Decidindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo

Alfredo Vizeu
Universidade Federal de Pernanmbuco


Índice

AGRADECIMENTOS

Uma pesquisa nunca é um trabalho solitário. Constitui-se de vários corações e mentes, que de uma forma ou de outra contribuem na sua construção.

A Jô, Pedro e João, pelo simples fato de existirem;

Aos meus pais Alfredo (em memória) e Miguelina, pelo dom da vida;

À minha orientadora e amiga Luiza Maria Cezar Carravetta, pela postura crítica ao longo do trabalho;

À Fapergs e à Capes, pela bolsa de estudos, fundamental para a realizaçao deste projeto.

INTRODUÇÃO: A FORÇA DO TELEJORNALISMO

Duas imagens transmitidas pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, no final de março, começo de abril deste ano, emocionaram e revoltaram o país. Nas duas, um fato em comum: a violência policial. A primeira, que foi ao ar no dia 31 de março, mostra policiais militares agredindo pessoas e matando um homem numa favela em Diadema, na Grande São Paulo. A outra, apresentada uma semana depois, também mostra policiais militares espancando e extorquindo moradores numa favela da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.

A partir da exibição das reportagens aconteceu uma série de protestos e anúncios de medidas por parte dos governos dos Estados e Federal para combater a violência policial. A pergunta que fica é: esse procedimento dos militares é uma novidade? Não. No dia-adia das grandes cidades brasileiras a violência daqueles que têm por obrigação garantir a segurança da população não é algo novo. Então, o que mudou? É que o que se comentava no trabalho, nas ruas e nos bares foi estampado, no horário nobre, no principal jornal da televisão brasileira.

À parte a barbárie do ato, que deve ser repudiado, interessa-nos aqui chamar atenção para um fato que passou praticamente despercebido na época: a força da televisão e, em particular, do telejornalismo. Uma enquete realizada pelo jornal O Estado de São Paulo revela que o paulistano não desgruda o olho da TV (Leal, 1996, p.4). Mais surpreendentes são os dados de uma pesquisa realizada pelo Jornal do Brasil. A principal opção do morador do Rio de Janeiro na hora de relaxar não é a praia, mas a televisão (Branco, 1996).

Para a maioria das pessoas, os telejornais são a primeira informação que elas recebem do mundo que as cerca: como está a política econômica do governo, o desempenho do Congresso Nacional, a vida dos artistas, o cotidiano do homem comum, entre outras coisas. Calcula-se que apenas os telejornais da noite (TV Record, TV Bandeirantes, TV Globo, SBT e CNT) atinjam a audiência acumulada de 50 milhões de pessoas (NA GUERRA, 1995).

Uma enquete realizada pela revista Imprensa, na Grande São Paulo, em maio do ano passado, mostra que 89,4% dos entrevistados assistem telejornais. Os noticiários da Globo detêm a maioria da audiência com 84,2%, depois temos o SBT com 50,2% e a Bandeirantes com 16% (Bresser, 1996, p.25-28).

Como podemos ver, os telejornais têm um espaço significativo na vida das pessoas. Os noticiários televisivos ocupam um papel relevante na imagem que elas constróem da realidade. Acreditamos que buscar entender como eles são construídos, contribui para o aperfeiçoamento democrático da sociedade.

Este livro teve como objetivo estudar os caminhos do processo de definição do que é notícia. Para tanto, investigou-se: Como as rotinas de produção influenciam os editores de texto (jornalistas) no momento de decidir se uma notícia deve ou não entrar em um telejornal e, conseqüentemente, definir o que as pessoas vão assistir? O objeto de nossa pesquisa é a redação do telejornal RJTV1, jornal local da Rede Globo de Televisão, no Rio de Janeiro.

A escolha de um telejornal local está relacionado com uma dimensão mais ampla que é a (re)valorização do regional num mundo globalizado. Em sua estada no Brasil, o megaempresário da comunicação Rupert Murdoch, ao ser perguntado por um repórter sobre qual a recomendação que daria para um jornal ter sucesso, foi taxativo na resposta: o que segura o jornal são as notícias locais. É isso que toca a vida das pessoas (Rodrigues, 1995, p.5).

Uma revitalização do local é o que aponta Nestor Canclini em Consumidores e Cidadãos (Canclini, 1995, p.146):

Simultaneamente à desterritorialização das artes, há fortes movimentos de reterritorialização, representados por movimentos sociais que afirmam o local e também por processos de comunicação de massa: rádios e televisões regionais, criação de micromercados de música e bens folclóricos, a `desmassificação' e a mestiçagem dos consumos engendrando diferenças e formas locais de enraizamento.

Mattelart também defende uma reterritorialização que se dá na interação do internacional, local, regional e nacional. Essas escalas de realidade devem existir numa correlação de forças que privilegie as negociações e as mediações. Ele lembra que essa relação não tem sido a norma na história das teorias sobre comunicação internacional (Mattelart, 1994, p.289).

Outro motivo da escolha do jornal local da Rede Globo do Rio é que toda a produção da emissora é a configuração básica para as demais associadas e filiadas em todo o país. A implantação das redes regionais de televisão faz parte de uma estrutura mercadológica da Globo de ampliação de mercado (Ortiz, 1995). Os contratos de relação entre a Rede Globo e as emissoras locais prevêem desde a cobertura geográfica até a programação a ser produzida (Cruz, 1996, p.171-172).

É dentro desse contexto que se dá o trabalho dos editores. Como lembra bem Robert Darnton, em o Beijo de Lamourette (1995, p.9697):

Sociólogos, cientistas políticos e especialistas em comunicação têm produzido uma vasta literatura sobre os efeitos dos interesses econômicos e tendências políticas no jornalismo. No entanto, parece-me que eles não têm conseguido entender a maneira como trabalham os repórteres. O contexto do trabalho modela o conteúdo da notícia, e as matérias também adquirem forma sob influência de técnicas herdadas de contar histórias (o grifo é nosso.

A afirmação de Darnton também vale para editores de texto. Entendemos que as rotinas produtivas contribuem para os jornalistas irem moldando no espelho do jornal e nas ilhas de edição os contornos do que é notícia. Apesar da função estratégica que a edição ocupa no telejornal e da importância do tema, a pesquisa sobre o assunto, sem desconhecer a contribuição de alguns autores, ainda é pequena diante da importância que a questão está a exigir.

É na edição do telejornal que o mundo é recontextualizado. Mais adiante, ao tratarmos do newsmaking (a produção da notícia), que procura descrever como as exigências organizativas e a organização do trabalho e dos processos produtivos influenciam na construção da notícia, abordaremos o problema de uma forma mais detalhada. No entanto, entendemos que uma breve explicação sobre o mesmo faz-se necessária. Vejamos um exemplo prático para procurar deixar mais clara a questão: um incêndio num edifício numa rua bastante movimentada.

O incêndio é registrado pela equipe de reportagem. O repórter levanta todos os dados sobre o ocorrido: causas do fogo, se há vítimas, como se encontra o trânsito na área, etc. Enquanto isso, o repórter cinematográfico filma cenas do lugar onde se deu o incêndio. Concluído o trabalho da reportagem, o material produzido é levado para a emissora de televisão para ser editado. Ou seja, é retirado do espaço e do tempo onde se deu.

Quando essa reportagem chega na redação, o que faz o editor de texto? Vai montá-la. Ou seja, recontextualizá-la para ser exibida no telejornal, que por sua vez irá colocar aquele incêndio antes de um acidente de trânsito e depois do assalto a um banco, por exemplo. A notícia que vai ao ar tem bem pouco a ver com o contexto em que se deu. Esse processo chamamos de recontextualização.

Durante mais de 15 anos de atividade profissional como jornalista nas redações de televisão de Porto Alegre, de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de realizar, sempre acompanhamos de perto o trabalho de edição de matérias. Sem dúvida, é um dos principais motivos que incentivou-nos a realizar este estudo.

Poderíamos alinhar uma série de rotinas de trabalho que foram evidenciando como deveríamos proceder para decidir se algo entra ou não num telejornal. É o que os jornalistas chamam de aprender na prática. Em outras palavras, o senso comum das redações. Também não poderia ser excluído o faro jornalístico que não é nada mais nada menos do que o instinto que os profissionais acreditam ter para pinçar no cotidiano aqueles fatos que devem ser publicizados pelos media. Esse é mais um motivo que nos levou a desenvolver esta análise: contribuir para a reflexão da atividade jornalística.

Atribuir todo um processo extremamente complexo, como é a produção da notícia, ao senso comum da redação, sempre pareceu-nos uma redução simplista. Entendemos que os media, em particular a televisão, no caso específico o telejornalismo, têm uma participação importante na construção da realidade que nos cerca. A divulgação cotidiana de notícias ajuda a construir imagens culturais que edificam todas as sociedades (Motta, 1997, p.319).

O trabalho dos editores, suas rotinas de produção, está por merecer um olhar mais atento do mundo acadêmico, da pesquisa em comunicação no Brasil. Apesar de a temática do massivo (meios de comunicação de massa e cultura de massa) predominar nos estudos sobre comunicação, poucos são os estudos em que podemos identificar uma preocupação sobre os efeitos das rotinas de trabalho sobre os produtores nas indústrias culturais (Lopes, 1994, p. 67-72).

Um levantamento realizado por Marques de Melo sobre as fontes para o estudo da comunicação também mostra que não são muitos os estudos sobre telejornalismo, particularmente, as rotinas de produção e a sua influência sobre a decisão do que deve ir ao ar num telejornal (Marques de Melo, 1995, p.97-129).

No livro Um Perfil da TV Brasileira, Sérgio Mattos (1990) informa que o primeiro autor no Brasil a tratar dos conceitos e técnicas da elaboração e apresentação das notícias em televisão foi Walter Sampaio, em Jornalismo Audiovisual, publicado em 1971.

Mattos mostra ainda (1990, p.35-62) que a maioria do material bibliográfico produzido no Brasil sobre televisão apresenta, basicamente, análises e descrições sobre como este veículo se desenvolveu, influenciou ou foi utilizado pelas classes dominantes.

Evidenciando o mesmo problema, Sebastião Squirra ressalta que a produção bibliográfica sobre o telejornalismo ainda é pequena e seus estudos se detêm sobre a ideologia e análise do veículo, bem como no seu efeito e na eficácia no processo da comunicação (Squirra, 1993, p.101-104).

O próprio Squirra, ao tratar do editor de texto em Aprender Telejornalismo, mesmo lembrando que o telejornalista, no caso o editor, é um tipo diferente de profissional que surgiu nos últimos tempos, prefere deter-se mais nos aspectos instrumentais e técnicos da notícia do que mostrar como as rotinas produtivas afetam o produto final (Squirra, 1995, p.93-108).

Esta posição diante do telejornalismo não é nova e já se fazia presente num dos primeiros livros lançados no país sobre o tema: Jornalismo na TV (Teodoro, 1980). Os demais livros que se seguiram tratando do assunto, de um modo geral, não avançaram muito nesta abordagem inicial, e procuraram manter-se mais como manuais técnicos de orientação a estudantes e profissionais de como proceder na elaboração de uma notícia (Cunha,1990; Bittencourt,1993; Paternostro,1994; Maciel, 1995; Teobaldo,1995).

Esses livros guardam uma semelhança com o Manual de Telejornalismo, da Rede Globo (1986), criado para servir como o guia oficial da empresa para os funcionários do jornalismo. No manual é apresentada uma série de dicas sobre questões do fazer jornalístico na produção, reportagem e edição.

No ano passado, nos ensaios apresentados nos Grupos de Trabalho da V Reunião Anual do COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Comunicação -, nas pesquisas apresentadas sobre telejornalismo, não foram registrados trabalhos sobre as rotinas produtivas no telejornal (Programa Oficial COMPÓS, 1996). O quadro também não foi muito diferente no Encontro da Intercom, entidade que reúne pesquisadores, professores e estudantes de comunicação, realizado em 1996 (Programa Oficial Intercom, 1996).

Essa situação já apresenta algumas mudanças, alguns autores e pesquisadores começam a mostrar interesse pelo tema apontando para novas perspectivas nos estudos das rotinas de trabalho e a sua influência sobre a produção da notícia. Nesse sentido, o trabalho apresentado por Albuquerque (1997), no Compós deste ano, sobre a manipulação editorial e a produção da notícia na cobertura jornalística, traz uma importante contribuição na discussão do tema.

Albuquerque (1997) defende que na cobertura jornalística é fundamental levar-se em conta o aspecto da produção rotineira das notícias, é claro, sem deixar de lado o problema da manipulação da informação. Ou seja, a notícia não é só resultado de fatores extra-jornalísticos que têm como fim sua manipulação intencional.

Outra contribuição importante nesse campo foi a pesquisa desenvolvida na Faculdade de Comunicação, da Universidade de Brasília, sobre as rotinas produtivas no processo de produção da notícia na área política e econômica de três jornais na Capital Federal$: $O Globo, Folha de São Paulo e Correio Braziliense. O estudo indica que na sua atividade diária o jornalista está mais para um executor de ordens previamente estabelecidas do que para um super-herói que controla os deslizes da sociedade (Adghirni, 1997, p.449-468).

Quanto à questão mais específica do noticiário televisivo, temos a pesquisa A Produção de Sentidos no Telejornalismo que, a partir de exemplos retirados do noticiário de três redes de televisão: TV Globo, Manchete e SBT, busca compreender de que forma se constrói a identidade nacional através do telejornal (Mota, 1992).

Já o estudo Os Fatos e os Telejornais analisa as diferentes formas de manipulação que sofrem os fatos até serem veiculados pelos telejornais e o papel desempenhado pela ideologia dominante em todo o processo de uma emissão jornalística feita pela televisão (Serra, 1993). Mais recentemente, A Embalagem da Notícia estuda mais de perto o tema ao pesquisar as rotinas de produção nos programas telejornalísticos Jornal Nacional, Globo Repórter e Fantástico (Ferreira,1996).

Mas, de um modo geral, as informações que temos sobre as rotinas produtivas dos jornalistas são encontradas mais em depoimentos dos próprios jornalistas em seminários e encontros, onde a televisão é o assunto em debate, do que na pesquisa acadêmica. Em TV ao Vivo (Nogueira, 1988, p.86-92), o jornalista Armando Nogueira faz um relato diário sobre a rotina de trabalho no Jornal Nacional.

Em As Perspectivas da Televisão Brasileira ao Vivo (Curado, 1995, p.43-48), Olga Curado, atualmente chefe do escritório da Rede Globo, em Londres, dá os ingredientes básicos da notícia em televisão. Ela conta os processos de produção da notícia desde a captação até edição, destacando que a audiência é o maior objetivo, o telespectador que está assistindo a notícia em casa.

O trabalho do editor no Globo Repórter é explicado por Jorge Pontual em Jornalismo Eletrônico ao Vivo (Pontual, 1995, p.103-104). Ele diz como é feito o trabalho integrado entre editor, repórter, editor de imagem e cinegrafista na produção de uma matéria do programa.

Em Rede Imaginária (Nepomuceno, 1991, p.205-212), Eric Nepomuceno faz um breve relato da sua atividade no Jornal da Globo. A partir das dificuldades que enfrentou, o jornalista revela que a reflexão não cabe na fórmula adotada pela imensa maioria dos noticiários da televisão brasileira.

Tentar mostrar alguns aspectos do processo extremamente complexo de como as rotinas de produção influenciam na definição do que é notícia não é uma tarefa fácil. É como montar um imenso quebra-cabeças. É com essa imagem que trabalhamos durante a pesquisa. E, para montar esse jogo, escolhemos duas peças básicas: indústrias culturais/ televisão e indústrias culturais/jornalismo.

As indústrias culturais, em especial a televisão, são indústrias como qualquer outra. No entanto, apresentam algumas particularidades. Entre elas a marca do autor. Ou seja, a participação do trabalhador, no caso o produtor de bens culturais. Exemplo: um disco do Roberto Carlos vende exatamente porque é de um cantor popular reconhecido em todo o país. O mesmo não ocorre na linha de produção de uma fábrica onde a intervenção do autor pouco importa. Qual a diferença que faz se uma peça do carro é montada por João ou José?

No telejornalismo, os créditos que rodam ao final de cada telejornal, mostrando quem são os seus autores, é um indício de que os produtores ocupam um papel importante na elaboração do produto, o que não acontece em outras áreas. Um carro quando sai da linha de montagem não sai com os créditos dos seus autores.

Essa hipótese é a base deste estudo. Por isso, a importância de se estudar as rotinas de trabalho dos jornalistas. Para Bourdieu (1997, p.13):

Desvelar as coerções ocultas que pesam sobre os jornalistas e que eles fazem pesar, por sua vez, sobre todos os produtores culturais não é - precisa dizer? - denunciar os responsáveis, apontar o dedo aos culpados. É tentar oferecer a uns e outros uma possibilidade de se libertar, pela tomada de consciência, do império destes mecanismos (...).

Numa primeira parte, faremos um breve histórico do termo indústria cultural, que foi usado pela primeira vez pelos teóricos da Escola de Frankfurt, passando pela mudança da expressão do termo para indústrias culturais, no final dos anos 70, até chegar aos dias de hoje, onde as indústrias culturais são parte constituinte e um dos principais atores do desenvolvimento do capitalismo em uma economia globalizada.

Durante essa caminhada, procuraremos mostrar o papel que a televisão desempenha neste final de século. Acreditamos que ela ocupa cada vez mais um lugar central numa cultura eletronicamente mediada, contribuindo decisivamente para a formação da sociabilidade contemporânea.

Num segundo momento, tendo como pressuposto que a televisão é uma indústria cultural e o jornalismo um dos seus principais gêneros, levantaremos algumas questões sobre o tema: Qual é a relação entre ambos? E o telejornalismo, como entra nesse processo? Como são as rotinas de trabalho dentro das redações? De que forma elas influenciam a definição do que é notícia num telejornal?

Para estudar a questão das rotinas de trabalho e sua influência sobre a informação, trabalharemos com a teoria do newsmaking. Uma teoria ainda nova no Brasil que busca descrever, em um nível empírico, as práticas comunicativas que geram as formas textuais recebidas pelos destinatários. Ou seja, mostrar como os jornalistas, no seu dia-a-dia, constróem a notícia.

A metodologia a ser utilizada no trabalho é a mesma empregada nas demais pesquisas sobre o newsmaking: a observação participante e entrevistas (Tuchman, 1983; Villafañé, Bustamante, Prado, 1987; Fishman, 1990; Schlesinger, 1992). Segundo Wolf (1994, p.167), dessa forma é possível reunir as informações e os dados fundamentais sobre as rotinas produtivas desenvolvidas no cotidiano das indústrias culturais. Feita esta primeira exposição sobre os objetivos do trabalho começamos a montar nosso quebra-cabeça.

INDÚSTRIAS CULTURAIS: TELEVISÃO

Um breve histórico

A história da chamada Escola de Frankfurt tem início com a fundação do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, criado oficialmente em 3 de fevereiro de 1923. As idéias dos intelectuais que se reuniram em torno dessa escola de pensamento encontramse, em grande parte, nas páginas da Revista de Pesquisa Social.

Seus colaboradores sempre se preocuparam em manter uma reflexão crítica sobre os principais aspectos da economia, da sociedade e da cultura do seu tempo. Entre eles destacam-se Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer. O conjunto dos trabalhos da Escola de Frankfurt também é chamado de teoria crítica.

A expressão Escola de Frankfurt busca designar os trabalhos de um grupo de intelectuais marxistas, não-ortodoxos, que na década de 20 ficaram à margem de um marxismo-leninismo definido como clássico, quer na sua versão teórico-ideológica, quer em sua linha militante ou partidária.

Como bem lembra Freitag (1994), o termo Escola de Frankfurt aponta para uma unidade temática e um consenso epistemológico teórico e político que raras vezes aconteceu entre seus representantes:

O que caracteriza sua atuação conjunta é a sua capacidade intelectual e crítica, sua reflexão dialética, sua competência dialógica ou aquilo que Habermas viria a chamar de `discurso', ou seja, o questionamento radical dos pressupostos de cada posição e teorização adotada (Freitag,1994, p.33-34).

A Escola de Frankfurt é o primeiro trabalho sistematizado e organizado das práticas específicas dos meios de comunicação de massa, no contexto do capitalismo. A Escola defende que a sociedade capitalista entrou num estágio radicalmente diferente de elementos anteriormente resistentes, como por exemplo a classe operária, que foi cooptada pelo sistema. Controles repressivos também cresceram neste último estágio (Guareschi, 1994, p.15).

O conceito de indústria cultural foi divulgado por Adorno e Horkheimer em A Dialética do Esclarecimento (1985). Para Adorno, a indústria cultural, ao pretender a integração vertical dos seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo.

Preocupada com os homens apenas enquanto consumidores e empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um dos seus elementos, às condições que representam seus interesses. A indústria cultural traz nela todos os elementos característicos do mundo moderno e nele exerce um papel específico, o de portadora da ideologia dominante, que dá sentido a todo o sistema (Adorno, 1971, p.287-295).

Em O Iluminismo como Mistificação de Massas, que integra a coletânea de ensaios da Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer (1990, p.159-204) fazem uma radiografia da indústria cultural, do produto cultural integrado à lógica do mercado, e dos efeitos produzidos por ela na sociedade.

Para eles, a lógica do capital e a indústria cultural formam um só bloco. Filmes, rádio e semanários constituem um sistema. A unidade visível de macrocosmo e de microcosmo mostra aos homens o esquema de sua civilização: a falsa identidade do universal e do particular. Filme e rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia.

Adorno e Horkheimer (1990) defendem que a racionalidade técnica é a racionalidade do próprio domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena:

A dependência da mais potente sociedade radiofônica à indústria elétrica, ou a do cinema aos bancos define a esfera toda, cujos setores singulares, são ainda, por sua vez, co-interessados e interdependentes (Adorno, Horkheimer, 1990, p.161-162).

Segundo os autores, a indústria cultural impõe um novo ritmo ao consumidor. Ele não tem mais escolhas porque não há nada mais a classificar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado. A indústria cultural molda da mesma maneira o todo e as partes.

Adorno e Horkheimer (1990) explicam que cada um dos produtos da indústria cultural é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que desde o começo mantém tudo sobre pressão tanto no trabalho, quanto no lazer que lhe é semelhante. Cada manifestação particular da indústria cultural reproduz os homens como aquilo que já foi produzido por toda a indústria cultural.

Com relação ao comportamento das pessoas, eles observam que quanto mais sólidas se tornam as posições da indústria cultural, mais fortemente esta pode agir sobre as necessidades dos consumidores, produzi-las, guiá-las e discipliná-las, retirando-lhes até o divertimento.

Os autores evidenciam que as condições modernas da produção, com o auxílio da ciência e da técnica, criaram uma nova fórmula para garantir a perpetuação da produção capitalista: a indústria cultural. Dessa forma, ela passa ser de fundamental importância para garantir a manutenção e sobrevivência do sistema capitalista.

Já nesta obra, Adorno e Horkheimer (1990) anteviam os novos tempos com a presença da televisão. Eles diziam que a televisão tendia a uma síntese do rádio e do cinema, retardada enquanto os interessados ainda não tinham conseguido um acordo satisfatório, mas cujas possibilidades ilimitadas prometiam intensificar a tal ponto o empobrecimento dos materiais estéticos que a identidade apenas ligeiramente mascarada de todos os produtos da indústria cultural poderia triunfar abertamente.

Eles esclarecem que seria a realização do sonho wagneriano de obra de arte total:

O acordo entre a palavra, música e imagem realiza-se mais perfeitamente que no Tristão, enquanto os elementos sensíveis são, na maioria dos casos, produzidos pelo mesmo processo técnico de trabalho e exprimem tanto sua unidade quanto o seu verdadeiro conteúdo (Adorno, Horkheimer, 1990, p.163).

No entender dos autores, um triunfo do capital investido, já que esse processo integra todos os elementos da produção, desde a trama do romance, que já tem em vista o filme, até o mínimo efeito sonoro.

Num outro texto, Televisão, Consciência e Indústria Cultural, Adorno (1971) faz uma análise mais profunda do veículo. Ele afirma que a TV está inserida dentro de um esquema abrangente da indústria cultural e, enquanto combinação de filme e rádio, leva adiante a tendência daquela, no sentido de cercar e capturar a consciência do público por todos os lados:

Preenche-se a lacuna que ainda restava para a existência privada antes da indústria cultural, enquanto esta ainda não dominava a dimensão visível em todos os seus pontos. (Adorno, 1971, p.346)

Na análise, Adorno (1971) reconhecia que ainda era cedo para se fazer afirmações sobre os efeitos do veículo na recepção. Ele considerava que as reações dos espectadores à televisão contemporânea somente poderia se tornar explícita através de pesquisas em profundidade.

Adorno já reconhecia algumas potencialidades na tv:

Para que a televisão mantenha a promessa que ainda lhe adere ao nome, é preciso que ela se emancipe de tudo aquilo que contradiz o próprio princípio do prometido, e trai a idéia da sorte grande no bazar de sorte miúda (Adorno, 1971, p.354).

Apesar da novidade, o novo veículo já despertava o interesse dos representantes da Escola de Frankfurt e, como os demais, enquadrava-se dentro do contexto e das análises da indústria cultural.

Benjamin (1990), apesar de concordar com Adorno e Horkheimer ao atribuir à cultura em geral e à obra de arte em especial uma dupla função, a de representar e consolidar a ordem existente e ao mesmo tempo criticá-la, tem um olhar diferenciado para a massificação e democratização do consumo. Entendemos que ele já indica de uma forma mais incisiva as novas formas de percepção e comportamento que a dinâmica da indústria cultural desencadeia.

Em A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, o autor faz uma análise das causas e conseqüências da perda da aura que envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos: Poder-se-ia defini-la (a aura) como a única aparição de uma realidade longínqua, por mais próximo que ela possa estar (Benjamin, 1990, p.215).

Com o desenvolvimento das técnicas de reprodução, a aura, que determina tanto o valor cultual quanto o critério de autenticidade da obra, se dissolveria nas várias reproduções do original, destituindo assim a obra de arte de seu status de raridade.

Essa perda não tem para Benjamin (1990) as conseqüências negativas que Horkheimer e Adorno atribuem à dissolução da obra de arte. O autor lembra que, à medida que as obras de arte se emancipam do seu ritual, tornam-se mais numerosas as ocasiões de serem expostas. Ou seja, já que o critério de autenticidade não mais se aplica à produção artística, toda a função da arte é subvertida: Em lugar de repousar sobre o ritual, ela se funda agora sobre outra forma da práxis: a política (Benjamin, 1990, p.218).

O autor considera que a perda da aura e as conseqüências sociais que resultam desse fato são particularmente perceptíveis no cinema, que apresenta uma radical mudança nas relações da massa com a arte. Ele comenta que no cinema o que importa não é o fato de o intérprete apresentar ao público outro personagem que não é ele mesmo; antes o fato de que ele próprio se apresenta no aparelho. Pela primeira vez - e isto é motivado pelo cinema - o homem deve agir, seguramente, com toda a sua pessoa viva e, todavia, privada da aura.

Benjamin afirma que o cinema traz o culto à personalidade:

À medida em que restringe o papel da aura, o cinema constrói artificialmente, fora do estúdio, a `personalidade' do ator: o culto da `estrela' que favorece o capitalismo dos produtores de cinema, protege esta magia da personalidade, que há muito já está reduzida ao encanto podre de seu valor mercantil (Benjamin, 1990, p.226).

