loco, sem intervenção do autor. Ele acreditava que a câmera era capaz de revelar um nível mais profundo de verdade.

O modelo reflexivo surgiu como mais uma forma de produção cinematográfica. No filme O Homem da Câmara, Dziga Vertov, reconhecido como referência também neste modelo, pois utilizava características de exposição do processo de construção do filme documentário, de forma a despertar a reflexão dos espectadores acerca dos fatos verificados. Nele, além de apresentar a nova realidade soviética da época, Vertov mostrava todas as fases de produção do documentário, desde as primeiras filmagens até o resultado final.

Na dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulada de Espelho partido: tradição e transformação do documentário cinematográfico, Silvio Pirôpo Da-Rin afirma que: ``o modo reflexivo surgiu como resposta ao ceticismo da possibilidade de representar o mundo de forma objetiva e procura deixar explícito as convenções que regem o processo de representação.''(2000, p.1-2)

Embora existam modos de produções assumidas no cinema, Sebastião Squirra, jornalista e mestre em comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ainda ressalta os diferentes tipos distintos de documentário jornalístico de televisão, como os de compilação, investigativo, culturais, de pessoas ou lugares e especiais. Para ele: ``o documentário de compilação é feito a partir de material de arquivo disponível nas próprias emissoras, em museus e em organismos do governo.'' (1995, p.88)

A segunda distinção se refere ao documentário investigativo, modalidade que se tornou foco de atração no jornalismo depois do caso Watergate, nos EUA, em que dois repórteres descobrem fatos que incriminam o presidente do Estados Unidos. De acordo com Squirra: ``esse tipo de documentário concentra a linha editorial do programa, não em pessoas ou instituições, mas em situações que deram condições para o surgimento de determinados fatos'' . (1995, p.89)

Ainda que a investigação seja um importante mecanismo de atuação jornalística e tenha sido muito discutida entre os profissionais do ramo, são poucos os departamentos de imprensa que mantêm uma equipe de repórteres especializada em assuntos investigativos. Acredita-se que isso ocorra devido ao alto custo exigido na produção desse gênero.

Ao contrário do investigativo, o documentário cultural se baseia no indivíduo e não no fato. Alguns autores classificam como culturais, os programas com inclinação religiosa. Dando destaque ao indivíduo, as produções de documentários sobre pessoas e lugares, dá enfoque a personalidades ou regiões que tiveram representações intelectuais que marcaram a história ou a vida de uma determinada comunidade.

Os documentários especiais são, algumas vezes, confundidos com a grande reportagem, pelo ritmo veloz de produção. Geralmente são produzidos no mesmo dia em que são exibidos. Por exigir rapidez, eles não seguem os padrões estéticos adotados em todos os outros gêneros citados anteriormente.

Verifica-se que essa produção audiovisual possibilita uma diversidade temática, pois documenta assuntos relacionados desde a vida animal aos aspectos e tabus da sociedade. Manuela Penafria utiliza a linguagem poética para definir a arte de produzir documentários:

Experimentar o pulsar da vida das pessoas e dos acontecimentos do mundo no ecrã é o que o documentário tem de mais gratificante para nos oferecer. É, sem dúvida, um modo de incentivar um conhecimento aprofundado sobre a nossa própria existência. (2001, p.8)

A identidade do documentário

O documentário surgiu da característica original do cinema de registrar os acontecimentos cotidianos das pessoas e animais. As primeiras evidências históricas, enquanto gênero cinematográfico, surgiram com o norte americano Robert Flaherty, o qual acompanhou a vida dos esquimós do norte do Canadá de 1912 a 1919 e lançou o filme Nanouk, o esquimó, em 1922.

Segundo o jornalista Fábio Sola-Penna, o documentarista desenvolvia um estilo representativo da realidade e, além disso, apreciava os pequenos gestos do cotidiano. Para ele: ``o realizador não hesita em reconstituir as cenas que quer filmar, pedido a Nanouk e à sua família que representem os seus próprios papéis: a preparação das refeições, a construção de um iglu, a caça de uma foca.'' (2002, p.1).

Seguindo o princípio base do documentarismo de registro dos acontecimentos in loco, Dziga Vertov desenvolveu em 1918, na extinta União Soviética, uma segunda vertente do gênero que, ao contrário da teoria flahertyana, pretendia captar as pessoas na vida cotidiana sem interferências. Foi ele o fundador do Cinema-Verdade, tradução da palavra russa Kono-Pravda. Vertov inovou o estilo de captação das imagens, com o ``cine-olho'', em que a câmera era o olho do mundo. De acordo com Fábio Sola-Penna, ele ``defendeu, a partir de 1920 a abolição da mise em scène, dos atores, dos estúdios, para que o cinema captasse a vida de imprevistos, sem que as próprias pessoas filmadas se apercebesse da câmara (sic).'' (2002, p.1)

Embora Flaherty e Vertov tenham sido os pioneiros na história do documentário mundial, nenhum deles se reconhecia como documentarista e nem diziam produzir documentários, as definições surgiriam posteriormente. De acordo com a estudiosa portuguesa Manuela Penafria, os dois documentaristas se distinguiam pelo tratamento dado aos seus ``personagens'' :

Flaherty incitou o povo inuit a revelar, para a câmara, as suas tradições: como pescavam, como construíram um igloo, como comiam, em suma, como viviam. A vida do inuit que Flaherty registou (sic) não foi a do então presente, mas sim a vida dos seus antepassados, a qual ainda estava presente na memória dos mais velhos. Vertov, por seu lado, pretende ocupar no ecrã com imagens da vida das pessoas, dos seus gestos espontâneos, das suas ações, dos seus comportamentos e das suas actividades. (1999, p.41)

Entretanto, foi aproximadamente nos anos 30 que se estabeleceram condições para firmar a identidade própria do documentário e configurá-lo segundo sua denominação atual. A jornalista Luciana d'Anunciação afirma que a partir da atuação do documentarista escocês, John Grierson, o gênero começou a ser reconhecido pelo caráter documental. Segundo ela: ``Grierson começou a formalizar e normatizar o documentário enquanto produto, atribuindo-lhe a função social de instrumento de educação das massas e de formação da opinião pública.'' (2000, p.1)

Manuela Penafria afirma que o termo documentário foi utilizado pela primeira vez, em 1926, quando Grierson analisava o filme Moana, de Robert Flaherty. Segundo ela, em um primeiro momento, Grierson reconheceu a força da imagem enquanto evidência da realidade. Posteriormente, a palavra documentário foi adotada para designar um gênero de filme com características específicas.

Enquanto os documentários ingleses de Grierson se voltavam para a propaganda do império com formalidade técnica clássica, o cinema soviético de Dziga Vertov, inspirado pela Revolução Russa, era totalmente contra as encenações e dramatizações toleradas pelos ingleses. Além disso, tinha no improviso e na exposição da câmera a sua marca principal.

O documentário no Brasil

O documentário brasileiro passou por transformações constantes, de acordo com as influências que sofria dos movimentos e tendências européias ou mesmo da política nacional. Essas transformações podem ser percebidas em cada década, as quais representaram as mudanças de concepção dos próprios documentaristas e da sociedade.

As primeiras produções brasileiras de documentários foram feitas pelos donos das salas de exibição de cinema, como registro da realidade em que viviam e opção de entretenimento aos espectadores. No início do século 20, diversos trabalhos surgiram em todo o território nacional. O jornalista Thiago Altafini cita alguns documentaristas que iniciaram suas produções fílmicas nesse período como Eduardo Hirtz, um alemão que se mudou para Porto Alegre. Ele foi considerado o pai do cinema gaúcho e produziu vários documentários de 1907 a 1915.

Na mesma época, o paranaense Annibal Rocha Requião, ficou conhecido quando documentou o desfile militar de 15 de novembro. Com o passar do tempo, suas produções passaram a ter um outro enfoque e, em 1912, começou a retratar a vida social de Curitiba - atos públicos, festas oficiais, reuniões e divertimentos da `sociedade chique' e também o interior do estado.

Segundo Altafini surgiram também na Bahia, os documentaristas Rubens Pinheiro Guimarães, Diomedes Gramacho e José Dias da Costa, com documentações das tradições locais. Em Manaus, de 1913 a 1930, Silvino dos Santos documentou, durante toda a vida, a região amazônica a serviço de coronéis da borracha e comerciantes que se instalaram no local e utilizavam os filmes como propaganda e promoção.

