Web-documentário - Uma ferramenta pedagógica para o mundo contemporâneo1

Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba
Pontifícia Universidade Católica de Campinas


Índice

Resumo

O documentário é um gênero cuja origem remonta ao século XIX e à invenção do cinema. Criado como um dispositivo para o relato histórico, seu desenvolvimento insere-se no longo esforço humano em armazenar o conhecimento em diferentes suportes técnicos e faze-lo circular no meio social. Com o avanço da tecnologia digital, o web-documentário se constitui como um gênero do mundo atual e projeta a possibilidade de disponibilizar uma vasta gama de conhecimentos e, assim, contribui para o avanço da sociedade. Inserindo-se nessa linha evolutiva dos meios informacionais, este trabalho tem o objetivo de investigar as características do web-documentário e de evidenciar o seu relevante papel enquanto ferramenta pedagógica para o mundo contemporâneo. Para realizar tal abordagem, lançamos o olhar sobre a história da construção do gênero documentário correlacionando-a com a ação humana de produção e transmissão do conhecimento. Essa trajetória mostra os delineamentos do gênero e, ao mesmo tempo, a articulação entre a tecnologia e o desenvolvimento de suportes para a informação.

Nossa reflexão dirige-se, também, para a análise do papel do web-documentário na sociedade contemporânea dominada pelos instrumentos da mídia eletrônica. Ao descortinarmos esse cenário - a partir de filósofos como Michel Foucault - intentamos mostrar que o web-documentário, como uma ferramenta que propicia a autonomia, a interatividade e a cooperação, pode contribuir para a constituição de novos sujeitos sociais e, assim, ajudar na construção de uma sociedade em que o saber pode ser partilhado de forma mais igualitária.

Palavras-chaves: Contemporâneo - Documentário - Web-documentário - Tecnologia - Educação - Ferramenta - Conhecimento - Poder - Internet - Sociedade

Introdução

A palavra documento, em sua etimologia latina, significa instrumento escrito que dá fé daquilo que atesta. Nessa conceituação encontramos, em síntese, as idéias principais que embasam esta monografia, cujo objetivo é estudar uma forma específica da contemporaneidade: o web-documentário.

Primeiramente, a idéia de ``instrumento escrito'' nos leva à reflexão sobre o importante papel desempenhado, na história da humanidade, pelo desenvolvimento da linguagem e sua função na preservação e transmissão do conhecimento. Foi por meio do desenvolvimento de ``técnicas memoriais'' (do oral ao escrito; do manuscrito ao impresso; do impresso ao digital) que o homem pôde acumular e transmitir o conhecimento através do tempo.

A ação humana, guiada pela inteligência e racionalidade, fez com que sua memória pudesse se inscrever em diferentes instrumentos e suportes - da parede das cavernas ao chip de computador - e, assim, aumentar significativamente sua capacidade de produzir e fazer circular o conhecimento. O segundo conceito, associado ao sentido de documento, diz respeito à sua capacidade de atestar a veracidade dos fatos, de desempenhar o papel de testemunho da ``realidade''.

Novamente nos vemos diante do desenvolvimento de diferentes tecnologias, por meio das quais acentua-se a ilusão de ``referencialidade'' do documento: se a invenção da fotografia e das imagens em movimento veio a incrementar o efeito de veracidade que já se encontrava, potencialmente, nos documentos escritos, os meios virtuais (com todas as suas potencialidades de fusão entre o verbal e o não verbal) levaram à radicalização do sentimento de ``testemunho da verdade'' que emana dos textos eletrônicos.

A contemporaneidade caracteriza-se, pois, pela produção e circulação desenfreada de documentos que, aliados às modernas tecnologias, produzem e reproduzem o conhecimento humano, constituindo uma vasta biblioteca cujo acervo contém, potencialmente, todo o passado e todas as projeções do futuro. Como se houvesse concretizado o antiqüíssimo sonho inscrito na ``Biblioteca de Alexandria'', diante dos meios digitais o homem moderno vê a possibilidade de armazenar e distribuir todo o conhecimento gerado pela humanidade.

Inserido nessa vasta problemática, propomos, nesta monografia, pensar o papel desempenhado pelo web-documentário na produção e circulação do conhecimento na sociedade contemporânea.

Com esse objetivo, no primeiro capítulo abordamos o desenvolvimento do documentário enquanto gênero, suas primeiras utilizações e seu sentido enquanto suposto documento de relato de uma ``verdade'' absoluta. Analisamos a realidade da imagem e estabelecemos a diferenciação entre o gênero documentário e a reportagem jornalística. Entendemos o documentário enquanto peça cinematográfica cuja especificidade se constitui pela ``autenticidade'', pelo ``efeito de verdade'' que lhe é atribuído. Assim, acompanhando o desenvolvimento do gênero, desde sua criação no final do século XIX até a atual transformação registrada com o advento das novas tecnologias, intentamos mostrar a articulação entre os avanços técnicos e o desenvolvimento de novas formas de documentários. Dessa forma, por meio do resgate teórico e historiográfico, podemos construir o embasamento crítico para caracterizar a evolução da linguagem ao longo dos anos frente à evolução tecnológica proveniente das ferramentas responsáveis pela captação, reprodução e edição do documentário.

No capítulo II desta monografia, nossa reflexão se dirige para os mecanismos cognitivos que propiciam, aos seres humanos, a assimilação e difusão do conhecimento. Consideramos fundamental essa discussão a fim de discorrer sobre o uso do web-documentário como ferramenta pedagogicamente orientada para a transmissão do conhecimento. Pretendemos mostrar que o uso das novas tecnologias que suportam o web-documentário podem subsidiar um processo educativo que promova a facilitação do acesso ao saber acumulado pela humanidade. Nesse sentido, consideramos que esta monografia pode contribuir para apontar as imensas possibilidades educativas, abertas pelo web-documentário, para a ampliação e melhoria da qualidade do ensino em nosso país. As novas tecnologias podem reestruturar o sistema educacional e promover o incremento da partilha do conhecimento a partir da interconexão de escolas, universidades, governos e sociedade.

Dando continuidade a essa discussão, o capítulo III tem o objetivo de refletir sobre o web-documentário como uma forma de aprendizagem típica da contemporaneidade. Para aprofundarmos essa idéia, tomamos alguns autores que analisam a sociedade atual em termos de ``modernidade'' e ``pós-modernidade'' a partir de uma reflexão sobre os dispositivos de controle e de produção de subjetividades na nova cena social instituída pelo desenvolvimento da técnica informática.

Acompanhando as análises desses pesquisadores - que descortinam a modernidade como um mundo dominado pelo poder da mídia - podemos vislumbrar alternativas de constituição de novas formas de sociabilidade e de subjetividade em um presente que se marca pela extrema utilização de instrumentos tecnológicos. Ao construirmos esse cenário, ao mesmo tempo pessimista e pleno de novas possibilidades, nosso objetivo é discutir a necessidade de formação de novos sujeitos. Para isso, focalizamos duas concepções de ensino-aprendizagem (o condutivismo e o sócio-construtivismo) a fim de mostrar que a atual conjuntura social exige a utilização de ferramentas que promovam a formação de sujeitos críticos que possam interagir com o conhecimento.

É no interior dessa concepção de ensino que pensamos o web-documentário como uma ferramenta que propicia a autonomia, a interatividade e a cooperação no processo de aprendizagem. Assim, acompanhando as idéias principais do sócio-construtivismo e lançando mão de entrevistas concedidas por teóricos como o antropólogo holandês Thomas Voorter e a estudiosa portuguesa Manuela Penafria, pretendemos delinear o contexto contemporâneo como aquele que torna possível e contingente a educação on-line e possibilita o desenvolvimento do web-documentário.

Acreditamos que as tecnologias contemporâneas - situando o web-documentário como uma possibilidade ideal de ferramenta - podem reestruturar o sistema educacional e incrementar a partilha do conhecimento. Sem ter a pretensão de ser definitiva, a reflexão que se propõe nesta monografia se coloca como um primeiro passo para a libertação da crise atual que se insere nas instituições tradicionais.

Capítulo I - O documentário como fonte de conhecimento e expressão da ``realidade''

A primeira parte desta monografia aborda o desenvolvimento do documentário enquanto gênero, suas primeiras utilizações e seu sentido enquanto suposto documento de relato de uma ``verdade absoluta''. Serão considerados, com esse intuito, a ``realidade'' da imagem assim como as ``realidades'' que qualquer tipo de objeto visual carrega dentro de si desde o momento de sua concepção pela interferência de seu autor.

Será estabelecida, ainda, uma diferenciação entre o gênero documentário e outros conceitos comumente confundidos com o objeto em questão, como a reportagem jornalística. É colocado, portanto, o documentário enquanto peça cinematográfica e sua definição como documento nos conceitos que fundam a Diplomática. Tal ciência será abordada por sua especialidade em caracterizar como autêntico, ou não, um documento qualquer, incluindo o gênero estudado neste trabalho.

Faremos um breve resgate do desenvolvimento do gênero documental, desde sua criação no final do século XIX até a atual transformação registrada com o advento das novas tecnologias. A partir da apresentação das histórias dos pioneiros do gênero, como Robert Flaherty e Dziga Vertov, será feita uma análise dos primeiros filmes de tal qualidade produzidos por esses autores.

Na seqüência, serão apresentadas e desenvolvidas as teorias propostas por John Grierson, o pioneiro no estudo do documentarismo e criador da famosa Escola Britânica de Documentários, conhecida como a primeira no mundo a se dedicar ao estudo do assunto. Serão mostrados, ainda, alguns opositores de tal teoria e as concepções atualizadas de documentaristas contemporâneos consultados para esta monografia.

Esse resgate teórico e historiográfico tem como objetivo garantir um embasamento para o estudo das características pós-griersianas, diretamente influenciadas pelo advento das novas tecnologias e da Internet como meio para a transposição de uma nova modalidade do gênero. Além disso, dar subsídios para caracterizar a evolução da linguagem ao longo dos anos frente à evolução tecnológica proveniente das ferramentas responsáveis pela captação, reprodução e edição do documentário.

O conceito de documentário

O termo documentário é normalmente usado para designar um filme de caráter documental. Tal nomenclatura pode ter um significado equivocado, uma vez que a maior parte dos filmes apresenta características documentais. A Diplomática é uma ciência que tem por objetivo o estudo crítico dos documentos e responsabilidade por averiguar a autenticidade e veracidade dos mesmos. Para tanto, estuda obras cinematográficas não documentais que evidenciem aspectos passados. Se toda obra fílmica que apresentasse características documentais fosse classificada como documentário, o gênero se incluiria num imenso leque de obras, o que não condiz com uma classificação possível sugerida desde a sua origem. A doutora em comunicação social, Manuela Penafria afirma que ``a noção histórica de documento visual abarca todas as imagens em movimento, incluindo as apresentadas num filme de ficção que, eventualmente, poderá ser tão útil ao historiador, ou a qualquer outro investigador, quanto um documentário'' (PENAFRIA, 1999, p.21).

Qualquer questão que se refira ao homem - coisas como sua ação no tempo, seu comportamento, presença - pode ser caracterizada como documento, segundo a Diplomática. Qualquer tipo de objeto pode servir por igual ao conjunto de documentos para se estudar uma ``realidade''. Esses documentos podem ser classificados como visuais, sonoros, impressos, numismáticos, filatélicos, entre outras.

Não se nega o valor documental das imagens em movimento, elas são usadas para a catalogação factual e pesquisas futuras dos acontecimentos e fenômenos sociais. Sendo assim, o filme documentário é presumivelmente caracterizado pelo registro daquilo que é considerado o ``real''. ``... o filme documentário é aquele que, pelo registro do que é e acontece, constitui uma fonte de informação para o historiador e para todos os que pretendem saber como foi e como aconteceu'' (PENAFRIA, 1999, p.20).

Muitos acreditam que a história pode ser contada através das imagens, isso acontece pois desde o seu surgimento até os dias atuais são consideradas testemunhas da ``verdade'' e da ``realidade''. Ao contrário das pinturas, é fácil acreditar neste status de credibilidade das fotografias e das imagens em movimento, pois sua natureza físico-química, hoje eletrônico-digital, aparentemente não permitiria manipulação.