As reações do público também não passam despercebidas pelo autor. Ele mostra que a atitude da massa muito reacionária diante, por exemplo, de um quadro de Picasso, reage, por exemplo, de uma maneira progressista diante de um filme de Chaplin. Explicação: a característica de um comportamento progressista reside no fato de o prazer do espetáculo e a experiência vivida correspondente ligarem-se, de modo direto e íntimo, à atitude do conhecer. Esta ligação tem uma importância social. À medida que diminui a significação social de uma arte, assiste-se no público um divórcio crescente entre o espírito crítico e a fruição da obra.

Benjamin (1990) destaca que ao ampliar o mundo dos objetos que passamos a levar em consideração, tanto na ordem visual quanto na ordem auditiva, o cinema trouxe, conseqüentemente, um aprofundamento da percepção. Mas se, por um lado, ele nos faz perceber as necessidades que dominam a nossa vida, abre, por outro, um campo de ação que ainda não se suspeitava: Por conta do grande plano é o espaço que se amplia; por conta da câmara lenta, é o movimento que toma novas dimensões (Benjamin, 1990, p.233).

Ao explicar as tarefas da arte, o autor mostra estar atento às mudanças que acontecem na sociedade. Ele entende que uma tarefa essencial da arte, em todos os tempos, consiste em suscitar uma demanda num tempo que não estava pronto para satisfazê-la em sua plenitude.

A história de cada forma de arte comporta épocas críticas, onde ela tende a produzir os efeitos que só poderão ser livremente obtidos após uma modificação do nível técnico, isto é, por meio de uma nova arte. Por isso, os exageros e as extravagâncias que se manifestam nas épocas de pretensa decadência nascem, na realidade, do que constitui, historicamente, o centro de forças mais ricas da arte. Exemplo: o dadaísmo buscava produzir, através dos meios de pintura, os próprios efeitos que o público passou a exigir do cinema.

A análise de Benjamin (1990) sobre as técnicas de reprodução das obras de arte procura mostrar que, se por um lado, há uma queda da aura, com o fim do elemento tradicional da herança cultural, por outro abre-se uma nova porta para as relações entre as massas e a arte, que passam a contar com um instrumento eficaz de mudança e renovação das estruturas sociais.

O conceito de indústria cultural é resultado do primeiro confronto teórico entre a cultura européia das luzes e a cultura de massa produzida para milhões. Nesse sentido, não era preocupação de Adorno e Horkheimer analisar a maneira como a indústria cultural se coloca diante do Estado e da sociedade civil organizada:

O impensado das teorias sobre a indústria cultural como sistema globalizado e sobre o Estado como entidade metafísica é a dimensão histórica: isto é, a articulação da mídia ao conjunto das contradições e estruturas onde está inscrita (Mattelart, 1994, p.227).

A expressão usada pelos pioneiros da Escola da Frankfurt, ao tratarem da transformação das formas culturais em mercadoria, já não reflete o novo contexto da produção de bens culturais fabricados em escala industrial no final dos anos 70. Em 1978, dois organismos europeus: o Conselho da Europa - Conselho de Cooperação Cultural - e a Conferência dos Ministros europeus responsáveis pelos assuntos culturais usam de forma notória em seus documentos administrativos o conceito de indústrias culturais:

Ao abranger o disco, livro, cinema, rádio-televisão, imprensa, fotografia, reprodução de arte e publicidade, novos produtos e serviços audiovisuais, o conceito é assumido pela nova situação de concorrência entre as políticas culturais tradicionalmente conduzidas pelo Estado, que atingem públicos restritos, e os meios de produção e difusão para um público de massa, cada vez mais ligados ao mercado internacional (Mattelart, 1994, p.229).

Conforme Mattelart (1994), a análise de produtos e serviços culturais vinha sendo desenvolvida, desde 1975, por uma equipe pluridisciplinar de pesquisadores franceses que lançaram as bases de uma economia das indústrias culturais. Ao usarem o termo indústria cultural eles pretendiam afastar-se dos postulados defendidos pelos filósofos da Escola de Frankfurt. Eles entendiam que a indústria cultural não existe em si, mas é um conjunto composto por elementos que ou não pertencem ao mesmo campo ou, pelo menos, são bastante diversos entre si. Um destes pesquisadores era Bernard Miège (1989, p.38-50), que fez uma análise econômica sobre os produtos e serviços culturais na França.

As indústrias culturais e a marca do autor

Para Miège (1989, p.25-27), se olharmos para os diferentes modos de inserção do trabalho cultural no processo geral de produção, três tipos principais podem ser distinguidos:

  1. Produção capitalista de produtos culturais. O trabalho do artista ou escritor, quer dentro de estruturas artesanais ou dentro do setor cultural público, é um trabalho improdutivo.

  2. Produção cultural capitalista. O trabalho cultural é então produtivo porque produz a maisvalia. Em geral, o produto final toma a forma de um benefício material reproduzível (equipamentos de gravação e recepção), mas pode tomar a forma de um objeto integrando o trabalho de um artista, cantor ou compositor(um disco que reproduz a performance de um cantor, compositor ou orquestra, etc., ou um livro, o trabalho de um escritor, etc.)

  3. A integração dos produtos culturais, normalmente na forma de uma performance não-material, num processo de circulação, dentro de uma estrutura de realização de valor (apresentações musicais num shopping center, como parte de uma campanha promocional comercial). Aqui, o trabalho cultural é indiretamente produtivo.

Miège (1989) explica que essa classificação, baseada simultaneamente no caráter produtivo ou improdutivo do trabalho cultural e sobre o lugar que ocupa nas relações de produção, não é suficiente para distinguir a especificidade dos produtos culturais, que se apresentam primeiro na forma de valor de uso cujos resultados vêm do trabalho concreto de um ou mais artistas e se referem aos significados simbólicos associados com seu uso.

No entanto, acrescenta o autor, também são mercadorias produzidas para serem trocadas. Nesse sentido, ressalta que a questão importante a ser colocada é sob que condições a transformação de valores de uso cultural em valores de troca acontecerão, ou melhor, como o trabalho concreto do artista ou do escritor, mais genericamente, do criador, será integrado ao processo de trabalho coletivo.

Miège (1989) comenta que a marca (o grifo é nosso) do artista deve continuar visível para o usuário: o produto, mesmo se for reproduzido em milhares de cópias, deve reter os traços do trabalho do artista que o concebeu. Para ele, considerando a intervenção ou não do trabalhador cultural na produção e a maior ou menor reprodutibilidade da mercadoria, é possível dividir a mercadoria cultural em três tipos:

Ramón Zallo (1988), que também trabalha dentro da mesma perspectiva de Miège (1989), ao comentar a questão das indústrias culturais, diz que, em primeiro lugar, o conceito de indústria remete a uma forma de produção constituída como um elemento substancial e, portanto, excludente de outras formas culturais (as que não são mediadas por um sistema industrial de produção).

A cultura é qualificada por essa noção. Ou seja, as indústrias culturais têm uma natureza diferente das outras indústrias, pela sua própria forma de produção, e pela especificidade da sua produção em relação à sociedade.

Um segundo aspecto indicado por Zallo (1988) é que essa noção se refere a uma parcela da cultura e da comunicação, cujos conteúdos e formas, por um lado, são partes de idéias e valores de uma sociedade e, por outro, são gerados industrialmente, seja na forma de produção material ou imaterial (de bens ou serviços) cristalizados em mercadorias. Em outras palavras, produções que fazem trocas com o mercado e que valorizam capitais e reproduzem relações sociais.

Em terceiro lugar, essas indústrias, pela sua própria função, estão orientadas aos mercados de consumo, privado, público, coletivo ou estratificado. Zallo define as indústrias culturais como:

um conjunto de ramos, segmentos e atividades produtoras de mercadorias com conteúdos simbólicos, concebidas mediante um trabalho criativo, organizado por um capital que se valoriza e destinadas aos mercados de consumo, com uma função de reprodução ideológica e social (Zallo, 1988,p.26).

Além do trabalho criativo, o autor aponta como traços específicos das mercadorias culturais: renovação e aleatoriedade. Ele considera que o trabalho criativo, produtor de protótipos, outorga um caráter único a cada mercadoria cultural. Zallo (1988) agrupa as indústrias culturais em torno de três eixos centrais: o grau de industrialização de seu processo de trabalho criativo, o grau de reprodução e o grau de continuidade da produção-distribuição. Tendo isso por base, ele distingue três formas de valorização global, incluindo o processo de trabalho:

  1. de edição descontínua: indústria editorial, a fotográfica e a cinematográfica;

  2. de edição contínua: a imprensa diária e periódicos, marcada pela plena industrialização do trabalho cultural, um objeto específico de trabalho eminentemente perecível (é o caso da informação);

  3. de emissão contínua: o rádio e a televisão, que se caracterizaria por uma mudança total do sistema técnico - não requerendo a reprodução - substituída pela recepção múltipla.
Com relação à renovação, Zallo (1988) observa que as mercadorias culturais se renovam continuamente. Ele afirma que a renovação é imposta pela natureza dos bens simbólico-ideológicos, que veiculam a legitimação das relações sociais dominantes pelo modo de comunicar e pelos seus conteúdos. O autor lembra que essa renovação será tanto mais necessária e possível quanto mais desenvolvida econômica e culturalmente é uma formação social, determinando relações mais complexas entre aqueles que têm a matéria-prima da criação e as indústrias reprodutoras.

Zallo (1988) comenta que os graus de renovação são distintos, dependendo das indústrias. A renovação é máxima nas atividades de emissão (programação televisiva) e variável nas de edição e espetáculos, alcançando sua intensidade máxima na imprensa diária e a mínima na cinematografia.

Uma terceira característica das indústrias culturais apontada pelo autor é a aleatoriedade, a incerteza da realização mercantil. Diante deste item, básico na esfera da circulação, não cabe outra alternativa às indústrias que a prova do erro e do acerto e o controle dos processos de formação das preferências coletivas.

Na prática, não existem outros bens de consumo, como os das indústrias culturais, onde o desconhecimento quanto à demanda seja tão evidente:

A aleatoriedade está numa relação inversa à plena formação de uma organização capitalista de produção e a possibilidade de planificação da audiência, buscando, entre outras coisas, uma relação valorável e confiável com os anunciantes (Zallo, 1988, p.54).

A intervenção do trabalho humano também é apontada como uma diferencial das indústrias culturais por Patrice Flichy. Ele ressalta o quanto foi importante para o cinema a criação do star sistem no começo deste século. Os grandes artistas começaram a ter seus nomes divulgados nos créditos dos filmes, o que determinou um novo patamar de crescimento para a produção cinematográfica (Flichy, 1980, p.27).

Getino (1995) lembra que quando estamos tratando de indústrias culturais não estamos dizendo industrialização da cultura. A expressão industrialização refere-se à produção, numa oficina ou numa fábrica, de determinados bens destinados ao consumo ou à produção de novos bens.

No que diz respeito à produção de bens culturais, apesar da existência de procedimentos semelhantes - divisão do trabalho -, eles não são suficientes para conseguir a rentabilidade obtida pelas demais indústrias:

O artista, o criador ou o produtor cultural incorporam, desde a singularidade do seu trabalho, um valor agregado que constitui para as indústrias do setor, como a discográfica, a cinematográfica e a editorial, o valor mais importante para sua sobrevivência.(Getino, 1995, p.13-14)

Tomando por base Patrice Flichy, o autor comenta que, em contraposição a outros produtos industriais, a mercadoria cultural tem seu valor de uso ligado aos trabalhadores que a conceberam. Dessa forma, o papel reservado à indústria é o de transformar um valor de uso único e aleatório num valor múltiplo e efetivo. A mercadoria cultural pode ser caracterizada, do ponto de vista econômico, pelo caráter aleatório da sua valorização (Getino, 1995, p.14).

Getino (1995) defende que as indústrias culturais se converteram, nos últimos decênios, nos meios de maior impacto para a difusão e promoção da cultura e das artes, sem que isso seja um impedimento para o seu crescimento econômico. Além disso, elas possibilitam um intercâmbio cultural entre as nações e no interior de cada comunidade.

As indústrias culturais constituem uma das principais bases da indústria e do comércio das nações desenvolvidas, não só por causa da sua dimensão econômica, mas também porque são coadjuvantes na promoção da economia, da política e do desenvolvimento global dos países que possuem grandes complexos de produção e comercialização cultural:

Esta múltipla funcionalidade, econômica, política e cultural das indústrias de bens e serviços culturais e comunicacionais constitui parte da especificidade das mesmas e o que as diferencia das outras indústrias, em que pese sustentar-se em estruturas produtivas e comerciais que são semelhantes a qualquer outra indústria (Getino, 1995, p.16).

O processo de produção cultural se estrutura essencialmente sobre os valores simbólicos, os quais representam um valor distinto e geralmente superior ao valor material, ou os valores de uso que, segundo cada caso, podem ter uma maior ou menor relevância. O valor cultural, gerado através do processo de criação, define a produção cultural como tal. Nesse sentido, a criatividade é um elemento fundamental e necessário, sem o qual se reduz ou é eliminada a própria produção cultural.

Para Getino (1995), a característica marcante das indústrias culturais, atualmente, é a concentração de recursos econômicos, financeiros, industriais e tecnológicos. Essa concentração se projeta acima das fronteiras geográficas e políticas, adquirindo um poder mais efetivo que muitos Estados nacionais.

Ela se dá tanto no plano horizontal, através da vinculação entre as indústrias em diversos campos - informativo, educativo, entretenimento e artes - ou de distintos setores - audiovisual, meios impressos, radiodifusão -, bem como no interior de cada campo ou setor - produção, distribuição e comercialização de produtos.

Sobre essa base de trabalho diversificada é que se estrutura o poder dos conglomerados econômico-financeiros que, em nível mundial, determinam e condicionam de uma maneira preponderante a produção e a circulação de bens culturais.

Thompson (1995), ao tratar das indústrias dos media, lembra que o setor passa hoje por grandes mudanças que determinam um impacto importante na natureza dos produtos e nos modos de sua produção e difusão. Ele explica que essas alterações são resultado do desenvolvimento da economia política e da tecnologia.

O autor aponta as quatro tendências principais no que diz respeito ao desenvolvimento da economia política: a crescente concentração das indústrias dos media, sua crescente diversificação, a crescente globalização das indústrias dos media e a tendência para a desregulamentação (Thompson, 1995, p.254).

Atualmente, como acontece com outros setores da indústria no mundo globalizado, os meios de produção se concentram cada vez mais nas mãos de um número relativamente pequeno de grandes corporações.

O segundo aspecto para o qual Thompson (1995) chama a atenção é a diversificação, que é o processo no qual as empresas expandem suas atividades para diferentes campos ou áreas de produção, tanto comprando companhias que já operam nesses campos, como investindo capital em novos desenvolvimentos.

Como conseqüência dessa concentração e diversificação das indústrias culturais temos a formação de conglomerados de comunicação, que têm grandes interesses numa variedade de indústrias ligadas à informação e comunicação. A quarta tendência indicada pelo autor, a desregulamentação, está vinculada, entre outras coisas, às mudanças determinadas pelas novas bases tecnológicas das indústrias dos meios de comunicação que obrigam alguns governos a desregulamentar as atividades das organizações dos media e suspender uma legislação que era vista como restritiva, principalmente, em relação à difusão.

Um exemplo prático do quadro traçado por Thompson (1995) é a situação em se encontra esta área hoje nos Estados Unidos. Quatro grandes corporações: a General Eletric, a Time-Warner, a Disney e a Westinghouse controlam boa parte dos meios de comunicação e das indústrias culturais naquele país.

Em 1995, a Disney comprou a ABC, a Westinghouse assimilou a CBS e o império de Ted Turner (CNN) foi engolido pela Time Warner. A General Eletric, além de controlar a rede nacional NBC, com todas as suas ramificações, tem atividades nos ramos de transportes, de equipamentos elétricos, de serviços de comunicação, de plásticos, de seguros, de serviços médios, entre outros (Sader, 1997, p.4).

No Brasil o quadro não é muito diferente. Um estudo realizado por Roberto Amaral e César Guimarães faz uma radiografia do desenvolvimento da Rede Globo, da virtual eliminação da concorrência no setor audiovisual e sua extensão a outras indústrias culturais (Guimarães, Amaral, 1994, p.63-85).

Os autores observam que só a Rede Globo detém aproximadamente 80% da audiência nacional. O seu principal jornal, o Jornal Nacional, transmitido no chamado horário nobre, tem um público diário de 50 milhões de telespectadores. Suas imagens chegam a 99% dos lares com televisão, a 3.99l dos 4.063 municípios brasileiros, a um espectro mínimo de 80 milhões, alcançando 98% do território nacional.

A Rede Globo absorve atualmente entre 77 e 80% de toda a publicidade destinada à televisão, 60% do total dos investimentos publicitários canalizados pelas agências do Brasil, que é o sétimo mercado publicitário mundial. É a quarta maior rede privada de televisão do mundo (apenas atrás das americanas CBS, ABC e NBC), possui pelo menos duas grandes redes (Rio de Janeiro e São Paulo) e uma associação (Porto Alegre) com a RBS para a televisão por assinatura.

Além disso, a Globo é proprietária do Sistema Globosat de Televisão por Assinatura. Controla ainda a Fundação Roberto Marinho, que é também editora e produtora de vídeos em geral, de cursos televisivos e possui outros instrumentos de captação de recursos públicos.

Dentro das tendências apresentadas por Thompson (1995), a Globo também registra atividades em outras áreas, embora sua atividade principal seja na área das comunicações. O grupo, com 24 mil empregados e US$ 5,8 bilhões em ativos, em julho de 1996, opera no setor de turismo com duas empresas: o Rio Atlântica Hotel e a Rash Administradora de Hotéis e Turismo.

Na construção civil e no mercado imobiliário, o grupo atua com a São Marcos. São dezenas de propriedades, avaliadas em US$ 410,3 milhões. São fazendas, shopping centers, o Rio Atlântica Hotel, em Copacabana, apartamentos, além de escritórios, no Rio, propriedades em Diadema (SP) e no condomínio Dowton, na Barra da Tijuca (RJ).

Criada em 1973, a Globo Comunicações e Participações - Globopar, sociedade por cotas de responsabilidade limitada, com capital de R$ 43 milhões, tem como acionistas Roberto Marinho e os filhos. Controla empresas com atividades diversas, como produção de equipamentos e provimentos na área de telecomunicações (NEC, Victori e Vicom).

A Globosat controla também a programação e veiculação de televisão por assinatura (Globosat, Globo Cabo, Net Brasil, Ivens, Net Sat Serviços); empresas na área de publicações (Editora Globo, Globo Cochrane Gráfica, Sigla - Sistema Globo de Gravações Audiovisuais).

A Globo Comunicações e Participações tem ainda sob sua responsabilidade fazendas (três em Mato Grosso e uma em Goiás), além das atividades na área financeira, como o Banco ABC Roma, Roma D.T.V.M e Seguradora Roma, entre outras. Na área das telecomunicações, o grupo está montando uma parceria com o Bradesco e a AT&T, cujo foco será a telefonia celular (Magalhães, 1997, p.1;4).

A hegemonia da televisão

Entre as indústrias culturais, a televisão ocupa um lugar de destaque neste fim de século. É uma indústria cultural que tem uma participação decisiva na formação de identidades e no crescimento econômico dos países:

Vivemos, hoje, em sociedades em que a difusão de formas simbólicas através dos meios eletrônicos se tornou um modo de transmissão cultural comum e, sobre certos aspectos, fundamental. A cultura moderna é, de uma maneira cada vez maior, uma cultura `eletronicamente mediada', em que os modos de transmissão orais e escritos foram suplementados - até certo ponto substituídos - por modos de transmissão baseados nos meios eletrônicos (Thompson, 1995, p.297).

Marcondes Filho (1993) considera que a televisão não é um meio de comunicação a mais, é o único. Conforme o autor, a TV foi liquidando seus adversários entre os media em direção à supremacia. Ela introduziu uma nova maneira de se ver o mundo, um novo movimento, uma nova economia visual.

O processo de cotidianização da eletrônica via TV mudou radicalmente o sentido das comunicações e das artes. O cinema desmoronou com a hegemonia da TV. A edição fragmentada invadiu a literatura, o jornalismo e o rádio. Todos esses meios tornaram-se apêndices da televisão. Para Marcondes Filho (1993), o discurso televisivo varreu todos os demais e os obrigou a submeterem-se ao seu ritmo. A TV é absoluta, nada mais existe além dela (Marcondes Filho, 1993, p.37).

Entendemos que Marcondes Filho (1993) superdimensiona o poder da televisão ao afirmar que ela reina absoluta sobre os demais meios de comunicação. Numa época em que as novas tecnologias impõem constantes mudanças na área das comunicações, acreditamos não ser possível afirmar-se que um veículo aniquile os demais. No entanto, parece-nos evidente que a televisão atualmente detém uma hegemonia sobre os outros media.

Ao tratar das novas tendências econômicas da cultura industrializada, Ramón Zallo (1993) afirma que a televisão tem exercido a função dominante e reguladora do conjunto do sistema comunicativo:

Várias indústrias (de cinema, discos e publicidade) dependem da TV para uma parte de suas receitas. As dimensões da audiência televisiva a convertem na indústria rainha, além de estabelecer a notoriedade de outras atividades culturais (comentários de livros, videoclipes) e de muitos produtos comerciais (Zallo, 1993, p.79).

O autor lembra que o próprio rádio foi obrigado a adaptar seus programas e horários, buscando dessa maneira compensar a diferença em temas nos quais a TV não pode exercer uma atração sobre as audiências. Ele defende que a escassez de canais - populares e nacionais - está sendo substituída por uma opulência da televisão que muitos autores, com razão, qualificam de redundância comunicativa.

No seu livro Economía de la Comunicación y la Cultura, Zallo (1988) afirma que a indústria televisiva apresenta todos os traços de uma fábrica taylorista: a planificação empresarial da produção, o pagamento global de salários tanto do trabalho técnico como do criativo, a coletivização do trabalho baseada em especializações funcionais e de tarefas, entre outros.

Ele explica que há dois modelos básicos e contrapostos de organização do trabalho televisivo. O primeiro é a constituição de equipes com a integração dos trabalhos criativos (roteiro, direção e realização), técnico-criativos (câmeras e decoradores) e técnicos. Sob a responsabilidade da equipe recairiam todas as fases de produção televisiva (Zallo, 1988, p.141-143).

Esse modelo apresenta uma estreita relação entre as distintas fases: a produção de protótipos frente à serialização, a insistência na produção própria frente à produção de fora, o predomínio da produção criativa sobre a gestão a partir de critérios econômicos.

No segundo modelo, temos a predominância dos critérios de planificação e gestão sobre os de criação. Ele supõe uma fragmentação das distintas fases de produção de programas, estabelece um controle do aparelho sobre cada uma das fases, seja mediante critérios políticos, de custos ou de audiência esperados, os critérios de audiência se sobrepõem aos demais, sem qualquer outra consideração.

Há uma transformação da função de realização num status técnico, separando a obra da criação. A fábrica se superpõe ao produto, o ente à criatividade, a produção contínua à unidade. Zallo (1988) diz que este segundo modelo triunfa sobre o primeiro. Ele observa que as emissoras usam o critério da audiência para aceitar ou rechaçar programas e para determinar as receitas publicitárias.

Com relação à mercadoria televisiva como programação difundida, o autor destaca algumas de suas características. Em primeiro lugar, o produto televisivo é uma unidade de produção e distribuição (exibição), o que explica porque um mesmo produto pode ser captado por múltiplos receptores.

Um segundo aspecto é que a descontinuidade de produção é reparada pela exibição em continuidade, tanto cotidiana como entre espaços separados entre si no tempo (informativos, séries). Se combina, assim, um processo produtivo standard por gêneros, temáticas ou conteúdo específicos e uma diversidade, uma diferenciação de conteúdos programados.

Previamente se dá uma homogeneização internacional dos meios de produção, o que favorece ao surgimento de tendência a uma igualdade das condições de valorização e produção em escala internacional.

O produto televisivo é uma mercadoria complexa em três variantes: por seu conteúdo (diversidade de conteúdos genéricos, de conteúdos temáticos ou pelos sistemas de emissão), pelas indústrias que o compõem (cinema, edição, informação, música) e pelas relações entre programação e publicidade.

Essa última se comporta, desde o ponto de vista industrial, como parte da exibição e da programação, como modo de valorização da programação e como dispositivo de criação de demanda e de aceleração geral do ciclo de produção no capitalismo tardio.

Uma quarta característica a ser considerada é que a programação televisiva, como a programação do rádio, perece imediatamente. A diferença é que a radiodifusão amplia a margem de existência da produção televisiva tanto em nível nacional como internacional. Ainda que residual e decrescente, subsiste um valor apto a sucessivas reestréias para novas faixas de audiência.

No aspecto mercantil, a televisão é fundamentalmente um meio de entretenimento e informação e só secundariamente um meio cultural e educativo, inclusive na Europa.

A difusão televisiva, com exceção dos sistemas de cabo e satélite, não é internacional. É a existência de um importante mercado internacional que converte os programas em produtos internacionais pelo volume de contratação, pelo seu peso nas programações e pela sua incidência no modo de fazer televisão.

Todos os operadores de televisão procuram complementar suas receitas publicitárias com vendas ao exterior, o que exige acomodar-se, adaptar-se aos padrões técnicos e culturais internacionais.

A televisão, na qualidade de um megameio, tem um baixo custo por destinatário alcançado, o que a faz extremamente competitiva no campo publicitário. Contudo, para colocar uma emissora de televisão em funcionamento são precisos grandes investimentos. Além disso, seu custo de manutenção também é alto. Hoje só quem tem essa capacidade são os grandes capitais ou o Estado.

Por fim, o gigantismo televisivo não favorece a aleatoriedade da realidade mercantil, porém a concorrência entre operadores e a multiplicação de canais reintroduzem a incerteza.

O processo de valorização no campo da televisão comercial apresenta uma série de características que favorecem os movimentos atuais de capitais em direção à televisão. Isso tem determinado uma série de mudanças no próprio sistema: descentralização, internacionalização, multiplicação de canais, privatização da exploração de redes, rentabilização de cada emissão e atuação multimídia.

Algumas dessas características são apontadas por Zallo (1988, p.145-147). As televisões de todos os países apresentam uma estrutura monopolística ou oligopolística. Apesar do surgimento de novas televisões privadas ou a introdução de critérios comerciais nas televisões públicas (Europa), é mais provável que do monopólio se passe à situação de oligopólio - visto o precedente dos Estados Unidos -, o que tem sua importância desde o ponto de vista do valor.

Pela via do mercado de materiais, redes, programas, publicidade estão se criando condições médias de produção em escala internacional que limitam o poder dos oligopólios nacionais em benefício dos oligopólios internacionais de programas. O mercado de equipamentos e de construção de redes já é dominado pelos gigantes internacionais da eletrônica e da comunicação.

O mercado internacional de programas é tão competitivo em qualidade e preços que resulta mais exeqüível recorrer a ele do que produzir nacionalmente. Zallo (1988) alerta também que o mercado publicitário tende também a configurar-se no âmbito internacional.

O autor afirma que a televisão tem a dupla peculiaridade de ser uma indústria em si mesma (produtora e exibidora ao mesmo tempo) e ser um meio subcontratante de outras indústrias. Para ele, a televisão se diferencia das outras indústrias por uma tripla vantagem na hora de valorização dos capitais: a possibilidade de planificar o processo produtivo, a possibilidade de planificar os programas e - contando com um canal exibidor - a planificação da programação a ser emitida para um maior número de pessoas.