Apesar de tais considerações, os filmes de Silvino foram de grande valor para o desenvolvimento do gênero, pela sofisticação técnica e experimentação lingüística utilizada. Altafini ressalta que este documentarista ``foi o pioneiro de algumas formas de trucagens como montar seqüências de trás para frente ou decupar as tomadas em vários ângulos e enquadramentos diferentes.'' (1999, p. 4)

No início do século passado, as produções documentais eram financiadas por empresas e instituições da elite ou dos chamados cine-jornais que, na década de 30 e 40, sustentaram a produção e comercialização dos filmes brasileiros. Tal postura fílmica seguia as mesmas características documentais griersonianas que vigoravam na Europa e que, no Brasil, eram reforçadas pela política de Getúlio Vargas. O jornalista destaca o papel dos departamentos de controle getulista do período do Estado Novo como o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e os DEIPs (Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda) que dominavam a produção de jornais cinematográficos, eliminando os concorrentes e levando ao desaparecimento a maioria das produtoras independentes. A propaganda estatal e a privada eram a base de sustentação dos filmes documentais.

Na década de 50 começa um novo período político, em que o socialismo e o capitalismo se antepõem. Com base no trabalho de Altafini, é possível notar que, nesse período, a produção cinematográfica brasileira sofre influência comercial americana, com a indústria hollywoodiana e surge, então, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz com o lema ``Produção Brasileira de Padrão Internacional.'' A companhia produziu alguns documentários de linguagem clássica e de curta metragem como Painel (1950) e Santuário (1951), dirigidos por Lima Barreto.

A partir de 52 as produções do cinema brasileiro começaram a ser debatidas nos congressos nacionais e estaduais. Surgiram novos sentimentos de possibilidades revolucionárias frente às dificuldades econômicas do Brasil em relação ao cinema americano. Como afirma Altafini:

Uma nova geração de cineastas, críticos do cinema que vinha sendo produzido no Brasil estava surgindo. Essa geração vinha influenciada por movimentos cinematográficos internacionais como o Neo-realismo italiano, o surgimento da Nouvelle Vague francesa, estas também influenciadas pelas teorias russas da montagem de Eisenstein e o cine-olho, de Dziga Vertov. Esse quadro avança para uma ruptura da nova geração de cineastas com os padrões de produção adotados até então. (1999, p.9)

O Neo-realismo italiano surgiu durante a II Guerra Mundial, com abordagem de temáticas realistas das dificuldades em que a Itália e a Europa atravessavam. Já a Nouvelle Vague francesa é do final da década de 50 com os princípios próximos ao Cinema Novo que consistia em sair dos estúdios e documentar o cotidiano adotado.

Os novos documentaristas romperam com o modelo clássico a partir da inovação do gênero e da linguagem. Tais inovações deram início ao novo estilo de produção cinematográfica denominado de documentário moderno. Marcelo Ridenti realça, no livro Em busca do povo brasileiro, o novo período em que o cinema nacional vivia na década de 60.

Segundo Ridenti, nesse período o cinema tinha grande influência cultural na sociedade, o qual tinha como principais integrantes, documentaristas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Ruy Guerra, Zelito Viana, Walter Lima Jr., Luiz Carlos Barreto, Eduardo Coutinho, Arnaldo Jabor, Paulo César Saraceni e outros, que defendiam posições de esquerda na política nacional. ``O cinema estava na linha de frente da reflexão sobre a realidade brasileira, na busca de uma identidade autêntica do cinema e do homem brasileiro, à procura de sua revolução.'' (2000, p.89)

Foi nessa época que o documentário ganhou espaço nas universidades com a participação dos movimentos estudantis como a UNE (União Nacional dos Estudantes), a qual vivia períodos de liderança nas ações populares. E, de acordo com Altafini, ``foi no Cinema Novo que o documentário brasileiro alcançou suas maiores realizações'' . (1999, p.10)

A nova visão do cinema, influenciada pelos movimentos cinematográficos europeus, dá espaço para a produção de documentários autorais, em que cada tema é abordado com sua própria linguagem, sem padrões pré-estabelecidos. Altafini ainda explica que: ``na verdade, esses filmes eram produzidos por pessoas que acreditavam na possibilidade de transformação social através do cinema.'' (1999, p.11)

Nesse período, a linguagem e a montagem do documentário passam por transformações expressivas. A partir do novo modelo de produção, os cineastas deixavam claro para o público que aquilo era um filme e, por isso, na montagem utilizavam colagens experimentais, com locução não linear e outros mecanismos que permitiam a interpretação do próprio espectador diante da realidade apresentada. Thiago Altafini relembra as novas técnicas de filmagem e produção utilizadas na década de 60, que possibilitaram maior liberdade de criação aos documentaristas:

Uma nova estética passa a surgir com a nova forma de utilizar as câmeras. A imagem não é mais limpa, estática, devidamente iluminada e sim a câmera na mão provoca oscilações, tremores, ela se locomove com o caminhar do fotógrafo, não são utilizados filtros, a luz é natural, estourada, portanto, na maioria das vezes, deficiente. Muitas vezes são utilizados negativos vencidos que originam imagens super-contrastadas mas que são incorporadas à concepção estética do filme. (1999, p.12)

Influenciado pela nova linguagem utilizada pelos adeptos dessa vertente cinematográfica, o produtor, fotógrafo e realizador Thomas Farkas, uma das mais atuantes e importantes personalidades do Cinema Novo, saiu com sua equipe pelo Brasil para fazer filmes sobre a cultura popular, em especial sobre as tradições do homem do campo nordestino. Ele produziu, neste período, cinco importantes documentários da época.

A falta de condições e de recursos caracterizada no Cinema Novo foi incorporada pelos cineastas. Uma nova linguagem nos documentários brasileiros foi impulsionada por Glauber Rocha denominada de ``Estética da Fome.'' Conforme afirma Altafini, os filmes documentais com enfoques de esperança do povo nordestino começam a ser produzidos. Um exemplo é Viramundo, de Geraldo Sarno, que demonstra a trajetória do migrante nordestino em São Paulo. Esse filme ficou consagrado por conseguir resistir à ditadura militar e abordar, de forma crítica, a situação de pobreza que grande parte da população brasileira estava vivendo.

Ele ainda ressalta a participação de Eduardo Coutinho, com o filme Cabra Marcado para Morrer, lançado em 1984. Altafini o caracteriza como o filme mais importante na história do documentário brasileiro, o qual demorou 17 anos para ser finalizado em decorrência da censura militar de 64. Nele, Coutinho retrata a reação das pessoas camponesas ao assistirem a primeira versão do filme sobre o assassinato de um líder camponês no movimento das ligas camponesas de Sapé, Paraíba.

Nesse período, o documentário assume características revolucionárias com temas relacionados às realidades sociais do país, como organizações estudantis, movimentos sindicais operários, movimentos comunitários e temas ligados à habitação e saúde. Thiago Altafini aponta as novas direções do documentário durante a década de 70 e início da década de 80, em que as produções documentais se voltam para o relato do renascimento das mobilizações populares que refletiam a abertura política que o país estava atravessando. (1999, p.19)

Alguns realizadores se destacam dentro dessa linha de produção como João Batista de Andrade, autor do filme Greve (1979) e, no mesmo ano, Renato Tapajós produz o filme Greve de Março. Além disso, os cineastas Sérgio Segall, Silvio Tendler, Arlindo Machado, Eliane Bandeira e outros, também fazem parte dessa geração. Glauber Rocha representa a experiência documental mais significativa da época e se consagra como um dos mais importantes cineastas brasileiros.

Nos anos 80, o documentarismo brasileiro passa a ser mais analítico e delimitado para reconstruir novos olhares sobre o passado. Inicia-se então, uma busca pela memória fílmica do país que se estende às décadas seguintes. De acordo com Altafini, com o fim da Guerra Fria que era baseada na divisão do mundo em dois blocos (capitalista e socialista), o neoliberalismo globalizado da década de 90 aponta um novo rumo para o documentarismo brasileiro, em que as informações externas do país compõem o imaginário coletivo.

Com a introdução do sistema de televisão a cabo no Brasil, os cineastas documentaristas encontram um novo espaço para a veiculação de suas produções e a comercialização do gênero, que também foi impulsionada com o surgimento dos canais especializados. Ao mesmo tempo, a atuação do governo Collor, no começo da década, trouxe conseqüências negativas para a produção documental brasileira, pois a extinção da Embrafilme, principal distribuidora e responsável pela cópia das imagens digitalizadas em película cinematográfica, restringiu a exibição dos documentários em canais de televisão educativos, públicos ou a cabo.