No entanto, seja a fotografia ou a cinematografia, ambas podem ser manipuladas desde o processo de sua construção como imagem - enquanto registro da ``realidade'' - prestando-se aos mais diferentes usos dirigidos com alguma intencionalidade. Isso impede que, de certa forma, tanto a fotografia como o filme documental sejam aceitos como espelhos fiéis dos fatos, uma vez que são cercados de ambigüidades e significados não explícitos. Para uma análise detalhada da verdadeira realidade que circunda uma imagem, seja ela em movimento ou não, são necessários historiadores e especialistas que possam ``desmontar'' o conteúdo e assim descobrir sua realidade interior, vinculada a um contexto específico. Imagens históricas podem representar inverdades e talvez seja necessário desvendar seus significados ocultos, suas tramas, suas ``realidades'' e ficções e, principalmente, contextualizar a época para descobrir as finalidades de quando produzidas.

Segundo Boris Kossoy, em seu livro Realidades e ficções na trama fotográfica, as imagens possuem em si uma realidade própria, diferente daquela relativa ao referente. Essa realidade, segundo Kossoy, também pode ser conhecida por ``segunda realidade'', uma representação a partir do ``real''.

A ``primeira realidade'' de uma imagem é o próprio passado, a realidade em si na dimensão ``real'' do fato. Tal conceito remete à situação no momento exato do acontecimento, ``real'' e ``concreta'', referente ao índice, ou seja, o momento de captação quando é feito o registro. Essa ``primeira realidade'' é facilmente confundida com a ``realidade interior'', uma realidade abrangente, complexa, invisível fotograficamente e inacessível fisicamente, segundo os preceitos de Kossoy.

A construção da ``segunda realidade'' é feita na captação, num pequeno instante de tempo ``colado'' ao acontecimento. É o único momento quando todo o processo de construção da imagem faz parte da ``primeira realidade''. A ``segunda realidade'' de Kossoy é uma simples representação da primeira, dentro de seus limites. Tal representação é um imutável documento selecionado no espaço e no tempo, um ícone, tamanha a semelhança que apresenta com a ``primeira realidade''.

Qualquer imagem vista ou analisada terá sempre o peso de uma ``segunda realidade'' pelo descolamento que tem do momento preciso do acontecimento. Por mais que seja ``desmontada'', jamais refletirá o contexto exato da ``primeira realidade''. Desse modo, todos os aspectos visíveis dentro dessa ``trama fotográfica'', assim como num filme documental, fazem parte de uma realidade exterior, sempre presente e facilmente constatada nas duas ``realidades''.

Antes de ser registrada, uma imagem é freqüentemente analisada estética e culturalmente, ideológica e tecnicamente pelo seu autor, que cria diante de sua personalidade um produto representativo do mundo ``real'' dentro do próprio imaginário, contextualizado com a situação do momento em que foi concebida a obra. Entretanto, quase nunca o repertório ético-cultural e ideológico do receptor é o mesmo do criador. É exatamente por esse motivo que a ``trama'' elaborada passa a ter novos significados para os diversos tipos de receptores. A imagem estabelece em nossa memória um arquivo visual de referência insubstituível para o conhecimento do mundo que reage de acordo com as concepções individuais de tal percepção: é uma característica inerente, a permissão de uma leitura plural. A imagem sofre, portanto, o peso de uma filtragem no momento da recepção, feita pelos juízos mentais preconcebidos do indivíduo acerca de determinados assuntos.

A construção da imagem é uma construção moldável na produção mental, por parte tanto do emissor quanto do receptor, plena de verdades explícitas e de segredos implícitos, documental, porém imaginária. Tratamos, então, de uma expressão que possibilita diversas representações e interpretações que alimentam o imaginário de quem constrói e de quem recebe, responsável por um processo sucessivo e interminável de construção e criação de novas ``realidades''.

No entanto, a grande discussão que envolve o filme documentário é a sua ``realidade'' sem interferências. Na maior parte das obras fílmicas se pode constatar a intervenção do autor, fazendo com que o objeto filmado seja descaracterizado enquanto documento. Um filme documentário somente ganha o valor de documento, seguindo os preceitos da Diplomática, depois que sua veracidade e autenticidade forem comprovadas através dos estudos. Tais critérios devem ser os mesmos para qualquer tipo de documento que venha a ser utilizado como objeto de pesquisa.

Um exemplo clássico que diz respeito àquilo que estamos relatando é o filme Nanuk, O Esquimó, de 1922, que será apresentado e analisado posteriormente neste estudo. A obra parece, num primeiro contato, um testemunho ``real'' dos fatos, sem interferências do autor. No entanto, Robert Flaherty criou situações para registrar como viviam os antepassados de Nanuk fazendo com que o esquimó interpretasse cenas para a produção do filme. Essa constatação só aconteceu depois que se descobriu através de estudos que o povo de Nanuk não vivia como registrara o vídeo, mas sim seus antepassados. Isso atesta que uma obra cinematográfica por si só não pode ser caracterizada como documento.

Manuela Penafria acredita que os filmes documentários, assim como os filmes ficcionais, têm importância igual ao servirem como fontes de estudo. Ambos não podem ser caracterizados documentos pelo simples fato de tentarem retransmitir uma ``realidade''. Sendo assim, o filme documentário não exerce nenhum tipo de superioridade enquanto documento sobre o filme ficcional.

O termo documentário é utilizado para caracterizar um filme de não-ficção. Entretanto, devemos estar atentos à classificação pois nem todo filme de não-ficção pode ser considerado um documentário. Essa afirmação pode ser facilmente exemplificada já que produções áudio-visuais como reportagens jornalísticas ou filmes institucionais, entre outros, são trabalhos não-ficcionais e de forma alguma devem ser tratados como documentários.

Dentre as opções citadas, a reportagem jornalística é confundida com mais freqüência com a concepção de um trabalho fílmico documental, pois tem como objetivo primordial a transposição de uma ``realidade'' factual para um meio de comunicação que pretende fins sociais específicos. Tradicionalmente, a reportagem obedece a técnicas atribuídas em manuais de empresas jornalísticas destinados a profissionais que exercem a função de jornalistas. O grande diferencial pretendido, muitas vezes de cunho comercial explícito, está na detecção daquilo que é, ou não, uma notícia. Os critérios para tal percepção estão sob controle do profissional que apura os acontecimentos e os re-constroem de acordo com decisões íntimas. O veredicto final passa, antes da divulgação, por um processo de ``engessamento'' da matéria dentro dos padrões técnicos específicos determinados pelos manuais de cada empresa.

Para a produção de um documentário, ao menos por enquanto, não existem manuais nem regras dadas e específicas para serem seguidas. Não existem respostas essenciais como aquelas convencionadas para a construção de um Lead2 jornalístico. Ao contrário, a produção de documentários busca uma concepção criativa dos temas escolhidos.

O documentário nasce da liberdade de estilo e a regra básica para sua criação é a capacidade humana dos profissionais envolvidos. O documentário não exige conceitos técnicos senão aqueles referentes às técnicas de produção específicas (cinema, televisão, Internet); não exige imagens meramente ilustrativas e sua montagem não obedece a um padrão determinado e exclusivo. A produção de um documentário responde às características de estilo do autor e sua existência está intimamente ligada às formas individuais de criatividade intrínseca que estabelecem o elo com a ``realidade'' a ser reproduzida. O produtor Giba Assis Brasil, em entrevista (ver anexo) via e-mail, afirma que ``o documentário é o filme que consegue formular uma pergunta que ainda não tinha sido feita, e que ao mesmo tempo não se preocupa em respondê-la.''

O documentário é entendido como algo que reflete qualquer tipo de ação humana que não foi criada a partir da imaginação do produtor do trabalho filmográfico e as imagens remetem constantemente para a ``realidade'' abordada. No sentido oposto transcorre a composição de uma obra ficcional, que tem como prioridade a criação imaginária e as imagens relacionadas correspondem a um universo não ``real'', mas para um momento construído pelo seu autor.

No entanto, algumas posições afirmam que, assim como o ficcional, o documentário conta uma história que apresenta enredo, personagens, trama, constrói situações e conflitos como qualquer outro modelo de filme. Para William Guynn ``se trata de uma ficção que tenta esconder a sua ficcionalidade'' (EITZEN, 1995, p.82). Ou seja, o documentário concentra as mesmas especificidades de uma obra ficcional, mas sua caracterização enquanto vertente ``real'' dos fatos ocorridos esconde em si toda essa produção fictícia.

A estudiosa Manuela Penafria distingue claramente em seus trabalhos a produção de um documentário da produção de uma obra ficcional. Para ela ``... na ficção, os atores movem-se em cenários construídos para o efeito e atuam de acordo com o personagem que representam. A mise em scene ficcional exige encenação dos diferentes elementos que compõem a imagem de acordo com um certo critério visual. Constrói-se o ambiente que se entende adequado para apresentar o filme. Pelo contrário, no documentário os atores são atores naturais que atuam para o filme, do mesmo modo que atuariam se as câmeras não estivessem lá. Por seu lado, o cenário é o ambiente natural do mundo que nos rodeia'' (PENAFRIA, 1999, p.27).

É possível perceber que existe uma fusão de elementos em ambas as produções: filmes de ficção utilizam elementos documentais, como imagens reais antigas para enriquecer a obra. Esse atributo não descaracteriza uma produção ficcional e não importa, portanto, se há imagens documentais numa obra para caracterizá-la como documental. Muitos filmes utilizam essa técnica para expressar autenticidade, mas a criação de um mundo com cenários, atores e todos os componentes de uma obra ficcional se mantêm, conservando-se também sua caracterização enquanto ficção. A mesma inversão acontece no filme documental, quando são montadas cenas para retransmitir um aspecto da ``realidade''.

Quando isso acontece, seja em pequena ou larga escala, convém chamar o trabalho cinematográfico de ``docudrama'': um trabalho documental, baseado em fatos reais mas que foi dramatizado. Nesta linha temos como exemplo o recente filme de Fernando Meirelles, Cidade de Deus3. Tal obra pode ser considerada o meio caminho entre o documentário e o filme ficcional. ``Utilizar elementos de não-ficção nos filmes de ficção é uma ação legitima pela necessidade de tornar mais credível a mensagem que o autor do filme pretende passar. Utilizar elementos de ficção em documentários tem a particularidade de contribuir para a constante manutenção, renovação e obrigatoriedade de repensar ou atualizar as bases em que o gênero de documentário assenta'' (PENAFRIA, 1999, p.29).

No entanto, as discussões que permeiam esse tema e a oposição entre documentário e ficção são muitas. Dentre as definições de filmes documentários podemos destacar a de 1948, feita pela União Mundial dos Documentários, que relata: ``Trata-se de filmes que registram, em película, fatos que ocorrem naturalmente em frente à câmera ou que são reconstruídos com sinceridade e por necessidades devidamente justificadas. A principal característica destes filmes é o apelo à razão ou à emoção, tendo como objetivo estimular o desejo e alargar o conhecimento e compreensão humana apresentando os problemas e soluções para os mesmos, nas áreas da economia, cultura e relações humanas'' (BARSAM, 1974, p.1). Obviamente essa definição é contraditória e anacrônica. Não podemos sequer atribuir a definição de documentário a filmes registrados apenas em película, como será observado ao longo deste estudo. Mas cabe aqui salientar uma condição para a definição feita em 1948 a fim de caracterizar pensamentos a respeito do assunto em épocas anteriores: ``Para definir documentário é necessário determinar um meio sócio-cultural''. (EITZEN, 1995, p.95).

Definir o documentário sob a esfera social é algo muito comum. Muitos estudiosos se inspiram nessa característica para dar ao documentário uma definição exata e mais precisa, algo que poucos se convenceram de que exista. O documentário é uma autodefinição do tempo e de seus criadores. Os documentaristas definiram, nas telas, o conceito de documentário ao longo dos anos. Isso pode ser percebido quando analisamos algumas obras de épocas variadas, contextualizando-as com o período em que foram produzidas.

Num depoimento para esta monografia (ver anexo), o estudioso Hélio Godoy confirma aquilo que foi dito quando questionado sobre uma definição do gênero documentário: ``Creio que depende do documentarista. Existem aqueles que pretendem fazer dinheiro, outros que pretendem interferir na política, outros que pretendem produzir conhecimento ou apenas divulgar conhecimento. Podemos dizer que existem diferentes tipos de documentários que poderiam também ser classificados pelos seus objetivos, além de sua forma, é claro.''

Pode-se concluir que a definição de documentário tem menos um caráter técnico formal que uma idéia de concepção vinculada com seu autor e ao contexto da época em que é produzido. Além disso, é consenso que sua produção exprime uma intencionalidade e que pretende expressar um recorte de determinada ``realidade'' em tempo e espaço definidos. O documentário é um gênero que tem como grandeza a experimentação estético-criativa e usa linguagens e formas diversas, relacionadas aos seus autores e ao meio para o qual é produzido.