A planificação possibilita a redução dos custos unitários, aumenta a produtividade e mantém mercados cativos. Uma programação com problemas do ponto de vista econômico é suscetível de rápidas correções, uma vez que há modelos de programação de rentabilidade assegurada.

O operador televisivo, em função do seu trabalho de programador/planificador, está em boas condições para atuar na área das telecomunicações (telemática, videocomunicação) seja de servidor ou explorador da rede, ou na nova televisão (televisão segmentada).

Zallo (1988) entende que, levando-se em conta a importância dos direitos de distribuição de programas necessários para os múltiplos canais - particularmente os que apenas podem ter produção própria como as redes locais de cabo, as televisões locais e regionais -, é muito provável que os grandes operadores internacionais e nacionais e os donos dos direitos de produção (sejam ao mesmo tempo produtores de programas ou não) compartam a primazia internacional e nacional na TV.

As formas de internacionalização hoje são variáveis, convertendo o espaço televisivo em espaço de valorização internacional. A dominante é a da internacionalização do mercado de programas que se reflete nas programações das televisões de todo o mundo, tanto no seu formato quanto na sua composição.

Conforme Zallo (1988), uma segunda forma de internacionalização é a produção e difusão mediante os satélites de distribuição ou com a televisão direta por satélite e suas respectivas combinações com o cabo. Junto com a internacionalização e a exploração de novas redes de cabo e satélite, as principais formas de valorização dos capitais comprometidos com a televisão são: a rentabilização dos atuais canais, a descentralização e a privatização ou desregulamentação da exploração das redes.

A hegemonia da televisão sobre os demais media também traz como conseqüência que, entre os veículos de comunicação, ela é a que se apresenta como a maior fonte de informação sobre o mundo político e social dos países. Como bem coloca Vilches (1996, p.131), as generalizações que a audiência faz a partir dos programas televisivos servem como orientação para construir a sua realidade social.

No Brasil, a televisão ocupa um papel de fundamental importância na formação da identidade nacional. A TV desempenhou um papel de vanguarda enquanto agente unificador da sociedade brasileira (Mattelart, 1989, p.36). Dentro desse contexto, o jornalismo tem um papel de destaque. Diariamente, durante meia hora do horário nobre da TV, milhões de pessoas sentam em frente ao telejornal para assistir os fatos mais importantes do dia, de uma forma condensada.

INDÚSTRIAS CULTURAIS E JORNALISMO

A lógica do capital e o jornalismo

O jornalismo, como conhecemos hoje no mundo ocidental, tem suas origens intimamente ligadas ao desenvolvimento do capitalismo. Na segunda metade do século XV, as técnicas de impressão se espalharam rapidamente e imprensas foram estabelecidas nos principais centros comerciais europeus:

Esse fato se constituiu no alvorecer da era da comunicação de massa. Coincidiu com o desenvolvimento das primeiras formas de produção capitalista e de comércio, de um lado, e com os começos do moderno Estado-nação, de outro. (Thompson, 1995, p.231)

Os primeiros empreendimentos na área foram de pequeno porte e tinham como interesse a reprodução de manuscritos de caráter religioso e literário, bem como a produção de textos para a utilização no direito, medicina e comércio. O processo se expandiu, transformando uma série de atividades antes reservadas a copistas e escribas.

As primeiras impressoras tornaram-se parte de um novo e florescente comércio de livros na Europa. No final do século XV, as imprensas já tinham se estabelecido na maior parte da Europa e pelo menos 35 mil edições já haviam sido produzidas, representando aproximadamente de 15 a 20 milhões de cópias em circulação.

Segundo Thompson (1995), as primeiras folhas noticiosas apareceram no começo do século XVI. Eram publicações ad hoc que estavam relacionadas a acontecimentos particulares como, por exemplo, encontros militares. Não existiam edições, nem séries subseqüentes.

As folhas noticiosas periódicas surgiram na segunda metade do século XVI. No entanto, foi somente no século XVII que apareceram as revistas com notícias regulares e relativamente freqüentes. As evidências indicam que o primeiro jornal semanal deve ter surgido em Amsterdam (1607). Em 1620, essa cidade tornou-se o local de um centro de notícias em rápida expansão, pelo qual a informação sobre atividades militares, políticas e comerciais era regularmente difundida pelas diversas cidades européias.

Embora estimulado pelo desenvolvimento da Guerra dos Trinta Anos e pela crescente demanda de notícias sobre ela, o comércio inicial de notícias desempenhou, também, um papel importante e crescente na expansão do sistema capitalista de produção e troca e na emergência das primeiras formas de financiamento e crédito capitalistas (Thompson, 1995, p.233).

Na Inglaterra, a indústria do jornal teve um rápido desenvolvimento durante a metade do século XVII, sujeita a diversos tipos de controle por parte do governo. O primeiro jornal diário inglês surgiu em 1702 e foi logo seguido por outros. Nas primeiras décadas do século XVIII, a circulação era baixa e restrita ao centro de Londres. Mas, já na metade do século, a circulação dos jornais diários de maior sucesso aumentou e a tiragem chegava a três mil cópias.

Thompson (1995) observa que o desenvolvimento da indústria do jornal nos séculos XIX e XX teve como característica duas tendências principais: o crescimento e a consolidação da circulação massiva de jornais e a crescente internacionalização das atividades de coleta das notícias. Para ilustrar o primeiro aspecto, ele toma como exemplo a indústria jornalística inglesa. O autor lembra que outros países industrializados também tiveram um desenvolvimento semelhante no campo do jornalismo.

Durante o século XIX, a indústria jornalística adquiriu um aspecto crescentemente comercial, procurando aumentar a circulação como um meio de implementar a renda gerada através das vendas de anúncios e comerciais. Sua rápida expansão tornou-se possível pela melhoria dos métodos de produção e distribuição, bem como pelo crescimento da alfabetização e abolição dos impostos.

Resultado desse e de outros desenvolvimentos: a circulação dos jornais cresceu regular e significativamente. No final do século XIX, o principal jornal dominical inglês, o Lloyd's Weekly News, apresentava uma circulação ao redor de um milhão de exemplares. Os jornais diários também tiveram um aumento expressivo na sua tiragem, sendo que, em 1890, o Daily Telegraph alcançava a circulação de 300 mil cópias.

O crescimento na circulação dos jornais foi acompanhado por mudanças significativas na natureza e no conteúdo dos mesmos. Os diários deram maior atenção ao crime, à violência sexual, ao esporte e aos jogos de azar.

Ao mesmo tempo os anúncios comerciais assumiram um papel sempre mais crescente na organização financeira das indústrias, os jornais se tornaram um mecanismo crucial na facilitação da venda de outros bens e serviços, e sua capacidade de garantir retorno da publicidade estava intimamente ligada ao número e perfil dos seus leitores (Thompson, 1995, p.236).

Os jornais tornaram-se empreendimentos de grande porte. O tradicional proprietário, que possuía um ou dois jornais como negócio familiar, deu lugar ao desenvolvimento de organizações de grande porte de muitos jornais e meios. Essa mudança na base econômica da indústria jornalística representou um período de consolidação e concentração.

Em 1948, os três grupos que encontravam-se no topo da pirâmide - Beaverbrook Newspapers, Associated Newspapers e Kemsley Newspapers - controlavam 43% da circulação do mercado geral de jornais na Inglaterra. Em 1974, os três grupos do topo - Beaverbrook, Reed International e News International - detinham 65% do mercado. Como colocamos ao tratarmos das indústrias culturais, uma das tendências recentes das indústrias dos media é a crescente concentração.

A segunda característica da indústria jornalística nos séculos XIX e XX, apontada por Thompson (1995), foi a crescente internacionalização das atividades de coleta de notícias. O fluxo internacional da informação assumiu uma nova forma institucional no século XIX; foram criadas agências de notícias nos principais centros comerciais da Europa. Elas se tornaram cada vez mais responsáveis pelo suprimento de informação estrangeira para os clientes dos jornais.

Em 1977 a Reuters forneceu serviços de notícias para 150 países e a AFP forneceu serviços para 129; a AP e a UPI supriram serviços para 108 e 92 países, respectivamente. Em contraste com a relativamente grande dispersão dos países clientes, a localização dos escritórios de coleta de notícias do exterior tendem a se concentrar nas regiões mais desenvolvidas do mundo (Thompson, 1995, p.241).

O desenvolvimento da televisão também acompanha as transformações do capitalismo. Os sistemas de difusão foram revolucionados, nas décadas de 40 e 50, com a chegada da TV. O seu crescimento afetou as outras indústrias culturais, entre outras coisas, em termos da competição pelo lucro na publicidade.

Conforme Thompson (1995), em 1962 a televisão tinha conquistado 25% dos gastos em publicidade na comunicação na Inglaterra, enquanto que a fatia da imprensa caiu para menos de 70%. Em 1982, a fatia da imprensa caiu para menos de 64%, enquanto que a proporção da televisão subiu para 30%.

Nos Estados Unidos, a rápida expansão da indústria da televisão começou em 1948 e, em uma década, havia mais ou menos tantos aparelhos de televisão em uso quanto o número de famílias norte-americanas. Em 1974, mais de 60% das estações de televisão daquele país estavam filiadas às maiores redes nacionais. As redes constituem um aspecto institucional central do sistema de televisão dos Estados Unidos. Elas fornecem toda a infra-estrutura técnica e vendem espaço de publicidade no mercado nacional a favor de suas filiadas. Esse modelo também foi adotado por outros países, como é o caso do Brasil (Thompson, 1995, p.250).

Vilches (1996, p.171) afirma que o modelo norteamericano é um negócio que tem como principal objetivo obter o máximo de benefício. A rentabilidade é o critério que governa a programação. Num sistema de concorrência, a programação é reduzida a um instrumento para obter mais caras de publicidade. O autor diz que as dimensões políticas e econômicas da televisão são bastante evidentes.

Um outro autor que chama a atenção para as relações entre a imprensa e o capitalismo é Jürgen Habermas. Em Mudança Estrutural da Esfera Pública, ele faz uma análise do desenvolvimento das instituições dos media desde o século XVII até hoje. Habermas (1984) faz uma radiografia do surgimento e da conseqüente desintegração do que ele classifica de esfera pública.

No entender do autor, o desenvolvimento do Estado e das organizações comerciais de comunicação de massa transformaram a esfera pública emergente de uma maneira tão forte que seu potencial crítico foi reduzido.

Para Habermas (1984), o modelo de esfera pública burguesa contava com a separação rígida entre o setor público e o setor privado; a esfera pública das pessoas privadas reunidas num público, que fazia a mediação entre o Estado e as necessidades da sociedade era computada ela mesma no setor privado.

À medida que o setor público se imbrica com o setor privado, esse modelo se torna inútil. Ou seja, surge uma esfera repolitizada, que não pode ser subsumida, nem sociológica nem juridicamente, sob as categorias do público ou do privado (Habermas, 1984, p.208).

Habermas (1984) considera que a refuncionalização do princípio da esfera pública baseia-se numa reestruturação pública, enquanto uma esfera que pode ser apreendida na evolução de sua instituição por excelência: a imprensa (o grifo é nosso). De um lado temos que, na mesma medida de sua comercialização, supera-se a diferença entre a circulação de mercadorias e a circulação do público; dentro do setor privado, apagase a nítida delimitação entre a esfera pública e a esfera privada.

Do outro lado, no entanto, a esfera pública, à medida que a independência de suas instituições só pode ser assegurada mediante certas garantias, deixa de ser de um modo geral exclusivamente do setor privado. Enquanto antigamente a imprensa só podia intermediar e reforçar o raciocínio das pessoas privadas reunidas em um público, este passa agora, pelo contrário, a ser cunhado primeiro através dos meios de comunicação de massa (Habermas, 1984, p.213-221).

Na introdução da História da Imprensa no Brasil, Nelson Werneck Sodré defende que a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento capitalista.

Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras culturais - como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação - tudo conduz à uniformidade... (Sodré, 1983, p.1)

Tendo por base o livro de Sodré (1983) procuraremos mostrar que, no Brasil, o desenvolvimento do jornalismo também está relacionado com as transformações capitalistas. Em sua obra, o autor faz uma radiografia da história da imprensa no país desde a colônia até o começo da segunda metade da década de 1960.

A passagem do século XIX para o século XX representa para o Brasil a transição da pequena para a grande imprensa. Os pequenos jornais e as folhas tipográficas de estrutura simples cederam lugar às empresas jornalísticas que dispunham de todo o equipamento gráfico necessário para execução da sua função.

As grandes transformações que aconteceram no país, desde os fins do século - o fim do escravismo e o advento da República principalmente -, corresponderam ao avanço das relações capitalistas no Brasil e, como conseqüência, o avanço progressivo da burguesia. É dentro desse contexto que se situa a passagem da imprensa artesanal à imprensa industrial, da pequena à grande imprensa.

A partir de então, o jornal será uma empresa capitalista de menor ou maior porte. Pode-se dizer que o jornal romântico, como aventura isolada, de propriedade individual, desaparece nas grandes cidades, sendo relegado ao interior, onde ainda hoje encontramos esse tipo de jornal.

Sodré (1983) ressalta que desde os terceiro e quarto decênios deste século, a concentração da imprensa era tão marcante, em sua segunda metade que, tendo desaparecido numerosos jornais e revistas, uns poucos novos apareceram. Os dois que surgiram foram os vespertinos Última Hora e Tribuna da Imprensa, dirigidos respectivamente por Samuel Wainer e Carlos Lacerda. O autor informa também que a única grande revista que apareceu nessa fase de concentração foi a Manchete, em 1953.

A concentração tomaria aspectos ainda mais acentuados com o desenvolvimento do rádio e da televisão: a tendência às grandes corporações, de que os Diários Associados constituem o primeiro exemplo, agravar-se-ia com a constituição de corporações complexas, reunindo jornais e revistas, emissoras de rádio e televisão (Sodré, 1983, p.388).

Em sua pesquisa, Sodré (1983) adianta algumas tendências das empresas de comunicação num mundo globalizado. Para ele, as empresas ampliam-se incorporando revistas, emissoras de rádio e de televisão. O autor acrescenta que, em alguns casos, elas transcendem o seu campo específico e integram indústrias as mais diversas (veja o caso da Rede Globo, já citado, apresentado neste trabalho).

Ele se mostra preocupado com esse quadro, uma vez que na sociedade capitalista a liberdade de imprensa está condicionada aos recursos que a empresa dispõe e do grau de sua dependência em relação às agências de publicidade.

Goldenstein, em Do Jornalismo Político à Indústria Cultural (1987), mostra como a lógica do capital influenciou o destino de dois jornais: Última Hora e Notícias Populares. O primeiro, de propriedade de Samuel Wainer, tinha como estratégia quebrar a conspiração de silêncio que a grande imprensa fazia em torno do nome de Getúlio Vargas.

Última Hora haveria de ser duplamente uma tribuna de Getúlio: diretamente, através da mensagem que veicularia, e, indiretamente, através da concorrência que determinaria, obrigando os demais órgãos da imprensa a reverem sua política editorial.

Notícias Populares nasce como um contraponto à Última Hora classificado como de esquerda. É um empreendimento de homens ligados à UDN, pertencia ao presidente do partido na época, Herbert Levy, um homem ligado ao capital financeiro (foi proprietário do Banco América, depois absorvido pelo Itaú). Foi um dos líderes da ofensiva contra João Goulart, a partir de 1963, por grupos empresariais de São Paulo.

Criado 12 anos após Última Hora, num momento em que o Brasil entrava já em sua fase monopolista, Notícias Populares teria uma organização industrial e empresarial extremamente frágil para a época e marcada pela improvisação. Isso deve-se ao fato de que o objetivo do jornal era político.

Goldenstein (1987) mostra a trajetória dos dois jornais até a compra deles pelo grupo Frias-Caldeira, que no início dos anos 70 controlaria sozinho cerca de 50% do mercado jornalístico de São Paulo. A autora explica que depois do governo Kubitscheck, o capitalismo no Brasil passou a uma dinâmica tipicamente monopolista.

O novo período que se abriu em 1967 tem no setor de duráveis o seu principal apoio, com a publicidade ganhando relevância e o desenvolvimento dá base à formação e sustentação de grandes conglomerados de mass media. Goldenstein (1987) ressalta que entrávamos na fase da indústria cultural, com a Última Hora de São Paulo e Notícias Populares integrando-se à nova fase acoplados à cadeia Frias-Caldeira:

Mas, nesta integração inverter-se-ia algo na essência destes jornais: a relação entre a mensagem e a empresa. A partir de agora, a empresa subordinaria a mensagem. Até aqui tinham utilizado algumas técnicas da indústria cultural. Doravante, seriam regidos pela lógica da indústria cultural. Sua mensagem, que até aqui fora mercadoria por acréscimo, passava a sê-la por definição (Goldenstein, 1987, p.149).

O grupo Frias-Caldeira também comprou a Folha de São Paulo que ao longo dos anos passou por uma reestruturação profunda. No começo, uma reforma tecnológica, econômica e comercial, medidas necessárias para uma empresa que agora faria parte de um grande conglomerado.

De acordo com Ortiz (1995, p.140), mais adiante a Folha passou por profundas transformações no processo mesmo do trabalho jornalístico. Foi criado um novo Manual de Redação que buscou padronizar a produção do jornal. Além disso, a automação da Folha de São Paulo resultou num aumento da velocidade de impressão, reduzindo o tempo de produção e diminuindo os custos do processo. A composição dos artigos se tornou mais ágil e precisa.

Num estudo sobre as tendências do jornalismo, Francisco Rüdiger mostra que a passagem do jornalismo gaúcho à fase industrial cultural coincide com o surgimento dos grandes conglomerados de comunicação. Eles são resultado da fusão entre empresas jornalísticas e emissoras de rádio e televisão, cuja vanguarda coube e vem sendo mantida até os dias de hoje ao grupo RBS (Rüdiger, 1993, p.69-70).

As décadas de 60 e 70 se definem pela consolidação de um mercado de bens culturais no Brasil. Ortiz (1995) argumenta que durante esse período há uma grande expansão em nível de produção, de distribuição e de consumo de cultura. Os grandes conglomerados dos meios de comunicação, no capitalismo avançado, já não são mais controlados pelos capitães de indústria (Assis Chateubriand), que cedem lugar aos homens de organização (Roberto Marinho), como a nova situação exigia.

Na área da televisão, o quadro não é muito diferente. As mudanças que acontecem no capitalismo internacional têm um reflexo direto, entre outras coisas, sobre o desenvolvimento do veículo no Brasil. Caparelli (1982, p.21) divide o crescimento da televisão em dois períodos: um que vai do começo dos anos 50 e, principalmente, da segunda metade do governo de Juscelino Kubitschek, até 1964; e o segundo, no período pós-1964.

Entre as duas fases, Caparelli (1982) evidencia um período de transição em que destacam-se dois acontecimentos. O primeiro é o acordo feito entre a televisão Globo e o Time/Life (Herz, 1987); o segundo, a ascensão e queda da TV Excelsior de São Paulo. Um terceiro aspecto a ser destacado é o declínio dos Associados, que tem início na primeira fase. Os períodos relacionados pelo autor guardam uma relação entre si e não podem ser trabalhados de uma forma isolada.

O primeiro período que tem como marca o império Chateaubriand (Diários Associados), de capital nacional, mostra o velho estilo empresarial brasileiro de administrar. Já a segunda fase, cuja melhor expressão é a Rede Globo de Televisão, contou com o impulso do capital estrangeiro integrado à indústria de informação como um dos setores mais avançados do capitalismo em expansão.

Mattos (1990) recorda que o golpe de 1964 teve um forte impacto sobre os meios de comunicação de massa porque o sistema político e a situação socioeconômica do país foram totalmente modificados pela definição de um modelo econômico para o desenvolvimento nacional.

O crescimento econômico do país foi centrado na rápida industrialização, baseada em tecnologia importada e capital externo, enquanto os veículos de comunicação de massa, principalmente a televisão, passaram a exercer o papel de difusores da produção de bens duráveis e não-duráveis (Mattos, 1990, p.13).

Durante os 21 anos de regime militar, 1964-1985, o financiamento dos mass media representou um poderoso veículo de controle estatal, em razão da vinculação entre os bancos e o governo. Os meios de comunicação adotaram uma posição de sustentação das medidas governamentais. Nesse aspecto, o jornalismo apresentou uma importante contribuição. Greves, agitações, atentados e conflitos não faziam parte da cobertura jornalística. Essa distorção era viabilizada pelos telejornais das emissoras, já estabelecidas em redes nacionais.

O script de abertura do primeiro jornal Jornal Nacional, 1$^{o}$ de setembro de 1969, dizia que o Jornal Nacional inaugurava naquele momento a imagem e o som de todo o país. No mesmo jornal, o apresentador Hilton Gomes informava que desde o dia anterior o Brasil era governado pelo Almirante Augusto Rademaker, ministro da Marinha, general Lyra Tavares, ministro do Exército, e o marechal-do-ar, Márcio de Souza e Melo, ministro da Aeronáutica (Mello e Souza, 1984, p.16).

A primeira imagem que o Jornal Nacional colocou no ar foi um VT com a fala de Delfim Neto, na época ministro da Fazenda, o primeiro a despachar com a Junta Militar. Nesse dia, a atividade financeira do país ficou paralisada porque o presidente do Banco Central, Ernane Galveas, determinou que os bancos, as bolsas de valores e as instituições financeiras não funcionassem.

A entrevista concedida pelo ministro da Fazenda, Delfim Neto, deu uma palavra de tranqüilidade a todos os brasileiros, graças à formação da primeira rede nacional de informação jornalística.

O modelo em que se basearam os profissionais da Rede Globo para elaborar um projeto de programação foi construído a partir de experiências externas. O modelo internacional, sobretudo o norte-americano, foi o principal eixo de orientação da TV Globo. Mello e Souza (1984, p.22) recorda que a idéia de se fazer um jornal de caráter nacional, à semelhança do que já existia nos Estados Unidos, já vinha sendo debatida na emissora.

Dessa forma, o conceito de rede, no país, foi viabilizado num programa jornalístico. Como observa Ortiz (1995, p.118-119), o sistema de redes é uma condição essencial para o funcionamento da indústria cultural. No desenvolvimento político e econômico brasileiro, a integração nacional era um ponto fundamental dentro do contexto da ideologia de segurança nacional e representou para os empresários uma ampliação de mercado.

Sobre o papel desempenhado pela televisão durante os governos militares até o surgimento da Nova República, Guimarães e Amaral (1989) mostram que os mass media, em especial a TV Globo, deram legitimidade à nova era que se abriu no país com a campanha das diretas e a morte do ex-presidente de Tancredo Neves. A televisão, sem ter consciência, transferiu à Nova República o afeto do presidente morto (Guimarães, Amaral, 1989, p.171).

Os autores comentam que a mesma TV Globo que havia servido fielmente os governos militares, se convertia numa rede quase oficial da Nova República. Para eles, os novos dirigentes do Brasil tinham muito o que agradecer aos meios de comunicação. No entanto, a partir de então os media deviam ser vistos como uma força política independente, nova e poderosa.

O modelo de televisão massiva, dentro das reestruturações porque passa o capitalismo numa economia globalizada, ainda está longe de ser esgotado no país. Caparelli (1995) alinha quatro razões que tornam o nosso modelo diferente da televisão nos Estados Unidos:

Neste mundo da televisão, o trabalho humano, sem dúvida, ocupa um lugar fundamental. São funcionários administrativos, técnicos, operadores e jornalistas que colocam a máquina em movimento.

O mundo dos jornalistas

Sigal (1986, p.9-37), num estudo sobre quem faz a notícia, afirma que saber o modo como as notícias são produzidas é a chave para compreender o que significam. Traquina (1988, p.38) defende que as notícias registram as formas literárias e as narrativas utilizadas pelos jornalistas para organizar o acontecimento e os constrangimentos organizacionais que condicionam o processo de produção de notícias.

Como Traquina (1988), acreditamos que para compreender o que é uma notícia é importante entender como é produzida. Por isso, nesta parte do livro, trataremos primeiramente do mundo em que ela é construída: a redação, o dia-a-dia dos jornalistas, a sua atividade, a sua função, para depois abordarmos a questão da notícia.

No Brasil, é no livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto (1995), guardadas as preocupações do autor em atacar aqueles que considerava os príncipes do jornalismo e das letras na época, que vamos encontrar uma das primeiras descrições sobre a atividade dos jornalistas e o seu ambiente de trabalho: a redação.

Era uma sala pequena, mais comprida que larga, com duas filas paralelas de minúsculas mesas, em que se sentavam os redatores e repórteres, escrevendo em mangas de camisa. Parava no ar um forte cheiro de tabaco; os bicos de gás queimavam baixo e eram muitos (Barreto, 1995, p.74).

Barreto (1995) dá mais detalhes sobre a redação de O Globo, no começo do século. Conforme o autor, o espaço de tão acanhado que era não permitia que um redator arrastasse uma cadeira sem esbarrar na mesa de trás, do vizinho. O gabinete do diretor, onde trabalhavam o secretário e o redator-chefe, também era pequeno, só que duas janelas que davam para a rua desafogavam-no um pouco.

Com relação aos jornais do Rio, observa que eram guiados pela mesma lei, pelo mesmo critério e que tendo lido um já se tinha lido todos. No que diz respeito aos jornalistas, Barreto (1995) é mordaz e irônico ao afirmar que a redação é uma colméia de gênios. O autor diz ainda que a tão propagada irmandade que falam existir numa redação é uma lenda.

Não há repartição, casa de negócio em que a hierarquia seja mais ferozmente tirânica. O redator despreza o repórter, o repórter, o revisor (...) A separação é a mais nítida possível e o sentimento de superioridade, de uns para os outros, é palpável, perfeitamente palpável (Barreto, 1995, p.108).

Barbosa (1990) compreendia a atividade jornalística como um compromisso com o dever e a verdade. Para ele, a imprensa era a vista da Nação. Através dela a sociedade acompanha o que se passa, devassa o que é ocultado, percebe as tramas que se desenvolve e se acautela contra o que a ameaça.

Sem vista mal se vive. Vida sem vista é vida no escuro, vida na soledade, vida no medo, morte em vida: o receio de tudo; dependência de todos; rumo à mercê do acaso; a cada passo acidentes, perigos, despenhadeiros. (Barbosa, 1990, p.37)

Lacerda (1990), que teve em Rui Barbosa um dos alicerces da sua formação, assegurava que o jornalista era os olhos, a boca e o nariz da nação. Segundo ele, o jornalista não deve se deixar influenciar nem pelo dinheiro nem pelo temor. A sua função é construir uma opinião pública bem informada, atenta e vigilante.

Entende o autor que a notícia verdadeira só pode dá-la um verdadeiro jornalista, que para isso deve ser também um homem verdadeiro, na medida em que não pode desprezar o seu leitor, o homem, o seu próximo. Apresentar um quadro da realidade sobre o qual os homens possam atuar. Eis a missão do jornal; a função, pois, do jornalista (Lacerda, 1990, p.37).

Acostumado ao cotidiano das redações, o jornalista e membro do conselho editorial da Folha de São Paulo, Clóvis Rossi, define o jornalismo como uma batalha para a conquista das mentes e dos corações de leitores, ouvintes e telespectadores. Ele enfatiza que a honestidade é uma característica fundamental para a realização do trabalho jornalístico.

Rossi (1984, p.79) diz que o jornalista deve desenvolver sua atividade bem e honestamente, não como uma forma de agradar os seus empregadores, mas para cumprir a sua missão de informar o público.