Algumas emissoras ainda enfatizam o documentário em suas programações e, de uma forma ou de outra, conseguem mantê-lo atuante no mercado. Segundo Thiago Altafini:

A TV Cultura de São Paulo é um exemplo de TV pública e aberta que investe periodicamente na produção de documentários. O canal via cabo da Globosat, o GNT, mesmo não investindo significativamente na produção e comprando muitos filmes estrangeiros, ainda é o canal que tem garantido a exibição da nova safra de documentário brasileiro. Temos que citar também a experiência já de um ano do Canal Brasil que vem garantindo o resgate e a divulgação no cinema nacional de todos os gêneros e épocas. (1999, p.21)

A pluralidade de temas da década de 90 é evidenciada nos diversos documentários produzidos no período, como: Futebol (1998) de João Moreira Sales, Os Nomes da Rosa (1998) dirigido por Pedro Bial, Três Chapadas e um Balão (1998) de Maurício Dias, entre outros.

Atualmente os documentários estão sendo bastante utilizados como um meio de comercialização no cinema nacional e disseminado em festivais e mostras competitivas. Os chamados ``docudramas''1.3, como Cidade de Deus e Carandiru, lançados recentemente, são recordes de bilheteria. Além disso, torna-se cada vez mais comum a difusão do tema por revistas especializadas no assunto. Todavia, Thiago Altafini ressalta a importância da década de 60 para o documentarismo brasileiro, pois até hoje os realizadores resgatam as características do Cinema Novo e voltam-se para temáticas relacionadas ao povo brasileiro, a cultura popular tão presente no documentário moderno.

Nos últimos anos, as produções audiovisuais de documentários vêm ganhando espaço no circuito cinematográfico. O pesquisador e crítico de cinema, Amir Labaki, diretor do Festival E Tudo Verdade, promovido anualmente pelo Centro Cultural Banco do Brasil e realizado alternadamente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, afirma que: ``a verdadeira explosão da produção de documentários brasileiros é observada no ano de 2001.'' (apud FARIA, 2003, p.1)

O documentarista Marcos Henrique Lopes, em entrevista ao site e-Pipoca, concorda com a atual explosão dos documentários cinematográficos e ressalta que, atualmente o mercado brasileiro para esse gênero está concentrado em programas veiculados em TVs por assinatura, ou em festivais e mostras competitivas. Segundo ele: ``Neste ano, na competição nacional do Festival É Tudo Verdade, 192 documentários foram inscritos, o que corresponde a 40% a mais que no de 2002. (2003, p.1)

O jornalista e coordenador do laboratório de TV da UFRJ, Antônio Brasil, demonstra sua empolgação em torno da volta dos documentários brasileiros nos grandes festivais do país, no artigo publicado no site Observatório da Imprensa, intitulado de Eles se recusam a morrer. Ele afirma que: ``os filmes documentários, com sua tradição centenária de independência e mobilização política, não poderiam ficar indiferentes aos acontecimentos da nossa época.'' (2003, p.1)

Jornalismo

O vídeo documentário e o jornalismo diário

No cinema atual, o gênero documentário ganha proporções evidentes no circuito brasileiro. Revistas especializadas e produções cinematográficas, que se voltam para o documentário, se tornam cada vez mais comuns. Essa arte audiovisual pode ser considerada uma arma poderosa e uma ferramenta usual de persuasão. Porém, é um veículo elitizado. Na conjuntura brasileira são poucas as pessoas que freqüentam as salas de exibição em busca de conhecimento.

Em toda trajetória histórica do documentário, desde o início do século passado, os assuntos abordados no cinema ou na televisão sempre envolveram a realidade de determinados fatos ou pessoas. Com isso, reforça-se a teoria de que ele pode ser um importante instrumento para o conhecimento real dos acontecimentos, de maneira a compreender os mecanismos de construção daquela realidade. Nesse sentido destaca-se o papel da televisão e do jornalismo, na difusão das informações pertinentes ao desenvolvimento crítico da sociedade, com o vídeo documentário.

Embora alguns cineastas defendam a teoria de que esse gênero possui características distintas do jornalismo, sua definição envolve posições divergentes. João Moreira Sales, em debate no programa Observatório da Imprensa veiculado na TVE, no dia 25 de maio de 2003, em que os convidados discutiam o tema A Hora e a Vez do documentário, afirmou que o gênero tem como uma das principais características o seu caráter autoral e que, portanto, não pode ser definido como algo jornalístico, já que este deve ser isento e imparcial. Por outro lado, o jornalista Alberto Dines, apresentador e mediador do programa, discorda da posição de João Moreira Sales e afirma que o jornalismo ideal também pode ser autoral, pois o repórter vê e opina sobre o fato que relata. Segundo ele a imparcialidade é um mito.

Com base no debate mencionado, verifica-se que não é possível estabelecer definições fixas sobre o documentário, seja ele utilizado por jornalistas ou cineastas. A pesquisadora Cristina Melo, em seu trabalho apresentado em setembro de 2002, no Núcleo de Pesquisa em Comunicação Audiovisual, no XXV Congresso Anual em Ciências da Comunicação, realizado em Salvador, afirma que: ``o fato de ser um discurso sobre o real e utilizar imagens in loco são características que aproximam o documentário da prática jornalística.'' (2002, p.6)

A produção de documentários realizada por jornalistas evidencia a preocupação em utilizar um dos quesitos pouco empregados do lead2.1: o porquê. No entanto, no jornalismo diário a prática profissional se volta para a transmissão dos fatos visíveis, meramente quantitativos e factuais, sem contestar os motivos que levaram ao fato. Sávio Tarso e Tatiana Carvalho defendem, no trabalho desenvolvido por eles no Centro Universitário de Leste de Minas Gerais (Unileste), que o gênero possibilita uma reavaliação das abordagens atualmente utilizadas pelos jornalistas. Eles afirmam que: ``ao olharmos para o documentário vemos um ponto de revigoramento do fazer jornalístico.'' (2003, p.3)

Mesmo havendo essa divergência de opiniões sobre o aspecto de definição do documentário existem evidências que permitem afirmar que ele também pode ser definido como jornalístico.

O professor Antônio Brasil, em seu artigo Crônica de uma morte anunciada, publicado no quadro Qualidade na TV, do site Observatório da Imprensa, aponta o Globo Repórter como um exemplo de produção documental jornalística de sucesso. Segundo ele, o programa surgiu em um período de revolução do país, sob alvo da censura imposta pela ditadura militar e se tornou uma das principais escolas de formação profissional e realização de documentários. Brasil afirma que: ``Março de 1973: era o início do Globo Repórter, um dos programas jornalísticos mais antigos da nossa TV.'' (2002, p.1)

Para Antônio Brasil, nos primeiros dez anos, o Globo Repórter viveu a sua melhor fase, mas com as novas restrições aos experimentos, até então utilizados, o programa foi se descaracterizando:

O projeto pioneiro do Globo Repórter sobreviveu à ditadura, mas não sobreviveu ao peso da sua própria história de sucesso, criatividade e inovação. (...) Passou a ser um programa com reportagens longas sobre temas óbvios e abandonou definitivamente a experimentação de novas linguagens audiovisuais. (...) Os temas passaram a privilegiar, com raras exceções, a vida dos animais estranhos e o turismo em locais exóticos, e programas burocráticos e pouco criativos. Os temas sociais e as denúncias de um jornalismo mais investigativo e impessoal, características fundamentais do gênero documental foram substituídos pela produção institucional tímida e bem comportada. (2002, p.2)

Atualmente, a TV Cultura é o único canal de televisão, com sistema de transmissão aberto, que dá destaque ao documentário. Ela veicula diversos programas do gênero como, Doc Brasil, Cultura Documento, Expedições, Documento Nordeste, Caminhos e Parceiras, Repórter Eco, com documentários do jornalista Washington Novaes, entre outros. Porém, são poucos os telespectadores que têm acesso a esses programas, pois a emissora não possui um sinal de transmissão abrangente e seu investimento financeiro em equipamentos de alta tecnologia é baixo.

Já as emissoras comercias, com maior índice de audiência, voltam-se principalmente para programas de entretenimento direcionados à teoria funcionalista da comunicação, na qual a televisão é tida como um meio de relaxamento depois de um dia cansativo de trabalho, sem nenhum comprometimento com a educação.