O nascimento e desenvolvimento do filme documentário

O cinema surgiu com o filme documentário no final do século XIX, mais precisamente em 1895. Foi esse gênero, cujos produtos eram caracterizados pela não-ficção e chamados ``filmes de atualidade'', o responsável pelas primeiras exposições da imagem em movimento. Os filmes rodados na época reproduziam cenas do cotidiano, eram flagrantes feitos nas ruas que registravam as atividades humanas naturais que aconteciam no dia-a-dia. Não existiam atores ou sequer improvisações frente às câmeras. Com o advento do Cinematógrafo4 surgiram, portanto, as reportagens jornalísticas de atualidades, o documentário e alguns ensaios de comédias. O filme de ficção só surgiu em 1903, quando George Mélies, o primeiro a conceber o filme como espetáculo diferente do teatro e de outros meios de difusão. De acordo com o documentarista Beto Leão, Mélies inseriu complexidade às imagens registradas ao começar a desenvolver técnicas de montagens, incorporar a trucagem à nova tecnologia criando o décor cinematográfico com a película.

Em 1922, o americano Robert Flaherthy filmou Nanuk, o esquimó5 - primeira produção considerada documental e identificada pela prática documentarista. Em 1929, o russo Dziga Vertov filma O homem da câmara de filmar6. Além de tais filmes serem consagrados como os primeiros documentários, ambos desencadearam os primeiros estudos teóricos ligados ao tema. ``Com ele - filmes e autores - ficou definido que, no documentário, é absolutamente essencial que as imagens do filme digam respeito ao que tem fora dele'' (PENAFRIA, 1999, p.39). Esses filmes também inauguraram os primeiros trabalhos em estúdio pós-captação, uma espécie de edição. As imagens recolhidas não eram simplesmente retransmitidas, como faziam os irmãos Lumière, mas eram colocadas em seqüência a fim de se criar um plano, uma forma estética.

Consideramos que o conhecimento de alguns aspectos dos filmes citados merece ser aprofundado neste trabalho pela importância histórica e conceitual desses produtos. Além disso, julgamos pertinente a apresentação de determinados elementos do enredo que nos auxiliam na compreensão dos fundamentos teóricos desenvolvidos até aqui.

Nanuk, o esquimó e O homem da câmara: documentários pioneiros

O filme Nanuk, o esquimó foi produzido pelo americano Robert Flaherthy em 1922 e é considerado o expoente do documentário mundial. A obra retrata a vida cotidiana dos esquimós Iniut que viviam na região de Hudson, norte do Canadá. Flaherthy tomou como base para sua produção a vida de Nanuk, um esquimó autêntico, sua esposa Nyla, seus dois filhos e um cachorro, Comock.

Flaherthy filmou todas as tradições do povo Iniut: a pesca, como dormiam, como se locomoviam, como construíam suas casa, como caçavam - uma síntese dos seus modos de vida. No entanto, Flaherthy não considerou para tal registro o modo de viver do povo Iniut na época das filmagens, mas de tempos anteriores dos seus antepassados.

Percebemos, assim, uma clara construção intencional da ``realidade'' já no primeiro trabalho caracterizado como documentário: Flaherthy buscou reconstruir a vida dos esquimós através da filmagem de personagens reais numa ``realidade'' não contemporânea à sua época, mas distante no tempo.

Analisando o filme de Vertov, O homem da câmara, considerado outro expoente do documentário mundial, percebemos uma concepção diferente no modelo de filmagem e construção da ``realidade'' num filme desse gênero.

O documentário produzido pelo russo Dziga Vertov em 1929 obedece a uma lógica diferente daquela observada em Nanuk, o esquimó. Vertov em momento algum interfere na criação ou incita a ação dos personagens. O autor evita qualquer tipo de atuação, por mais que os protagonistas sejam reais.

Vertov captou nas filmagens pessoas de modo natural, sem que elas percebessem que estavam sendo filmadas a fim de evitar qualquer tipo de gesto que não o espontâneo. Vertov, assim como Flaherthy, explora a construção da imagem em estúdio, aliás, recurso muito mais utilizado pelo russo em seu filme na retratação de um dia na cidade de Odessa. Mais do que isso, Vertov trabalha o conceito de documentário em seu próprio trabalho, pois a cidade se torna fundo para uma trama que envolve a produção de um filme, ou seja, ele filma a produção do próprio filme.

Flaherthy e Vertov inauguram, a partir de suas produções, as discussões em torno do documentário. Enquanto o primeiro cria uma alternativa para os chamados filmes de atualidade - as antigas filmagens dos irmãos Lumière - o segundo se opõe à ficção e defende o que ele chamou de ``cine-olho''. Vertov estabelece, portanto, um primeiro conceito e uma primeira nomenclatura para o gênero documentário.

O ``cine-olho'' se desenvolve na ex-União Soviética, local onde Vertov conquista seguidores e trabalha o conceito de forma a desprover o cinema de qualquer tipo de relação com o teatro ou a literatura. Segundo o documentarista Beto Leão (entrevista em anexo), ``Vertov odiava a falsa realidade dos filmes encenados e realizou, então, documentários que combinavam fatos, sentimentos e propaganda numa espécie de surrealismo poético''.

Isso se dá a partir do momento em que se estabelece como objetivo de uma produção cinematográfica a transposição da ``realidade'' sem que qualquer imagem seja produzida a partir de alguma intencionalidade, pelo menos em tese. Não existem atores, cenários ou qualquer tipo de ação que remeta a uma realidade ficcional, mesmo quando explora uma atualidade ``real''. No entanto, o ``cine-olho'' mantém na montagem editorial a sua grande especificidade enquanto objeto documental. Vertov explorava as montagens em estúdio e abusava de efeitos especiais possíveis em suas produções da época. A edição era a forma com a qual o ``cine-olho'' se utilizava para dar características próprias à obra.

Dessa forma, observa-se que as duas figuras mais importantes no surgimento do documentarismo exploraram as concepções e recortes da ``realidade'', mesmo que não o tenham feito de forma absoluta. Expressaram, de formas diferentes, suas intenções na construção da obra, seja ela conotada de um apelo ficcional baseada em fatos, atores e ambiente real (como explorou Flaherthy), seja ela baseada na captação não-ficcional e trabalhada em estúdio através de montagens, efeitos especiais e edição.

Mas, como foi dito anteriormente, esses pioneiros do filme documentário não consideravam os respectivos produtos como tal. Nem mesmo o termo documentário era empregado na época em que foram produzidas as suas obras: essa nomenclatura só passou a ser usada a partir dos anos 30 do século XX, na Inglaterra. O grande precursor do termo documentário e suas decorrências foi o escocês John Grierson.

Grierson foi responsável pelo reconhecimento do gênero documentário como hoje é conhecido. Suas teorias dão ao novo gênero - não tão novo, porém então reconhecido - uma conotação de inovação, uma espécie de formato alternativo possível para se explorar linguagens sem obedecer a uma regra específica na sua construção. Grierson também dá sentido ao criador, o documentarista, que deixa de ser apenas um ``registrador'' dos fatos para ser peça fundamental na construção do documentário, através de sua elaboração por autores como Flaherthy e Vertov. Para Grierson a atuação dos atores ``reais'', ou seja, os verdadeiros donos da ``realidade'' a ser registrada nos filmes, era de extrema importância para conotar um sentido verdadeiramente intrínseco na obra documental - os registros da realidade são fundamentais na construção de uma obra documental. No entanto, Grierson acredita que o fator determinante para a produção documental é a interpretação dos fatos. Os registros da realidade meramente repassados a um espectador não exprimem objetivos, sendo assim, não acrescentam nada a quem os assiste.

Para o estudioso, no entanto, o aspecto social é peça chave na construção do documentário. Seja ele feito da forma como abordou Flaherthy, que trabalhou com as dificuldades que povos distantes enfrentam para sobreviver, seja nas ligações mais próximas do cotidiano que permeiam a realidade em que se vive. Essa segunda, muito mais caracterizada através de sua leitura. E, mais do que isso, Grierson se achava na obrigação de apresentar uma proposta para a solução do problema social apresentado na obra.

O documentário como ferramenta para a educação

Para Grierson, o documentário é uma das mais importantes formas de educar a sociedade. O estudioso considera essencial para a solução dos problemas sociais a possibilidade de divulgação dessas dificuldades para a própria sociedade e vê no documentarismo a concretização efetiva desse recurso. Para ele, o potencial educacional do documentário é bastante considerável, capaz de despertar noções básicas de conduta cívica na sociedade. Isso pode ser observado no trabalho documental desenvolvido por Grierson, Drifters, de 1929, e em todas as obras que produziu através de sua escola e de seus seguidores.

No Brasil, a produção de documentários, incluindo os ditos educativos, sofreu graves conseqüências durante o período do Estado Novo entre 1937 e 1945. À época, o órgão de divulgação do governo Getúlio Vargas (o DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda) e os interventores federais cooptaram os produtores de documentários e ``cine-atualidades'' surgidos nas décadas de 1910 e 1920. A partir do DIP e da institucionalização da elaboração dos filmes, as produtoras independentes perderam boa parte do seu mercado, já que, além da concorrência desigual, tinham de enfrentar uma censura sistemática.

Apesar de tais problemas, já houve épocas em que se reconheceu o valor pedagógico dos documentários. De acordo com Beto Leão, a criação do INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo) é exemplo de tal afirmação. Fundado por Roquette Pinto na década de 1930, o INCE foi pensado para orientar a utilização da cinematografia no Brasil, principalmente como ferramenta auxiliar do ensino e forma de educação popular. Deu-se início à produção, aquisição e adaptação de filmes educativos para exibição e distribuição de cópias à rede de ensino do País, projetando em mais de mil escolas e institutos de cultura, organizando uma filmoteca e elaborando documentários. Dessa forma, o INCE se consumou como parte de um projeto articulado no governo de Getúlio Vargas, participando da construção de uma identidade nacional.

A partir da valorização dos instrumentos de difusão cultural, abre-se espaço para a ampliação de novos mercados e do desenvolvimento interno, estabelecendo, principalmente, uma nova relação entre cinema e poder. Após ser incorporado ao INC (Instituto Nacional de Cinema) em 1966 durante o regime militar, iniciou-se a produção de documentários encomendados: o Instituto é extinto e a produção passa a ser executada pela Embrafilme, que teve o fim decretado 24 anos depois pelo então presidente Fernando Collor de Mello, em 1990.

Hélio Godoy, um estudioso contemporâneo do assunto em questão, acredita ser na educação onde o documentário encontra a sua identidade intrínseca. ``Eu acredito que os documentários são educativos pela sua própria natureza, uma vez que eles são formas de produção de conhecimento. Quando os assistimos, nos tornamos donos de seu conhecimento ou de parte dele.'', afirmou o estudioso em entrevista. Godoy considera todos os documentários existentes como educacionais e, se não atingem tal objetivo, é porque vê comprometida, em alguns casos, a recepção do mesmo por parte do espectador. ``Se ele [o documentário] está adequado ou não ao nível de conhecimentos do espectador, aí é outra discussão. Seria melhor falarmos do uso dos documentários de forma educativa, isto é, inseridos em um processo maior de ensino aprendizagem. Talvez acompanhado com discussões promovidas por um professor'', conclui em seu depoimento.

O produtor de documentários Giba Assis Brasil possui visão diferente daquela defendida por Godoy. Para Giba, a conotação educacional está diretamente ligada à intenção da produção, ou seja, podem ser considerados documentários educacionais aqueles que foram concebidos para tal finalidade. ``Existe um gênero de filmes que pode ser chamado de documentário ``científico'' ou ``didático'' ou ainda ``educativo'', cujo objetivo principal é servir de material de aprendizado de determinados conteúdos. De qualquer maneira, se pensarmos no documentário como uma possibilidade de expressão e, portanto, eventualmente, de arte, então seus propósitos nada têm a ver com educação'', relatou. Apesar da afirmação, o produtor caracteriza o filme Cabra Marcado para Morrer, por exemplo, como uma obra educacional: ```Cabra Marcada para Morrer' mudou a minha maneira de pensar o Brasil, o cinema, a família. Se isso não é educação, é o quê?'', reforça o produtor.

Pela relevância da questão, para o melhor entendimento das opiniões emitidas neste trabalho sobre diferentes considerações em pontos como o descrito anteriormente e principalmente pela atualidade da obra citada, consideramos pertinente a descrição de alguns aspectos do filme.