O diaadia, a atividade dos jornalistas e a sua função é resumida de uma forma bem-humorada pelo jornalista gaúcho Paulo Santana (1995, p.75) numa crônica sobre o assunto. Ele fala que o jornalista, por definição, é o sujeito que entende de tudo. Quando acontece qualquer problema virou moda chamar o jornalista. Santana (1995) conta que se o médico não cura a doença de alguém ele telefona para o jornal e pede auxílio de um jornalista.

Para ilustrar a importância que o jornalista adquiriu, revela até um caso que aconteceu com ele numa rua central de Porto Alegre: um homem em companhia da sua mulher pediu-lhe para intervir, como jornalista, no problema que estava tendo com ela, que insistia em não voltar para casa de onde tinha saído há 15 dias. O autor conclui sua crônica assegurando que o jornalista virou a única, a penúltima e a última instância a quem as pessoas têm a recorrer.

Sem dúvida, Santana (1995) comete exageros que a crônica permite-lhe. No entanto, como apresenta uma pesquisa realizada pela revista Imprensa (OS JORNALISTAS, 1997, p.19-20), a confiança na imprensa e nos jornalistas tem aumentado nos últimos anos. Em termos de credibilidade, a imprensa está na frente do Congresso, da polícia, da Justiça e da Igreja Católica. Só perde para os Correios.

A mesma pesquisa também indica que o aumento no nível de credibilidade da imprensa aparece também na pesquisa de confiabilidade do jornalista em relação às principais profissões. A listagem feita pela revista mostra que o jornalista só perde para o professor e médico. Está na frente de padres, advogados, economistas e políticos.

Apesar de não poder deixar de levar em conta o carisma do jornalista, a troca de Bóris Casoy do SBT para a Record em junho deste ano, com um salário por volta de R$ 150 mil, mostra que o jornalismo e, de certa forma, a própria atividade jornalística, ocupam hoje um novo patamar na televisão, como um produto que dá credibilidade (Mayrink, 1997, p.1). Vale lembrar que a Record pertence à Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.

O jornalista e professor Alberto Dines (um dos responsáveis pela criação dos Laboratórios de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp) reconhece que o jornalista é o elo fundamental do processo jornalístico. No entanto, alerta que é preciso que se tome o maior cuidado para evitar o endeusamento do jornalista dentro da empresa jornalística.

Dines (1996, p.114) esclarece que não havendo o conflito empresa x imprensa, cabe ao jornalista saber enquadrar-se num sistema organizacional. Sem isso, ele admite ser impossível sobreviver na velocidade e padrão com que o empreendimento jornalístico opera.

A jornalista Júnia Nogueira de Sá, que exerceu a função de ombudsman da Folha de São Paulo (1997), pondera que a credibilidade é a moeda de troca dos jornais e só pode ser conseguida com precisão e trabalho. Na virada de século, ela retoma as críticas de Lima Barreto ao dizer que as redações têm, um pouco pela empáfia natural dos jornalistas, um pouco por uma série de defeitos acumulados ao longo dos anos, especialmente no Brasil, uma arrogância extrema.

Para os jornalistas, o jornal ideal seria feito da seguinte forma: às dez da noite a redação fecharia, o jornal estaria pronto e acabado, o jornalista o jogaria no lixo, e não precisaria nem imprimir e mandar para a casa do leitor. E assim, no dia seguinte, começaria mais um jornal à imagem e semelhança dos jornalistas... (Sá, 1997, p.159)

No entender de Abramo (1997), o jornalista das grandes empresas jornalísticas, na grande maioria dos casos, abdica de tomar consciência da classe a que pertence, embora geralmente provenha das classes médias. Ou seja, diante do proprietário da empresa, é um trabalhador assalariado. Logo, os seus interesses reais deveriam ser os mesmos dos demais trabalhadores.

No entanto, expõe o autor, na sua atividade diária o jornalista trabalha com representações ideológicas, palavras, informações, dados, opiniões e atitudes que são as que a empresa adota. Em função disso, ele vive um duplo papel: o de um trabalhador assalariado que vende sua força de trabalho para os interesses da burguesia e que passa a ser indiferente aos trabalhadores assalariados.

Diante disso, Abramo (1997, p.284) propõe uma conduta ideal em termos de tendência histórica a ser conquistada. O jornalista deve assumir a sua posição de classe e conseqüentemente assumir diante de seu público leitor o compromisso de contribuir de todas as formas para a intensificação da comunicação social, também de forma crítica.

Medina, em Profissão Jornalista: Responsabilidade Social (1982, p.21-22), observa que em nenhuma profissão, como no jornalismo, o diaadia tem mais peso. O ritmo de trabalho do jornalista é regulado pelo prazo exíguo de 24 horas, com algumas variáveis para menos ou para mais. A pressão do tempo é constante.

A autora comenta que a periodicidade como uma marca inalienável do cotidiano do jornalismo determina algumas conseqüências. A mais séria e que delimita a missão social do jornalista é a impossibilidade de qualquer forma de perfeccionismo científico. Ou seja, um produto jornalístico nunca poderá ser analisado dentro dos parâmetros estabelecidos pela ciência já que o improviso faz parte da atividade diária do jornalista.

No desempenho do seu trabalho, o jornalista realiza uma atividade que não se reduz só à técnica. Em Mortes em Derrapagem, Fausto Neto (1991, p.25-26) esclarece que a idéia de que o jornalista é um mero reprodutor de fatos e que basta ele acionar uma forma correta de um conjunto de regras para realizar um bom trabalho, um bom texto, não corresponde à realidade.

No dia-a-dia de sua atividade, o jornalista é servido pela língua, códigos e regras do campo das linguagens. Na elaboração do seu texto, ele vai usar procedimentos de seleção e combinação, mediante unidades que, articuladas, vão se transformar em mensagens, ou, de um modo mais abrangente, em discursos sociais.

Esse trabalho de operação não se dá apenas no campo restrito do código, uma vez que o sujeito se defronta com outros códigos - ou outros discursos - de que empresta também para a constituição de suas unidades discursivas. Do trabalho de operar com vários discursos resultam construções, que, no jargão jornalístico, podem ser chamadas de notícias.

O dia-a-dia dos jornalistas, a redação, a opinião dos jornalistas sobre as matérias publicadas e até as suas vidas fora do ambiente do trabalho têm despertado a curiosidade de alguns pesquisadores. Um estudo realizado basicamente com profissionais residentes no Rio de Janeiro procura mostrar como se constitui a identidade do jornalista e em que ela está ancorada.

Entre outras coisas, a pesquisa indica que a construção da identidade do jornalista se realiza num contexto em que diversas áreas da vida social se misturam e se confundem. Não se pode pensar em identidade levando em conta apenas trajetórias e projetos conscientes e lineares. A vivência profissional é uma fonte de convivência e contato com essa complexidade.

A pesquisa evidencia ainda que as noções de prestígio e ascensão social, bastante relacionadas entre si, também contribuirão para moldar o quadro de construção da identidade do jornalista. A carreira de jornalista, em alguns casos, poderá significar um instrumento de ascensão social e obtenção de prestígio (Travancas, 1992, p.105).

Um outro trabalho denota que, em se tratando do enfoque e do destaque de uma matéria no jornal, apenas 14% dos jornalistas entrevistados colocam-se de acordo com a opinião que supõem ser a do patrão, no que se refere ao tamanho da página de publicação. Somente 10% concordam com o número de linhas que o empresário proporia para a matéria.

O estudo revela também que a tendência geral é de acusar o patronato de possuir uma propensão a esconder a polêmica da matéria. Os jornalistas, em relação aos seus respectivos patrões, em 83% dos casos procurariam dar um destaque maior à matéria, seja pela paginação, 76% pelo tamanho do título ou 86% pelo número das linhas (Miranda, 1976, p.97).

Em Sempre Alerta, Jorge Cláudio Ribeiro (1994) faz uma análise profunda sobre as condições e as contradições do trabalho jornalístico. Ele diz que uma das principais características da atividade é a tensão, que apresenta-se sob dois aspectos: a) é inerente aos ritmos e procedimentos da própria tarefa; b) é estimulante e, então, canalizada para obter resultados específicos - trata-se da mais-tensão, a tensão fabricada com o objetivo de extrair produtividade.

Com relação ao espaço onde o jornalista desempenha a sua atividade - a redação -, Ribeiro (1994) registra que ele apresenta uma variação intensa de significados, de acordo com os acontecimentos, com a função do jornalista, com a gestão do veículo. Para ilustrar essa variedade de conceito, o autor usa os conceitos de casa e rua propostos por Roberto da Matta.

A casa como o lugar da pureza, freqüentada pela pessoa identificada, onde prevalecem as relações de igualitarismo e afetividade. A rua é o lugar do perigo, onde a lei é aplicada rígida e impessoalmente ao indivíduo anônimo. A esse dois conceitos, Ribeiro (1994) acrescenta um terceiro: o de outro mundo, também de Da Matta, que integra a idéia de morte, de submissão a forças superiores, relativizando as leis deste mundo, da casa e da rua.

Ribeiro (1994) conta que durante o dia o cenário da redação se modifica. Pela manhã chegam pauteiros e chefes de reportagem que irão preparar o material para os repórteres que chegam mais tarde. A concentração aumenta na metade da tarde quando chegam os redatores e as primeiras matérias começam a ser escritas.

No começo da noite, o cenário está completo. Os repórteres redigem suas matérias, os fotógrafos revelam e identificam as fotos e diagramadores, redatores e editores trabalham no fechamento das páginas.

A redação, portanto, passa por um período de dispersão, voltado para a Rua; a seguir vive uma fase de maior concentração, característica da Casa; e passa por uma nova dispersão (Ribeiro, 1994, p.172).

O tipo de função exercido pelo jornalista também faz do local de trabalho um lugar de contrastes. Para diagramadores, revisores, pauteiros, chefes de reportagem, editores e redatores, a redação normalmente é a casa, já que é nela onde eles passam a maior parte dos seus dias.

Para o repórter, a ambigüidade é maior. As ruas poderão ser ao mesmo tempo a Rua e a Casa; a redação também guarda um caráter dual, pois se é o lugar onde ele encontra os seus pares, também lhe apresenta uma face mais impessoal, que ele tangencia apenas para receber tarefas e redigir sua reportagem (Ribeiro, 1994, p.173).

O ritmo da redação de um telejornal é mais intenso. Acreditamos que uma das explicações para isso é que o noticiário televisivo está associado ao fato da televisão estar organizada e apresentada no tempo, enquanto a edição do jornal está apenas organizada no espaço. Ou seja, o jornal pode apresentar um maior número de notícias que são oferecidas ao leitor como uma espécie de menu. Ele pode escolher a sua refeição.

Já com o telejornal acontece o oposto: como é organizado no tempo, não pode tão facilmente apresentar as notícias à la carte. As informações são selecionadas e organizadas de modo a serem vistas integralmente pelo espectador, sem diminuir o tamanho ou interesse da audiência à medida que o programa prossegue (Weaver, 1993, p.295).

Entre as sete e as nove horas da noite entram no ar os principais telejornais brasileiros com abrangência nacional. Apesar dos formatos variarem, como descreve a jornalista Deborah Bresser (1995, p.20-29), a sensação de que nada está pronto antes de começar o jornal é a mesma em todos os noticiários televisivos. O nervosismo dura até o boa-noite final.

Na hora que sobem os créditos, o clima é de dever cumprido e de um certo alívio. Um rápido bate-papo confunde-se com a reunião de avaliação do jornal e ponto final. Bresser (1995) acompanhou durante um dia o cotidiano dos principais telejornais do país. Com relação ao Jornal Nacional, ela conta que a movimentação começa pela manhã.

Por volta das 10h30min da manhã há uma reunião onde são confirmadas as definições do dia anterior e organizadas as matérias do dia. Depois dessa reunião, sai o primeiro pré-espelho do jornal. Normalmente, às 14 horas há um novo encontro com a participação do editor-chefe, editor-executivo e editores para definir o espelho do jornal. Em 15 minutos é definido quem vai dar andamento ao quê.

Ao final da tarde, editores entram e saem da sala do editor-chefe. Eles mostram os VTs. Alguns são aprovados, outros têm que ser refeitos. Um fato comum é que no começo da noite um novo espelho se desenhe. Caem matérias, entram matérias, muda-se a edição de um VT. Às oito horas o Jornal Nacional entra no ar, tirando o tempo dos comerciais, tem uma duração de 26 a 28 minutos só de notícias.

Do switcher, o editor-executivo e o editor-chefe comandam o ritmo do noticiário. Entradas de satélite, matérias de última hora, problemas técnicos, tudo tem que ser administrado num curto espaço de tempo.

Um exemplo prático de como a adrenalina corre solta no jornal é a edição de 9 de julho, quando aconteceu o acidente com o avião da TAM. Os VTs sobre o fato só aterrizaram nas mãos do editor-chefe às 19h55min. O Jornal Nacional só termina quando se ouve dos apresentadores, até amanhã ou boa-noite (Pinheiro, Sterenberg, 1997, p.12).

Tendo trabalhado mais de 15 anos em pequenas e grandes redações de televisão - Bandeirantes, Globo e Manchete -, podemos assegurar que a descrição de Bresser (1995) retrata fielmente, é claro que sem entrar nos detalhes da estrutura e sem uma preocupação de reflexão sobre o tema, o dia-a-dia de um telejornal. De certo modo, nos jornais locais e regionais, a tensão e a atividade diária também são semelhantes aos jornais de rede.

Esse stress constante a que é submetido o jornalista tem suas conseqüências. O livro Stress e Violência no Lead da Notícia (Aguiar, 1996, p.11-14), publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), mostra o lado duro da profissão. Uma pesquisa realizada por profissionais da saúde da Universidade Federal de Pernambuco revela que os funcionários de 10 empresas, entre eles os jornalistas, têm prevalência de hipertensão muito superior a de outras profissões pesquisadas, na proporção de 40,8% contra 25,7%. Dos hipertensos, apenas 27,6% têm conhecimento do fato e somente 5,9% estão fazendo o uso de hipotensores.

O livro traz ainda um trabalho da Organização Internacional do Trabalho que também identificou as doenças cardiovasculares, as neuroses (em menor grau), as doenças do aparelho digestivo - especialmente complicações biliares e úlceras gástricas - como sendo enfermidades mais freqüentes encontradas na profissão de jornalista. Todos esses problemas estão associados aos hábitos e condições de vida dos profissionais, apontando um comportamento nocivo à saúde destes trabalhadores.

Um outro aspecto a ser considerado na atividade jornalística é o impacto que as novas tecnologias vêm determinando na profissão. No telejornalismo já começa a se falar no videojornalista.

O videojornalista tem um perfil extremamente dominador: tem que ter domínio do tema, da mecânica das ruas, de técnicas de redação, e das máquinas: e também é multi: realiza multitarefas, precisa ser multicapacitado, para desempenhar multifunções (Falgetano, 1996, p.11).

A grande virada no papel do telejornalista (ou videojornalista) é resultado da chegada às redações dos sistemas digitais. A implantação desses sistemas pelas redes de televisão deve demorar alguns anos. No entanto, a Globo e o SBT já começam a utilizá-los. Os novos equipamentos automatizam todas as funções de produção dos telejornais, desde a elaboração da pauta até a exibição.

Caparelli (1996, p.7), ao fazer uma análise sobre as novas tecnologias e a imprensa regional, afirma que as mudanças tecnológicas vêm ocorrendo rapidamente no campo do jornalismo, o que obriga as empresas a colocar em dia seus equipamentos para manter a competição. Uma das conseqüências disso é a supressão de atividades. Como exemplo, o autor cita o caso do copydesk, cuja função foi extinta durante os anos 70. Os jornais passaram então a contratar repórteres com texto final.

Até aqui procuramos mostrar alguns aspectos que caracterizam o complexo mundo do jornalista, suas rotinas de produção, que entendemos desempenham um papel importante no seu trabalho. Trabalho esse que tem como objeto, como matéria-prima essencial, a notícia.

A notícia

A notícia é uma forma de ver, perceber e conceber a realidade. É um autêntico sintoma social e a análise de sua produção lança muitas pistas sobre o mundo que nos cerca (Fontcuberta, 1993, p.12). A informação ganha cada vez mais importância na contemporaneidade. Um cidadão mais informado criará uma melhor e mais completa democracia (Schudson, 1996, p.205).

Em 1859, no artigo a Reforma pelo Jornal, Machado de Assis (1997, p.205) já destacava esse aspecto:

Houve uma cousa que fez tremer as aristocracias, mais do que os movimentos populares; foi o jornal. Devia ser curioso vê-las quando um século despertou ao clarão deste fiat humano; era a cúpula do seu edifício que desmoronava.

A capa da revista norte-americana Time, de outubro do ano passado, é um exemplo disso. Um menino, vestido como um típico garoto que vendia jornais nas ruas nas décadas passadas, traz na mão uma tela do computador, como se estivesse empunhando um jornal, com uma manchete no vídeo: As Guerras da Notícia.

Numa matéria de seis páginas (Zoglin, 1996, p.44-50), a revista discute a explosão das notícias. De acordo com a Time, hoje a sociedade dos Estados Unidos está sendo bombardeada por informação, fofoca e comentário, como nunca havia ocorrido. Então ela coloca a seguinte pergunta: Mais notícias significam melhores notícias?

Na reportagem são levantadas questões como se há realmente excesso de informações, o que as pessoas estão fazendo com essa carga de informações, as notícias estão morrendo ou estamos entrando numa nova fase, que tipo de notícias as pessoas estão recebendo, elas são importantes para entender este mundo complexo, qual é a imagem do jornalista para o homem comum.

Segundo a revista, acontece hoje um paradoxo nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que os americanos estão sendo inundados com noticiários, o interesse pela notícia parece ter diminuído. A Time informa que a leitura dos jornais está em declínio. Talvez, em parte, porque a maioria das pessoas busca informação na TV: 59% contra 23% a recebe por jornal. Mas, os noticiários das grandes redes de televisão despencaram. Hoje a audiência somada está no seu nível mais baixo de todos os tempos: 26,1%.

Um crítico dos media, entrevistado pela revista, afirma que as pessoas estão saturadas e por isso vêm se desligando. Outro argumenta que estamos tendo uma explosão de informação por causa das novas tecnologias, acrescentando que passado o porre inicial do excesso de informação haverá uma acomodação natural à demanda. E, no Brasil, como é a situação?

Com base na matéria da Time, a revista Imprensa (Kfouri, 1996, p.32-36), de dezembro do ano passado, traz uma reportagem onde debate se o Brasil estaria vivendo uma situação semelhante à sugerida pela revista americana. Caio Túlio Costa, responsável pelo Universo Online da Folha de São Paulo diz que nos Estados Unidos tudo tem que ser grande demais, dimensionado demais, espetaculoso demais.

Ele fala que a Time - uma viúva desconsolada da Guerra Fria - dimensionou mal o assunto e que o tema bombardeio de informações é algo muito mais americano do que propriamente do resto do mundo. A reportagem da revista brasileira avalia que a imagem do jornalista junto ao grande público é boa.

A importância da informação no mundo contemporâneo também é destacada em artigos reunidos pela Unesco que discutem o valor das notícias e os princípios da comunicação intercultural. Num dos trabalhos, sobre o conceito de notícia na América Latina, Fernando Reyes Matta (1981, p.42) afirma que o estudo dos valores/notícia na América Latina toca numa questão ainda não analisada com profundidade: as motivações políticas, culturais e sociais que gravitam sobre quem seleciona a informação.

Matta (1981) comenta que os meios de comunicação estão incorporados à lógica econômica de maximização dos mecanismos de mercado, deixando de contemplar as conveniências culturais do conjunto da sociedade para limitar-se a satisfazer os interesses imediatos das entidades ligadas ao negócio da informação. E o setor especializado na produção de informações responde a estes interesses imediatos antes que suas responsabilidades frente à sociedade.

O estudo acadêmico do jornalismo e das notícias não é recente. Uma tese de doutoramento sobre o papel social do jornal foi apresentada na Universidade de Chicago, em 1940.

O sociólogo alemão Max Weber escreveu sobre as notícias num trabalho publicado em 1918. Weber nota que o trabalho jornalístico realmente bom exige pelo menos tanta inteligência quanto qualquer outro trabalho intelectual, lembrando ainda que o sentimento de responsabilidade de um jornalista honrado em nada é inferior ao de qualquer outro intelectual (Weber, 1972, p.80-81).

Weber (1972) considera ainda que os jornais não são simplesmente empresas capitalistas com a ânsia do lucro, como foi o caso da Inglaterra durante a Grande Guerra, mas também organizações políticas que funcionam como clubes políticos. Ele entende que falar de notícias é falar de política no âmago da sociedade.

Em 1922, o ex-jornalista e sociólogo norte-americano Robert Park fez um trabalho sobre a natureza das notícias. Ele considera que as notícias têm como incumbência a construção da coesão social. Elas permitem às pessoas ficarem sabendo o que acontece em volta delas para tomarem atitudes e, através de suas ações, construir uma identidade comum.

A função da notícia é orientar o homem e a sociedade num mundo real. Na medida em que o consegue, tende a preservar a sanidade do indivíduo e a permanência sociedade (Park, 1972, p.183).

Durante os anos 50 e uma boa parte dos anos 60, a investigação acadêmica é essencialmente quantitativa e dominada pelo paradigma do gatekeeper (White, 1993). O número de artigos e livros é relativamente pequeno, e tomando-se por base novamente as teses de doutoramento nas universidades americanas, durante toda a década de 50 foram apresentadas menos de 30 teses, em comparação com a média de 15 teses que são apresentadas a cada ano a partir do fim dos anos 60 (Traquina, 1993, p.15).

O gatekeeper (White, 1993, p.143), que veremos com mais detalhes ao abordamos o newsmaking, foi um conceito usado por White para estudar o fluxo de notícias nos jornais e, sobretudo, para individualizar os pontos que funcionam como porteiras e que decidem se uma informação passa ou é rejeitada.

O final dos anos 60 é marcado por uma tremenda explosão de interesse no jornalismo e nas notícias por parte da comunidade acadêmica, em particular nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. O súbito interesse pelos estudos da notícia pode ser atribuído, em parte, pelo reconhecimento do crescente papel ocupado pelos media, em especial a televisão, nas sociedades modernas.

Esse interesse renovado pelo jornalismo e as notícias também está intimamente relacionado com as transformações pelas quais o mundo passava na época. Nos anos 60 temos a crise dos mísseis em Cuba, o movimento dos direitos civis, a guerra do Vietnã, uma série de mudanças que atingiram os países capitalistas do Ocidente e que tiveram seus reflexos sobre o jornalismo e a comunidade científica.

Nos Estados Unidos, o new journalism, que tem em Tom Wolfe (1989, p.49-91) um dos seus representantes, mexe com dogmas tradicionais da atividade jornalística como o da objetividade (Schudson, 1978). Em vários países a onda de protesto invade as universidades e abre espaço para uma nova fase de investigação. Muitos estudos ressaltam que o processo de elaboração da notícia dá lugar a significados ideológicos implícitos.

Traquina (1993) observa que o crescente interesse pela ideologia é incentivado pela influência de certos autores marxistas como Gramsci e pela redescoberta da natureza problemática da linguagem, como se dá na escola semiótica francesa e na escola culturalista britânica. Ele observa ainda que um outro avanço importante nos estudos do jornalismo está relacionado diretamente com as inovações metodológicas que contribuíram para a qualidade das pesquisas.

Os trabalhos marcadamente quantitativos e baseados em entrevistas e questionários foram enriquecidos por um trabalho de campo com a análise detalhada que a abordagem etnometodológica permite. Uma das contribuições desta nova fase de investigação é que ela teve uma preocupação maior com as implicações políticas e sociais da atividade jornalística e o papel das notícias.

Dois exemplos desse tipo de investigação são os estudos realizados por Gaye Tuchman e Phillip Schlesinger. Tuchman (1983, p.9) investiga como os jornalistas decidem o que é notícia, o porquê deles se ocuparem de uns itens e não de outros e como decidem o que as pessoas devem conhecer.

Um tema central do trabalho de Schlesinger (1992, p.48) é como se dá o controle sobre a produção da notícia. No seu estudo, ele analisa a ideologia corporativa da imparcialidade na BBC e as pressões pela conformidade derivadas dela.

Dentro de uma perspectiva da pesquisa sócio-semiótica, uma das importantes contribuições no campo da investigação da informação é a de Rodrigo Alsina (1996). Em La Construcción de la Notícia, ele estuda a notícia como um produto da indústria informativa. O autor considera que a rotina informativa tem que levar em conta a construção semiótica dos discursos jornalísticos e a existência dos mundos de referência como um dos elementos da produção das notícias. O autor propõe uma definição para a notícia:

Notícia é uma representação social da realidade cotidiana produzida institucionalmente e que se manifesta na construção de um mundo possível (Alsina, 1996, p.185).

Ainda no campo da análise de discurso, Van Dijk (1990, p.34) propõe que o estudo da notícia deve ser abordado sobre um novo enfoque que deve ser basicamente interdisciplinar e combinar a análise lingüística, o discurso analítico, psicológico e sociológico do discurso informativo e dos processos jornalísticos.

No campo da pesquisa da notícia, cabe ressaltar também os estudos no campo da recepção das notícias. Em La Política del Multisignificado, Jensen (1992, p.97-129), professor e investigador da Universidade de Copenhague, Dinamarca, procura mostrar os vários tipos de usos sociais das notícias como gênero televisivo por parte da audiência. Ele destaca o papel essencialmente político das notícias televisivas, mas preocupa-se, sobretudo, com a configuração da cultura e a participação política dos telespectadores.

Os estudos apresentados, longe de pretenderem apanhar a totalidade da diversidade e a complexidade do campo das notícias, tiveram por objetivo procurar pontuar alguns aspectos da discussão, procurandonos situar dentro do contexto do debate sobre o tema.

No Brasil, como nos demais países onde acontece a discussão sobre o jornalismo e a notícia, para os mais diversos autores, das mais diferentes escolas, a alma do jornalismo, seu interesse principal é a notícia (Marcondes Filho, 1986, p.12). Nas palavras de Sodré (1996, p.131): A notícia - a americaníssima news of the day - constitui o ponto central da informação jornalística.

Sem pretendermos traçar aqui um painel amplo e geral, procuraremos apontar alguns aspectos de como a discussão sobre o jornalismo e a notícia vem se dando nos últimos anos no país. Para Amaral 1987, p.16), o jornalismo é o estudo do processo de transmissão de informação, através de veículos de difusão coletiva, com características de atualidade, periodicidade e recepção coletiva.

A mesma linha de pensamento percorre Juarez Bahia:

A palavra jornalismo quer dizer apurar, reunir, selecionar e difundir notícias, idéias, acontecimentos e informações gerais com veracidade, exatidão, clareza, rapidez, de modo a conjugar pensamento e ação (...) o jornalismo é uma arte, uma ciência, uma técnica (Bahia, 1990, p.9).

Esses dois autores representam uma escola que não consegue ver o jornalismo muito além de uma técnica. Essa escola ainda tem um grande espaço nas redações e faculdades brasileiras. Para ela, o jornalismo é muito mais uma forma de comunicação que busca integrar e adaptar o homem ao seu meio. Isso é o que poderíamos chamar de um jornalismo tradicional.

Essa visão, que tem por base o jornalismo impresso, também irá encontrar eco no rádio. Ortriwano (1985, p.91) define que o fato vira notícia, ou não, em função de uma série de interesses - principalmente político-econômicos - e em relação à objetividade/subjetividade de quem seleciona - e assim determina o que é notícia. Ou seja, a autora ao definir o que é notícia prefere ficar nas generalidades, no senso comum, que faz parte do dia-a-dia das redações.