Carlos Pereira e Ricardo Miranda ressaltam a concepção dos diretores de jornalismo dessas emissoras, de que as matérias devam ser sucintas e digeridas, retratando o que aconteceu de mais significativo naquele dia, para que o telespectador não precise pensar, já que este teve um dia inteiro de trabalho cansativo:

Este resultado é obtido transmitindo-se somente miniflashes das notícias selecionadas que, para serem transmitidas devem obedecer a rigorosos critérios de clareza, rapidez e possibilidade de fácil absorção, de modo que se dê ao telespectador a ilusão de que foi bem informado. (Apud REZENDE 2000, p.116)

Entende-se que as notícias diárias abordadas nos telejornais das emissoras comerciais, não contribuem para a clareza das idéias, ou seja, não despertam o sentido crítico dos telespectadores fazendo com que eles não tenham uma visão mais apurada sobre os assuntos apresentados.

A apatia da maioria da população frente aos acontecimentos diários transmitidos via mídia televisiva, deve-se à falta de compreensão das realidades veiculadas. Sem clareza das idéias, apáticos com relação aos problemas e sem a compreensão dos fatos, os membros das comunidades não conseguem se organizar em busca de melhorias. Dessa forma, desencadeia-se um processo de estagnação social, no qual os fatos são absorvidos sem nenhum questionamento. Com base na afirmação de Schulz, o jornalista Michael Kucinski, ressalta no livro Conceitos de jornalismo, os problemas acarretados pelos noticiários. Segundo ele: ``Schulz critica as reportagens qualificando-as de superficiais e desprovidas da preocupação de assinalar as tendências fundamentais e os contextos mais amplos.'' (2001, p. 325)

Trata-se de destacar o direito à informação pertinente à necessidade da consciência crítica para o desenvolvimento individual e coletivo. De acordo com o jornalista Guilherme Rezende: ``a mensagem informativa deve aliar o compromisso prioritário com a inteligibilidade e proporcionar, além da assimilação, a possibilidade de uma reelaboração crítica dos conteúdos transmitidos.'' (2000, p. 64)

A consciência crítica necessária ao desenvolvimento coletivo, ressaltada por Rezende, vem ao encontro das características do documentário, em que há uma linguagem aprofundada e interpretação dos fatos com contextualizações mais amplas. O estudioso Hélio Godoy, em entrevista concedida como fonte de pesquisa para o trabalho de conclusão do curso de jornalismo dos estudantes Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Tomba, realizado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), afirmou que: ``os documentários são educativos pela sua própria natureza, uma vez que eles são formas de produção de conhecimento. Quando assistimos, nos tornamos donos de seu conhecimento ou de parte dele.'' (2002, p. 27)

Diante disso, optou-se por realizar uma análise comparativa entre o programa mais citado pelos moradores do Jardim Eldorado, durante a pesquisa aplicada no local, e o programa de documentários ``Caminhos e Parcerias'', da TV Cultura, que divulga o trabalho de algumas ONGs, as quais ajudam a construir a realidade em que vivem as comunidades retratadas. Observa-se a diferença da linha editorial de ambos e conseqüentemente a influência que podem exercer na cultura local.

Conforme a pesquisa, o programa mais assistido pelos entrevistados é o jornal, com um percentual de 30%. A novela aparece logo em seguida, representando 27% da preferência dos entrevistados. Os filmes são preferidos por 8%. Outros 8% disse não assistir televisão e 5% afirmou assistir ao Programa do Ratinho. Com o mesmo percentual de 3%, aparecem, como preferidos, os programas Márcia Goldschmidt, Silvio Santos, Gugu, Infantil da Cultura, Globo Repórter e de esportes. E, respectivamente, apenas 1% prefere Malhação, Fantástico, Faustão e A Turma do Gueto.

Gráfico 1: Percentual dos programas mais assistidos pelos entrevistados

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A partir da transcrição do Jornal Nacional, veiculado diariamente na Rede Globo de Televisão às 20h15, e do programa de documentários Caminhos e Parcerias da TV Cultura, com exibição aos domingos às 18h30 e reprisado nas quintas-feiras às 00h30, é possível perceber os diferentes direcionamentos que podem ser dados a um trabalho jornalístico.

No Jornal Nacional de 23 de junho de 2003, apontado pela pesquisa aplicada no Jardim Eldorado, como o principal programa assistido pelos moradores, são abordados aproximadamente seis assuntos, nos quais, o tempo determinado a cada um deles, não ultrapassa, em média, dois minutos. A rapidez e a quantidade de informações acumuladas em um mesmo programa faz com que, ao final de sua exibição, os telespectadores não tenham assimilado mais do que dois, dos assuntos transmitidos.

Veiculado em horário nobre, estrategicamente localizado entre as novelas da Globo, o Jornal possui uma grande audiência. Tal fato desencadeia uma valorização dos custos publicitários e, conseqüentemente, a produção de matérias breves e superficiais.

Enquanto que o noticiário se detém na divulgação sucinta dos principais fatos do dia, o programa de documentário da TV Cultura se aprofunda no tema abordado, utilizando meia hora, dividida em dois blocos, para mostrar a realidade das pessoas envolvidas no assunto em questão.

No programa Caminhos e Parcerias veiculado no dia 13 de abril de 2003, nota-se que existe uma preocupação em ressaltar o que, geralmente, não é notícia na grande imprensa. Ressaltam-se as atividades de membros da comunidade Selva de Pedra, localizada na Zona Sul de São Paulo, em busca de melhorias para o local em que vivem.

A partir da formação de uma cooperativa de catadores de papel, a comunidade se desenvolveu e conseguiu alcançar os objetivos traçados por eles como empregos para os moradores do local e renda familiar para sobreviverem. Com o trabalho de Jocemar Silveira, morador e presidente da Cooperativa de Reciclagem de Lixo, e da ONG Rede Mulher de Educação, os integrantes da comunidade perceberam a importância da coleta seletiva e do trabalho em conjunto. Para isso, houve a conscientização da necessidade de uma educação ambiental que contribuísse para o equilíbrio entre a natureza e os lucros da Cooperativa. Dessa forma, além de terem um meio de trabalho os participantes da iniciativa desenvolveram a cidadania e a responsabilidade social.

Esse programa da TV Cultura se concentra na divulgação de realidades vividas por membros da sociedade, que encontraram uma forma de driblar as dificuldades que enfrentavam. A partir dessa divulgação, os telespectadores conhecem as histórias de união das comunidades que conseguiram visualizar novas perspectivas de vida e assimilar para a sua realidade a mesma condição. De acordo com Neide Duarte, jornalista, roteirista e diretora do programa Caminhos e Parcerias, o principal fator que deve ser ressaltado é o tratamento dado aos ``personagens'' que estão inseridos na história apresentada no documentário:

A melhor coisa desses programas é você mostrar as pessoas com dignidade. Essas pessoas que não conseguem ter espaço. Elas não conseguem aparecer de uma forma bacana. De aparecer à foto que a menina de 18 anos tirou, com o crédito dela. E é por isso que ela está aparecendo na televisão. Porque ela tirou uma fotografia do bairro dela. E isso não é notícia para a grande imprensa. Os grandes veículos estão mais interessados em tratar o problema da seca e da miséria de forma divertida. (2003, p.1)2.4

Ao contrário, como foi possível notar, no telejornal, as diversas informações são transmitidas de maneira linear e unificadas de modo a se igualarem em valor e relevância. Arlindo Machado, jornalista crítico da televisão, o qual elege a qualidade do gênero como questão central de suas análises, questiona a estrutura dos telejornais como instrumento de formação pessoal.

Sendo assim, não há diferenciação dos fatos pelos telespectadores, que assimilam as notícias em um mesmo grau de importância, seja sobre o assassinato dos meninos da Candelária, ou sobre as mudanças no comportamento humano em relação à beleza. Para ele: ``o telejornal se constrói da mesma maneira, se endereça de forma semelhante ao telespectador, fala sempre no mesmo tom de voz e utiliza o mesmo repertório de imagens.'' (2001, p.104)

Além disso, Machado reforça os problemas evidenciados no telejornalismo diário frente aos assuntos abordados e o real entendimento dos fatos. Ele afirma que: ``na verdade, ele turva qualquer perspectiva clara dos acontecimentos, ele embaralha as razões dos lados em conflito, ele obscurece as fronteiras e promove a confusão dos argumentos, mesmo quando nomeadamente assume uma das forças beligerantes.'' (2001, p. 113)

Segundo Machado, o fato de não proporcionar uma linha coerente de raciocínio, somada às multiplicações de imagens, opiniões e depoimentos, desencadeia uma falta de coerência dos noticiários, pois ``acaba por semear confusão ali mesmo onde, sob a rubrica da `informação', deveria haver ordem, coerência e sistematização da notícia.'' (2001, p.113)

Em contrapartida, a veiculação de informações a partir do modelo opinativo ou interpretativo do jornalismo, o entendimento da realidade pode ser mais facilmente assimilado pelos espectadores. Ele acrescenta que ``um telejornal opinativo pode ser teoricamente mais preferível, uma vez que pode exercer uma influência mais ativa junto à opinião pública e produzir uma mobilização real.'' (2001, p. 109)

Assim como o telejornal opinativo, o vídeo documentário permite ao jornalista uma maior liberdade para criar e interpretar aquilo que vê. Dessa forma, o profissional encontra o espaço propício para desenvolver uma atuação interpretativa da realidade apresentada.