Cabra Marcado Para Morrer

Cabra Marcado para Morrer7 é fruto de um projeto iniciado por Eduardo Coutinho no ano de 1964. Ao viajar com a UNE Volante8, o diretor descobriu no nordeste do Brasil um caso de assassinato de um camponês, João Pedro Teixeira, líder de um movimento social conhecido como ``ligas camponesas de Sapé''. Coutinho resolveu filmar a vida do camponês utilizando personagens que participaram da história ``real'', inclusive a mulher de João Pedro e seus onze filhos.

No entanto, a situação política em que o país se encontrava na época impediu que Coutinho pudesse dar continuidade ao filme, principalmente porque parte das filmagens fora apreendida. Por sorte, grande quantidade do material já havia sido enviada para a capital para a revelação. Em 1964 Coutinho havia filmado cerca de 35% da obra que seria intitulada como Cabra Marcado para Morrer.

Em 1981 o diretor resolve retomar o projeto: sem roteiro ele sai em busca dos personagens filmados na primeira versão e passa a intercalar, no momento da edição e montagem, imagens de 1964 e 1981. Com os depoimentos coletados, Coutinho começa a produzir uma segunda versão do filme que passa a ter como tema, além da vida dos camponeses, a própria história do filme cuja produção fora paralisada por conta do regime militar.

Eduardo Coutinho utiliza um modelo de linguagem bastante diferenciado na produção do filme. Existem dois locutores: o primeiro narra a história em terceira pessoa e conduz o filme apenas de forma documental, relatando os fatos que são apresentados. O segundo locutor é o próprio Coutinho que, além de narrar em primeira pessoa, impõe sua opinião durante todo o filme. Essa locução deixa claro ao espectador que a obra é um trabalho cinematográfico que tem um objetivo específico traçado, uma intenção objetiva: mostrar como se organizavam os camponeses na década de 60 no sertão nordestino e como eram tratados pelos patrões; mostrar como a mídia impressa manipulava a opinião pública com notícias plantadas naquele período, relacionando todos esses fatos com a situação em que viviam no ano de 1982.

Coutinho também não esconde sua equipe de produção atrás das câmeras e os depoimentos não são feitos para as lentes, mas voltados para o produtor. A obra ainda reafirma a idéia de que o produto é um filme documentário intencionalmente concebido para resgatar a história das pessoas que participaram da primeira filmagem nos anos 60 ao mesmo tempo em que sente e capta as reações quando relembrados sobre fatos anteriormente vividos.

Pelo caráter experimental e pela forma singular como foi produzida, Cabra Marcado para Morrer é considerada uma obra clássica do documentarismo nacional, apreciada e respeitada por grande parte dos profissionais envolvidos na área de produção do gênero referido.

O documentário como produto artístico de vínculo social

Além da conotação educacional, a escola de Grierson assume o documentário como outra forma de interpretação, que não desconsidera um possível recorte da ``realidade'': a arte. O estudioso acredita que a interferência do autor na produção cinematográfica dá conotações criativas à obra, assim como ao cinema ficcional, e considera ter o documentário especificidades e interferências dignas de uma obra artística. ``A criatividade dos autores de ficção encontra-se na manipulação da câmara, na iluminação, nos cenários, na direção de atores etc. O documentarista, por seu lado, é, também, um artista, pois organiza o seu material segundo uma determinada forma, seja ela encontrada a partir do próprio conteúdo, ou introduzida no mesmo, de modo mais ou menos forçado, mais ou menos original'' (PENAFRIA, 1999, p.50).

Tal consideração artística se fez presente na escola de Grierson ao perceber o autor que seria necessário uma saída conceitual que evitasse o fim do patrocínio estatal para os seus filmes. Explorando a atualidade, Grierson muitas vezes colocou o governo britânico em situações constrangedoras pois focava a difícil situação econômica da época e a desigualdade social no país. Para evitar o afastamento financeiro do governo, a escola de Grierson optou pela tal conotação artística - uma maneira que, segundo ele, poderia acentuar os discursos documentais voltados para situações críticas da sociedade.

É inegável a importância de Grierson para a evolução do documentarismo, sua consolidação enquanto gênero e reconhecimento frente ao cinema simultaneamente desenvolvido. O estudioso foi um importante intermediador da relação documentário/documentarista e criou na teoria elementos que vinculam a concepção do gênero apenas com produtos que tratam do ``real''. Ou seja, Grierson foi claro ao estabelecer através de seus estudos e produções que o filme documentário seria mais que a captação de imagens verídicas. A produção documentarista é, para ele, a construção da visão de um recorte da ``realidade'' expressa pelo autor e apreendida pelo público enquanto função social e artística.

Grierson foi essencial para o entendimento de que o documentarismo expressa arte e tem sentidos social e educativo frente à sociedade. O documentário deixa de ser mero filme para ser objeto de estudo de um tempo e de ensinamentos que objetivam construir uma realidade melhor.

A teoria fundamentada no início dos anos 30 foi base para a concepção do filme documentário por muitos anos seguintes e apenas recentemente começam a aparecer estudos que contradizem a visão da escola de Grierson. Brian Winston é um dos estudiosos que vêem a formação do filme documentário baseado em Grierson como um sério problema. Para Winston, a relação que o documentário exerceu com a sociedade e sua exploração com o social marginalizaram o gênero e criaram estereótipos desnecessários que acabaram dando ao gênero um espaço muito pequeno frente a outras produções fílmicas. ``O documentário encontra-se associado à obrigatoriedade de uma responsabilidade social. Assim, o mesmo foi e é considerado um filme de tom sério e pesado cujos temas se relacionam com injustiças sociais. Conseqüentemente, o documentário garantiu lugar privilegiado enquanto filme maçador e aborrecido'' (WINSTON, 1995, p.255).

Winston acredita, ainda, que o documentário deve se fixar como gênero popular, comparando-o com os filmes ficcionais que garantiram este espaço no decorrer das décadas. O estudioso também vê a necessidade de afastar o conceito artístico da obra documental, o que pode acabar tornando o autor mais importante que a relação da obra. O sentido artístico explora o criador e suas visões, deixando para segundo plano a representação do filme e seu tema enquanto objeto, o que denota (na visão de Winston) uma obra antiética.

Esse afastamento da criatividade, para Winston, está intimamente ligado à exploração feita por Grierson com relação ao assunto. Winston não acredita que um documentário mais ético seja um documentário menos criativo. Até mesmo porque o gênero documentário tem como base a experimentação e trata, ainda, do cotidiano dos fatos que permeiam o mundo, feito numa forma criativa e agradável. A criatividade é fundamental para uma boa produção documental e não deve jamais ser excluída como elemento na construção de uma obra desse gênero.

A era tecnológica impõe uma nova linguagem documental

O modelo de construção do documentário e sua linguagem evoluíram no decorrer do século XX graças, principalmente, ao desenvolvimento tecnológico que possibilitou novas formas de filmagens como concepção e captação do tema documentado. Um avanço significativo que pode ser aqui citado é a introdução do microfone junto à câmera, além do crescimento de sua versatilidade ao longo dos tempos: o equipamento diminuiu de tamanho ao mesmo tempo em que evoluiu significativamente em termos de qualidade de captação. ``A transição para uma nova fase do documentarismo ficou então, marcada pelo seu apelo a exploração das potencialidades dos novos equipamentos'' (WINSTON, 1995, p.145).

Dois fenômenos são neste momento observados. O primeiro é a interatividade, que começa a se fazer presente a partir dos anos 80: as pessoas começam a interagir nos documentários quando questionadas ou provocadas. O segundo fenômeno é mais recente e inegável: uma revolução da linguagem permitida pelo uso e suporte nos meios originados com as novas tecnologias.

A análise prévia de alguns aspectos relacionados com a evolução do documentário convencional serve como premissa para a preposição de uma nova modalidade para o gênero, que surge com a evolução tecnológica observada desde meados do século XX. O intuito fundamental desta monografia é propor uma reflexão sobre tal modalidade, a qual convencionamos chamar de web-documentário, associada à veiculação em uma rede de computadores. Tais aspectos serão abordados no capítulo seguinte juntamente com a pertinente descrição da evolução tecnológica referida.

Mencionamos, porém, já nesta parte da monografia, o web-documentário como uma modalidade possível e presente. Para isso, serão dados esclarecimentos preliminares que não pretendem, neste capítulo, encerrar os pressupostos imaginados para tais conceitos.

O documentário nasceu em meio às salas de cinema e teve, com o advento da televisão, uma grande retomada em relação à sua popularidade, principalmente com a chegada das emissoras de televisão a cabo, em meados do século XX. Atualmente, pode-se ver filmes desse gênero sendo transmitidos para um novo meio com recursos bastante avançados, porém de usos ainda não muito bem definidos - a Internet.

O documentarista Beto Leão concorda com tal afirmação: ``hoje, não somente a finalização de som e imagem vem sendo feita em computadores como a própria idéia de captação de imagens em meio digital vem ganhando mais adeptos entre os cineastas.'' Essa nova fase começou em 1999, ano em que as salas de cinema comerciais começaram a usar sistemas de projeções digitais. De acordo com o profissional, no Brasil, os filmes exibidos recebem a visita de 30 mil internautas por semana.

Dessa forma, Beto Leão afirma que o web-documentarismo ajuda com possibilidades para o chamado cinema digital enquanto se diferencia como cinema prático, barato e aberto a experimentações. Esse novo meio requer a utilização de um suporte digital, em contrapartida ao anterior analógico, e garante uma qualidade muito maior no desenvolvimento dos produtos do gênero, na sua cópia e armazenamento. Ou seja, o documentário, para ser suportado na Internet, abandona a tecnologia analógica de registro para adotar, talvez definitivamente, uma tecnologia digital de concepção, captação e transmissão de dados. ``A conservação e transmissão de imagens, sons e textos é, hoje, de uma confiabilidade sem precedentes. De igual modo, as tecnologias digitais são consideradas o melhor suporte para, com confiabilidade e durabilidade, se armazenar uma grande quantidade e diversidade de informação'' (PENAFRIA, 1999, p.90).

Entretanto, essa revolução tecnológica não se limita somente ao processo tecnológico de armazenamento, captação e cópia das obras documentais, mas também ao desenvolvimento de novas linguagens. Isso pode ser confirmado ao observarmos que programas de computadores - os softwares - permitem ao criador do produto documental executar uma série de aplicações no tratamento e desenvolvimento das imagens com o uso da criatividade de formas e possibilidades sem precedentes no antigo meio. Outro diferencial importante são as características exclusivas que o meio digital permite pelas possibilidades de hipertextualidade e hipermídia.

Deve-se entender a hipertextualidade como o aprofundamento do tema abordado através de links, um caminho de comunicação ou canal entre dois componentes ou dispositivos. Ou seja, no decorrer de um texto produzido em um web-documentário, por exemplo, existem palavras ou elementos gráficos que podem ``ligar'' o internauta para outras instâncias ou etapas do conteúdo. Ao acionar os links, o sistema conduz o espectador a uma outra página que contém informações diversas e aprofundadas sobre o assunto. A hipermídia é uma outra possibilidade do suporte digital que pode ser observada através do aglomerado de mídias que um produto pode ter: texto, som, vídeo ou a combinação desses elementos.

O web-documentário tende a ser um produto totalmente diferenciado do documentário tradicional já que são necessárias tecnologias multimídia para a sua produção. Um dos grandes diferenciais nessa recente modalidade do documentarismo é a possibilidade de subverter a narrativa linear dos modelos convencionais, sendo agora o receptor responsável pelo caminho a ser percorrido durante a recepção do conteúdo, dentro de um trajeto pré-concebido pelo autor. No modelo convencional analógico, o espectador tem um caminho único e linear de fruição. Com o web-documentário, ele passa a ter várias possibilidades de acesso e aprofundamento pelo conteúdo. É a interatividade que obriga ao documentarista desenvolver artifícios relacionados com o novo formato do meio e muita criatividade para uma interlocução satisfatória com o receptor.

Esse pode ser considerado o modelo pós-Grierson, tanto defendido por Winston. O web-documentário é a renovação da linguagem documental pelo seu suporte enquanto gênero. É uma nova estética que obriga o desenvolvimento de conceitos paralelos aos da modalidade convencional do gênero. É um novo formato, tão ousado quanto o primeiro, mas que requer habilidades totalmente diferentes. Um bom documentarista não será, necessariamente, um bom web-documentarista. Isso porque os conceitos para a confecção do gênero em diferentes meios requerem outras e diferentes habilidades. A interatividade, estrutura de navegação, uso mesclado de mídias e todos os trabalhos de produção envolvidos na produção de um web-documentário são elementos que exigem outros pressupostos que não são, necessariamente, os da produção de um documentário para o cinema, por exemplo.