No telejornalismo, a situação não é muito diferente, a notícia também é tratada como uma técnica. Em O Texto na TV, Paternostro (1994, p.11-12) deixa claro que para escrever bastam algumas regras e alguns cuidados na hora de redigir. A opinião de Squirra (1995), em Aprender Telejornalismo, não é muito diferente:

A nossa intenção básica neste trabalho é de que este trabalho possa servir como referencial didático sobre como escrever, entrevistar, editar e apresentar notícias na televisão (Squirra, 1995, p.17).

Marques de Melo, em A Opinião no Jornalismo Brasileiro (1994, p.36-37), também se aproxima dessa visão do jornalismo enquanto técnica ao considerar que cabe ao discurso jornalístico reproduzir o real, que não passa de algo imutável, restando aos jornalistas a tarefa de relatar os fatos.

Medina (1978, p.47-52) vê a linguagem jornalística como gradação da linguagem comum, que em nenhum momento ultrapassa os parâmetros permitidos pela funcionalidade na prática jornalística no capitalismo.

Marcondes Filho (1986) qualifica o jornalismo como uma produção social de segunda natureza, funcional à manutenção do capitalismo. E é dentro desse contexto que ele define a notícia:

Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isso a informação sobre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo. (Marcondes Filho, 1986, p.13)

Já Lage (1982) compreende o jornalismo num quadro mais amplo. Para ele, atividade jornalística se baseia num tripé formado pelas linguagens, as tecnologias e as ciências sociais. Apesar disso, ao explicitar o conceito de notícia, o professor, pesquisador e jornalista dá uma derrapada aproximando-se das velhas concepções da prática das redações: Poderemos definir notícia como o relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante ao seu aspecto mais importante (Lage, 1982, p.36).

Genro (1977) avança na área epistemológica e define o jornalismo como uma forma de conhecimento diferente daquela produzida pela ciência. Essa contribuição modifica um pouco o tripé original de Lage (1982). O jornalismo passa a se sustentar pelas linguagens, as tecnologias e os diferentes modos de conhecimento (Meditsch, 1992, p.20).

Genro (1977) defende o jornalismo como uma forma de conhecer que se cristaliza no oposto da universalidade, a singularidade. É uma forma de conhecimento que surge, historicamente, com base no desenvolvimento das relações capitalistas e com base na indústria.

Para elaborar seu conceito sobre jornalismo, Genro (1977) usa três categorias de grande tradição na filosofia, especialmente em Hegel: o singular, o particular e o universal. O autor entende que os fatos jornalísticos, como em qualquer outro fenômeno, coexistem nessas três dimensões da realidade articuladas no contexto de uma determinada lógica.

Tomemos um exemplo do próprio autor (Genro, 1977, p.163) para tentar deixar mais clara essa relação: uma greve na região do ABC, em São Paulo. Ao ser transformada em notícia, num primeiro plano e explicitamente, serão considerados os fatos mais específicos e determinados do movimento, aspectos singulares, tais como quem está exatamente em greve, quais são as suas reivindicações, são algumas perguntas que terão que ser respondidas.

Mas a notícia da greve terá que ser elaborada como pertinente a um contexto político particular, que vai levar em conta a identidade do significado com outras greves ou fenômenos sociais relevantes. É um acontecimento que tem que estar situado numa ou mais classes de eventos, segundo uma análise conjuntural que pode ser consciente ou não.

A universalidade desse fato político, em que pese não seja explicitada, estará presente enquanto conteúdo. Assim, o critério jornalístico de uma informação está indissoluvelmente ligado à reprodução de um fato do ponto de vista da sua singularidade.

Entendemos que a característica do discurso jornalístico como forma singular de conhecer independe do veículo utilizado para publicizar as notícias. Tanto faz nos jornais ou revistas como no rádio e na tevê, o lead serve de organizador da singularidade, variando apenas o modo de divulgação do evento (Machado, 1994, p.50-63).

Meditsch (1992) diz que o avanço da teoria do jornalismo no país, diferenciando o Jornalismo da Ciência no nível da linguagem, da lógica e da natureza do conhecimento que produz, lança um desafio para os cursos de comunicação no país:

Além da abordagem científica (`teórica') e técnica (`prática') da profissão, bem ou mal até agora têm se preocupado em transmitir aos alunos, os cursos deverão capacitá-los para uma abordagem jornalística da realidade, diferente da que a ciência faz. Isso é mais difícil de conseguir, e implica mudança radical do ensino do Jornalismo. (Meditsch, 1992, p. 86)

Uma outra importante contribuição no campo da pesquisa do jornalismo e na abordagem da notícia é o estudo que vem sendo desenvolvido pelo professor Fausto Neto que, como bem lembra o autor, busca oferecer aos interessados uma possível alternativa de leitura do discurso jornalístico, destacando-se, especialmente, o papel que as estratégias discursivas têm na construção dos acontecimentos (Fausto Neto, 1991).

Em O Impeachment da Televisão, Fausto Neto (1995) procura mostrar como os telejornais produziram o impeachment do ex-presidente Collor. Tendo como base o campo da análise do discurso, tenta descrever as características de uma possível gramática de produção dos telejornais brasileiros.

O autor faz um mapeamento das operações e as leis principais que orientam os noticiários televisivos, destacando aquelas que devem atravessar o conjunto de telenoticiosos, especificando os aspectos que parecem ser restritos aos diferentes telejornais.

Fausto Neto (1995, p.75) observa que a televisão - denominada pela versão moderna de Praça Pública - via, particularmente, telejornal, faz sempre o processo de publicização dos fatos por intermédio de regras particulares a cada sistema de comunicação que, dessa maneira, nada mais estariam fazendo do que oferecendo o seu como o único modelo de construção da política.

O jornalismo e a notícia não podem ser vistos sem deixar de levar em consideração o processo de recepção. Um dos primeiros pesquisadores a realizar uma investigação nessa área, sobre o noticiário televisivo, foi Carlos Eduardo Lins da Silva (1985). Ele fez um estudo sobre a audiência do Jornal Nacional entre os trabalhadores.

Ainda no campo da recepção, Fausto Neto apresentou, na V Reunião Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), realizada em maio do ano passado, em São Paulo, um estudo sobre televisão e vínculo social, que faz parte da pesquisa O outro telejornal - condições da recepção das omissões teleinformativas, já concluída.

Partindo da hipótese de que o telejornal é um dispositivo de estruturação de vínculos sociais, a investigação procurou mostrar as diferentes marcas e operações enunciativas através das quais se estabelecem as relações entre os telejornais e os seus usuários, do ponto de vista da recepção (Fausto Neto, 1996).

A preocupação em definir o que é a notícia televisiva começa a despertar o interesse de alguns pesquisadores. Um exemplo é a pesquisa desenvolvida por Washington José de Souza Filho (1995, p.131), que procura definir o conceito de notícia nacional. Segundo ele, a produção de programas de informação que alcançam todo o Brasil determinou o desenvolvimento de um processo de seleção de fatos baseado na amplitude da audiência. Isso resultou na constituição de um conceito específico para a apreensão dos acontecimentos que tivessem esta natureza: a expressão da notícia nacional.

Os estudos, tendo como pressuposto a literatura do newsmaking que busca, entre outras questões, compreender quais são os fatores que influenciam a elaboração da agenda jornalística, também começam a despertar a atenção dos pesquisadores. Em A Embalagem da Notícia, Ferreira (1996) faz um estudo sobre a lógica da construção do presente nos programas telejornalísticos Jornal Nacional, Globo Repórter e Fantástico pela Rede Globo de Televisão.

Na justificativa do seu trabalho, o pesquisador explica que o newsmaking que se enquadra nos estudos sociológicos sobre os emissores diz respeito aos produtores de notícias. A investigação de Ferreira (1996), uma das primeiras no país a explorar o campo do newsmaking enfrenta a dificuldade, como não poderia deixar de ser, em buscar subsídios para o tema, já que a produção acadêmica brasileira sobre o assunto ainda é pequena.

É nesse sentido que pretendemos fazer alguns comentários sobre o trabalho realizado, buscando ampliar ainda mais a perspectiva do debate sobre os estudos dos newsmaking. Acreditamos que o universo trabalhado pelo autor - os três jornalísticos referidos acima - é muito amplo e demandaria um tempo de pesquisa bem maior. O estudo ficou basicamente restrito à gravação de seis edições dos três produtos, de forma aleatória (Ferreira, 1996, p.84-85).

Outro aspecto a ser considerado é que o pesquisador poderia ter explorado mais a técnica da observação participante, comum nesse tipo de pesquisa (Tuchman, 1993, p.106). Como relata Ferreira (1996, p.133), ele fez uma visita à Central Globo de Jornalismo para acompanhar a rotina diária do Jornal Nacional.

As suas observações sobre as rotinas produtivas no Globo Repórter e no Fantástico baseiam-se, com relação ao primeiro programa, numa entrevista dada pelo ex-diretor do Globo Repórter, Jorge Pontual (Ferreira, 1996, p.169); no que diz respeito ao segundo, o pesquisador entrevistou o diretor do Fantástico, Luiz Nascimento.

Além disso, boa parte das observações do autor sobre as rotinas do telejornalismo da Globo se dão a partir da análise do Manual de Telejornalismo (Ferreira, 1996, p.117) da empresa, que tem por objetivo padronizar as atividades jornalísticas da emissora. Entendemos que o Manual, como guia de orientação, é um material complementar à pesquisa de campo. Será que os trabalhadores da Globo seguem no diaadia o que é determinado pelo Manual? Até que ponto ele é realmente uma norma de conduta dos funcionários?

Parece-nos que para responder a essas perguntas se faz necessária a observação de campo. Em outras palavras, é preciso acompanhar o dia dos trabalhadores na redação. Ainda com relação ao Manual de Telejornalismo (1986), nele não estão registradas algumas transformações pelas quais passou o jornalismo da emissora, e mesmo o brasileiro, em função da atualização de equipamentos, que determinaram algumas mudanças no cotidiano das redações, bem como alteraram as rotinas de trabalho.

Um exemplo é a adoção da câmera Camcorder, com VT acoplado (Betacam), a partir de 1992 pelo telejornalismo da Globo. Ela deu mais agilidade às reportagens. Mais leve (7 quilos) do que a câmera anterior, a Ikegami, a Beta deixa o cinegrafista solto, sem nenhum cabo a prendê-lo, podendo, se ele operar com microfone sem fio, ficar liberado completamente o repórter (Ribeiro, 1996, p.76).

Um segundo exemplo é que, em 1983, com o setor de pauta e agenda começou o processo de informatização da redação (Fonte: Central Globo de Informática, julho de 1997). As antigas máquinas de escrever foram substituídas por terminais de computador. Isso determinou uma série de mudanças no processo de elaboração da notícia. É que pela telinha dos vídeos passa toda a informação que circula na Central Globo de Jornalismo: da pauta do dia até a notícia de última hora da agência. Essas mudanças não estão previstas no Manual (1986,p.25-30).

É nos estudos do professor e pesquisador Afonso de Albuquerque (1997) que a investigação com base no newsmaking encontra um dos seus principais representantes no Brasil. Ele vem se dedicando ao estudo da análise da cobertura jornalística tendo como referencial de pesquisa o modelo que classifica de paradigma da produção da notícia.

O autor pondera que a utilização do paradigma da produção de notícias supera os limites impostos pelo modelo da manipulação da notícia na análise daquela cobertura tais como a redução da explicação da cobertura da política a fatores extrajornalísticos, como se os jornalistas não exercessem qualquer papel efetivo na elaboração das mesmas; a impossibilidade de se considerar de modo mais aprofundado a natureza da manipulação da notícia

O paradigma da `manipulação da notícia' tende a favorecer um enfoque moral/psicológico da imparcialidade da cobertura noticiosa - na medida em que a atribui a uma intenção manipuladora - e dificulta enormemente a sua compressão como um processo histórico e culturalmente situado (Albuquerque, 1997, p.10).

Um terceiro aspecto evidenciado pelo autor é que a ênfase na manipulação intencional da notícia, em prejuízo dos fatores ligados ao seu processo de produção estimula o ressentimento contra a atuação dos media, mas contribui muito pouco para mudar a situação.

O autor alinha alguns aspectos que permitem ao paradigma da produção da notícia superar os limites impostos pelo modelo de manipulação da notícia: a) enfatiza a organização do trabalho jornalístico e a cultura profissional dos jornalistas como fatores fundamentais a serem considerados na análise da cobertura dos noticiários; b) não nega a influência de fatores extrajornalísticos na cobertura dos noticiários, mas procura entender o modo como ela pauta o processo de produção das notícias; c) permite considerar a participação dos sujeitos descritos pela cobertura noticiosa em termos ativos e não apenas como objetos passivos dessa cobertura (Albuquerque, 1997, p.10).

O newsmaking

Dentro do percurso que estamos desenvolvendo neste trabalho, onde vemos o jornalista como um autor/produtor, no contexto das indústrias culturais, submetido à rotina de trabalhos que contribuem para definir seu processo de produção, acreditamos que o referencial teórico sobre newsmaking é o mais adequado.

A mensagem é um produto socialmente produzido. Nesse sentido, entendemos que é preciso concentrar-se no processo de produção destas mensagens. Em outras palavras, se a notícia é um produto gerado por um processo historicamente condicionado - o contexto social da produção e suas relações organizacionais, econômicas e culturais -, somente a análise desse processo vai permitir uma maior compreensão da realidade social do processo (Motta, 1995).

Atualmente a investigação científica sobre o jornalismo e as notícias constitui um dos campos de investigação que vem apresentando um grande crescimento no campo mais amplo do media research ou mesmo da communication research. Nesse campo, os estudos sobre a questão dos efeitos dos mass media e a forma como eles constróem a imagem da realidade social ocupam um papel relevante. Nessas pesquisas, destacam-se os estudos do agenda-setting e do newsmaking.

Consideramos que os dois estão intimamente ligados. A hipótese do agendamento sustenta que as pessoas agendam seus assuntos e suas conversas em função dos que os media veiculam. Ou seja, os media, pela disposição e incidência de suas notícias, vêm determinar os temas sobre os quais o público falará ou discutirá.

Essa hipótese focaliza especialmente as notícias políticas em contraste com o amplo espectro de conteúdo dos media em geral. A hipótese fundamental foi formulada em forma suscetível de pesquisa por Maxwell E. McCombs e Donald Shaw no final da década de 60 (Wolf, 1994, p.130).

Mais recentemente, McCombs e Shaw ampliaram ainda mais o conceito de agenda-setting:

O agenda-setting é consideravelmente mais que a clássica asserção que as notícias nos dizem sobre o que pensar. As notícias também nos dizem como pensar nisso. Tanto a seleção de objetos que despertam a atenção como a seleção de enquadramentos para pensar esses objetos são os poderosos papéis do agenda-setting (1993,p.62).

Já as pesquisas de newsmaking procuram descrever o trabalho comunicativo dos emissores como um processo no qual acontece de tudo - rotinas cansativas, distorções intrínsecas e estereótipos funcionais.

Baseando-se na etnografia dos mass media, essas análises articulam e individualizam empiricamente os numerosos níveis de construção dos textos informativos de massa. (Wolf, 1994, p.226)

Como enfatiza Wolf (1994), esses estudos representam uma primeira tentativa, em nível empírico, para descrever as práticas comunicativas que geram as formas textuais recebidas pelos destinatários.

É no livro de Mauro Wolf, Teorias da Comunicação (1994, p.159-227), e no de Nelson Traquina, Jornalismo: Questões, Teorias e ``Estórias'' (1993, p. 167-190), que vamos encontrar uma organização e uma sistematização dos estudos, que vêm sendo desenvolvidos a partir do newsmaking (produção das notícias). Tomando por base essas pesquisas, faremos um breve histórico sobre o newsmaking e alguns conceitos elaborados dentro do quadro referencial proposto por essa abordagem.

O primeiro questionamento que surge para pôr em causa a afirmação dominante no campo jornalístico, de que as notícias são como são porque a realidade assim as determina, é do gatekeeping. É um processo pelo qual as mensagens existentes passam por uma série de decisões, filtros (gates) até chegarem ao destinatário ou consumidor.

O termo gatekeeper, que refere-se à pessoa que toma a decisão, foi introduzido pelo psicólogo social Kurt Lewin, num artigo publicado, em 1947, sobre as decisões domésticas com relação à compra de alimentos para casa. David Manning White (1993) foi o primeiro a usar o conceito ao jornalismo.

White concebe o processo de produção da informação como uma série de escolhas onde o fluxo de notícias é filtrado, tem que passar por diversos portões (gates), que são áreas de decisão nas quais o jornalista (gatekeeper) seleciona se uma notícia vai entrar ou não. A notícia que for descartada não será publicada, é claro, naquele jornal (White, 1993, p.143).

O trabalho publicado em 1950 é um estudo de caso. White (1993) observou a forma como procede Mr. Gates, um jornalista de 25 anos de atividade, que trabalha numa cidade do Midwest, de 100 mil habitantes e que tem a função de selecionar, entre a grande quantidade de despachos das agências que chegam todos os dias, aqueles que o jornal deve publicar.

White (1993) revela na pesquisa que Mr. Gates costumava fazer anotações no material das agências classificando-as de uma forma subjetiva: ...26 artigos foram rejeitados como sendo `demasiado vagos', 51 como `composição aborrecida' e 61 por serem `sem interesse' (White, 1993, p.149).

Segundo White (1993), o processo de seleção é subjetivo e arbitrário, com as decisões dependendo muito de juízos de valor baseados no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper. As pesquisas que se seguiram realçaram o aspecto de, na seleção e na filtragem das notícias, as normas ocupacionais parecerem mais fortes que as preferências pessoais.

Warren Breed (1993) publicou o primeiro estudo que alargou a perspectiva do gatekeeper. Ele estudou o controle social nas redações, analisando os mecanismos de manutenção da linha editorial e política dos jornais. O autor observa que o jornalista conforma-se com as normas da política editorial da organização independente de qualquer idéia que ele tenha trazido consigo.

Breed (1993, p.157161) apresenta seis motivos que fazem com que o jornalista se conforme com a política editorial da organização: a autoridade institucional e as sanções; os sentimentos de dever e estima para com os superiores; as aspirações à mobilidade profissional; a ausência de fidelidade de grupo contrapropostas; o caráter agradável do trabalho; o fato de a notícia ser transformada em valor. Na sua atividade diária, explica o autor, o jornalista redefine seus valores ao nível mais pragmático da redação.

Conforme Wolf (1994), os estudos posteriores à análise de Breed (1993) apontam para a necessidade de integrar a análise do papel de gatekeeper na análise dos papéis produtivos e da organização burocrática da qual faz parte. Essa passagem marca a transição dos estudos sobre a manipulação explícita da informação para a questão da distorção inconsciente que acontece constantemente na cobertura jornalística.

Enquanto os estudos sobre o gatekeeper ligavam o conteúdo dos jornais ao trabalho de seleção das notícias, executado pelo guarda do portão, da barreira (gate), os estudos mais recentes sobre a produção de notícias relacionam a imagem da realidade social, dada pelos mass media com a organização diária das empresas jornalísticas.

Essa perspectiva é diferente daquela que remete toda a deficiência da cobertura informativa exclusivamente para pressões externas, pois abre a possibilidade de captar o funcionamento da distorção inconsciente, vinculada ao exercício profissional, às rotinas de produção, bem como aos valores partilhados e interiorizados sobre o modo de desempenhar a função de informar.

As exigências organizativas e estruturais e as características técnico-expressivas, próprias de cada meio de comunicação de massa, são elementos fundamentais para a determinação da reprodução da realidade social fornecida pelos mass media. (Wolf, 1994,p.166)

Por que as notícias são como são? Que imagem elas fornecem do mundo? Como essa imagem é associada às práticas do dia-a-dia na produção de notícias, nas empresas de comunicação? Essas são algumas das questões de que se ocupa o newsmaking, cuja abordagem se dá dentro do contexto da cultura profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e os processos produtivos. As diversas conexões e relações existentes entre esses dois aspectos são a preocupação central da pesquisa da produção da notícia.

O tempo é o eixo central do jornalismo. Sob a pressão da hora do fechamento, as empresas do campo jornalístico são obrigadas a elaborar estratégias para dar conta da sua matéria-prima principal: a notícia. Ela pode surgir em qualquer parte e a qualquer momento. Diante da imprevisibilidade, as empresas necessitam colocar ordem no tempo e no espaço.

Tuchman (1983) afirma que o fim declarado de qualquer órgão de informação é fornecer relatos de acontecimentos significativos e interessantes. O objetivo, apesar de evidente, como muitos outros fenômenos aparentemente simples, é inextricavelmente complexo. O mundo da vida cotidiana, fonte das notícias, é constituído por uma superabundância de acontecimentos, que as empresas jornalísticas têm que selecionar.

Essas empresas tentam impor uma ordem no espaço, estendendo uma rede para capturar os acontecimentos. Elas utilizam três estratégias para cobrir o espaço. A primeira é a territorialidade geográfica. O mundo é dividido em áreas de responsabilidade territorial. A segunda é a especialização organizacional. As empresas colocam repórteres em certas organizações que, do ponto de vista jornalístico, produzem acontecimentos noticiáveis. Exemplo: um ou mais diários de Nova Iorque têm repórteres que são responsáveis pela cobertura jornalística das Nações Unidas, do Departamento de Polícia e do Governo do Estado.

Uma terceira estratégia usada pelas empresas jornalísticas, é a especialização em termos de temas: são as secções específicas dos jornais, como: economia, esportes, etc. A conseqüência fundamental da rede é impor uma ordem no mundo social (Tuchman, 1983, p.39-44).

Na produção de notícias, temos, por um lado, a cultura profissional; e, por outro, as restrições ligadas à organização do trabalho sobre as quais são criadas convenções profissionais que definem a notícia e legitimam o processo produtivo, desde a captação do acontecimento, passando pela produção, edição até a apresentação. Resultado: estabelece-se assim um conjunto de critérios de relevância que definem a noticiabilidade de cada acontecimento. Ou seja, a sua capacidade para ser transformado em notícia.

Pode também dizer-se que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, cotidianamente, de um entre um número imprevisível e indefinido de fatos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias. (Wolf, 1994, p.170)

Em outras palavras, a noticiabilidade está diretamente relacionada com os processos de rotinização e estandardização das práticas produtivas. Logo, trata-se de introduzir práticas produtivas estáveis, numa matéria-prima (os fatos que acontecem no mundo), que é por natureza muito variável e difícil de se prever.

O conjunto de fatores que determina a noticiabilidade dos acontecimentos, por exemplo, os limites rígidos de duração dos telejornais, assegura a cobertura jornalística diariamente, mas torna difícil o aprofundamento de muitos aspectos importantes dos fatos que viram notícia, que são deixados de lado. A noticiabilidade constitui-se um elemento de distorção involuntária da cobertura informativa dos mass media.

À medida que entendemos noticiabilidade como sendo o conjunto de elementos pelos quais a empresa jornalística controla e administra a quantidade e o tipo de acontecimentos, entre os quais vai selecionar as notícias, podemos creditar os valores/notícia como um componente da noticiabilidade.

Esses valores/notícia vão definir quais os acontecimentos que são suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias. São as diferentes relações e combinações que se dão entre diferentes valores/notícia, que vão determinar a seleção de um fato. Outro aspecto a ser levado em conta é que os valores/notícia são critérios de relevância espalhados ao longo de todo o processo de produção. Ou seja, desde a captação até a apresentação da notícia.

Um aspecto que faz parte da própria natureza dos valores/notícia é que eles são dinâmicos, mudam no tempo. Embora mostrem uma forte homogeneidade no interior da cultura profissional, não permanecem sempre os mesmos. À medida que acontecem mudanças na esfera informativa (por exemplo, a passagem de ilhas analógicas para as digitais no telejornalismo), há um reajustamento e uma redefinição dos valores/notícias.

Wolf (1994, p.179-180) afirma que os valores/notícias derivam de pressupostos implícitos ou de considerações relativas: a) às características substantivas das notícias, ao seu conteúdo (diz respeito ao acontecimento a transformar em notícia); b) à disponibilidade do material e aos critérios relativos ao produto informativo (diz respeito ao conjunto dos processos de produção e realização); c) ao público (a imagem que os jornalistas têm acerca dos destinatários); d) à concorrência (diz respeito às relações entre os mass media existentes no mercado informativo).

Os valores/notícia contribuem para tornar possível a rotinização do trabalho jornalístico. São contextualizados no processo produtivo onde adquirem o seu significado, desempenham a sua função e se revestem daquela aparência que os torna elementos dados como certo. É o chamado senso comum das redações.

Acreditamos que a análise das principais rotinas produtivas permite a descrição do contexto prático-operativo em que os valores/notícia ganham significado, em que o processo de construção da notícia se revela.

O elemento fundamental das routines produtivas, isto é, a substancial escassez de tempo e de meios, acentua a importância dos valores/notícia, que se encontram, assim, profundamente enraizados no processo produtivo. (Wolf, 1994, p.195)

As principais fases da produção diária da informação são: a captação, a seleção e a apresentação. Na primeira fase, que Wolf (1994,p.196) chama de recolha, temos a captação das matérias necessárias para se dar forma a um noticiário ou a um jornal. Um componente fundamental dessa fase são as fontes, divididas entre as propriamente ditas e as agências de informação. As primeiras são as instituições, pessoas ou aparelhos que podem virar notícia. As mais credíveis são aquelas que podem programar suas atividades de modo a satisfazer a necessidade contínua que os mass media têm de cobrir eventos previamente marcados.

As agências de informação são as grandes agências de imprensa internacionais ou nacionais que constituem uma das principais fontes de produção de matérias noticiáveis. No Brasil, entre outras, temos a Agência Estado, a Agência JB e a Agência Globo. A Associated Press, United Press International e a Agence France Press são exemplos de grandes agências supranacionais.

A agenda de serviço, como classifica Wolf (1994, p.212), no Brasil é conhecida, no mundo jornalístico e mesmo fora dele, como pauta, que ganha os mais diversos nomes, dependendo do veículo de comunicação. A agenda do Jornal Nacional, por exemplo, é denominada de Jornal da Pauta (Fonte: Central Globo de Jornalismo, julho de 1997). É função da pauta listar os assuntos que serão tratados durante o dia.

A seleção das notícias é um processo complexo que se desenvolve ao longo de todo o ciclo de trabalho, realizado em diferentes etapas, desde as fontes até o redator, editor, e com motivações que não são todas imediatamente imputáveis à necessidade direta de escolher as notícias a transmitir.

Essa observação também é válida para os valores/notícia que não surgem apenas no momento de seleção da notícia mas um pouco durante todo o processo de produção, inclusive nas fases de feitura e apresentação das notícias, quando são destacados os elementos que determinaram a noticiabilidade no momento de seleção.

O editing e a apresentação das notícias é o processo final de elaboração da notícia no jornal:

A fase de preparação e apresentação dos acontecimentos dentro do formato de duração dos noticiários consiste, precisamente, em anular os efeitos das limitações provocadas pela organização produtiva, para `restituir' à informação o seu aspecto de espelho do que acontece na realidade exterior, independentemente do órgão informativo. (Wolf, 1994, p.219)

Sem dúvida, as fases de produção da informação cotidiana alinhadas por Wolf (1994) - recolha (captação), seleção e apresentação - representam, de um modo geral, o quadro geral das empresas jornalísticas. No entanto, mesmo não sendo objeto deste estudo, entendemos que uma fase que não pode ser desconsiderada e que ocupa um lugar relevante é a recepção.