A mobilização social do vídeo documentário

Diante da realidade brasileira, em que há um elevado grau de analfabetismo e baixo poder aquisitivo da maioria da população, o acesso à cultura e ao conhecimento, de um modo geral, torna-se `privilégio' de poucos. A percepção dos acontecimentos da sociedade como um todo, provém, principalmente, dos meios de comunicação de massa.

Nesse contexto, a televisão assume papel importante na construção dos conceitos e hábitos de grande parte da população. Bernardo Kucinski, jornalista e chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ressalta que o poder de influência da televisão se acentua em sociedades com condições culturais, econômicas e sociais precárias, como a brasileira, por exemplo. A persuasão e o controle social ganham proporções devido ao número de televisores existentes no país. Ele afirma que: ``é por intermédio da TV, que as classes B,C,D e E percebem os assuntos atuais, adquirem novos hábitos e desenvolvem uma linguagem comum.'' (1998, p.18)

Além das condições sociais favoráveis à atuação manipuladora dos meios de comunicação, o jornalista Guilherme Rezende acrescenta ainda o poder de cativar os telespectadores por meio da linguagem emotiva, exercida pelo gênero televisivo. Ele ressalta que: ``na comunicação audiovisual, portanto, registra-se o predomínio da sensação sobre a consciência, dos valores emocionais sobre os racionais.'' (2000, p.40)

Com base na argumentação de Rezende, é possível afirmar que, devido ao grande poder de persuasão e influência coletiva exercida por esse meio eletrônico, a veiculação de informações deve ser feita com responsabilidade, de forma a despertar a consciência crítica dos indivíduos.

De acordo com Arlindo Machado, o caráter coletivo da televisão poderia ser utilizado para o convite à mobilização e participação na sociedade em torno de um interesse comum e acrescenta que para haver qualidade nesse meio de comunicação de massa é preciso valorizar a produção de ``programas e fluxos televisuais que valorizem as diferenças, as individualidades, as minorias, os excluídos, em vez de a integração nacional e o estímulo ao consumo.'' (2001, p.25)

Acredita-se que tais qualidades verificadas podem despertar a mobilização social por serem desenvolvidas a partir do caráter interpretativo do gênero utilizado. O vídeo documentário, além de valorizar os fatos individuais e peculiares com a valorização das diferenças destacadas por Machado, ainda possui uma linguagem mais aprofundada dos temas apresentados e, portanto, pode ser um veículo de impulsão para o desenvolvimento cultural.

Como afirma Maria Tereza da Fonseca, professora de cinema na Universidade Metodista de Piracicaba, o gênero audiovisual pode ser um importante instrumento para desenvolver o conhecimento pessoal e coletivo, pois estimula a memória, a atenção, o raciocínio e a imaginação. Conforme ela:

O audiovisual é um meio eficaz na mediação do processo de apropriação do conhecimento, porque comporta em sua composição vários elementos de linguagem que propiciam uma compreensão em vários níveis. Assim, podem facilmente desencadear associações que levam aos sentidos e aos significados. (1998, p.37)

Esse desenvolvimento cultural, desencadeado pela compreensão dos reais acontecimentos, é um dos pontos fundamentais do documentário que, segundo o documentarista Paulo Baroukh, em entrevista concedida aos alunos da PUC-Campinas, esse gênero audiovisual é um modificador das concepções pré-determinadas pela comunidade envolvida no assunto abordado. Ele afirma que: ``o documentário é uma poderosa ferramenta educacional, não só na transmissão do conhecimento como na formação da consciência crítica e fomentação de reflexão a respeito dos temas que apresenta.'' (2002, p.111)

O documentário deve promover a integração entre os membros da comunidade retratada e desenvolver a cooperação entre eles, de forma a enriquecer os conhecimentos individuais e coletivos. Possibilita ainda ao jornalista especializado no gênero, a oportunidade de dedicar-se aos fatos do cotidiano, os quais envolvem todos os tipos de pessoas, independente da raça, cor, religião, ou posição social que exercem e não considerar os ``furos'' de reportagem como prioridade de produção.

Conforme Neide Duarte, os fatos cotidianos não estão inseridos no foco de interesse das redes comerciais de televisão, que se preocupam em manter a audiência controlada a seu favor e priorizam em seus canais a superficialidade e o imediatismo dos fatos. Dessa forma, os pequenos gestos de mobilização que comumente podem ser evidenciados em meio às comunidades são substituídos por fatos comoventes ou por declaração oficiais de ilustres representantes. Ela afirma que:

Não há discussão sobre os problemas da sociedade na grande imprensa. É legal de resgatar o que não é notícia. É muito importante resgatar os valores da periferia. Eles estariam aparecendo na televisão não porque roubaram ou mataram, mais porque fizeram algo real. (2003, p.1)2.5

Ao contrário do que é veiculado no sistema comercial, a televisão pública vem ao encontro dos objetivos do vídeo documentário, no caráter mobilizador e participativo da comunidade. Nela, assim como no vídeo documentário, há a valorização dos relatos em que se traduzem as culturas populares comuns ao local retratado.

Omar Rincón, professor colombiano e pesquisador em comunicação, televisão e educação pela Universidade Javeriana, Bogotá - Colômbia, afirma que ela tem como característica principal o destaque ao caráter de formação do cidadão e a superação da visão comercial dos acontecimentos nas relações humanas. Para ele, a televisão pública é: ``o lugar social de todos, como uma alternativa audiovisual de encontro da sociedade, de fomento dos direitos dos cidadãos, e de reconhecimento da pluralidade social que nos habita.'' (2002, p.29)

A partir da Conferência de Halifax, no Canadá, em 2000, alguns realizadores latino-americanos reuniram artigos sobre a televisão de qualidade no livro intitulado de Televisão Pública: do consumidor ao cidadão. Nele, Guilhermo Orozco Gómez (2002, p. 233), pesquisador televisivo mexicano, defende a necessidade de romper com os conceitos pejorativos sobre a televisão, em que ela é vista apenas como entretenimento. Ele afirma que é preciso adotar uma mudança de mentalidade no sentido de incentivar o questionamento, a contestação, a análise e a reflexão, sobre as produções televisivas e suas contextualizações para se tornar dispositivo educativo, cultural e político.

Nesse sentido, a televisão pública assume o papel de construir a realidade a partir de suas produções midiáticas, como no vídeo documentário. O objetivo de mobilização e representação do cotidiano no gênero documentarista estabelece uma junção ideológica com o caráter de cidadania da tevê. Para Gómez: ``a missão de uma televisão pública é fertilizar, a partir de sua tela, o terreno propício para que a mudança real possa germinar.'' (2002, p.263)

Embasado nessa linha de pensamento, grande parte da programação da televisão pública é voltada à veiculação de documentários que valorizem a pluralidade dos fatos e evidencie iniciativas construtivas da sociedade. Segundo Diego Portales Cifuentes, chileno, economista especializado em questões da mídia, o documentário se enquadra nos gêneros específicos utilizados por esse veículo e desempenha o papel de desenvolvimento cultural a partir da exposição de detalhes sobre os temas abordados. Ele o define como: ``programas da vida real que requerem uma pesquisa científica e/ou jornalística básica e um relato com o tempo suficiente para desenvolver o tema dentro de um contexto e com profundidade.'' (2002, p.141)

A importância do vídeo documentário enquanto mobilizador da sociedade, desenvolvido a partir da contextualização dos fatos, está evidenciado na valorização do aspecto pessoal, em que os indivíduos se fortalecem e depositam seus ideais e sonhos na expectativa de realizações próprias. Cicília Maria Krohling Peruzzo, doutora em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP) afirma que: ``O homem tem como essência, a potencialidade de ser sujeito da história. Alienando-se, ele perverte os seus valores próprios, transformando-se em objeto. Nessas condições, ele se deforma, se embrutece, se desumaniza.'' (1998, p.26)

O vídeo documentário deve ressaltar os valores da comunidade que retrata, de forma a incentivá-la a obter simples produções que a satisfaça e lhe possibilite o desenvolvimento de suas virtudes. Cicília Peruzzo estabelece uma reação ao estado passivo da sociedade, quando esta se sente capaz de exercer suas atividades e demonstrar seus talentos.