Diante dessa abordagem envolvendo a definição de documentário, o conceito de ``realidade'', o desenvolvimento do gênero e as diversas formas pelas quais ele foi produzido seguindo a intencionalidade de seus criadores, percebemos que o documentário não tem como objetivo primeiro servir simplesmente de documento para a posteridade, mas ser um modelo que busca a re-construção dessa ``realidade''.

A simples captação de imagens não caracteriza um filme como documental, já que no decorrer dos tempos ficou demonstrado que sua essência está intimamente ligada ao seu criador. Este, por sua vez, interfere no processo construtivo do documentário de diversas formas, como pelo uso criativo dos elementos técnicos que tem à sua disposição.

Notamos também que o documentário agregou consigo, no decorrer dos anos, um valor social que, segundo alguns autores, não deve ser preponderante na construção de uma obra. O valor social agregado é observado, entretanto, na maioria dos produtos no decorrer dos tempos. O documentário pode ser considerado, portanto, como ``representador'' da sociedade - produto explorado como ferramenta de promoção e construção social importante, mas cujo mérito não fundamenta o conceito. É inquestionável, contudo, a importância do documentário na construção da realidade humana e social. ``O documentário é uma porta aberta para um conhecimento aprofundado sobre a nossa própria realidade'' (PENAFRIA, 1999, p.103).

Capítulo II - O Web-documentário como ferramenta para a difusão do conhecimento

O ser humano difere dos outros animais em incontáveis aspectos. Um deles é a forma como adquire e transmite o conhecimento. Consideramos fundamental essa característica para discorrer sobre o uso do web-documentário como ferramenta possível para a transmissão desse conhecimento entre os indivíduos e às gerações seguintes.

Ao mesmo tempo em que o homem adquire e transmite o conhecimento adquirido, desenvolve meios que contribuem com esse mecanismo. Pretendemos mostrar, neste capítulo, que o uso desses meios pode ter uma influência direta no ensino. A escolha das ferramentas apontadas tem relação com a possibilidade de utilização de tais meios na educação, o que entendemos como uma vocação educacional.

O recorte adotado não pretende descrever a evolução de todos os equipamentos tecnológicos que têm uma vocação educacional numa linha do tempo, mas mencionar aspectos de alguns deles em uma lógica em que o web-documentário possa ser visto como um desses meios, decorrente de uma evolução.

A aquisição e a difusão do conhecimento: diferenças entre os homens e os outros animais

Sabe-se, desde há muito tempo, a respeito das diferenças entre o conhecimento humano e aquele assimilado pelos animais desde suas origens. O animal é entendido como um ser de reação aos impulsos e ameaças, de caráter estritamente instintivo. A ação decorrente do instinto é biológica e prevê a sobrevivência da espécie sem privilegiar a decisão do indivíduo. A finalidade da atividade instintiva é desconhecida pelo ser que a executa, o animal irracional.

É fácil deduzir, a partir desse princípio, a grande diferença, dentre tantas, entre o ser humano racional e o animal. O ato humano, em contrapartida ao previsto na descrição acima, é intencional e provido de consciência da finalidade. Isso significa que uma ação pode ocorrer em forma de pensamento ou possibilidade, antes mesmo de sua execução efetiva, a partir de uma causa ou para atingir um objetivo - de acordo, principalmente, com experiências anteriores vividas. (ARANHA, 1993, p.2)

Mas, ao observarmos um animal, podemos precipitadamente concluir que este também aprende pelas experiências vividas. Muitos de nós já presenciamos o comportamento de um cão que diante de uma situação reage à ação de forma surpreendente, como se já soubesse de suas conseqüências. Se um banho, por exemplo, significa pôr em risco a espécie canina, já que o animal herdara de seus ancestrais o comportamento instintivo de disfarçar o odor e garantir a sobrevivência, o animal domesticado repetirá, por infindáveis vezes, a reação de tentar ludibriar seu dono toda vez que este preparar os aparatos de higiene do bicho. Sabemos que não passa de uma reação instintiva e que o cão sequer sabe a razão objetiva de sua ação.

Uma outra característica fundamental que nos difere do animal diz respeito à habilidade do ser humano em relatar sua experiência a um outro indivíduo da mesma espécie e contribuir para que este antecipe uma reação diante da situação prevista. A falta dessa capacidade faz com que o animal, invariavelmente, comece a ``aprender'' somente a partir de suas próprias experiências, sempre de um ponto inicial muito próximo do zero - não fosse o instinto. Com a ausência de uma linguagem, as experiências não são acumuladas de geração em geração e o conhecimento nunca é transferido às proles seguintes.

A característica humana garante uma evolução objetiva, já que os novos indivíduos têm sempre um arsenal de conhecimento adquirido pelos seus antepassados que é transferido às gerações seguintes, de forma efetiva, pela linguagem. Pode-se sempre considerar as novas gerações mais ``inteligentes'' que as anteriores, pois têm como base para a sua aprendizagem todo o repertório de conhecimento adquirido pela humanidade. Essa diferença fundamental dá ao ser humano a vantagem definitiva de poder prever e conduzir as suas ações de acordo com experiências anteriores vividas, mesmo que por outros indivíduos.

Essa habilidade de transmissão do conhecimento, inerente ao ser humano, não foi sempre tão eficiente e evoluiu lentamente desde a sua origem. A primeira forma de transmissão eficiente desse conhecimento se deu pela fala, antecedida por formas rudimentares de comunicação - talvez gestos e grunhidos. A fala é uma forma evoluída de comunicação que difere, mais uma vez, o ser humano do animal. A comunicação oral tem relação com a capacidade do ser humano em abstrair e refletir conscientemente sobre uma possibilidade, antecipando um fenômeno ou acontecimento.

A linguagem desenvolvida pelo ser humano tem origem no seu pensamento e faz parte de um sistema simbólico, passível de ser transmitido no decorrer do tempo. ``O homem é o único animal capaz de criar símbolos, isto é, signos arbitrários em relação ao objeto que representam e, por isso mesmo, convencionais, ou seja, dependentes de aceitação social'' (ARANHA, 1993, p.28). A eficácia da transmissão do conhecimento, entretanto, está vinculada à possibilidade da sua perpetuação no decorrer do tempo para o seu aproveitamento pelas gerações futuras. O conhecimento transmitido pela oralidade é suscetível de deformações e equívocos naturais ao passar do tempo. Somente o desenvolvimento de uma forma de registro eficiente permitiu ao ser humano desencadear um processo contínuo de evolução cognitiva9.

O uso da linguagem e da palavra escrita como aparatos de transmissão do conhecimento têm seu grande mérito, principalmente, porque permitiram ao ser humano desenvolver uma espécie de memória coletiva da humanidade. ``Se a humanidade construiu outros tempos, mais rápidos, mais violentos que os das plantas e animais, é porque dispõe deste extraordinário instrumento de memória e de propagação das representações que é a linguagem'' (LÉVY, 1993, p.76)

Dessa forma, a linguagem, juntamente com a escrita, é a primeira forma de perpetuação do conhecimento e, sua concepção simbólica como ``forma de propagação das representações'', a característica principal que permitiu o desenvolvimento de alguma espécie de ensino.

A linguagem escrita, porém, para o seu registro e sobretudo sua perpetuação, depende de alguma espécie de ferramenta para a sua disseminação. Não iremos considerar, aqui, as ferramentas que remontam à origem daquelas que conhecemos hoje, como as que permitiram os registros rupestres feitos pelos homens primitivos. Daremos um salto no tempo para descrever um instrumento já posterior à origem do lápis, mas que tem seu uso significativamente relacionado ao ensino.

As ferramentas tecnológicas como meio de registro e transmissão do conhecimento humano

Foi no fim do século XVII que se pretendeu substituir as penas de ganso por objetos manufaturados para se escrever. Numa tentativa compreensível de se preservar a forma daquilo que já era consagrado, surgiram as primeiras penas de metal que cumpririam tal objetivo. Essas penas eram ligadas a um cabo de madeira para o manuseio e pareciam menos eficientes para reter a tinta que suas precedentes de origem animal.

Foi necessário quase cem anos para que se concretizasse a idéia de construir uma ferramenta que comportasse um reservatório de tinta em seu próprio corpo. Um inventor chamado Folsch patenteou, em 1809, uma caneta cujo reservatório continha uma válvula especial para controlar o fluxo de tinta, mesmo que de forma precária e ineficiente. (CANETAS ONLINE, 2002) A tinta da época era pouco fluida e não permitia o uso devido do primitivo instrumento.

Os corantes vegetais da época eram rapidamente absorvidos pelo papel e deixavam manchas no decorrer da escrita. O desenvolvimento de um instrumento adequado estava vinculado, portanto, ao desenvolvimento de um produto que tingisse com eficiência e não borrasse o papel.

Em 1860, desenvolveu-se uma tinta adequada, mas corrosiva a ponto de comprometer a ponta de metal do instrumento. O uso do ouro como matéria prima foi uma solução temporária, já que se caracterizava como um metal de baixa resistência. Depois desse período, a partir de 1880, passou-se a fundir com o ouro um metal bem mais resistente - o irídio10. ``A tecnologia para a produção de canetas-tinteiro estava amadurecida. Em 1884, Lewis E. Waterman patenteou sua caneta e é considerado por muitos como o pai da caneta''. (CANETAS ONLINE, 2002) A partir daí, e com o uso de novos materiais, o instrumento passou a ser rapidamente aperfeiçoado e seu uso disseminado entre as populações.

O uso da caneta na educação é evidente e de fácil relação. Desde quando convencionada a forma mais tradicional de ensino, aquela onde educador profere o conhecimento diante de uma platéia de educandos, o uso de uma ferramenta portátil, barata e eficiente para o registro de informações passa a ser um recurso indispensável a essa forma de disseminação do conhecimento.

Se a invenção da escrita, junto com a possibilidade de registro através de um instrumento barato e eficiente como a caneta, pode ser considerada uma primeira revolução nos processos cognitivos do ser humano, a sua disseminação em escala industrial, no século XV é, seguramente, a segunda. Nessa época, o sistema capitalista já estava mundialmente desencadeado, quando se iniciou o período das grandes navegações: a descoberta da América e o Renascimento artístico italiano. Até meados de 1450, toda reprodução dos textos era executada manualmente. O livro já existia em sua forma manuscrita, antes do surgimento da tipologia móvel de Gutemberg. Os textos eram organizados em folhas dobradas num formato cuja encadernação lhes garantia a devida proteção. Somente a partir do desenvolvimento da oficina tipográfica deu-se a ruptura entre o processo anterior, praticamente artesanal, e o industrial, cujo progresso barateou e possibilitou a disseminação massificada do livro algum tempo depois. bom dia

Entretanto, e ao contrário do que se pode inicialmente pensar, essa dita revolução foi lenta, embora progressiva, e em muito se difere da revolução do texto digital do mundo contemporâneo, pois preservou as mesmas estruturas de concepção na produção do livro. `` ... a transformação não é tão absoluta como se diz: um livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos século, XIV e XV) e um livro pós-Gutemberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais - as do códex11''. (CHARTIER, 1998, p.7)

Mesmo assim, a invenção de Gutemberg permitiu um novo modelo de cognitivismo a partir da possibilidade de impressão do acervo das obras pré-existentes, penosamente resguardadas da ação do tempo e da fragilidade dos materiais. Repentinamente, aquilo que se tinha a muito custo preservado nos manuscritos e originais do passado, começou subitamente a ser revisto e impresso na escala e velocidade em que a tipografia da época permitia. Tal salto, embora não tão repentino de acordo com Chartier, contribuiu efetivamente com a instauração de uma memória coletiva tão eficiente como jamais fora imaginado, nos moldes da teoria apontada por Lévy. O uso da palavra escrita passou a ser utilizada, mais do que nunca, como instrumento de preservação e disseminação do conhecimento.

Uma terceira revolução dos processos cognitivos do ser humano aconteceu a partir da evolução tecnológica que permitiu unir à tipografia em escala industrial o uso da imagem, com o advento da fotografia. Essa possibilidade técnica aconteceu somente na passagem do século XIX para o XX, juntamente com o surgimento das revistas ilustradas, dos cartões postais e outras formas de uso da imagem impressa.