A análise da recepção marca um novo ponto de partida para estudar com profundidade os processos reais através dos quais os discursos dos meios de comunicação se associam aos discursos e as práticas culturais às audiências. Ela trata de um aspecto estrategicamente importante dos mass media em que os media têm que legitimar-se eles mesmos em relação às audiências, atendendo dessa forma a uma variedade complexa e negociada de interesses e necessidades (Jensen, 1993, p.178).

De um modo geral, esses são alguns dos aspectos do vasto campo da produção da notícias. No nosso entendimento, a pesquisa de campo permite que muitos deles fiquem mais claros, além de contribuir, cada vez mais, com novos subsídios para os estudos do newsmaking.

AS ROTINAS DE TRABALHO DOS EDITORES DE TEXTO: CONSTRUINDO A NOTÍCIA

Um olhar sobre o telejornal

O RJTV1 é um noticiário televisivo regional, da Rede Globo do Rio de Janeiro, que atinge todo o Estado, contando com a participação das emissoras do interior: Rio Sul (Resende), Serra Mar (Friburgo, Teresópolis e Petrópolis) e Alto Litoral (Campos e Angra dos Reis). Está há 14 anos no ar, sendo que em 1994 passou a se chamar RJTV1, como é conhecido hoje.

O telejornal faz parte de uma estrutura mais ampla denominada Editoria Rio, o departamento local do jornalismo da Globo, que conta ainda com outros dois noticiários: o Bom Dia Rio e o RJTV, segunda edição. A estrutura da editoria é composta por um diretor-regional, um chefe de redação, 12 editores de texto, um chefe de reportagem, quatro subchefes de reportagem, três assistentes de produção e dez repórteres. Além disso, ainda há os funcionários da parte técnica, operacional, e da administrativa.

A redação fica na Central Globo de Jornalismo, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, onde também ficam as demais redações da emissora: a do Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e Jornal Nacional. O Jornal da Globo é feito em São Paulo. Cada editoria tem seu espaço determinado.

A editoria está toda informatizada, produtores, repórteres e editores trabalham com terminais de computador. As equipes responsáveis pelos três jornalísticos locais ocupam o mesmo espaço físico, só que em horários diferentes: a equipe do Bom Dia Rio trabalha no final da madrugada, começo da manhã, logo depois chega a do RJTV1, e, no começo da tarde quem entra em ação é a equipe do RJTV2. A chefia de reportagem vai costurando e atualizando a produção dos diversos horários.

O diretor-regional de telejornalismo da Rede Globo, Laerte Rímoli, considera o RJTV1 o melhor jornal da editoria. Um dos motivos é que o tempo maior do noticiário em relação aos demais permite um melhor acabamento da matéria. Como exemplo, Rímoli (1997) destaca um trabalho realizado pelos jornalistas do telejornal sobre o trânsito no Rio. Ele diz que a preocupação da editoria é com o dia-a-dia da cidade: a gente cada vez mais persegue isto: o comunitário.

A audiência média do RJTV1 é de 23% a 25%, atingindo mais de seiscentos mil domicílios (fonte: IBOPE/RJ e Editoria Rio). As notícias veiculadas no telejornal tratam basicamente da cidade do Rio de Janeiro, porque é no município onde se concentra o maior número da população, mais de oito milhões de pessoas.

A redação do RJTV1 é constituída por um editor-chefe, um editor executivo, uma subchefia de reportagem, três produtores, uma editora/ apresentadora, três editores de texto e quatro repórteres. As fontes de informação são: as agências noticiosas (A Globo, por exemplo), a editoria de esporte, a rádio CBN, entre outros. Todo o fluxo de informação que circula pela Rede Globo no Rio de Janeiro, desde a pauta dos telejornais locais e nacionais até o texto final que os apresentadores vão ler no ar pode ser - e é - acessado pelos jornalistas a qualquer momento.

O tempo de produção do jornal, em média, é de 20 minutos líquidos só de notícias. O jornal vai ao ar todos os dias às 12h23min. O RJTV1 apresenta quatro blocos de notícias, separados por intervalos comerciais (breaks), e a abertura, com as manchetes das principais informações do noticiário.

A escolha do RJTV1 como objeto de pesquisa deve-se a três motivos: a experiência profissional, a possibilidade de estudar e poder contribuir com a reflexão da atividade jornalística e a importância que o regional vem assumindo num mundo onde a tendência é a da globalização.

Os mais de 15 anos de atividade no jornalismo, a maior parte em redações de televisão, garantem um conhecimento e uma intimidade com o objeto de estudo que pesquisadores, sem esta familiaridade, possivelmente encontrariam maiores dificuldades nas suas investigações. Nesses anos de exercício profissional realizamos as mais diversas atividades dentro de uma redação: repórter, pauteiro, chefe de reportagem, editor de texto, editor-chefe e, finalmente, diretor de jornalismo.

Essas funções foram desempenhadas nos jornais locais da Rede Bandeirantes de Televisão, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro e, num outro noticiário, também local, da TV Guaíba, na capital gaúcha. Depois tivemos uma breve passagem por um telejornal da Rede Globo em São Paulo, o SP1 (similar ao RJTV1), e finalmente dois jornais de rede nacional, no Rio de Janeiro: o Jornal da Manchete 2${}^{a}$ Edição e o Noite e Dia, ambos na TV Manchete.

Na rotina do trabalho acabamos adquirindo o chamado senso comum das redações, o chamado instinto jornalístico, o faro jornalístico, palavras muito comuns no jargão da categoria dos jornalistas.

Neste breve histórico profissional, buscamos mostrar um certo conhecimento anterior do veículo, o que permitiu iniciar uma reflexão sobre a atividade e como as rotinas de produção afetam o cotidiano dos jornalistas. No entanto, acreditamos que somente isso não poderia nos levar muito além do senso comum.

Entra em cena então o segundo aspecto que levou-nos a estudar um telejornal: a reflexão crítica. Isso só é possível no mundo acadêmico onde o rigor científico permite romper com uma ``cultura das redações'' que entende o jornalismo como um ``dom'' ou mera técnica.

Acreditamos com isso estar contribuindo com pontos referenciais para um debate sobre o jornalismo e a construção da notícia, não só no mundo acadêmico, mas nas próprias empresas jornalísticas.

Associado a isso temos a perspectiva mais ampla do próprio telejornalismo regional que tende a ocupar um espaço cada vez maior. No Seminário Internacional de Telejornalismo, realizado em 1995, em Porto Alegre, no debate sobre a TV regional, chegou-se à conclusão de que é um veículo que pode ajudar na solução dos problemas das grandes cidades.

Um dos participantes do encontro, Roberto Appel, na época diretor de telejornalismo e programação da RBSTV, Porto Alegre, resumindo o pensamento dos participantes afirmou que as pessoas querem soluções para os seus problemas imediatos (Imprensa, 1995, p.11).

E são os telejornais, tanto locais como nacionais, a principal fonte de informação das pessoas sobre o mundo que as cerca (Carvalho, 1997, p.5). No Rio de Janeiro, no país como um todo, a Rede Globo tem 73% da preferência do público. E seus telejornais são os mais assistidos, sendo que Jornal Nacional, por exemplo, é indicado como a principal atração na televisão para os moradores do Estado do Rio de Janeiro.

Santos (1996, p.22) pondera que, apesar da intensificação da interdependência transnacional e da interações globais, o que faz com que as relações regionais pareçam hoje cada vez mais desterritorializadas, nota-se, aparentemente em contradição com essa tendência, um ressurgimento de novas identidades regionais e locais baseadas numa revalorização do direito às raízes. Esse movimento assenta-se sempre na idéia de território, seja ele imaginário ou simbólico, real ou hiper-real.

Entendemos o telejornal como o meio mais simples, cômodo, econômico e acessível para conhecer e compreender tudo o que acontece na realidade e como se transforma a sociedade. A definição, aparentemente simples, esconde uma complexidade. O pressuposto é de que a informação televisiva seja um bem público.

Segundo Hirschman, citado por Wolf (1997, p.1), o que caracteriza um bem público é o fato de que se pode adquirir livremente, seu consumo está ao alcance de todos e que todos e cada um dos indivíduos tenham a possibilidade de prescindir do dito bem, sendo que se alguém renunciar ao consumi-lo, segue sendo consumidor do produto ao menos de seus efeitos externos, aos quais é impossível se subtrair. A notícia é simultaneamente um registro da realidade social e ao mesmo tempo um produto dela (Tuchman, 1983, p.203).

No RJTV1 estudamos a rotina de trabalho dos editores de texto e como ela influencia na definição do que é notícia. É na edição do trabalho realizado por repórteres e cinegrafistas na cobertura dos eventos do dia-a-dia que as matérias são recontextualizadas. Ou seja, a notícia é elaborada de acordo com uma lógica estabelecida pelo formato, tempo, entre outras características do telejornal. Apesar de ser um momento importante na produção da notícia, os estudos do newsmaking têm se preocupado mais com as relações entre os repórteres e as fontes de informação (Tuchman, 1993, p.108-109).

A pesquisa foi realizada de 15 a 31 de março de 1997. Esse período foi escolhido por três motivos: primeiro, por estar fora da época de férias de verão - dezembro, janeiro e fevereiro - quando o país fica praticamente paralisado tanto no que diz respeito às questões políticas como econômicas, o que poderia afetar as rotinas de produção nas redações. Em função disso não fizemos o estudo nesses meses.

A segunda razão para eleger esse período é que nos 16 dias de pesquisa consideramos ter uma amostra indicativa do que chamaríamos de situação normal de funcionamento de uma redação: o dia-a-dia, dois fins de semana (quando acontecem as escalas de plantão, por causa das folgas) e um feriadão (o da Páscoa), onde, isso é comum nas redações, uma equipe realiza dois telejornais enquanto a outra folga. Depois, no próximo feriadão, quem trabalhou descansa. Esse tipo de situação permite avaliar também como as rotinas são afetadas nessas trocas.

O terceiro e último motivo é que de 15 a 3l de março os jornalistas devem se defrontar com as notícias duras (duras), leves (blandas), súbitas (súbitas), em desenvolvimento (en desarollo), e em seqüência (en secuencia).

Conforme Tuchman (1983, p.63), essas tipificações estão embutidas nas tarefas práticas dos jornalistas e se baseiam na sincronização do seu trabalho com o programa provável segundo o qual se realizarão os fatos informativos potenciais. A classificação usada por Tuchman também é adotada por outros autores (Alsina, 1996, p.125).

As notícias duras são as notícias factuais: uma sessão da CPI dos precatórios, por exemplo, ou uma blitz da polícia num morro do Rio, podem perder a atualidade se não forem dadas; as leves, ao contrário, são aquelas notícias que não perdem atualidade e podem ser dadas a qualquer dia, como uma exposição que vai ficar aberta durante um mês.

Tuchman (1983, p.66) explica que administrar o fluxo do trabalho informativo envolve algo mais que a programação. Envolve também a distribuição de recursos e o controle de trabalho mediante o planejamento. As distinções entre as notícias súbitas, em desenvolvimento e em seqüência são determinadas por essas tarefas práticas.

As notícias súbitas não são programadas e devem ser processadas imediatamente. É o caso de um grande incêndio no fechamento de uma edição de um telejornal. A incapacidade da previsão afeta o fluxo do trabalho informativo. Notícias em desenvolvimento são aquelas que se referem a situações de emergência; foi o caso do acidente com o avião da TAM. Os fatos vão se desenrolando. Ainda que o fato seja o mesmo, o número de vítimas pode aumentar, as causas do acidente podem ser outras do que a afirmada no começo da cobertura.

As notícias de seqüência são aqueles fatos que já estão pré-programados. Por exemplo, a cobertura da votação da reforma da previdência no Congresso. Os exemplos de notícias apresentados até aqui dão a falsa idéia de uma rigidez e de uma mecânica na redação. No entanto, não é isso o que acontece; como esclarece Tuchman (1983), as fronteiras entre as definições são frágeis. Essas tipificações são mais classificações práticas criadas pelos profissionais para enfrentar sua tarefa diária. Dificilmente, nos 16 dias de observação, os jornalistas não teriam pela frente notícias que de uma forma ou de outra poderiam ser enquadradas na classificação acima.

Consideramos que nos trabalhos de newsmaking o frame temporal depende muito da dimensão do trabalho, do conhecimento do objeto e, mais do que isso, do que se pretende dele. Tuchman (1983, p.20-24) dedicou dez anos de estudo à investigação dos informadores enquanto profissionais e dos jornais e serviços informativos de televisão enquanto empresas complexas. Uma pesquisa de fôlego que buscou compreender mais sobre a notícia como construção social da realidade. Por outro lado, o estudo de Jacobs (1996, p.377) sobre o processo de produção das notícias na televisão durou 12 semanas.

Por isso, entendemos que na atividade de pesquisa o método que se deve escolher, quando estudamos algum tema para o estudo das rotinas produtivas, depende da pergunta que se quer responder. Observamos que para responder à pergunta de como as rotinas de produção influenciam os editores de texto na hora de decidir o que é notícia, o newsmaking tem uma importante contribuição a dar.

Este estudo seguiu o caminho qualitativo, utilizando o newsmaking, no qual os dados são coletados por observação participante (Tuchman, 1993, p.106). Com esse tipo de técnica é possível reunir e obter sistematicamente dados e informações sobre as rotinas de produção que acontecem nos media.

Os dados são recolhidos pelo investigador presente no ambiente que é o objeto de estudo, quer pela observação sistemática de tudo o que aí acontece, quer através de conversas, mais ou menos informais e ocasionais, ou verdadeiras entrevistas com pessoas que põem em prática os processos produtivos. (Wolf, 1994, p.167)

Wolf (1994) aponta também algumas dificuldades na realização do trabalho de investigação. Uma delas é a possibilidade de no decorrer da investigação a pessoa passar a agir e pensar como os jornalistas. A outra é o acesso ao ambiente de trabalho, muitas vezes dificultado pelas empresas.

Com relação à primeira dificuldade, não chegou a afetar-nos devido ao largo tempo de experiência profissional como jornalista. Essa posição contribuiu até para manter sempre uma postura crítica diante do objeto (Becker, 1993, p.69-71). Quanto ao acesso, a Rede Globo do Rio de Janeiro não colocou nenhum obstáculo à realização do trabalho.

Nesta pesquisa fizemos entrevistas semi-estruturadas com o editor-chefe, a editora-apresentadora, os três editores de texto do RJTV1, que para fins deste trabalho passamos a denominar: editor-chefe, editora-apresentadora, editor um, editor dois e editor três. O editor-executivo desempenha também as funções de editor-chefe porque a editora-chefe encontrava-se em licença-maternidade.

Isso não representa mudanças significativas nas rotinas de produção, tanto que a Globo, que tem como prática colocar substitutos para jornalistas que exercem outras funções, que estão em férias ou em licença médica prolongada, não colocou ninguém para substituir o editor-executivo que ocupou a posição de editor-chefe. É que o editor-executivo é mais um cargo de apoio do que qualquer outra coisa, sendo que sua ausência não chega a comprometer a dinâmica do trabalho.

As entrevistas, complementares à observação participante, giraram sobre as rotinas de trabalho e os procedimentos dos editores na hora de elaborarem as matérias, e foram analisadas a partir de uma adaptação do modelo proposto por Moraes (1997) que prevê uma fase de preparação das informações, a transformação do conteúdo em unidades de análise, a transcrição e a interpretação.

Elas foram realizadas ao final deste estudo durante o horário de trabalho. Explicação: para que os entrevistados não perdessem o clima do lugar onde trabalham, o que poderia ajudar na revelação de dados que são apresentados fora do ambiente de serviço. Além disso, contribuiu para checar alguns dados que estávamos anotando durante a observação participante. Como técnica de coleta de dados, as entrevistas permitem recorrer às múltiplas perspectivas de um determinado tema (Newcomb, 1993, p.126-127).

Não houve uma preocupação com categorização, tendo em vista que as entrevistas objetivaram o esclarecimento de questões complementares, a partir da observação-participante, enfatizandose mais a descrição sobre como se faz a notícia em uma perspectiva mais de globalidade do fenômeno.

Na estruturação da observação participante, procedemos uma adaptação dos estudos de Tuchman (1983, p.77-93), onde ela mostra o cotidiano dos repórteres, e de Villafañé, Bustamante e Prado (1987, p.107-115), principalmente na parte que tratam da elaboração, apresentação e ordenação de um telejornal.

Também contribuíram, na observação participante, os comentários de Fausto Neto (1994) sobre metodologias de recepção ao chamar a atenção sobre as necessidades de se conhecer as leis e as regras de funcionamento do suporte na construção da recepção. Para o autor, isso requer um trabalho fortemente descritivo para dar conta de teorias implícitas que sustentam o funcionamento de um certo modelo de ordenação de sentido em oferta da produção.

Ainda com relação à estruturação do trabalho, fizemos uma pesquisa sobre a produção da notícia na Rádio Gaúcha, que forneceu alguns subsídios para esta pesquisa (Pereira Júnior, Müller, 1996). Entre eles, o cuidado, em sendo jornalista, de não interferir no trabalho da redação.

Notamos ainda que os jornalistas, acostumados a entrevistar pessoas diariamente, sentem-se constrangidos diante, por exemplo, de um gravador. O questionário também inibe os jornalistas, possivelmente por medo de constrangimentos por parte da empresa diante da opinião emitida e a preocupação de emitir conceitos errados.

A presença de um pesquisador, que também é jornalista, causou um certo receio, na medida em que essa é uma das possibilidades, poderíamos ter sido colocados ali pela empresa para um trabalho de avaliação, o que procuramos deixar bem claro não ter fundamento, já que tratava-se de uma pesquisa acadêmica. Esse medo diminuiu um pouco, mas esteve presente durante todo o estudo.

Concluída a pesquisa, analisados os resultados, entregamos o material para avaliação dos jornalistas. O retorno foi expresso através do coordenador do departamento de jornalismo, que utilizou o material como uma das fontes para o manual de redação da rádio, uma espécie de guia de procedimentos para os jornalistas.

Na estruturação deste estudo sobre as rotinas de produção no RJTV1 a vivência profissional também contribuiu para estruturar a investigação. É um item que evidenciamos como importante porque, de certa forma, possibilita-nos uma maior intimidade com o objeto em estudo, o que já não acontece com pesquisadores de outras áreas, que necessariamente precisam de mais tempo para o conhecimento do assunto.

Preparando o telejornal

No que diz respeito ao estudo propriamente dito, de 5 a 11 de março fizemos uma observação preliminar no próprio ambiente da pesquisa. Os objetivos eram: primeiro, evitar o que havia ocorrido na Rádio Gaúcha, onde houve uma certa preocupação em relação ao que estávamos realmente fazendo. Esse tipo de atitude dificulta a pesquisa porque as pessoas se mostram mais distantes.

O segundo, e principal objetivo, era lançar um olhar sobre as atividades e procedimentos diários dos editores de texto, acostumar-nos com o cotidiano deles, com a finalidade de fazer os últimos acertos na pesquisa e preparar-nos contra alguma eventualidade. Nesse sentido, procuramos observar: o horário de chegada, a movimentação dos jornalistas na redação e como ficavam sabendo que matérias tinham que editar.

Além disso, como era a relação com a chefia, com os colegas, que critérios usavam na edição de uma matéria, como redigiam, como acompanhava o que estava sendo produzido na redação, que dificuldade enfrentavam no desenrolar do telejornal jornal e, finalmente, o processo final de edição e a apresentação do jornal (Villafañé, Bustamante, Prado, 1987, p.29).

O primeiro aspecto a chamar atenção neste período de observação preliminar diz respeito ao próprio pesquisador. Sentimos saudades do trabalho nas redações. Agora estávamos do outro lado, buscando pesquisar do ponto de vista da ciência uma rotina que ocupou um bom tempo da nossa vida.

Esse momento proporcionou uma nova ruptura com o senso comum . A outra aconteceu quando passamos a dedicar-nos basicamente à atividade acadêmica, deixando de lado o dia-a-dia das redações. Estávamos ali como um pesquisador, mas um pesquisador que se emociona.

No primeiro dia da observação preliminar chegamos à redação por volta das 7h50min. A sub-chefia de reportagem já se encontrava no seu local de trabalho, vendo as pautas do dia anterior, organizando as do RJTV1, liberando repórteres para o trabalho de rua. Uma saleta, com três terminais de vídeo, separada da redação por uma divisória com vidros que permitem uma ampla visão da redação.

Logo depois chega o editor-chefe e os editores de texto. O editor-chefe vai distribuindo as matérias do dia e cada um começa a desenvolver seu trabalho. Aproveitamos este momento para dizer quem éramos, explicar o que estávamos fazendo e prometer atrapalhar o mínimo possível a rotina da redação.

A recepção, diferentemente da Rádio Gaúcha, foi boa. O fato de sermos jornalista repercutiu de uma forma simpática entre a equipe de editores. Eles comentaram que o tema proposto era interessante e se mostraram dispostos a contribuir. Entre 10 e 11 horas, o clima ainda é de aparente tranqüilidade, os editores estão elaborando suas matérias, enquanto o editor-chefe vai organizando o jornal.

No final da manhã, a redação fica mais movimentada. Começam a chegar as matérias do dia da rua e os editores têm que ir dando conta do trabalho, o mais rápido possível, para que o material dos repórteres seja editado a tempo de entrar no jornal. À medida que vai se aproximando a hora de entrar o jornal esta tensão aumenta e os editores só voltam a ficar tranqüilos ao final do jornal.

Após o fim do noticiário televisivo, os editores juntamente com o editor-chefe, produtores e chefia de reportagem reúnem-se para uma rápida avaliação do jornal do dia e já dão início aos preparativos para o telejornal do outro dia. Terminam as atividades do dia. A sensação é de dever cumprido.

Esses foram alguns aspectos levantados no decorrer da observação preliminar que contribuíram de uma maneira decisiva para acertar a melhor forma de organizar a pesquisa. Constatamos que o dia dos jornalistas era dividido em três fases distintas, mas integradas, interconectadas: 1) a chegada a redação, momento inicial de se inteirar de como o jornal começa a se organizar; 2) meio da manhã, quando os editores de texto já estão editando algumas matérias ou esperando para editar as que estão na rua; 3) o fechamento, já no final da manhã, quando se aproxima a hora do jornal entrar no ar e a correria é geral na redação.

De 15 a 31 de março acompanhamos a atividade diária dos editores na redação, nas ilhas de edição, no switcher e na reunião de avaliação e preparação do telejornal do outro dia. Como material de apoio, gravamos todos os telejornais, acompanhados dos respectivos espelhos e scripts.

A descrição da pesquisa de campo não segue uma ordem cronológica. Procuramos agrupar os procedimentos cotidianos dos 16 dias de observação nas três fases indicadas acima. Acreditamos que isso facilita a compreensão das rotinas de trabalho, dando uma idéia do conjunto das atividades.

As referências ao espelho ou às matérias, editadas num determinado dia, têm como finalidade exemplificar como a rotina diária vai afetando os procedimentos dos editores de texto. Não é objetivo deste trabalho realizar uma análise de discurso do referido material.

Os editores chegam na redação entre 8 e 8h30min. O primeiro a chegar é o editor-chefe. É ele quem começa a organizar o jornal, a preparar o espelho. Na saleta da subchefia de reportagem, troca informações com a responsável pelo setor. Que matérias já estão à disposição para serem utilizadas: de outros telejornais que não foram usadas e as realizadas à noite.

Também há as matérias especiais produzidas especificamente para o RJTV1, feitas no dia anterior, que também já se encontram no começo da manhã na redação. O editor-chefe procura saber ainda qual é a previsão do dia (a pauta), o que está sendo realizado pelas equipes de reportagem na rua para o telejornal, e que fatos novos surgiram e que podem entrar no noticiário.

Depois de tomar este primeiro contato com o que já existe e o que está sendo preparado para ir ao ar no RJTV1, ele senta-se num dos terminais de computador da subchefia de reportagem, abre a tela e começa a verificar, dar uma olhada geral - isso é feito rapidamente, já que o tempo é um fator fundamental em televisão - no que está sendo produzido no jornalismo da Globo.

Pela telinha do terminal passa todo o fluxo de informação que circula na emissora: previsões de outros telejornais, espelhos, scripts, matérias em andamento, notícias do departamento de esportes da Globo, além do material fornecido pelas agências de notícias (Globo, Estado). No apoio, o editor-chefe conta ainda com um serviço de rádioescuta, que fica acompanhando o que os noticiosos das rádios estão dando.

Parado e pensativo diante da tela do vídeo, ele dá início a uma tarefa que só será concluída ao final do telejornal: a organização do espelho. Ou seja, a relação das matérias e notas que vão compor o jornal. O RJTV1 tem: uma abertura, as escaladas, com as principais notícias do noticiário (manchetes), e quatro blocos, separados por três intervalos comerciais (breaks).

Com o que tem à disposição e com o que deve chegar, além dos fatos não previstos que podem acontecer pela manhã, o editor-chefe começa a elaborar o noticiário televisivo. O primeiro bloco abre sempre com algo factual forte, uma notícia de impacto do dia. Por exemplo, a notícia de abertura do telejornal, no dia 17 de março (VT- explosões) era sobre uma explosão de gás numa tubulação subterrânea que provocou um acidente de carro na avenida Niemeyer, uma das principais do Rio de Janeiro, com três pessoas feridas e o trânsito interrompido na área.

No segundo e terceiro blocos, outras matérias do dia ou mesmo matérias de gaveta, notícias de outros dias que não foram usadas, mas não perderam a atualidade, como uma creche que presta serviços especiais à comunidade. Num dos dois blocos, nos dias observados, normalmente no terceiro entra o VT- problema.

O VT- problema, criado especificamente pela editoria Rio para o telejornal, trata dos problemas que afetam a comunidade, a cidade. No dia 19 de março, o VT- problema abordava a questão do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) - VT- problema SPC . A dificuldade que muitas pessoas têm de mesmo estando em dia com seus pagamentos, por erro das empresas, terem seus nomes na lista do SPC.

Esse VT, produzido pela equipe do RJTV1, é feito antecipadamente. É uma matéria mais elaborada, até porque o tempo de edição permite. Ela tem uma duração de 2h30min e, dependendo do assunto, pode esse limite ser ultrapassado. As demais notícias do telejornal variam de 1 min a 1min30s.

O VT-problema conta ainda com um complemento, uma entrada ao vivo de um repórter com alguém ligado ao assunto tratado, buscando assim dar os vários enquadramentos do tema, ouvindo alguém que tenha conhecimento especial da questão. Tomemos novamente o exemplo da matéria de 19 de março. Logo após sua apresentação, entrou um repórter da rua (tela net problema) entrevistando o presidente da Associação de Proteção ao Consumidor, para que ele explicasse como as pessoas deveriam agir quando tivessem algum problema com o SPC.

As entradas ao vivo de repórteres também acontecem em outras notícias e têm como finalidade atualizar a notícia, mostrando imagens do local em que ocorreu a notícia. Esses nets dão uma boa margem de manobra ao editor-chefe que pode jogar com os ao vivo no telejornal para cobrir uma eventual falta de tempo ou mesmo quando uma matéria prevista acaba caindo, porque não deu tempo para realizá-la ou por falta de tempo.

No quarto e último bloco, nas palavras do próprio editor-chefe, ele procura dar uma amenizada no jornal. Como referiu o editor um é o bloco leve do jornal. Light, como acrescentou o editor dois. As opiniões mostram o espírito do quarto bloco. Para ele são reservadas as notícias de cultura, lazer e até mesmo de esporte, ou então uma mensagem de esperança. O VT de encerramento do RJTV1, do dia 19 de março, sobre um CD-ROM lançado no mercado que conta a vida e a obra de Villa-Lobos, dá bem uma idéia dessa característica do bloco.