Acredita-se que o respeito ao pluralismo e às individualidades da sociedade possibilita o exercício do direito e o dever de participar de forma livre e ativa na construção da realidade. Segundo ela: ``Como sujeitos livres da história, estarão ajudando a transformá-la em um espaço e um habitat digno de sua espécie.'' (1998, p. 303)

Enfim, a utilização do vídeo documentário deve despertar a participação popular que contribua para a formação da cidadania e estimule, por sua vez, a atuação do profissional em uma nova prática de comunicação. Cicília Peruzzo afirma que:

A participação e a comunicação representam uma necessidade no processo de constituição de uma cultura democrática, de ampliação dos direitos de cidadania e da conquista da hegemonia, na construção de uma sociedade que veja o ser humano como força motivadora, propulsora e receptora dos benefícios do desenvolvimento histórico. (1998, p. 296)

Dessa forma, entende-se que o vídeo documentário deve, além de estabelecer ligações entre os assuntos retratados e o mundo em que os espectadores estão inseridos, valorizar os indivíduos em suas potencialidades e capacidades de construção pessoal. Com isso, acredita-se que possa ser possível o surgimento de comunidades valorizadas, que acreditem na força da participação de todos em busca de um bem comum.

Prática

O vídeo documentário em Assis

Entende-se que o vídeo documentário pode ser um importante instrumento para a construção da cidadania, por sua abrangência nas comunidades e por se caracterizar pela representação da realidade dos locais retratados. Com a evolução das tecnologias, tornou-se mais fácil a aquisição de aparelhos de televisão à sociedade. Atualmente, grande parte das pessoas possui televisores em suas casas e o denominam como um dos mais importantes eletrodomésticos. Isso pode ser evidenciado na pesquisa aplicada junto ao bairro Jardim Eldorado, na qual verificou-se que, 92% dos entrevistados possuíam televisores em casa e somente 8% não possuía. Sendo assim, a influência exercida por esse meio de comunicação de massa sobre os indivíduos torna-se ainda mais evidente.

Gráfico 1: Percentual de moradores que possuem televisores em suas residências

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Mesmo havendo essa concentração de televisores na maioria das residências, a maior parte dos moradores de Assis recebe os sinais de transmissão de tevê aberta pelas retransmissoras das cidades da região, como Bauru e Presidente Prudente. Dessa forma, as informações contidas nos noticiários e programas em geral não retratam os fatos locais e englobam os acontecimentos das cidades mais próximas à área de abrangência das retransmissoras.

Assis, localizada a cerca de 500 quilômetros da capital, com aproximadamente 90 mil habitantes, possui as emissoras de televisão a cabo, TV Assis (canal 4), TV Com (canal 22) e TV Fema (canal 9), mantidas pela administradora TV Cabo, que libera a concessão para o funcionamento. A primeira é um canal comercial, com alguns programas de entretenimento e um noticiário sobre os fatos da cidade e região. Já a TV Com é denominada, pela própria emissora, com o caráter comunitário e veicula programas com formatos semelhantes.

A TV Fema é voltada à formação universitária e possui programação com formatos variados. Os programas são realizados por estagiários ou voluntários da Faculdade de Ensino Superior de Assis (Fema), que recebem orientação do Laboratório de Comunicação (Labcom). Eles se dividem nos gêneros de entretenimento, entrevistas, documentários, noticiários internos, entre outros.

Por serem canais de tevê a cabo, sua manutenção é condicionada ao pagamento de mensalidades e ao limite de alcance da rede. Dessa forma, somente as pessoas com maior poder aquisitivo têm acesso à sua grade de programação. As demais, se voltam para a rede aberta de transmissão, a qual, assim como as emissoras locais, disponibiliza pouco espaço para o documentário.

A pesquisa aplicada no bairro Jardim Eldorado, que se localiza na periferia da cidade, foi utilizada para obter uma maior dimensão do conhecimento desse gênero por parte da comunidade estudada, a qual demonstrou não estar familiarizada com o documentário, segundo sua denominação. Observou-se que os moradores não sabem o que é um vídeo documentário, pois 75% deles afirmou desconhecê-lo. Apenas 7% disse conhecer o gênero, porém não soube explicar o significado; 6% afirmou que o documentário traz informações; 4% respondeu que ele retrata a vida, e que é composto por entrevistas. Outros, 4%, não responderam. Nota-se que, mesmo havendo emissoras locais que veiculam o gênero, a comunidade periférica fica à margem desse tipo de informação.

Gráfico 2: Percentual do conhecimento dos moradores a respeito do vídeo documentário

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Embora a distribuição dos sinais do cabo seja restrita aos bairros centrais e de classe alta e não atinja a periferia, a presente pesquisa foi realizada junto aos responsáveis pelas concessionárias, por serem os únicos meios de comunicação televisiva existentes na cidade.

De acordo com as respostas obtidas na entrevista com os responsáveis das três emissoras de TV a Cabo de Assis, é possível perceber a ausência de definições em comum sobre o vídeo documentário e, pelo contrário, nota-se o antagonismo das respostas. Embora todas reconheçam a importância do gênero para a sociedade, sua definição é divergente.

Enquanto que a diretora executiva da TV Assis, Silvia Godinho, o define como um resumo objetivo dos principais fatos jornalísticos, a diretora de jornalismo da TV Fema, Alzimar Ramalho, o caracteriza como uma cobertura mais ampla e interpretativa sobre determinado fato ou situação. Já o diretor da TV Com, Fernando Pasquarelli, o definiu como um trabalho de suma importância para a sociedade, desde de que seja bem elaborado e pesquisado. A pesquisa apontou que a TV Fema possui um olhar mais jornalístico sobre o vídeo documentário, enquanto que as demais emissoras se concentram em sua característica de difusão de informações.

Verifica-se que as emissoras utilizam documentários em sua grade de programação. Contudo, as produções referentes aos assuntos locais são veiculadas somente na TV Fema, que apresenta dois programas com essas características: Recortes do Mundo e Retratos e Origens.

Em suma, mesmo havendo emissoras de televisão a cabo na cidade, que mantenham algum tipo de vídeo documentário em suas programações, não há grande incidência de abordagens de assuntos locais. Nas duas emissoras em que há a veiculação de programas do gênero, somente a TV Fema possui sua própria produção e destaca os fatos da cidade de Assis. Já na TV Com, os vídeos exibidos são realizados pelo Itaú Cultural, com assuntos variados de localidades diversas. Sendo assim, nota-se que, seja por falta de incentivo financeiro, por carência de profissionais qualificados, ou por falta de estrutura, Assis não dispõe de uma farta produção de documentários que possibilitem uma mobilização das comunidades locais.

Jardim Eldorado e a prática do vídeo

O bairro Jardim Eldorado está localizado na região extremo oeste da cidade, dentro do denominado Complexo Prudenciana, composto por nove bairros. Nessa região, habitam cerca de 26 mil pessoas, das quais, em média, 800 delas vivem no Jardim Eldorado. Sua formação ocorreu há aproximadamente 24 anos. No entanto, não existem registros históricos do bairro junto ao órgão municipal, exceto mapas ilustrativos divididos por setores, utilizados na divisão de serviços prestados à comunidade, como coleta de lixo e assistência social. Os dados levantados para o presente trabalho foram baseados em informações populares a partir de entrevistas com membros da comunidade que atualmente vivem ou participaram da história do bairro e também por meio de pesquisa quantitativa realizada com cerca de 6% da população local.

A discrepância de realidade entre a região central da cidade e o bairro é evidente. Um dos itens a se destacar é a condição financeira das pessoas que vivem no local, com a maioria das casas mal acabadas ou de madeira. Por estar próximo ao local de despejo de entulhos e não possuir asfalto é possível constatar bastante sujeira depositada nas ruas. Além disso, o fato de se localizar na região limite da cidade, os arredores são utilizados para alimentação de bovinos, que circulam pelas ruas deixando restos fecais próximos à área de habitação.