Essa disponibilidade inaugurou o novo século e a era da imagem multiplicada para o consumo de massa. ``Consolida-se, a partir daquele momento, o que se convencionou chamar de `civilização da imagem', cujas origens remontam ao século anterior, com a invenção da fotografia e seu subseqüente desenvolvimento tecnológico, industrial e formal, fruto de um inusitado consumo, impulsionador de suas inúmeras aplicações: comerciais, artística, científicas e promocionais''. (KOSSOY, 2000, p.63) Às aplicações mencionadas por Kossoy, podemos acrescentar a viabilidade de uso do produto imagético na educação, suas formas de aplicação e manuseio ideológicos por se tratar de um pretenso recorte inquestionável da ``realidade''.

A transformação cultural observada desde as primeiras formas de comunicação entre os seres humanos até a utilização do conteúdo impresso, seja pelo livro ou outras espécies de publicações, apenas demonstram, sucintamente, a evolução de alguns meios desenvolvidos pelo homem na busca da preservação de sua ``memória'' e transmissão do conhecimento adquirido.

Antes de discorrer sobre os equipamentos que surgiram em decorrência da revolução tecnológica ainda hoje vivida, vale mencionar que alguns desses, mesmo que usados de forma decisiva nos processos de cognição e educativos, não estão sendo minuciosamente descritos por não estarem diretamente envolvidos na construção de uma lógica para a compreensão do aparecimento do meio adequado para o suporte do web-documentário.

Dentre eles, cujas importâncias são inquestionáveis, estão equipamentos como a televisão e o vídeo-cassete, os meios de difusão de sinais via rádio, microondas e antenas parabólicas e, mesmo antes disso, as formas primitivas de equipamentos que permitiram o registro da informação, como microfone, o cartão perfurado ou mesmo a gravação de freqüências sonoras em fitas magnéticas, entre muitos outros.

No decorrer do século XX, testemunhou-se o surgimento e desenvolvimento dos circuitos eletrônicos, que possibilitaram a criação das ferramentas mais potentes e eficazes de que se tem registro desde os primórdios da civilização humana. A revolução tecnológica de então permitiu o desenvolvimento de equipamentos de usos tão diversos como jamais foram imaginados. A maioria deles está vinculada à invenção de um equipamento que não somente revolucionou as relações sociais no mundo como proporcionou o desenvolvimento de produtos, como aquele que inspirou esta monografia, pela infinita capacidade de desenvolvimento de suportes específicos que possui: o computador.

Os equipamentos computacionais, digamos assim, hoje em muito se diferem dos primeiros computadores surgidos em meados do século passado. ``O primeiro computador, o Eniac dos anos 40, pesava várias toneladas. Ocupava um andar inteiro em um grande prédio, e para programá-lo era preciso conectar diretamente os circuitos, por intermédio de cabos, em um painel inspirado nos padrões telefônicos''. (LÉVY, 1993, p.101) Atualmente tais equipamentos são cada vez menores e acumulam cada vez maiores capacidades e funções. Mencionar o computador como ferramenta de registro e difusão do conhecimento tem relação ao suporte que esse aparato dá às formas digitais dos produtos multimídias, como o web-documentário estudado aqui. Destacamos essa ferramenta pelo seu caráter visivelmente tecnológico e por ser o equipamento usado, pelo menos por enquanto, para suportar a utilização dos softwares, da Internet e Realidade Virtual, descritos a seguir.

Entendemos software como sendo o conjunto dos recursos com os quais ou através dos quais se utiliza um equipamento tecnológico eletrônico. São recursos lógicos, de organização e mesmo de instalação que fazem com que tais máquinas, efetivamente, funcionem. Uma maneira simplificada de entender essa relação é estar ciente de quê um computador, por exemplo, não funciona se não tiver instalado em seu sistema físico (hardware) um programa (software) que permita a comunicação homem - máquina.

Compreendemos ser o web-documentário um software, antes de tudo, por ter sido a sua concepção pensada para um meio digital nos moldes de uso em um aparelho conectado a uma rede mundial de computadores, a Internet. Pretendemos relacionar esse produto com a vocação educacional que presumimos que ele venha a ter. Entendemos também que não há o software educacional em si, mas software empregado na educação. Tal esclarecimento pode ser aplicado, inclusive, aos demais aparatos tecnológicos descritos neste trabalho. Uma tecnologia não é educacional nem anti-educacional, já que pode ser usada dessa e de várias outras formas, isso não a qualifica, necessariamente, como educativa. O uso da tecnologia na educação, portanto, dá a noção pretendida para compreendermos o uso do web-documentário nesse sentido.

A educação pressupõe aprendizagem, uma atividade do indivíduo que é efetivada, em tese, apenas através do contato com outras pessoas e com o próprio conhecimento. Por isso, o uso de softwares específicos para a educação tem como principal função possibilitar ou facilitar o envolvimento do indivíduo com o conhecimento através do computador. Tal uso só é possível caso haja a elaboração de programas de computador que busquem atingir esses objetivos.

Não vemos o uso do web-documentário sem a possibilidade de fruição num ambiente de rede, como a web. Esse talvez seja o motivo de termos de incluir tais possibilidades de conexão entre vários computadores na reflexão do presente trabalho.

Como sabemos, a existência da Internet está vinculada à possibilidade de comunicação entre vários computadores e o acesso compartilhado aos arquivos de uma única máquina por vários usuários ao mesmo tempo. Tal viabilidade pode ser considerada uma habilidade meramente técnica, possível a partir do uso de um equipamento específico: o roteador.

Os roteadores são equipamentos que permitem o tráfico de dados e informações controlados e direcionados por outros computadores. A evolução técnica que permitiu a distribuição desse fluxo começou nos anos 60 com o famoso argumento de que uma rede de interconexões redundantes, sem hierarquia, livraria os Estados Unidos de uma interrupção caso fossem bombardeados pelos soviéticos, durante a Guerra Fria. As transformações causadas pela rápida evolução da Internet são facilmente observadas em vários setores sociais de praticamente todo o mundo. Para a educação, o uso da Internet é considerado como um poderoso instrumento de ensino. Para se ter uma idéia, em 1996 o governo norte-americano investiu cerca de 2,2 bilhões de dólares para conectar à rede todas as escolas públicas e particulares daquele país.

No Brasil, também em 1996, 100 mil computadores foram comprados pelo governo para serem instalados nas escolas públicas do país. Atualmente, somente as escolas particulares registram um empenho efetivo para se conectarem à Internet. Na rede pública, poucos computadores são comprados e instalados a cada ano e, deles, apenas 10% têm acesso à web. (BRASIL, 2002, p.21)

O uso da Internet na graduação avança, mas ainda é limitado. Acredita-se que, num futuro próximo, a conexão à rede será imprescindível e dela dependerá a maior parte dos métodos de ensino adotados. Em cursos de pós-graduação essa realidade já é verificada há algum tempo. A Universidade Federal de Santa Catarina foi a primeira a desenvolver sistemas de ensino a distância envolvendo recursos de áudio e vídeo-conferência pela Internet. O empenho dessas instituições de ensino tem relação com a exigência do mercado de trabalho em selecionar profissionais cada vez mais atualizados com os meios tecnológicos de disseminação da informação.

Por ter um futuro promissor e apesar de os números serem desfavoráveis em países como o Brasil, o acesso à Internet é uma intenção efetiva e proporcional às condições sócio-culturais de cada país. A aparente prioridade é dada pelos governos às implementações relacionadas aos setores envolvidos com a educação, pela rede pública de ensino, e pelas instituições particulares como diferencial agregado à lógica mercadológica envolvida. Essa constatação nos faz crer que a produção de softwares voltados para este nicho terá uma considerável evolução. O estudo constante nesta monografia sugere que o web-documentário possa ser visto como um desses produtos, assim como os softwares educativos das mais diferentes especificidades de uso e aplicação.

Finalmente, uma última noção a ser aclarada para entendermos o web-documentário como ferramenta contemporânea de possível vocação educacional, diz respeito às concepções de Realidade Virtual conhecidas atualmente, por terem relação direta com o produto discutido. Para que se entenda a realidade virtual, é preciso conhecer os conceitos tradicionais do ``real'' e do ``virtual''. Sabe-se pelos dicionários que o conceito de real remete às idéias de autenticidade, que é concreto em si, que busca a essência daquilo que é. Como pessoas, habitamos um mundo concreto composto de lugares fisicamente delimitados e de outras pessoas. Nesse mundo, tempo e espaço são fatores essenciais para a existência e somos cercados de referenciais culturais que nos asseguram a inserção nessa ``realidade''.

Há, de imediato, o conceito habitual que qualifica o virtual como oposto ao real, aquilo que não é formalmente admitido. O dicionário Michaelis define o virtual como sendo aquilo que existe ``como potência ou faculdade, porém sem efeito atual''. (UOL MICHAELIS DIGITAL, 2002) Autores como Pierre Lévy também vêem o virtual como o potencial possível: ``O virtual é um fecundo e poderoso modo de ser que vai além do processo de criação, abre para o futuro, injeta elementos que vão além da presença física'' (LÉVY, 1998). A união improvável de dois conceitos inicialmente de significados opostos tende a agrupar as duas definições em uma única concepção. A realidade virtual deve conter em sua essência o significado do real unido à potencialidade do virtual, como possibilidade de injetar ``elementos que vão além da presença física''.

A mídia é a grande responsável pela difusão da idéia que considera a realidade virtual uma tecnologia que permite às pessoas entrarem dentro das imagens geradas pelos computadores e acessarem, portanto, o dito `espaço virtual'. A concepção de um mundo virtual abre a possibilidade da criação de uma nova forma de relação entre homem e máquina. ``A relação corpo (como mídia) e computador (mídia eletrônica) é fundamental para o desenvolvimento da relação virtual''. (SANTOS, 2001, p.41)

A viabilização dessa nova possibilidade, principalmente com intuitos voltados para o ensino, está relacionada com algumas das tecnologias mencionadas anteriormente, especialmente os computadores, softwares e o funcionamento de ambos num ambiente de rede, somados à noção de uma realidade virtual. O uso de computadores conectados à Internet desencadeia novos métodos e processos na educação. A geração contemporânea cresce convivendo - aparentemente de forma harmoniosa - com uma cultura digital que começa a absorver a educação virtual. ``Tornar-nos-emos simbióticos com nossos computadores conectados nas redes de educação, governo, órgãos públicos, saúde, trabalho, do mesmo modo que a revolução industrial foi simbiótica com o mundo da máquina e depois com a eletricidade e gasolina'' (SANTOS, 2001, p.63). As novas tecnologias devem, portanto, reestruturar o sistema educacional conforme suas possibilidades forem implementadas nas escolas e de acordo com o empenho e investimento de cada país. A partilha do conhecimento pode ser levada ao seu mais alto grau de aproveitamento com a interconexão de escolas, universidades, governos e sociedade.

O web-documentário como evolução de um gênero específico desenvolvido para a Internet e alguns pressupostos

O documentário sofreu adequações relacionadas à evolução do suporte que o envolve. Isso não significa dizer, necessariamente, que tais adaptações foram sempre positivas ou que o produto tenha sido mais ou menos eficaz. Contudo, mais que apostar em uma definição conceitual para a variante do gênero em questão, pensar em web-documentário significa resgatar a função original do documentarismo e explorar o seu potencial educativo.

Para construir uma lógica específica que anteceda a exposição funcional de alguns produtos, iremos considerar o documentarismo em sua forma mais usual: o cinema. Na verdade, o documentário não é um produto que surgiu da evolução do cinema, mas da característica original e primeira do cinema. Como já mencionado no capítulo anterior, as primeiras experiências com as imagens em movimento tinham apenas por objetivo registrar os acontecimentos da vida quotidiana das pessoas e dos animais. Consolidou-se como senso-comum o entendimento de que o documentário seria um ``espelho da realidade'', o registro ``objetivo'' de um material sem intervenção daquele que o produz. O equívoco sugerido por tal idéia já foi reparado por muitos argumentos, mas, principalmente, porque não há regras estáticas e definitivas para aquilo que reconhecemos como um produto desse gênero.

Vimos no primeiro capítulo que Flaherty e Vertov, pioneiros na experimentação do gênero, tinham critérios diferentes para registrar o cotidiano em seus produtos. Mesmo com essas diferenças aparentemente cruciais, ambos têm seu mérito na concepção daquilo que é considerado, desde então, um produto do documentarismo.

A falta de uma forma exclusiva para a produção do documentário não impede que aquele que o frui saiba claramente quando está diante de um. Independentemente de conjecturas conceituais ou definições, pressupõe-se que o receptor saiba quando o filme assistido é considerado um documentário no momento em que é comparado com qualquer outro gênero da produção cinematográfica. Mas, pode-se dizer o mesmo diante de um produto disponível na web, visto através de um computador e feito com a mesma finalidade com a qual são feitos os documentários?