O editor-chefe vai distribuindo as matérias pelos blocos a partir dos seguintes critérios: um factual forte, um fato que tenha interesse e atinja o maior número de pessoas e que tenha uma boa imagem. Segundo ele, a imagem espetacular sempre interessa à televisão. É nesse processo, bem como no da edição, que o mundo é recontextualizado. Os fatos que foram retirados do seu contexto na rua agora são reorganizados de acordo com a lógica de produção do telejornal.

O quarto bloco do telejornal, do dia 17 de março, é um bom exemplo de como assuntos sem nenhuma relação entre si, não ocorreram no mesmo tempo e espaço, são agrupados. Esta é a ordem do bloco: VT- acidente, VT-pedágio, VT-Romário, VT-Escola Surf.

A primeira matéria trata de um homem que morreu num acidente de carro ao tentar desviar de um buraco, a segunda conta que o jogador Romário se envolveu num incidente com seguranças de uma pizzaria; o VT-Escola Surf é sobre uma escolinha de um bairro do Rio, o Recreio dos Bandeirantes, para crianças carentes.

Durante o processo de organização do pré-espelho, o editor-chefe vai negociando as matérias com a subchefia de reportagem, que oferece uma notícia, comenta outra e assim o noticiário começa a se estruturar. Os editores de texto começam a chegar e dão palpites sobre as matérias como: esta está fraca, esta não vale. Mas, no geral, a organização do espelho é um processo solitário, apesar de negociado.

O editor-chefe segue batendo velozmente as teclas do terminal. Agora está com seu jornal organizado. Aquela abundância de informações agora está distribuída ao longo do pré-espelho, onde as matérias estão divididas por blocos e cada uma tem a sua retranca, uma identificação, que diz respeito à própria idéia central da matéria, exemplo: VT-acidente. Essa primeira previsão do que deve fazer parte é uma espécie de guia de orientação não só para os editores, mas para todas as pessoas envolvidas no andamento do telejornal, tanto da parte técnica como para os demais jornalistas.

O pré-espelho pode ser acessado por qualquer pessoa do telejornalismo. É claro que interessa, principalmente, àqueles que têm participação direta no noticiário televisivo, que dessa forma podem se informar do seu andamento ou então de que procedimentos devem adotar. Qualquer alteração no espelho é feita exclusivamente pelo editor-chefe. Não se trata só de uma questão hierárquica, mas de organização, já que se todos pudessem interferir no telejornal, o caos estaria institucionalizado.

Essa forma de organizar o telejornal já está introjetada nos demais editores. No período de observação, num dia o editor-chefe teve que chegar mais tarde e pediu por telefone para o editor dois ir adiantando a organização do jornal. O noticiário foi distribuído da mesma maneira que ele fazia: no primeiro bloco, uma matéria forte do dia, no segundo o VT-problema e matérias factuais, no terceiro também matérias factuais e no quarto umas notícias mais leves.

Voltando ao editor-chefe, concluída essa fase inicial, ele começa a distribuir as matérias entre os editores, não sem antes comentar, um comentário que se repetiria nos demais dias de observação: está difícil fechar o jornal hoje, não temos ainda o primeiro bloco.

Segundo ele, os VTs são distribuídos sem nenhuma preferência. No entanto, notamos que há uma organização, uma rotina na definição de quem edita as matérias. O editor um fica com as matérias do último bloco, que são as mais leves: cultura, lazer, entretenimento e esporte.

O editor dois é responsável pelas matérias factuais fortes, além de editar as matérias especiais, que demandam um maior tempo, devem ser mais trabalhadas. Finalmente, o editor três é quem faz a decupagem da edição do VT-problema. Um fato a ressaltar é que essa distribuição rotineira não é questionada. Após receberem suas matérias, os jornalistas vão para as ilhas de edição decupá-las, avaliá-las para posteriormente editá-las.

Para a editora-apresentadora, o editor-chefe reserva a escalada do jornal, as passagens e chamadas de bloco e as notas. Além disso, eventualmente, ela pode editar uma matéria. A editora também fica acompanhando no terminal da redação as notícias que vão entrando pelas agências. As notas são do material das agências noticiosas ou de notícias que não têm VTs (imagens), notas peladas, no jargão jornalístico, que vêm da produção do jornal ou mesmo de uma matéria que não vai chegar a tempo para entrar no jornal e o repórter passa alguns dados por telefone.

A função exercida pela editora-apresentadora deve-se ao fato de que ela não poderia ficar ocupando seu tempo com a edição de uma matéria. Primeiro, porque antes de chegar na redação, no início da manhã, ela já se maquia para apresentar o jornal. O outro motivo é que como apresentadora do jornal seria um risco colocá-la na edição. Motivo: e se ela estivesse editando uma matéria e o telejornal já estivesse entrando no ar, quem iria apresentá-lo?

Dessa forma, ela dá um apoio ao editor-chefe já que adianta um serviço que na prática seria dele. Isso libera-o para ir controlando o fluxo do jornal. Na redação, um senta em frente ao outro. A editora-apresentadora também serve de apoio ao editor-chefe na medida em que esse a consulta, conversa com ela sobre as matérias que estão entrando no jornal. O aspecto negociado das notícias é um fato sempre presente no telejornal.

Um aspecto interessante a ressaltar é que a função do apresentador não é mais daquele, poderíamos dizer, locutor, alguém que simplesmente lê as notícias, como acontecia anteriormente. Veja-se o caso de Cid Moreira, no Jornal Nacional. Hoje, e de certa forma é a Globo quem inaugura isso, os apresentadores têm uma participação efetiva na feitura do telejornal. O que acontece é quando eles lêem uma notícia, sabem do que se trata porque contribuíram ou acompanharam seu processo de produção. Esse é o caso da editora-apresentadora do RJTV1.

Nos plantões de fim de semana, o quadro não é substancialmente diferente em se tratando das rotinas de preparação do telejornal. Mesmo assim, o editor-chefe procura tomar alguns cuidados para evitar ser pego de surpresa com a falta de notícias do fim de semana e a diminuição do número de equipes de reportagem.

Para os editores de texto, o sábado também é um dia fraco em termos de matérias. Uma possível explicação é que no sábado não funcionam as instituições com as quais os jornalistas estão acostumados a trabalhar: prefeitura, secretarias municipais, associações, etc.

Para se precaver contra isso, o editor-chefe procura deixar uma matéria de gaveta. A equipe como um todo procura deixar o jornal praticamente produzido na sexta-feira para evitar algum imprevisto no fim de semana. Os procedimentos anteriormente explicitados são mantidos.

Acontecendo de o editor-chefe do plantão ser de um outro telejornal da editoria-Rio, as rotinas gerais, iniciais, de organização do RJTV1 são mantidas como se o substituto fosse o próprio editor titular do telejornal. Ele conversa com a subchefia de reportagem, dá uma olhada na previsão, vê as em elaboração, checa se há alguma de gaveta e começa a fazer o pré-espelho: abre com um factual forte, depois no segundo e terceiro blocos matérias do dia, de gaveta, para encerrar com uma matéria leve.

As matérias são distribuídas entre os editores, sem uma preferência explícita, os editores de textos negociam seus interesses, matérias que gostariam de fazer ou que têm maior conhecimento, com o editor-chefe substituto. Nada a tirar ou acrescentar na forma como jornal é feito de segunda a sexta-feira. Há como que uma estrutura organizacional que disciplina os procedimentos. Uma forma de padronizar o caos circundante no jornalismo.

Em compasso de espera

A distribuição das matérias é feita de uma maneira informal; pode haver uma pequena reunião ou então, na medida em que os editores de texto vão chegando, o editor-chefe vai passando as fitas da reportagem ou as retrancas que eles devem fazer. Depois de distribuídas as matérias, ele vai para a redação e os editores para as ilhas de edição.

Na redação cada editor tem um lugar determinado onde vai redigir sua matéria. Esses lugares são escolhidos pelos próprios editores, não são impostos. Há como que um comum acordo, onde cada um sabe onde é o seu lugar. Isso não impede que eventualmente, na hora de redigir um texto, um editor ocupe o terminal do outro. Faz parte da rotina do trabalho e não é entendido como uma agressão.

Enquanto os editores estão nas ilhas realizando seu trabalho, o editor-chefe está de novo em frente do terminal do computador verificando novamente o espelho do jornal. Ele passa o espelho através do terminal para o coordenador de jornal, que é quem faz a ponte entre o jornalismo e a área técnica. O coordenador vai controlar o tempo das matérias, fazer o somatório dos tempos para evitar que o jornal estoure seu tempo de produção, distribuir os scripts.

O coordenador está permanentemente em contato com o editor-chefe e vai acompanhá-lo até o fim do telejornal, dando todo o apoio na execução operacional da parte técnica do telejornal.

Após conversar com o coordenador e acertar alguns detalhes sobre o telejornal, previsão das matérias que estão em andamento, entre outras coisas, o editor-chefe manda imprimir um primeiro espelho do jornal que será mudado várias vezes. É para que todos possam ir acompanhando o que ocorre.

Feito isso, ele prossegue na sua atividade. O editor-chefe vai fazendo modificações no espelho. Uma matéria pode sair do primeiro bloco e ir para o terceiro porque está sendo feita na rua e pode chegar atrasada, o que traria problemas em colocá-la na abertura do telejornal porque o editor não teria tempo de editá-la. Ele também fica organizando as entradas ao vivo, acerta isso com a produção. Só podem ser feitos dois nets porque o telejornal só dispõe de dois links.

A tarefa do editor-chefe é ir administrando esses problemas, o que ele vai fazer negociando algumas questões, como o andamento de matérias com a reportagem, o tempo do jornal com a técnica - se ele entender que o jornal não vai cobrir todo o tempo que lhe cabe na programação, ele deve alertar a coordenação técnica para que ela esteja preparada.

Nas ilhas de edição, os editores de texto decupam, avaliam, selecionam e editam o material elaborado por repórteres e cinegrafistas. As ilhas são pequenas salas que ficam próximas à redação onde se encontra o conjunto de equipamentos de vídeo que funcionam de forma integrada para gravar, reproduzir ou editar uma notícia.

O espaço é pequeno. Não cabem ali mais do que cinco pessoas. Há duas cadeiras para os editores. A refrigeração para os equipamentos mantém a temperatura no local em torno de 18$^{o}$C. Um dos principais motivos para o espaço ser tão reduzido é que um número muito grande de pessoas na ilha atrapalha a edição.

Para fazer seu trabalho, os editores de texto contam com o editor de imagens, um técnico que opera o equipamento de edição. A Globo já começa a usar jornalistas nessa função, o que de certa forma representa um ganho para o editor de texto, já que terá ao seu lado alguém ainda mais qualificado.

O editor de texto olha primeiro a matéria, normalmente sozinho, para depois chamar o editor de imagens para montá-la. Na edição, há uma decupagem e seleção do material a ser usado, que vai ser transformado em notícia televisiva. O editor verifica o off do repórter, onde ele conta o que aconteceu, o que os entrevistados disseram e se há uma passagem do repórter. Verifica também as imagens, um item que todos os editores ressaltam como fundamental. Imagens fortes como a libertação de um seqüestrado são sinônimo de uma notícia factual forte.

Vencida essa primeira etapa da edição, o editor organiza o material selecionado, faz um esqueleto da matéria, no jargão jornalístico. O VT, a matéria, é estruturado. Ou seja o fato que foi retirado do seu contexto na rua agora é recontextualizado na edição. O esquema normal é: off do repórter, sonora(s) ou passagem do repórter, sonora ou encerramento do repórter.

O VT-ambulantes, que entrou no jornal do dia 25, é um bom exemplo da prática diária dos editores. A matéria conta como os fiscais da prefeitura do Rio, ao retirarem ambulantes em situação irregular da rodoviária Novo Rio, encontram um depósito que pode ter sido usado para guardar mercadorias roubadas.

O editor um pegou a fita com o material elaborado pela reportagem e levou para a ilha de edição. Fez uma decupagem selecionando uma parte da entrevista de uma autoridade dando explicações sobre o caso, o off do repórter e a passagem que contava o que tinha acontecido. A partir disso, ele montou o esqueleto da notícia: o off do repórter, a passagem e depois a sonora.

Os critérios de avaliação usados pelos editores para definir o que vai ser usado e o que deve ficar de fora da matéria - o material que vem da rua tem em média 10 minutos de produção e uma notícia editada fica entre um 1min30s - são: factual, o diaadia da cidade (acidentes, engarrafamentos, buracos de rua, etc.), têm que despertar o interesse das pessoas (uma matéria sobre as corredeiras na Serra do Mar).

Além disso, a notícia tem que atingir o maior número de pessoas (movimentação nas estradas), coisas inusitadas (menina morre atacada por um cachorro), novidade (cartão magnético facilita a vida de quem usa a estrada Rio-Juiz de Fora), personagem (velhinha de 80 anos se emociona quando o Botafogo é campeão).

Um dos aspectos que os editores julgam como fundamental na edição de uma matéria são boas imagens (um incêndio). Imagens boas e fortes. Eles consideram isso imprescindível na edição de uma matéria. Como diz o editor um, nem todo o brasileiro decodifica um texto, mas todo brasileiro decodifica uma imagem. O editor três é ainda mais radical: você vai fazer a matéria de um engarrafamento, aí a imagem mostra os carros circulando normalmente, não tem matéria. A imagem é tudo.

Pelo observado, essa classificação criada pelos editores facilita o trabalho diário, já que a matéria chega na redação e, de certa forma, já é enquadrada. Isso torna mais rápido todo o processo de produção da notícia e facilita a luta contra um inimigo comum de todos os editores: a pressão do tempo. Quanto mais rápido se faz, mais tempo se ganha.

Tudo organizado, planificado, o editor de texto chama o editor de imagens. Juntos, os dois vão olhando a matéria e fazendo os cortes, conforme o esqueleto estabelecido na decupagem. Apesar de a responsabilidade final de uma matéria ser do editor do texto, durante o processo de montagem ele vai aceitando sugestões do editor de imagens como: aquela imagem é melhor do que essa, se você diminuir um pouco a sonora, a matéria vai ganhar agilidade. Montada a matéria, o editor volta à redação para redigir a página.

O editor de imagens fica agora sozinho na ilha e vai dar o acabamento final na matéria, cobrindo-a com as imagens feitas pelo cinegrafista. As imagens são escolhidas pelo próprio editor, mas o editor de texto sugere algumas imagens. Depois de concluída montagem e edição, quando o tempo permite, o editor de texto volta para conferir a matéria pronta.

Um fato comum de ocorrer é que a matéria feita na rua só tenha imagens. As informações sobre o assunto são obtidas posteriormente pela produção. Então, o editor faz uma nota coberta. Ou seja, redige uma nota que será coberta pelas imagens captadas sem o repórter.

A nota coberta também é utilizada para salvar matérias. O editor dois, por exemplo, pegou uma matéria mal estruturada, com erros de português, não usou o material do repórter - no jargão jornalístico derrubou a matéria -, pegou só as informações, redigiu uma nota e cobriu com as imagens feitas pelo cinegrafista da reportagem. Se a matéria não tem realmente condições, elas é derrubada.

Os editores de texto do RJTV1, diferentemente dos editores do outro jornal local da Globo (o RJTV2), não têm como corrigir ou refazer matérias com os repórteres porque durante a manhã eles estão na rua, e quando chegam na redação o telejornal já está entrando no ar.

Por isso, há uma maior condescendência com o que o repórter faz na rua, já que se os editores começassem a cortar todas as matérias por pequenos problemas, como um verbo mal empregado, o telejornal poderia não ter matérias para colocar no ar. Um fator positivo apontado por eles em relação à edição é que, como o jornal tem um tempo maior de produção, as matérias podem ser um pouco maiores e conter mais detalhes.

Todo esse processo descrito até agora tem que ser feito rapidamente porque os editores têm em média, no mínimo, três matérias para editar durante o dia. Sem esses procedimentos, como a classificação das matérias para enquadramento, a tentativa de salvar matérias e a condescendência com um material menos trabalhado, não haveria jornal, já que os editores ficariam se perdendo em detalhes e o tempo, mais uma vez, é um inimigo implacável.

No decorrer da edição, os editores uma vez ou outra recebem a visita do editor-chefe para saber se a matéria vale, se pode entrar no telejornal. Ele também quer ter informações mais precisas do que tratam as matérias para usar, se for o caso, na chamada do jornal.

Com relação à edição, cabe ressaltar que o VT-problema, até por ser especial, tem um tratamento diferenciado dos editados diariamente. O tempo é maior, o editor olha as sonoras com mais calma, tem tempo para escolher as melhores falas das entrevistas, pode utilizar efeitos de vídeo, a matéria tem uma vinheta de abertura. É uma notícia que tem um acabamento melhor. O editor três é quem, via de regra, edita esta matéria. O editor de imagem também é sempre o mesmo, o que permite um entrosamento maior e um resultado final melhor.

Nos fins de semana e no feriadão, a rotina da edição do RJVT1 não muda muito. Os editores que fazem diariamente o telejornal seguem repetindo as rotinas de trabalho que estão acostumados. A surpresa é que mesmo os editores que vêm de outros telejornais se enquadram no processo de edição do noticiário televisivo.

Para explicar esse enquadramento na rotina, um editor do RJTV2 e outro do Bom Dia Brasil (os outros dois telejornais locais da editoria Rio), que trabalharam no sábado e no feriado da Páscoa explicaram que a gente já faz sem querer, a gente pega a edição vendo.

O que dá para notar é que como o noticiário tem um tempo maior de produção, mas não permite refazer as matérias, além do que o número de fitas para editar é maior, os dois editores como os seus colegas também vão racionalizar sua atividade de produção de acordo com o contexto.

Terminada essa fase da edição os editores voltam para a redação para redigir suas matérias e fazer um breve relato sobre o assunto editado para o editor-chefe, que permanece diante do terminal de vídeo cuidando do espelho do jornal. De posse das informações, ele pode mexer mais uma vez na estrutura do espelho.

Alguns casos em que isso ocorre: a matéria que ele deu para editar foi derrubada pelo editor. Então, tem que ser retirada do jornal e substituída por outra. Um detalhe interessante é que se os editores dizem que uma matéria não vale; o editor-chefe pode até questionar por que não vale, mas confiará plenamente na avaliação do editor.

Uma outra possibilidade é que a matéria seja bem interessante e mereça um destaque maior. Então o editor-chefe pode passá-la, por exemplo, do segundo para o primeiro bloco. Todas essas modificações têm que ser registradas no espelho do jornal.

Os editores sentam-se para redigir suas matérias. Com a tela do terminal de vídeo na frente, eles começam a escrever. A notícia de um telejornal tem a abertura (um fato importante para chamar o assunto), a entrada da matéria, a parte que vai ser lida pelo locutor e chamar o VT; o videoteipe, a matéria editada.

Essa matéria deve ter os créditos das pessoas que foram entrevistadas, do repórter e do cinegrafista. Deve ter ainda uma deixa final. A última frase que um entrevistado disse, por exemplo, para que o diretor de TV possa saber onde a matéria encerra na hora do jornal ir ao ar.(ver exemplo em anexo).

Enquanto redigem as páginas, muitas vezes, os editores trocam idéias entre si e com o editor chefe sobre a cabeça da matéria. Eles conversam sobre que palavra ficaria melhor na frase, que abertura dar para a notícia, entre outras. As sugestões são aceitas de bom grado.

A notícia, na medida em que vai se construindo, passa por um processo de negociações. Quando faltam algumas informações na matéria, os editores recorrem aos jornais diários para cobrir a ausência de dados.

Concluída a página do editor de texto, o editor-chefe acessa-a no seu terminal. Ele revisa, podendo aprovar imediatamente, ou então fazer algumas alterações no texto ou até propor que o editor redija uma nova página, se entender que o que merecia ser destacado não foi. Aprovada a página, a matéria é dada como pronta, só aguardando o momento de entrar no telejornal.

A editora-apresentadora, depois que as páginas são aprovadas, pode acrescentar novas informações às chamadas do jornal, que também serão revisadas pelo editor-chefe. A ela também cabe fazer o VT-mapa tempo. Uma matéria fixa do jornal, hoje da maioria dos telejornais do país, é o VT que trata da previsão do tempo. Ele é gravado previamente, diferentemente do restante do jornal que é ao vivo.

Se algum editor demora a entregar uma página, o editor-chefe pede mais pressa para que o processo de andamento do telejornal não seja atrasado. Essa rigidez na organização para que as coisas funcionem sem sobressaltos percorre todo o processo de produção.

Estamos encaminhando-nos para a parte final da manhã e agora o editor-chefe já tem uma idéia mais clara do jornal. Já tem uma idéia sobre a que horas começam a chegar as matérias da rua. Já sabe que algumas não vão chegar a tempo de entrar no jornal. Novamente ele mexe no espelho, uma matéria passa do primeiro para o segundo bloco, como medida de segurança já que, apesar de chegar tarde, ainda pode ser editada.

É muito comum que as matérias que estão sendo realizadas pela manhã estejam, em função de que são as notícias do dia, na abertura do jornal. Isso é um motivo de preocupação constante do editor-chefe que enfatiza que as reportagens deveriam estar logo na casa, no jargão jornalístico, a redação, para que os editores fossem adiantando o seu trabalho.

Com a finalidade de ir adiantando o trabalho, o RJTV1 dispõe de motoristas do departamento de jornalismo que usam motos para se deslocar, pois o trânsito constantemente engarrafado do Rio pode determinar uma demora na chegada da fita com a reportagem na emissora - que vão buscar as matérias na rua porque normalmente de uma pauta o repórter salta para outra, não voltando para a emissora.

Além disso, os motoqueiros podem ir apanhando as fitas já gravadas pela reportagem na rua, com uma parte da matéria, para levá-las para a redação, onde os editores podem ir adiantando o serviço, olhando as imagens ou mesmo um off.

Depois, quando o complemento da reportagem chegar, eles terão adiantado uma boa parte da edição. O jornal dispõe ainda de unidades móveis, com links, que podem gerar as matérias de alguns pontos da cidade para a redação. Tudo é organizado no sentido de que fatos imprevistos não afetem a produção diária do telejornal.

A linha da morte: o fechamento

Entramos na fase final de preparação do telejornal. A 1h20min do começo do jornal a tensão aumenta e a adrenalina sobe na redação. Às 11 horas da manhã, o editor-chefe já grava a primeira chamada do jornal que vai ao ar ao meio-dia. Nessa chamada, em que estão as principais notícias que vão ser apresentadas no RJTV1, o editor-chefe, por uma questão de precaução, geralmente, só coloca as matérias que já estão na casa.

O editor-chefe está preocupado. Já passam das 11 horas e algumas matérias ainda não chegaram da rua. O primeiro bloco está a perigo. Lá está ele de novo mexendo no espelho para ir acomodando as coisas. É o sobe e desce das matérias. Não está na casa, vai demorar para chegar, então sai do primeiro bloco. A operação do jornal e a entrada dele no ar não podem ser prejudicadas.

Começam a chegar algumas matérias. O editor-chefe passa imediatamente para os editores que vão rapidamente para as ilhas editar as matérias. O entra e sai na redação é constante. O editor um pede mais informações sobre o que recebeu. Já o editor dois diz que vai transformar uma matéria gerada por uma das emissoras do interior do Estado em nota coberta.

Em meio a tudo isso, o editor-chefe procura administrar o corre-corre. Pergunta para a editora-apresentadora se o VT-mapa tempo já foi gravado. Confere os tempos do noticiário com o coordenador do jornal. Explica que algumas alterações foram feitas no espelho.

O coordenador tem que tomar providências imediatas para ir acertando os detalhes técnicos. É o script do jornal que tem que ser impresso e rodado para depois ser entregue a todas as pessoas envolvidas na operação do telejornal: câmeras, gerador de caracteres, operadores de áudio, de VT, diretor de TV, entre outros. Apesar de o espelho estar no terminal, o controle das páginas do jornal que vão entrando no decorrer da apresentação ainda é feito em laudas de papel. Não dá para perder tempo.

O editor-chefe reclama. Já passa das 11h30min e ainda há matérias na rua. Ele é enfático: 11h30min é o deadline todas as matérias que estão sendo produzidas já tinham que estar na redação. Pelo que observamos, apesar dos protestos, muitas vezes as matérias chegavam após o horário exigido, quando não ocorria o caso de chegar durante o jornal, o que, dependendo do assunto, inviabilizava sua entrada no jornal.

Se o editor-chefe está preocupado, mais ainda estão os editores de texto. Nas ilhas dão uma rápida olhada nas matérias e editam da maneira que dá. Ou seja, muitas vezes os editores não têm tempo de fazer a decupagem de toda a matéria e vão direto a alguns pontos de referência que consideram suficientes para explicar o assunto.

Exemplo: numa matéria sobre um acidente, com muitas sonoras, sem tempo para decupar as entrevistas, o editor escolherá a primeira que encontrar, desde que não seja algo que não tenha o mínimo sentido. Neste momento, não dá para pensar duas vezes sobre o que deve ir ao ar.

Ainda com relação às edições feitas em cima da hora, pode-se dizer que um outro critério usado é o de ir diretamente na fala de alguém legitimado pela autoridade da função. Ou seja, a voz oficial: um secretário municipal, um representante de uma associação ou sindicato, entre outros.

Se a situação apertar, o editor um resume o procedimento: vai se usar o que o repórter fez na rua. Ou seja, o editor de texto e o de imagens na prática só vão fazer uma montagem rápida do que o repórter fez. A notícia tem que se submeter aos procedimentos da rotina.

Os editores voltam correndo para a redação e redigem de uma vez as páginas. Eles sabem que logo o editor-chefe vai estar cobrando as páginas. A tensão aumenta e o ritmo de produção é mais intenso. Pode acontecer o caso de um editor estar envolvido na edição de duas matérias. Mas isso não chega a ser um risco, porque um outro editor se disporá a ajudar o colega.

O espelho definitivo já está pronto. Os últimos detalhes são conferidos: as páginas já estão sendo distribuídas, os VTs já subiram para a engenharia, é o lugar onde eles ficam para serem acionados quando jornal vai ao ar.

Chega mais uma matéria, o editor dois já pega e a passos rápidos caminha para a ilha. Na redação os outros editores terminam suas páginas. Estamos na reta final do jornal. O editor-chefe refaz uma cabeça, derruba uma matéria porque o último bloco já está estourando e a informação não tem atualidade.

Dois fatos, de certa forma curiosos, mostram bem o clima de tensão deste momento. O telefone toca, alguém quer conversar com o editor dois. Ele está na ilha terminando uma matéria. O editor-chefe, de olho no tempo do jornal, responde na hora que o editor dois não pode atender. A rotina não pode ser perturbada.

Um outro aspecto curioso, que chamou a atenção, é que o relógio da redação estava adiantado cinco minutos. Logo que começamos o trabalho de observação pensamos que fosse um problema do relógio que usávamos. Não era. O editor-chefe revelou que adiantava o relógio da redação para não acontecer de ele ir para o switcher em cima do horário de colocar o jornal no ar.

Como o telejornal tem um tempo de duração grande, seu horário de produção tem que ser preenchido, já que qualquer mudança na sua duração implica mudanças na programação da própria rede Globo, que tem seus espaços todos comercializados. O que fazer se o noticiário televisivo não usa todo o tempo que lhe é destinado? Colocar um comercial não previsto no ar, de graça? Se o tempo estoura, o jornal passa do seu horário, um fato raro, a Globo vai tirar um comercial pago da programação? Ou seja, é preciso que tudo funcione dentro de um esquema estabelecido pela própria organização.