Apesar de conservar alguns moradores que participaram da formação do bairro, foi possível constatar, na abrangência do questionário aplicado no Jardim Eldorado, que o local é composto, basicamente, por jovens. Segundo a pesquisa, a maioria das pessoas encontra-se na faixa etária entre 26 e 35 anos, representando 28% do total de entrevistados. Um outro grupo com 15 e 25 anos, corresponde a 20%. Foi possível verificar também que há uma incidência representativa de pessoas com idade entre 46 e 55 anos, com 18%. Com um menor percentual aparecem as pessoas com idade entre 56 a 65 anos, 14%, de 36 a 45 anos, com 10% e de 66 a 75 anos, com 8%. Os demais, com idades entre 76 e 85 anos, representam apenas 2% do total dos entrevistados.

Gráfico 3: Percentual da faixa etária dos moradores entrevistados

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Segundo o ex-pároco que atuou na região de 1987 a 1989, Roberto Carlos de Souza, no início, o bairro teve dificuldades de formação por existirem muitos terrenos baldios adquiridos por meio de heranças ou doações que não visavam à moradia. Existiam poucas casas instaladas no local e, além disso, não havia luz, água, esgoto e asfalto. Durante dois anos, os moradores se mobilizaram para obter energia elétrica no bairro, porém não possuíam condições financeiras para arcar com as despesas dos postes necessários para a instalação da rede, o que retardou a concretização do fato. Durante cerca de cinco anos, os moradores tiveram que recorrer ao lampião a gás.

Raimundo Alves Marinho, um dos moradores mais antigos do Jardim Eldorado, conta que há 23 anos começaram a se instalar as primeiras 30 famílias, na atual área do bairro de aproximadamente 6 alqueires e 1/2, que equivale, em média, a 90 mil metros quadrados. Ele afirma que por três anos, a água foi encanada até as residências com mangueiras de borracha, a partir de um cavalete instalado na rua Poeta Osvaldo Dias, limite com o bairro Nova Florínea.

Mesmo havendo algumas evoluções, o bairro ainda se enquadra na parcela da população brasileira com analfabetismo, baixa renda familiar e carência de infra-estrutura. Realidades como essa podem ser observadas na pesquisa quantitativa aplicada no bairro. Constata-se que os membros da comunidade possuem um baixo índice de escolaridade, pois o percentual de entrevistados em atividade escolar, representa apenas 6% do total. A maioria está fora das atividades escolares, seja por ter concluído o curso, ou parado de estudar.

Gráfico 4: Percentual da atividade escolar dos moradores

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A pesquisa apontou ainda que, entre os entrevistados que estavam fora das atividades escolares, 55% cursou somente da 1ª até a 4ª série e 26% estava entre a 5ª e 8ª série do Ensino Fundamental. Apenas 16% teve acesso ao Ensino Médio, ficando entre 1ª e 3ª série. O restante, 3%, não sabia ler e escrever, pois não freqüentou a escola. Nota-se que, mais da metade das pessoas consultadas pela pesquisa, estudaram somente até a 4ª série do Ensino Fundamental.

Gráfico 5: Percentual de escolaridade das pessoas que estavam fora da atividade escola

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Porém, foi possível verificar que a pequena parcela de entrevistados que ainda estudam, 6% do total de entrevistados, são jovens entre a faixa etária de 13 e 20 anos, que estão terminando o Ensino Médio. Portanto, do total de pessoas entrevistadas que ainda estavam estudando, 67% cursou a 1ª e 2ª série do Ensino Médio e os restantes, 33%, fizeram o supletivo.

Gráfico 6: Percentual de escolaridade entre os moradores que estavam em atividade escolar

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A alfabetização dos moradores do Jardim Eldorado é realizada nas escolas próximas ao bairro. Fundada em 1976, a Escola Estadual José Augusto Ribeiro, da Vila Nova Florínea é uma das escolas mais antigas da região e oferece cursos do Ensino Fundamental, Médio e Supletivo. Já a Educação Infantil é prestada por escolas da rede municipal de ensino, como a EMEIF Coraly Julia Gonçalves Carneiro, fundada em 2001, no Conjunto Nova Assis, e na EMEI O pequeno aprendiz, localizada no Jardim Três Américas II, desde 1982.

Embora as estatísticas nacionais apontem que, quanto menor o grau de instrução das pessoas, maior o tamanho das famílias, atualmente o bairro é composto por pequenas famílias. Segundo a pesquisa, 50% do total de entrevistados do bairro Jardim Eldorado possui até três pessoas por residência. Outros, 38% dos moradores, possuem de quatro a seis pessoas convivendo na mesma casa. E 12% possui de 7 a 9 pessoas.

Gráfico 7: Percentual da quantidade de pessoas por residência

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A principal ocupação dos moradores é o trabalho agrícola, em geral bóias-frias, e o serviço doméstico, nos quais os trabalhadores recebem quantias mensais inferiores a R$ 400,00 que corresponde à renda familiar, composta por até quatro pessoas. Algumas famílias ainda sobrevivem da coleta de material reciclável retirado do lixão. A renda adquirida por meio da venda de metais, tijolos, alumínio, plástico e papelão varia conforme a disponibilidade de tempo que os moradores possuem. Alguns trabalham no corte de cana durante a semana e recolhem os ``entulhos'' aos sábados e domingos. Segundo morador, o material acumulado durante quatro dias de trabalho pode render entre R$ 60,00 e R$ 100,00. Entre as pessoas que coletam os materiais depositados no lixão de entulhos da cidade, existe um espírito de companheirismo e respeito mútuo, por compartilharem das mesmas dificuldades. Os materiais recolhidos, muitas vezes, permanecem na própria área de despejo, apenas separados por madeiras ou cordas, que demonstram a posse do morador.

De acordo com a pesquisa, a maioria dos entrevistados do Jardim Eldorado possui renda familiar entre R$ 201,00 e R$ 350,00, equivalente a 38% do total dos moradores pesquisados. Com 24%, uma outra fatia representativa de entrevistados se mantém com renda familiar entre R$ 351, 00 e R$ 500,00.

Outros, representando 20% dos entrevistados, possuem renda mensal familiar entre R$ 50,00 e R$ 200,00. Uma pequena quantidade de moradores, 6% do total, recebe mensalmente a renda familiar entre R$ 651,00 e R$ 800,00. Os demais, 6% e 2% não possuem renda fixa e sobrevivem de ``bicos'' e de ajuda de familiares. Outros, 4%, não souberam responder.

Gráfico 8: Percentual de renda mensal familiar dos moradores entrevistados

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Apesar do Jardim Eldorado já possuir 24 anos de existência, as condições de infra-estrutura ainda se apresentam de forma precária. Cerca de 70% da área do bairro ainda não possui pavimentação e, segundo dados da pesquisa, este é um dos principais problemas destacados pela população.

Foi possível perceber, a partir da pesquisa aplicada no bairro, que a maioria dos entrevistados, 41% do total, reclama das ruas esburacadas e 21%, do lixão e suas conseqüências. Outros, 11%, dizem que a lama e a poeira acumulada nas ruas é um problema que deve ser resolvido. Nota-se que, os principais pontos destacados, como as ruas esburacadas, o barro e a poeira, são resultantes da falta de asfalto do bairro. Já uma parcela de 7% dos moradores entrevistados acredita que o problema do bairro é a fumaça do lixão e 5%, a enxurrada. Entre os moradores consultados, 4% aponta a violência como algo que deve ser combatido. Com o mesmo percentual, de 3%, a droga, o desemprego e a erosão foram apontados como problemas. Apenas 1% dos entrevistados disse que não há nada que o incomode no bairro.

Gráfico 9: Percentual de problemas que o bairro apresenta, segundo os moradores

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Somente neste ano, algumas ruas estão sendo asfaltadas, porém muitos reclamam da qualidade do serviço prestado. Segundo membros da comunidade, o asfalto recém colocado já apresenta deformações decorrentes de chuvas, o que demonstra a fragilidade do material utilizado.

A falta de pavimentação asfáltica no local se deve, em partes, aos custos elevados dos serviços e produtos empregados. Como a população do bairro não possui renda necessária para custear as obras, o asfalto demora mais para chegar até a periferia e, conseqüentemente há uma proliferação de erosões, buracos e lama no local.

Embora seja possível notar que os principais pontos destacados pelos moradores são decorrentes da falta de asfalto e se considere a relevância de tal fato para o bairro, problemas como drogas e violência são bastante comuns nessa localidade. Apesar disso, observou-se uma certa cautela por parte dos entrevistados no que se refere ao assunto. Devido ao caráter polêmico e delicado de tais fatos, os entrevistados restringiram suas respostas na busca imediata de soluções práticas à região.