O web-documentário é um gênero experimental de produção documentarista em um meio de origem bastante recente, a Internet. Por ser o seu antecessor convencional um gênero que reflete essencialmente a habilidade criativa do autor, como foi visto no primeiro capítulo, os métodos para a concepção da versão em um meio multimídia estão além dos manuais e muito mais próximos da capacidade do indivíduo que o idealiza e produz. O experimentalismo é, portanto, o principal trunfo da produção web-documentarista - sempre vinculada à possibilidade técnica envolvida.

Isso significa que não há ainda conceitos e pressupostos definitivos que selecionem os produtos em uma definição clara e objetiva, nem há modelos fechados e já consagrados que sirvam de parâmetro para a classificação de um produto qualquer disponível. Significa, ainda, que as reflexões sugeridas nesta monografia não são definitivas nem preenchem todas as lacunas teóricas que o tema suscita.

Pretendemos, porém, reconhecer uma metodologia de análise que permita juntar alguns produtos cujas características apontem uma adaptação do gênero para o meio em questão. Para avaliar a eficácia da metodologia sugerida, selecionamos alguns sites que se autodenominam como tal ou cujos conteúdos tragam indícios de que são um produto de características similares às dos documentários convencionais até hoje produzidos.

Todos os sites analisados estão disponíveis on-line na época da produção deste trabalho. Serão descritas as principais características de cada um, além dos respectivos endereços eletrônicos de acesso. Depois de apresentados, terão os seus conteúdos considerados de acordo com alguns pressupostos iniciais sugeridos a seguir. A análise se dará após o desenvolvimento teórico de cada pressuposto e, como já foi dito, tal análise pretende dar início a uma reflexão sobre o recorte pretendido.

O web-documentário como uma evolução natural do documentarismo

Um web-documentário deve ser, antes de tudo, um documentário - de acordo com as concepções e características consagradas em relação ao gênero. Se desde os anos 20, com as primeiras experimentações práticas de filmagens de documentários, consolidou-se que caracterizaria o gênero o registro da vida das pessoas e dos acontecimentos, tal particularidade deve ser observada também, em tese, no web-documentarismo. Não significa, evidentemente, que apenas os produtos com tais características serão enquadrados na nova modalidade.

Se, no decorrer do tempo, as experimentações permitiram novas características que não comprometeram a qualificação do produto, os resultados obtidos podem ser re-adequados à web, sem o mesmo comprometimento de tal qualificação. Qualquer outra característica própria do documentário deve ser adaptada e revista na web, meio próprio para a sua veiculação. Essa contribuição pode seguir o sentido oposto de direção: qualquer resultado positivo das experimentações feitas na versão do gênero desenvolvida para a web pode ser incorporado, de acordo com as possibilidades próprias do suporte, pelas formas convencionais do documentarismo.

O web-documentário como um produto de suporte digital

O web-documentário deve ser produzido para um suporte digital. O suporte digital é aquele adequado às concepções fundamentadas pela lógica desenvolvida por George Boole, no esquema que permite a representação e execução de expressões lógicas através da tradução binária dos dados. Segundo afirma o teórico Hélio Godoy, os sistemas audiovisuais eletrônicos digitais devem ser entendidos como transdutores, capazes de transportar as informações contidas em infinitas variações energéticas contínuas, de um sinal original (analógico), através de um processo de codificação discreta (não-contínua), baseado na Álgebra Booleana (para operações com números binários), e concretizado, em diferenças de potenciais elétricos que geram correntes elétricas em circuitos eletrônicos lógicos.

Podemos considerar produtos específicos de documentários aqueles produzidos e executados em um suporte digital. Entretanto, tal pressuposto não constitui, necessariamente, uma característica exclusiva do web-documentarismo, já que pode ser adotado também quando da simples transmutação de um produto desenvolvido originalmente num suporte analógico (por exemplo, o vídeo) que foi adequado a outro (por exemplo, a Internet), de codificação digital.

A possibilidade de recepção não-linear do conteúdo

A navegação ideal pelo conteúdo de um web-documentário deve permitir uma recepção não linear optativa àquele que o frui. Esse pressuposto não descarta, entretanto, que a composição do roteiro é anterior e tem estrutura definida, o que acaba por determinar, de fato, o ângulo de abordagem do tema escolhido pelo documentarista. Não descarta também que o caminho de acesso é previamente determinado por aqueles que conceberam o produto.

Isso não deverá comprometer, entretanto, o fato de que a decisão da profundidade desejada seja opção claramente delegada ao receptor. A Internet é caracterizada como um meio que não limita o acúmulo de dados e informações possíveis. Cabe ao internauta decidir o volume daquilo que busca de acordo com suas necessidades e desejo.

Para uma navegação intuitiva e inteligente, é necessária a elaboração de um fluxograma que preveja o caminho a ser seguido pelo internauta. Essa "roteirização" direciona o receptor a um fim pré-definido, mesmo que a não linearidade simule um controle absoluto da navegação por parte daquele que transita pelo produto.

Ao mesmo tempo em que o interesse pelo tema conduz o internauta a um envolvimento cada vez maior com conteúdo do web-documentário escolhido (pressupondo maior aprofundamento), o desinteresse acaba comprometendo a navegação, pois nada impede que o receptor abandone a página e busque outros assuntos. Para prever essa possibilidade - uma característica própria da navegação pela web - é necessária a formulação de um critério de aprofundamento que não comprometa a exposição do conteúdo. ``Poderemos ter como ponto de referência a navegação usada em determinados jogos de computador onde só após a passagem por um determinado nível se passa a outro. No caso do documentário poderíamos utilizar esses diferentes níveis como níveis de aprofundamento das temáticas abordadas, ou melhor, como níveis onde progressivamente o autor vai apresentando diferentes argumentos que, no seu conjunto, conduzem a um único caminho, isto é, a idéia que se pretende transmitir relativamente à temática que está a ser tratada'' (PENAFRIA, 1999, p.5). Essa solução permite que o internauta assimile o conteúdo visitado mesmo que abandone a página, pois a organização é planejada para transmitir, numa leitura lógica e de forma escalonada, todo o conhecimento envolvido.

O web-documentário como modalidade de experimentação da interatividade e dos recursos multimídias

Já que para a produção de um documentário na web são usadas ferramentas multimídias, tal concepção deve prever, na organização do seu conteúdo, uma certa e devida interatividade, proporcional às possibilidades tecnológicas do meio para o qual é desenvolvido. Essa interatividade terá como base características próprias do documentarismo e não deve comprometer a consistência e profundidade do conteúdo.

Seria ineficiente, por exemplo, implementar em um web-documentário recursos multimídias que exigissem equipamentos de ponta e banda larga de transmissão de dados se os equipamentos utilizados pelo público-alvo daquele produto estão aquém das indicações mínimas de hardware.

Por outro lado, desenvolver um web-documentário apenas com recursos precários de texto e imagem é subestimar as possibilidades tecnológicas do meio e expectativas do receptor. A questão está simplesmente na exata aferição dessa relação entre o produto oferecido e as possibilidades técnicas de recepção, aliados às expectativas do receptor, como em qualquer outro caso de comunicação que envolva tais preceitos.

O web-documentário com função sócio-pedagógica

Foi mostrado no primeiro capítulo que John Grierson faz parte do movimento documentarista britânico e é personagem fundamental para a afirmação do documentário como gênero específico diferenciado, pelas suas características, das demais produções cinematográficas. Os escritos de Grierson12 colocam o documentário em um patamar superior de grau de importância pela sua capacidade de tratar de modo criativo os fenômenos sociais e econômicos da Grã-Bretanha dos anos 30.

Como foi visto, Grierson jamais descartou que o documentário seleciona um determinado ponto de vista na abordagem do tema escolhido pelo documentarista. Entretanto, a interpretação dessa escolha devia ter a finalidade primordial de gerar determinada reflexão, por parte da sociedade, em relação ao assunto. Esse aspecto e essa função original do documentarismo devem ser também adotados na elaboração de um produto específico para Internet, através do web-documentarismo.

Vale ainda salientar que Grierson entendia os documentários como gênero de função social e pedagógica, devendo ser sobretudo um instrumento de educação pública. Tais reflexões devem ser consideradas na produção do web-documentário já que este pode ser considerado uma evolução natural do gênero e sua adaptação a qualquer meio pressupõe, também, a transferência de seus principais elementos constituídos.

A adequação da linguagem com o meio

Mais que a simples convergência de linguagens para um único meio, a Internet determinou a configuração de novas formas de uso dessas linguagens, de acordo com a possibilidade da tecnologia envolvida. Isso significa que, ao transpor um produto para a Internet, cujo suporte original é diferente, não teremos a sua `versão' para a web, necessariamente. Quando determinada editora ou autor torna disponível na web o conteúdo integral de um livro, não quer dizer que seja uma revolução em si, a produção de um livro ``para a Internet'', mas significa apenas a possibilidade de decodificação do texto em um novo meio. O livro, sua linguagem e conteúdo são os mesmos. O texto se repete e a forma de recepção é a mesma: a leitura (impressa ou pela tela) das palavras daquele conteúdo. No entanto, é importante ressaltar que neste caso, na recepção via tela do computador, muda a prática de leitura: a própria relação do corpo do leitor com a leitura muda; a velocidade de leitura; as fusões entre as palavras e imagens - tudo isso agrega sentidos ao texto. O suporte web traz novos efeitos de sentido ao texto, diferenciando-o do seu exemplar impresso.

O mesmo aconteceria com um documentário que, produzido para o vídeo, fosse também acessível na web, já que a tecnologia assim o permite. Apesar da diferente prática de leitura - segundo Chartier, como ocorre com o livro na tela que muda a relação do corpo do leitor, a velocidade e as fusões - esse produto não deixaria de ser um documentário ``convencional'', mesmo que produzido em um suporte digital, que apenas está disponível na Internet.

O web-documentário pressupõe, antes de tudo, a sua produção específica para o meio web. Isso significa incorporar em sua forma, organização, linguagem, etc. as características próprias do meio, sempre de acordo com a tecnologia envolvida. Dessa maneira, qualquer evolução observada no uso da linguagem e da tecnologia nesse suporte será também a evolução que o web-documentário irá experimentar, acompanhando o desenvolvimento das possibilidades técnicas e simbólicas que lhes são suscetíveis.

A avaliação de alguns produtos de acordo com os pressupostos sugeridos

Depois de apresentados alguns argumentos que consideramos importantes para uma classificação preliminar dos produtos disponíveis, pretendemos confrontar as características de quatro sites arbitrariamente escolhidos para justificar os pressupostos sugeridos. Nosso objetivo, neste momento, é avaliar a pertinência desses argumentos em relação aos produtos que se autodenominam uma versão on-line do gênero documentarista.

Becoming Human

Becoming Human13 é uma produção da Terra Incógnita Develops14, empresa que trabalha com o desenvolvimento de sites educacionais e de entretenimento para a Internet. O documentário é uma jornada através da evolução humana. Navegando pelo site, o internauta acompanha a evolução do homem desde a sua origem com o surgimento dos primeiros seres da espécie. O professor de Paleontologia Danald Joanhson, um dos responsáveis pela construção deste projeto, narra toda a jornada desenvolvida.

O conteúdo apresentado resgata a cultura, a língua, a anatomia e todo o desenvolver dos primeiros primatas até o surgimento do homem moderno. Além de proporcionar um profundo conhecimento sobre o tema abordado, o documentário acaba envolvendo o internauta pela sua tecnologia e opções de navegabilidade que oferece.

Becoming Human pode ser considerado, entre os sites analisados, aquele cujas características mais se enquadram nos argumentos dos pressupostos sugeridos. Observamos que o produto atende à premissa básica considerada neste estudo: ele se apropria eficientemente, pela relevância de seu conteúdo, daquilo que intuitivamente supomos ser uma evolução cultural do documentarismo.

Os registros observados são baseados em documentos reais e na busca de relatos autorizados de profissionais envolvidos no assunto. Podemos salientar o empenho do autor no processo de concepção do produto, o emprego criativo de suas habilidades em todos os momentos como meio de estabelecer uma melhor relação com o internauta e conseguir transmitir a mensagem de forma clara e eficiente.

Becoming Human é um resgate histórico que utilizou o gênero documental para estabelecer um modelo consistente de registro e transmissão do conhecimento referente ao passado. O web-documentário referido, se assim o pudermos considerar, atinge o primeiro pressuposto sugerido a partir do momento em que se propõe a construir um registro sólido do tema envolvido, a evolução do ser humano.