O resultado é que de um modo geral praticamente todas as matérias que estão previstas para o telejornal vão entrar. Um editor pensará duas vezes antes de derrubar uma matéria. Ele sabe que o editor-chefe trabalha com uma margem mínima de matérias. Então, como explica o editor um, só não entra mesmo uma matéria que está abaixo da crítica.

Tudo pronto, a editora-apresentadora já foi para o estúdio, o editor-chefe olha para o relógio, está na hora de subir (o switcher fica no terceiro andar). São 12h15min. Com uma cópia do script do jornal na mão, ele pega o elevador, acompanhado do coordenador do jornal, pode ocorrer de um dos editores também acompanhá-lo para colocar um ao vivo no ar.

Agora o editor-chefe entra no switcher. É o lugar onde está o controle de uma unidade de produção, normalmente composta por um estúdio, câmeras, telecine, vídeos, geradores de caracteres, monitores de TV e sonoplastia.

No switcher trabalha o diretor de TV, que é quem comanda a mesa de cortes e o andamento, no caso do telejornal, de acordo com o script. É ele quem mantém contato permanente com os cameramen, os assistentes de estúdio, a sonoplastia e o videocassete. Todos trabalham sob sua coordenação.

Todos os técnicos responsáveis por cada um dos equipamentos citados acima estão nos seus postos para colocar o jornal no ar, cada um deles com o script do jornal na mão. É este roteiro que vai guiar os procedimentos deles no decorrer do telejornal. O editor-chefe senta-se, acompanhado do coordenador de jornal. Ele tem à sua frente um terminal do computador, onde se encontra o espelho do jornal. Pelo terminal ele pode ainda entrar em contato com a redação e com os editores. Os dois também têm o script na mão.

Um pouco antes do telejornal entrar no ar o diretor de TV confere as páginas com toda a equipe sob seu comando com o editor-chefe e o coordenador. Qualquer erro pode comprometer toda a operação do jornal. É aí que entram os já conhecidos slides com a marca dos telejornais no ar. Tudo checado. Páginas, áudio e vídeo, o jornal está a instantes de entrar no ar.

Para relaxar, são normais as brincadeiras entre a equipe para aliviar o ambiente tenso. Apesar de ninguém falar algo sobre isso, é visível que todos estão preocupados com os rumos do telejornal. Como ele é ao vivo não há condições de corrigir um eventual erro.

A locutora está a postos. O diretor de TV avisa que dentro em pouco começa o telejornal. O clima é de expectativa. O noticiário televisivo está no ar. Boa-tarde, diz a editora-apresentadora. São 12h23min. Qualquer descuido agora é fatal, o tempo não pára. A apresentadora lê as páginas e os VTs se sucedem, sucedem-se os blocos, e o jornal chega ao fim. No switcher, que tem um canal de áudio com o estúdio, o editor-chefe pode conversar com a apresentadora sobre eventuais mudanças no espelho.

O processo mostrado assim parece tranqüilo. Só que as coisas não acontecem dessa maneira durante o telejornal. O esquema indicado acima tem o objetivo de mostrar o desenrolar desta parte final do noticiário televisivo sem interrupções, sem maiores explicações, para apresentar o RJTV1 como um todo.

Passamos a descrever o que ocorre diariamente quando o telejornal está sendo apresentado. Acreditamos que nada melhor do que um exemplo do que aconteceu num dos dias observados, que, de certa forma, é um retrato do que aconteceu durante os demais dias desta pesquisa de campo.

Estamos no switcher, de novo no dia 17 de março. O telejornal está no ar e o editor-chefe ainda está mexendo no espelho. O jornal tem dois nets: um com um diretor da Companhia Estadual de Gás (CEG) para explicar uma explosão de gás numa tubulação subterrânea e outro com o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev que estava no Rio por causa de uma conferência sobre as decisões tomadas na ECO 92, encontro mundial sobre o meio ambiente, ocorrido também no Rio.

Como o noticiário estava estourando, o editor-chefe derrubou uma nota acidente, o VT-Angra e o VT-mapa tempo. Acontece que o diretor da CEG ainda não tinha chegado para a entrevista ao vivo e Gorbachev não resistiu ao calor do Rio na cabeça: ele estava pronto para ser entrevistado na rua, mas repentinamente deu um tchauzinho para a câmera pouco antes de entrar no ar e foi embora, deixando o repórter boquiaberto.

O editor-chefe novamente reorganiza o telejornal por causa do caos estabelecido com a saída do ex-líder soviético e com o atraso do diretor da CEG. Volta o mapa tempo. O VT-Angra não só retorna ao jornal como passa para outro bloco. E a nota acidente ficou na espera, caso o diretor da CEG não aparecesse, mas ele acabou aparecendo.

Também pode acontecer de uma matéria que está sendo editada entrar durante o telejornal. Foi o que ocorreu no noticiário do dia 19, quando uma matéria sobre o Lloyd brasileiro, depois de o editor três negociar a sua entrada, por entender que ela era importante, acabou convencendo o editor-chefe, que colocou-a no final da edição. Ela nem constava do espelho, por não estar paginada.

Concluído o telejornal, notamos que a preocupação do editor-chefe em que o jornal não tem o primeiro bloco ou que está difícil de fechar é, mais do que qualquer coisa, uma forma implícita de mobilização para toda a equipe que enfrentará mais um dia de lutas para fechar o noticiário.

Como apelo, sem dúvida funciona, os editores estão sempre dispostos a colaborar e o jornal de certa forma tem um espírito de equipe resumido pela editora-apresentadora: parece que a gente está dentro da casa gente. É como um filho.

No sábado e no feriado, como nas demais fases descritas anteriormente, os procedimentos rotineiros do telejornal se repetem. É claro que em função do dia ser mais tranqüilo, por ter menos notícias, como afirmam os jornalistas, a tensão não é a mesma dos dias da semana.

No entanto, a pressão do tempo está sempre presente. O editor-chefe que estava no feriadão (que é o editor-chefe do Bom Dia Rio) ao falar para um editor para apressar a liberação de uma página afirmou que faltavam 20 minutos para o telejornal começar. Na verdade faltavam 40 minutos. É o fantasma do tempo que paira sobre a redação.

Após o telejornal há uma reunião - é mais uma conversa informal - de todos os editores, o editor-chefe, produtores, subchefia de reportagem e mais tarde a chefia de reportagem, para trocar algumas idéias sobre o telejornal e preparar o do outro dia. O editor-chefe faz um que outro comentário. Elogia uma matéria. Afirma que outra poderia ser cortada, mas ao final considera o resultado positivo.

Depois todos sugerem as matérias para o outro dia. Já há uma previsão do que deve entrar. Eles estavam criando também uma série de matérias especiais sobre a saúde. É mais um VT antecipado que se junta ao VT problema. A reunião vai chegando ao fim. Os editores já cumpriram seu dever. Nos rostos as marcas são de alívio. Por enquanto, tudo tranqüilo. Amanhã tem mais.

(EM)CONCLUSÃO

Com base no que foi descrito, nas entrevistas e anotações realizadas durante o período de pesquisa, entendemos ser possível fazer algumas observações. As rotinas de produção dos editores de texto do RJTV1 contribuem fortemente para definir o que é notícia no telejornal.

Os critérios estabelecidos pelos editores de texto na hora de editar as matérias, como o número de pessoas e coisas inusitadas, são classificações que indicam um enquadramento que busca padronizar o que foi elaborado dentro de uma rotina de trabalho. Da mesma forma também procede ao ancorar a escolha de notícias para entrar no jornal em tipificações, ao considerar que é notícia um fato que atinja um grande número de pessoas.

Como já havia constatado Tuchman (1983), os jornalistas para controlar seu trabalho desenvolvem tipificações dos fatos que têm como finalidade padronizar o material.

Tipificação se refere à classificação em que as características relevantes são básicas para a solução de tarefas práticas ou de problemas que se apresentem e estejam constituídos e fundados na atividade de todos os dias. (Tuchman, 1983, p.63)

Diariamente os editores têm que ir administrando as dificuldades. O editor-chefe está sempre preocupado com o fechamento do jornal, com a falta de matérias que pode prejudicar o andamento do telejornal. Os editores, pressionados pelo tempo e pela própria estrutura do RJVT1, por exemplo, não podem refazer com o repórter uma matéria mal estruturada porque eles sempre estão na rua fazendo novas matérias, procuram fazer de tudo para que não faltem notícias para o jornal.

Diante disso, um elemento fundamental das rotinas produtivas, a substancial escassez de tempo e de meios, acentua a necessidade dos valores/notícia que dessa forma estão imbricados em todo o processo de edição. Ou seja, não se pode entender os critérios de seleção só como uma escolha subjetiva do jornalista, mas como um componente complexo que se desenrola ao longo do processo produtivo. Critérios esses que estão relacionados com a própria noticiabilidade do fato.

Num estudo clássico sobre a noticiabilidade, Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge (1993, p.61-68) enumeravam 12 fatores para que um fato se transformasse em notícia. Ele seria mais noticiável quanto maior número de fatores possuísse. Ainda preso ao modelo que vê o jornalista como um simples selecionador, o estudo, no entanto, já apontava para a necessidade que os informadores têm de estabelecer critérios para organizar o mundo à sua volta, como acontece com os editores do RJTV1.

Fishman (1990, p.51) diz que o mundo é burocraticamente organizado pelos jornalistas. De certa forma é o que o editor-chefe faz todos os dias quando organiza o espelho do jornal e determina a ordem das matérias que vão ao ar no telejornal. No primeiro entra um factual mais forte, nos outros dois matérias do dia e o VT-problema, e no encerramento as notícias leves.

Uma outra característica do processo produtivo da informação é que a noticiabialidade de uma notícia é constantemente negociada: o editor-chefe negocia com a subchefia de reportagem e com os editores de texto os fatos que podem ser noticiáveis - um exemplo são as explicações do editor dos motivos pelos quais está derrubando uma matéria -, também os editores de texto negociam, algumas vezes, com os editores de imagem, a melhor forma de montar uma matéria.

As negociações envolvendo a noticiabilidade de uma matéria, apontados por Tuchman (1983, p.45), entre coordenadores e chefes de um jornal também se estende aos demais integrantes do telejornal, que assim vão negociando a notícia no seu processo de construção.

Os procedimentos e as concepções com base nas quais os jornalistas definem e avaliam os fatos jornalísticos são apresentados pela autora como uma trama da faticidade. Ou seja, os jornalistas são impelidos a identificar como fatos, interpretações produzidas por determinadas fontes, mas não por outras (Tuchman, 1993, p.99).

No RJTV1 isso é explicitamente colocado quando os editores no fechamento de um jornal, na pressa de editar uma matéria, sem tempo para olhá-la como um todo, vão usar as chamadas fontes, que são legitimadas pela sua autoridade. Por exemplo, na prisão de um suposto assaltante, o policial. A trama da faticidade está embutida em uma sincronização, aparentemente neutra, entre a edição e a vida cotidiana.

As rotinas diárias dos editores evidenciam uma certa intimidade com a estrutura organizacional da própria Rede Globo, principalmente, do ponto de vista comercial. A preocupação constante com o tempo e em garantir matérias para o jornal traz embutido um constrangimento organizacional da própria empresa.

Se o jornal não ocupar todo seu tempo de programação, ele vai mexer com a grade (fluxo) de programação da Globo, que é rígido. Isso acabará trazendo conseqüências para a área comercial. É que os espaços publicitários terão quer ser alterados em função de uma eventual sobra de tempo na programação.

Isso não passa despercebido pelos jornalistas. O editor um afirmou que quando entra fade no ar porque o jornal não ocupou todo o seu tempo, quem enche o saco é a publicidade. Por outro lado, o noticiário televisivo também não pode passar do seu tempo porque senão a grade de programação também tem que ser alterada.

Um dia no switcher o editor-chefe deixou bem claro por que o jornal não podia estourar: tudo em função da Globo. Esses condicionamentos vão sendo introjetados pelos jornalistas e acabam fazendo parte do que muitas vezes eles, sem se dar conta, dizem que é o senso comum da redação, o faro jornalístico.

Nesse sentido, o VT-problema é uma forma de os jornalistas se anteciparem previamente à falta de notícias no telejornal, prevenindo-se assim contra eventuais problemas na hora de fechamento do jornal.

Como Molotch e Lester (1993, p.40) ponderam, a natureza dos media, enquanto organização formal, enquanto rotinas produtivas na redação, enquanto padrões de mobilidade profissional para um grupo de profissionais, enquanto instituições de criação de lucros, está inextricável e reflexivamente ligada ao conteúdo das notícias publicadas.

A preocupação em terminar apressadamente uma matéria na hora de fechamento, como acontece com os editores de texto do RJTV1, acreditamos esteja associada aos perigos que cada matéria traz para a redação e para a organização jornalística. É que cada notícia afeta potencialmente a capacidade dos jornalistas no desempenho da sua atividade diária, atinge também sua competência profissional diante dos superiores e têm influência ainda nos lucros da empresa.

Os procedimentos adotados pelos jornalistas para se defenderem dessa pressão constante podem estar relacionados com um dos mitos da atividade jornalística: a objetividade. Tuchman (1993, p.74) sugere que a objetividade pode ser vista como um ritual estratégico, protegendo os jornalistas dos riscos de sua profissão.

A objetividade refere-se a procedimentos de rotina que podem ser exemplificados como atributos formais (por exemplo, a ordem que os editores de texto dão a uma matéria na hora da edição), que protegem os profissionais dos seus erros e de seus críticos.

Os editores, de uma maneira geral, se adaptam à política editorial da empresa. A editora-apresentadora, por exemplo, considera o RJTV1 a sua casa. E vai mais longe: é como se fosse um filho. Esse espírito de colaboração e solidariedade está sempre presente no telejornal. Todos estão sempre dispostos a, conjuntamente com o editor-chefe, dar o máximo para fazer um bom jornal.

No entender de Breed (1993, p.58-59), os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores e o prazer da atividade, principalmente, a cooperação entre os jornalistas, as tarefas interessantes e as gratificações não financeiras contribuem para um conformismo dos jornalistas com a política editorial da organização.

Um outro fator apontado por Breed (1993) para o conformismo dos jornalistas com a política editorial é que a notícia se torna um valor para o jornalista. Como buscar notícias é sua atividade, o jornalista não se preocupa muito com uma reflexão da estrutura social.

Pelo observado na redação, essa conclusão de Breed (1993) só pode ser aplicada se entendermos que a obsessão com a notícia leva o jornalista, em função dessa busca incessante, a uma distorção involuntária. Um desvio que ele adquire nas práticas profissionais diárias. É o que se pode evidenciar no caos em que se transforma a redação na hora do fechamento, onde a reflexão cede lugar ao imediatismo.

O imediatismo está relacionado diretamente com a questão do tempo na televisão. E o tempo com o fechamento do telejornal. Já no começo da manhã a maior preocupação do editor-chefe é a de organizar as matérias para evitar dificuldades no fechamento.

Pressionadas pelo fantasma do tempo as empresas jornalísticas são ainda mais obrigadas a elaborar estratégias para tornar o processo produtivo o mais ágil possível. Não é de graça que os motoqueiros estão na redação para ir buscar as fitas na rua. Por causa das dificuldades do trânsito, é necessário ganhar tempo.

Sem dúvida, Traquina (1988,p.35) toca numa questão central ao afirmar que o fator tempo constitui o eixo do campo jornalístico. Durante a pesquisa notamos que o relógio da redação estava adiantado cinco minutos; em um outro momento, o editor-chefe não chamou um editor ao telefone porque eram 11h40min e ele estava editando uma matéria na ilha.

Na hora do fechamento no RJTV1 a matéria vai do jeito que dá. Um quadro comum é ver o editor de texto ir a passos largos para a ilha de edição para tentar editar a matéria que chega em cima do horário de entrada do telejornal.

Sob o controle do relógio e obcecados pelo novo, pelo imediatismo, pela pressão da hora do fechamento, os jornalistas e as empresas jornalísticas muitas vezes esquecem-se de que o como e o porquê numa matéria são importantes para que o telespectador, do outro lado da telinha, possa compreender melhor o mundo que o cerca.

Schudson (1986, p.82) comenta que, na corrida pela notícia, o vencedor é facilmente determinado pelo relógio. Schlesinger (1993, p.177-190) descreve a empresa jornalística como uma máquina do tempo.

Schlesinger (1993) comenta que uma idéia-chave entre os jornalistas de televisão é o imediatismo. Na chamada linha da morte, o fechamento do RJTV1, o editor-chefe, logo que chegam as matérias da rua, depois das 11 horas da manhã, vai passando rapidamente as matérias para os editores para que eles corram para as ilhas para editarem as notícias. As idéias de imediatismo, rapidez e pressão do tempo são incorporadas à prática dos jornalistas.

O planejamento ao qual o telejornal é submetido - pauta do dia, matérias previamente editadas, distribuição das matérias pelos blocos, entre outros - tem também como preocupação responder às necessidades do chamado deadline ( a linha da morte). É uma das formas de racionalizar as rotinas produtivas.

Ao redigirem a cabeça da matéria, abertura da notícia, os editores de texto normalmente conversam entre si e com o editor-chefe na busca de uma sugestão para torná-la mais interessante, mais agradável, que cative o telespectador. É o papel desempenhado pelo conceito de tempo na estrutura da apresentação e do estilo da notícia.

Schlesinger (1992, p.187) apresenta dois instrumentos formais usados pelos jornalistas na hora de estruturar uma notícia: o headline, através do qual os jornalistas extraem o principal ângulo da notícia, e o catchline, que são expressões que buscam captar rapidamente o público para o tema da notícia seguinte, embora se parta do pressuposto de que as pessoas estão suficientemente familiarizadas com os seus desenvolvimentos passados para compreenderem os atuais. Exemplo: comerciante seqüestrado na semana passada é libertado.

Essas duas estratégias são freqüentemente usadas pelos editores de texto e o editor-chefe do RJTV1 para tornarem interessantes manchetes e aberturas de matérias. Se por um lado representam uma forma de responder rapidamente às exigências do tempo com clareza e simplicidade, por outro representam tanto uma limitação na forma quanto no conteúdo da matéria.

Uma das conseqüências da ditadura do tempo é que o aprofundamento de uma notícia, seu background, acaba sendo sacrificado. Há uma abolição da consciência histórica, nota Schlesinger (1993, p.189).

O tempo é algo tão presente na vida do jornalista que no filme It Happened Tomorrow (O tempo é uma ilusão), de René Clair, uma comédia, esse é justamente o tema central do filme. O filme mostra a virada do século quando uma nova experiência do tempo é inaugurada, da qual o jornalista será justamente um dos mais eminentes representantes (Senra, 1997, p.89).

A questão do tempo é algo tão enraizado nos jornalistas que uma pesquisa sobre o perfil da categoria no Rio revela que 57,7% dos entrevistados considera muito importante os media conseguirem obter informações rapidamente. Só um por cento dos jornalistas afirmou que não tem importância nenhuma (O Perfil, 1997).

É no processo de seleção das notícias e do editing, da edição, que os jornalistas vão recontextualizar o mundo. O editor-chefe na distribuição das retrancas ao longo do telejornal e os editores de texto na montagem/edição de suas matérias.

Todas as fases anteriores à produção e captação funcionam no sentido de descontextualizar os fatos do seu quadro social, histórico, econômico, político e cultural em que são interpretáveis. Os fatos se submetem às exigências das rotinas de produção do jornalismo.

Na edição, dá-se justamente o contrário, recontextualizam-se os fatos num quadro diferente, dentro do formato estabelecido pelo telejornal.

A fragmentação dos conteúdos e da imagem da realidade social situa-se, exatamente, entre esses dois movimentos: por um lado, a extração dos acontecimentos do seu contexto; por outro, a reinserção dos acontecimentos noticiáveis no contexto constituído pela `confecção' pelo formato do produto informativo (Wolf, 1994, p.219).

O conteúdo do noticiário é submetido ao formato rígido do telejornal. Wolf (1994) explica que é ainda dentro do quadro do formato que acontece a adição de sentido ligado à aproximação de duas notícias entre si, aos critérios de acerto do ritmo interno do noticiário, às inferências que se podem tirar da ordem em que estão dispostas as próprias notícias. Em outras palavras, a produção da atividade informativa é racionalizada.

A importância da imagem no telejornalismo ressaltada pelos editores de texto e pelo editor-chefe está associada à necessidade que a informação televisiva tem de representar de uma forma sintética, breve, visualmente coerente e significativa o objeto da notícia.

A notícia de televisão é concebida para ser completamente inteligível quando visionada na sua totalidade. O seu foco é, pois, um tema que perpassa toda a notícia e que se desenrola do início até o meio e do meio até o fim. Em comparação com a notícia de jornal, ela é mais coerentemente organizada e coesa. A diferença está associada ao fato de a televisão estar organizada e apresentada no tempo, enquanto a edição do jornal está apenas organizada no espaço.

Uma das explicações para a preocupação dos editores com uma imagem forte, que pode até salvar a matéria, pode ser encontrada na definição de Gans (1980, p.90-93) sobre o highligthing, que é a seleção dos aspectos mais importantes de um fato, ação ou personagem, deixando de fora os aspectos que não pareçam novos e dramáticos. Um exemplo disso é uma matéria apresentada no RJTV1 que mostra uma velhinha de 80 anos que se emociona com a vitória do Botafogo. A vitória em si já não parece prender tanta atenção dos telespectadores. É necessário um highlighting. Nesse sentido, aproxima-se muito da idéia do headline e do catchline defendida por Schlesinger (1993).

O highlighting e o editing contribuem para deixar de lado na elaboração da notícia tendências inerentes à dinâmica social, ressaltando os desvios à norma. É já por demais conhecida a frase que procura explicar o que é notícia dizendo que se um cachorro morde um homem, não temos notícia, mas se o homem morde o cachorro, aí temos notícia.

Essa preocupação leva o jornalismo televisivo a dar uma cobertura desproporcionada a fatos, ou aspectos de fatos que são espetaculares e espetacularmente gravados. Em outras palavras, a notícia da televisão dá mais importância ao espetáculo que a notícia de jornal.

A imagem do público é mais intuitiva, como ressalta o editor um: nunca caiu em minhas mãos uma pesquisa sobre a audiência do RJTV1. Mesmo assim, ele arrisca um prognóstico: boa parte são mulheres. O editor-chefe e a editora-apresentadora resumem a idéia que os jornalistas têm do seu público: mulheres, aposentados e crianças. A explicação, de certa forma, esconde um preconceito: na hora do almoço os homens têm que estar trabalhando. Em conseqüência do perfil traçado, os jornalistas supõem que seus telespectadores querem ver coisas mais leves, querem ver o dia-a-dia da cidade.

Na prática, os editores do RJTV1 criaram um estereótipo do seu público. Na hora da edição, podemos observar que quando o jornalista tem de pensar no tipo de notícias que é importante, serve-se mais de sua opinião sobre as coisas do que dados específicos.

Acompanhando o editor um na edição do VT-Villa-Lobos, 17 de março, notei que ele deixou de fora o responsável pela produção do CD-ROM que conta a vida e a obra de Villa-Lobos. A sua explicação era de que conhecia bem a obra de VillaLobos e o produtor não acrescentava muito a matéria.

Com relação à audiência, notamos que os jornalistas têm uma preocupação pedagógica com o público. Os editores se mostraram sempre preocupados em que o público entendesse o que eles queriam dizer. Isso reforça não só a necessidade de ser claro e simples, mas também a imagem de pedagogo e tutor que se atribui à profissão, o que reafirma sua utilidade social.

A preocupação com o problema público (Jacobs, 1996, p.382) é uma característica do RJTV1, mais um valor/notícia para organizar o mundo, sublimada numa matéria específica para tratar disso: o VT-problema, que tem por finalidade tratar das dificuldades encontradas pela comunidade buscando apontar caminhos para resolvê-las.

Ainda com relação às rotinas diárias dos jornalistas, observamos que o mundo dos jornalistas é muito auto-referencial. Ou seja, a primeira preocupação deles na edição de uma matéria, na redação de uma cabeça é a opinião dos seus colegas. Essa preocupação com o público interno acaba servindo também como uma forma de controle social na redação (Darnton, 1995, p.85). Nas reuniões, após o telejornal, era muito comum o editor-chefe fazer o comentário sobre uma ou outra matéria.

Pelas observações apresentadas, há fortes indícios que os critérios estabelecidos pelos editores do RJTV1, ao longo de todo a sua atividade, funcionam no sentido de tornar possível a rotinização do trabalho jornalístico. Eles passam a fazer parte dos procedimentos produtivos dos editores, onde ganham significado. Embutidos no processo informativo, passam a ser considerados elementos naturais. É o tão decantado, pelos jornalistas, senso comum das redações, o faro jornalístico e redigir se aprende na prática.

Ao final deste livro acreditamos ter contribuído para novas pesquisas no campo do newsmaking, uma área onde os estudos ainda não são tão intensos no Brasil. Um dos aspectos a chamar a atenção para novas investigações é quanto ao frame temporal.

Nas pesquisas de newsmaking o período de observação pode variar de quatro dias a dez anos, é claro que isso vai depender do objeto pesquisado. No entanto, a partir do trabalho realizado, observamos que a permanência de longos períodos na redação feita por autores como Tuchman (1983), pode estar relacionada com a própria formação do pesquisador.

Muitos dos estudiosos do newsmaking são sociólogos, o que não representa nenhuma crítica à atividade, mas é mais uma constatação de que a falta de intimidade com o objeto pode determinar um maior tempo de observação.

Outra questão a ser levantada é que em função dos meios e recursos que dispusemos só pesquisamos um dos processos do complexo campo de produção da notícia, deixando de lado, para efeitos de pesquisa, a captação e a recepção, que sem dúvida são aspectos importantes na elaboração de uma informação. Entendemos que a pesquisa de todo o processo representaria um importante passo no estudo da notícia.

Não poderíamos de deixar de mencionar ainda os limites dos resultados de um estudo de caso que, no máximo, são indicativos para novas investigações.

No entanto, essas dificuldades, mais do que barreiras a um novo estudo, são um incentivo. Pretendemos continuar pesquisando sobre a produção da notícia dentro de um contexto mais amplo, o das transformações político-econômicas do capitalismo no final do século, desde o fordismo até a acumulação flexível (Harvey, 1992). A isso gostaríamos de associar os estudos que estão sendo desenvolvidos na psicologia do trabalho (Seligmann-Silva, 1994).

Como lembram Berger e Luckmann (1995, p.86), as instituições objetivam os significados sociais. O mundo institucional é experimentado como uma realidade objetiva. Ele apresenta uma história que antecede o nascimento do indivíduo e não é acessível à sua lembrança biográfica.

Ele já existia antes das pessoas terem nascido e continuará a existir depois. Essa própria história como tradição das instituições existentes tem caráter de objetividade. As instituições como faticidades históricas e objetivas defrontam-se com o indivíduo na qualidade de fatos inegáveis. Elas fazem parte da sua realidade, quer ele queira ou não.

Nesse sentido, as instituições jornalísticas que ocupam um lugar central no desenvolvimento do capitalismo brasileiro devem estar em constante vigilância pela sociedade, uma vez que cumprem uma função relevante na construção da sociedade. Logo, revelar os modos de elaboração da sua matéria é contribuir não só para a reflexão da atividade jornalística, mas para o próprio aperfeiçoamento democrático dessa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS

Glossário

ABREVIATURAS DO ESPELHO

ESPELHOS DOS TELEJORNAIS