O desemprego, somado ao consumo de drogas, se torna fator determinante no desencadeamento da violência no bairro desde sua formação. Roberto Carlos de Souza afirmou que durante o período em que esteve atuando como padre no Jardim Eldorado pôde observar muitos problemas relacionados com o fato. Ele lembra que em três meses ocorreram cerca de 23 assassinatos envolvendo pessoas da comunidade local.

Enfim, nota-se que o bairro Jardim Eldorado apresenta dificuldades decorrentes de sua localidade periférica, que o deixa à margem das prioridades das políticas públicas. Além disso, a falta de organização dos próprios moradores impede que sejam encontradas soluções em conjunto para os problemas locais.

De acordo com a pesquisa, mesmo sendo um bairro com mais de 20 anos, não existe nenhuma organização de moradores específica para a sua área de abrangência, que seja impulsionada por líderes comunitários que busquem despertar a população para agir em prol de todos. Segundo 60% dos entrevistados, não existe organização de moradores no bairro; 24% não soube determinar a existência desse tipo de atividade; e somente 16% afirmou que existe associação de moradores no bairro, porém sua existência não pôde ser comprovada.

Gráfico 10: Percentual do conhecimento da existência de organização de moradores no bairro segundo os entrevistados

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Não há mobilidade social no bairro para a busca de melhorias e deposita-se a responsabilidade de mudança no governo. A maioria dos entrevistados não soube apresentar ações que poderiam desempenhar para melhorar o bairro, representando 68% do total de moradores pesquisados. Entre os moradores que apresentaram possíveis soluções para a melhoria do bairro: 8% disse acreditar na união das pessoas como forma de reivindicação; 4% afirmou que a solução seria ajudar os mais pobres; e 2% acredita, respectivamente, que deveria separar o lixo, organizar uma associação no bairro e através do voto modificar a situação em que se encontra.

Entretanto, 6% disse que nada poderia fazer para a melhoria do bairro, 4% quer se mudar do local e nada opinou sobre o assunto e 2% depositou no governo toda a responsabilidade de melhoria.

Gráfico 11: Percentual de ações apresentadas pelos moradores para a melhoria do bairro

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Com o vídeo documentário pretende-se ressaltar algumas ações isoladas de iniciativa popular em prol da comunidade existente no bairro e, a partir de sua divulgação, torná-la abrangente a todos os moradores do Jardim Eldorado, ou ainda, reforçar as dificuldades encontradas para que organizações políticas e não governamentais possam interferir na realidade vivida pelo bairro. Com isso busca-se mobilizá-los positivamente de forma a reverter essa situação de passividade.

Conclusão

O vídeo documentário fez parte das transformações sociais que ocorreram no mundo e, em especial, no Brasil. Ele acompanhou as diferentes correntes ideológicas e históricas, como por exemplo, no início da industrialização da Europa, com o registro dos operários nas fábricas ou com o trabalho de John Grierson, na tentativa de traduzir o cotidiano das pessoas da época. No Brasil, o documentário foi um dos importantes mecanismos de divulgação dos ideais revolucionários que permearam a década de 60 em plena ditadura e, dessa forma, influenciaram a sociedade. O gênero ainda acompanhou as tendências sociais com Glauber Rocha e muitos outros documentaristas e cineastas, que inovaram o método de registrar os acontecimentos, para que, dessa forma, captasse as peculiaridades de cada indivíduo e o valorizasse como pessoa.

Com as afirmações dos diversos teóricos contidas na presente monografia e as experiências obtidas no trabalho prático, podemos afirmar que o detalhamento e a contextualização dos fatos evidenciados na linguagem do documentário, proporciona condições de desenvolver o aspecto crítico dos membros de uma determinada região. A interferência do gênero pode ser observada na divulgação dos acontecimentos segundo a realidade vivida pela comunidade, que se identifica e desperta para a possibilidade de alguma transformação, ainda que não seja imediata.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados pela grande imprensa nacional, afirmam: ``O Brasil do século 20: um país 100 vezes mais rico4.1.'' Tal fato é questionado pela revista Carta Capital do mês de outubro de 2003, a qual demonstra o conflito secular entre o crescimento econômico do país e o atraso social da população. O que se evidencia é que, mais uma vez, esse enriquecimento se concentra nas mãos de poucos, em quase todas as localidades do território nacional. Na cidade de Assis, essa realidade não é diferente, uma vez que é composta por bairros como o Jardim Europa e outros, os quais possuem casas extremamente luxuosas, e as periferias, como a Vila Progresso e todo o Complexo Prudenciana entre outros, ainda conservam algumas casas construídas de madeira e se caracterizam como lugares com baixa renda familiar e condições precárias de moradia.

Ao observar a comunidade determinada por essa pesquisa, nota-se que a principal contribuição do vídeo documentário foi a reafirmação da discrepância social evidenciada no bairro em relação ao centro e a situação de exclusão vivida pelos moradores. Enquanto que há forte potencial de comercialização e circulação de uma quantidade de capital considerável no centro da cidade, mais especificamente na Av. Rui Barbosa e suas imediações, caracterizada como o centro financeiro da região, as periferias ficam esquecidas. Contrapondo esses dados, no caso do Jardim Eldorado, bairro estudado, a falta de estrutura financeira para aderir ao pedido de asfaltamento, por exemplo, faz com que o bairro permaneça, há mais de 25 anos, com ruas batidas de terra e entupidas de entulho para conter a erosão, provocada pela grande quantidade de águas pluviais que desembocam no local.

Para alguns moradores do bairro Jardim Eldorado, a cidade de Assis se resume no Complexo Prudenciana, onde se encontra o bairro. A divisão social existente entre o centro e a periferia é incorporada por boa parte da população, que não se sente digna de freqüentar os mesmos lugares, onde a camada mais favorecida costuma estar. Roupas, sapatos e outros acessórios da vida cotidiana são adquiridos nos arredores do bairro, pois os integrantes da comunidade não possuem dinheiro suficiente para se inserirem no contexto consumista da região central e afirmam que o shopping ou as lojas da Avenida Rui Barbosa não representam suas realidades.

Foi possível constatar que alguns moradores do Jardim Eldorado se sentem incomodados pela situação em que se encontram, porém a falta de união existente no bairro prejudica a formação de associações ou organizações que possam lutar a favor de todos. Algumas pessoas do local se destacam pelo caráter de desprendimento e sentimento de luta em relação aos demais. No entanto, a falta de encorajamento e também de educação, que lhes proporcionariam a coragem para enfrentar os desafios, são alguns dos empecilhos para a formação de grupos organizados. A participação em um documentário que resgate a história do bairro e valorize os indivíduos poderia contribuir para esse despertar.

Por outro lado, a deflagração de fatos como, o lixo que deteriora a imagem do bairro e, a partir da atuação do vento, espalha sacolas e outros materiais mais leves pelas ruas, o acúmulo de materiais recicláveis recolhidos e trazidos para frente das casas, ou ainda, a constatação da participação dos moradores em meio ao lixo, ainda que a maioria seja entulho, destaca a divisão social comparada com o luxo e capitalismo do centro. Dessa forma, a partir da divulgação dos problemas existentes no local, é possível que haja a mobilização de organizações não-governamentais, entidades sociais e também do governo para atuarem na transformação da realidade vigente.

Embora existam pessoas com diferentes modos de enfrentar a situação socioeconômica do bairro, é comum a todos a sensação de impotência diante dos problemas encontrados. O fato de observarem a presença de membros externos à comunidade interferindo no dia-a-dia dos moradores, com o objetivo de impulsionar o crescimento local, a partir da produção de um vídeo documentário, pode gerar novas perspectivas de mudanças.

Por fim, acredita-se que o documentário representa um meio de comunicação, por meio do qual os indivíduos podem retratar a sua realidade, mobilizar as pessoas do meio em que vivem e, a partir daí, construir novos conceitos e interpretações do mundo, proporcionando assim uma leitura das imagens e sons que permeiam a sociedade de uma forma transformadora.

É necessário ainda, destacar que essa transformação, ocasionada pelo vídeo documentário, é algo que deve ser construído gradativamente, de forma a impulsionar os moradores a acreditarem em seus próprios ideais. Nenhuma mudança será feita sem que eles se sintam motivados a agir. Dessa forma, não seria somente a exibição de um documentário que levaria o crescimento individual dos moradores, mais sim, um trabalho contínuo, ou ao menos consistente e duradouro, para que um, ou mais líderes, se disponham a promover a união das pessoas do bairro e a lutar por melhores condições de vida.

Referências bibliográficas

Documentos eletrônicos

Bibliografia

Filmografia