Becoming Human foi concebido para o suporte digital. O pressuposto é aqui claramente atendido quando observamos que o web-documentário cumpre todas as lógicas fundamentadas por George Boole. Os sistemas audiovisuais digitais funcionam como tradutores e transportam informações para operações com números binários. Todo o processo de ``animação'' das páginas consiste no uso de recurso Flash, uma tecnologia recente para a manipulação da imagem juntamente com outros efeitos áudio-visuais, somente executado em suporte digital.

O web-documentário Becoming Human apresenta uma variação muito grande no seu modelo de navegação. No entanto, sua complexidade não dificulta a ação do usuário, que tem em quatro barras de navegação as propostas para ``caminhar'' pelo site. Essas quatro barras de navegação convergem numa apreensão bastante sensata do conteúdo e permitem que o internauta tenha acesso a todas as áreas do web-documentário, independente do caminho escolhido, pressupondo uma simulação da não-linearidade sugerida.

A primeira barra concentra os principais links do web-documentário, sendo que, em cada uma deles, o usuário encontra uma opção de navegação específica com o assunto abordado na anterior. Essa primeira barra apresenta informações referentes à cultura, anatomia, língua, prólogo e evidências. A barra ``acompanha'' o internauta durante toda a navegação.

Uma segunda barra aciona o junkebox, um espaço onde o internauta recebe as informações através da narração de um texto por um locutor, tendo um total controle do recurso sonoro. Essa barra acompanha a primeira, que nunca desaparece no decorrer da navegação. Uma terceira barra está dentro de cada link apresentado na primeira e acompanha de forma cronológica os acontecimentos referentes ao assunto abordado no instante da navegação.

O modelo de navegação proposto parece muito eficiente e claro. Permite ao internauta encontrar as informações necessárias durante toda a navegação pelo site. O modelo é intuitivo e criativo, aceita um total domínio por parte usuário na busca de alguma informação importante para complemento daquilo que vem sendo apresentado.

O web-documentário em questão é um site que oferece muitos recursos multimídias e uma interatividade eficiente com o usuário. Os recursos podem ser percebidos nos diversos formatos com os quais as informações são dispostas no documentário: vídeos, textos, sons, animações e fotos. O Becoming Human em momento algum inclui alguma mídia em potencial que comprometa o desenvolvimento das informações oferecidas. O recurso é utilizado de maneira adequada e propriamente inserido.

A convergência multimídia é uma característica desejável em produtos desenvolvidos para a Internet. Poder adquirir informações em forma de texto, vídeo e som, todos combinados ou alternados adequadamente, confere ao web-documentário um padrão respeitável de adaptação ao meio e atendimento às expectativas do receptor.

Becoming Human se justifica ainda em relação à sua função sócio-pedagógica, pressuposto apresentado neste estudo. O web-documentário analisado sugere constantes reflexões quanto ao assunto e sua abordagem é facilmente aproveitada como fonte certa de conhecimento para uma função educativa. O produto tem seu mérito ao despertar no receptor - através de uma linguagem moderna, dirigida a novos públicos e, ao mesmo tempo, específica - um elo de identidade com o seu passado, pela exposição do tema escolhido. A disposição da informação oferece graus consideráveis de profundidade e permite uma assimilação proporcional ao interesse do internauta pelo assunto.

Ainda em relação à linguagem, devemos salientar o uso adequado de hiperlinks espalhados pelos textos, sua estrutura de informação voltada especificamente para o meio e a clara intenção de ser um produto gerado apenas para o suporte pretendido. Becoming Human vem confirmar a hipótese de que o produto de características documentais é e pode ser adequadamente revisto num novo meio. Seus aspectos sugerem uma concepção específica para a web e demonstram o caráter experimental que o documentarismo alimenta, com empenho revitalizado, cada vez que inaugura um novo suporte para a sua circulação.

Classic Motown

A Motown Records é a principal gravadora musical envolvida com a chamada black music no mundo. Pela sua importância no mercado fonográfico, a empresa resolveu desenvolver um site para resgatar a trajetória do estilo desde a sua origem, no fim dos anos 1950. O site é organizado em duas partes: Motown now, como espaço institucional e comercial da gravadora; Classic Motown15, que agrupa os registros históricos sobre o assunto. Iremos considerar apenas a área Classic Motown para esta avaliação, por suas características relacionadas com as premissas documentais desenvolvidas nesta monografia.

O documentário Motown resgata a música negra norte-americana desde seus primórdios, em 1957, até os dias atuais. O site apresenta uma biografia completa dos grupos e cantores mostrados nas páginas. Classic Motown oferece, através de uma linha cronológica do tempo, uma interatividade capaz de atrair o internauta diante do conteúdo disponível.

O produto possui características documentais por expor a história dos músicos da black music durante o período de 1957 a 1987. O registro das fotos de alguns artistas em suas diferentes fases profissionais colabora para o conhecimento de cada um deles. Além da possibilidade de ``vasculhar'' a vida desses músicos, o internauta pode ``baixar'' os arquivos de várias músicas disponíveis.

Uma animação do tipo jukebox permite que o internauta navegue pelo site ao mesmo tempo em que ouve um fundo musical relacionado com o assunto escolhido. Com essa ferramenta o internauta pode interagir diretamente com os recursos sonoros oferecidos pelo documentário.

Além do uso acanhado dos recursos de animação, o site possui poucos indícios de interatividade. Um deles é o ícone message board, uma espécie de quadro de avisos para o qual o internauta envia dúvidas ou considerações sobre o assunto. Há ainda uma página onde o navegador consegue encontrar, dentre outras informações, a área de determinado artista especificado na busca, se disponível. Essa limitação confirma a hipótese de que o conteúdo de um web-documentário está limitado a uma base de dados pré-determinada e de certa forma roteirizada que é oferecida pelo seu autor. Isso se constata mesmo diante de um meio que não limita, em tese, o armazenamento e disponibilidade da informação.

Mesmo tendo sido planejado para ser veiculado na web, o Motown não aproveita de forma plena as possibilidades que a Internet oferece. Não há, por exemplo, a utilização de vídeos nesse web-documentário, ponto que compromete a sua versatilidade. Além disso, há um número considerável de textos com letras de tamanho pouco apropriado para a leitura na tela, tornando-a penosa e cansativa. As poucas animações disponíveis são insuficientes para atender à expectativa do internauta.

Por outro lado, o site oferece várias possibilidades de navegação. A barra de rolagem inferior - que incorpora uma linha do tempo - é o recurso escolhido para o internauta decidir o caminho a ser tomado diante do produto. No entanto, muitas opções se encontravam inativas no momento desta avaliação, comprometendo toda a dita versatilidade que um documentário dessa natureza pode oferecer.

O chamado ``diálogo'' com o intenauta é bastante pequeno - não há salas de bate-papo nem fóruns de discussão. Além disso, excluindo-se o link message board, não há qualquer outra opção para o internauta participar, interagir e contribuir com a composição do conteúdo. O tratamento criativo das imagens e textos está aquém do esperado quando se desconsidera o uso de vídeos num produto dessa natureza.

Apesar de alguns pontos negativos, segundo nossa avaliação, o produto tem seu mérito ao experimentar uma nova linguagem e forma de disponibilizar o seu conteúdo, pressupostos essenciais para um site que se propõe a desenvolver um registro documental.

360 Degrees

O documentário 360degrees16 registra a vida de presos encarcerados nos Estados Unidos e apresenta o modelo de funcionamento dos presídios norte-americanos. O site mostra documentos e estatísticas que apontam para os problemas que o sistema carcerário enfrenta naquele país. Através de relatos, vídeos e fotos, é possível que o internauta perceba a situação de alguns presídios e conheça o cotidiano da vida dos presos.

A página de entrada do site oferece, de imediato, uma infinidade de links animados, separados por temas de maneira criativa. Os principais elementos do documentário surgem a partir do acesso às páginas secundárias, através de botões como o stories, por exemplo, que leva o navegador a uma área com registros in loco de depoimentos sobre as experiências dos prisioneiros, parentes ou vítimas. O objetivo é transmitir ao receptor o ponto de vista de alguns indivíduos envolvidos no sistema prisional norte-americano.

Por outro link, timeline, pode-se conhecer a história do sistema carcerário norte-americano desde o seu surgimento, em 601, até os dias de hoje. Os arquivos de texto estão combinados com imagens, fotos ou desenhos que permitem a observação da forma como as prisões foram construídas e habitadas ao longo dos anos.

O produto 360degrees foi planejado apenas para o ambiente digital, tendo em vista que possui elementos de áudio, vídeo e texto que, combinados com perspectivas de navegação e interação, só podem ser aproveitados no suporte específico. A disposição dos links nesse documentário permite que se faça uma leitura de possibilidade não-linear, já que oferece diferentes tópicos de temas e direcionamentos desde a primeira página, seguindo a fórmula no decorrer de seu desenvolvimento.

A partir desse primeiro plano, é possível que se conheça o tema de maneira diversa e intuitiva, através de ``cliques'' em palavras-chave que remetem ao assunto escolhido ou às áreas de discussão e debate. O link resources, por exemplo, leva a uma página que contém a análise de diversas pesquisas estatísticas sobre o sistema prisional, vídeos e outros links correlacionados com o assunto. Pode-se escolher outro caminho, partindo do link dynamic data, para atingir a mesma informação. Nessa área estão disponíveis estatísticas e informações atualizadas a respeito dos gastos e investimentos efetuados por aquele governo em seus presídios.

Há um diálogo com o internauta que vê uma possível interatividade em links como forum, e-debate ou get involved, que levam a áreas onde são oferecidos textos, depoimentos e que permitem ao navegador contribuir com o registro de suas experiências. As imagens e textos foram trabalhados de maneira criativa e envolvente, como ocorre na área timeline, na qual datas são dispostas por camadas onde se localiza rapidamente o assunto ou período buscado.

A pertinência social pode ser constatada em resources, área onde o documentário propõe ao internauta participar de organizações que realizam trabalhos comunitários relacionados ao tema do produto. Além disso, nessa mesma página, percebe-se a preocupação dos autores com o aspecto pedagógico desejado: a área remetida pelo link curriculum se refere à importância da utilização de um produto como o web-documentário na educação e sugere o seu uso em salas de aula. Para tanto, o navegador encontra nessa área algumas informações sobre a integração do produto na sala de aula (10 ideas for classroom integration), além do relato da experiência de uma professora que já usou o 360degrees em processos pedagógicos e educativos.

Além de todos esses aspectos, o uso de uma linguagem específica, envolvente e de apelo tecnológico em relação ao meio em que é desenvolvido (uso de vídeos, áudio e animações) dá ao site visitado a qualificação esperada do produto que se pretende enquadrar num gênero relacionado ao web-documentarismo.

Elvis Number Ones

O documentário Elvis Number Ones17 nasceu com intuito de homenagear o ícone Elvis Presley após 25 anos da sua morte. Produzido pela BMG18, o site resgata toda a trajetória do ídolo desde o ano de 1956. O produto mostra o caminho percorrido pelo artista em todas as fases de sua carreira: como músico, produtor, arranjador, compositor ou até mesmo em sua atuação nas produções cinematográficas. Elvis Number Ones apresenta um acervo considerável dos documentos deixados por Elvis Presley e permite o acesso a vários vídeos e imagens daquele que é considerado o ``rei do rock''.

O documentário também mostra a discografia completa do ídolo, com dados históricos de cada obra. Com um design atraente e traduzido para 17 idiomas, Elvis Number Ones conquista os fãs de Elvis Presley e passa a se tornar referência dos entusiastas pelo artista na web.

O registro da carreira de Elvis é montado em cima de documentos autênticos e visa transpor para a atualidade aquilo que é considerado relevante em relação à vida do astro, conferindo ao produto as características documentais desdobradas nesta monografia. Elvis Number Ones se organiza em cima de fotos e vídeos originais com os quais se sustenta o documentário e que dão ao produto a qualificação esperada enquanto gênero específico.

A interferência autoral é observada a partir das concepções originais e criativas nos conceitos de design, estrutura de navegação, organização e disposição dos textos e determinação da hipertextualidade através do uso de links.

Elvis Number Ones foi concebido apenas para um suporte digital e não há viabilidade técnica de o produto ser ``executado'' numa base analógica. O site apresenta uma estrutura de navegação bastante complexa, mas de fácil acessibilidade para o público. O conteúdo é organizado a partir de cinco barras que permitem ao internauta navegar pelos temas de seu interesse, independentemente do caminho seguido. Essa característica permite uma recepção não linear diante do conteúdo oferecido pelo web-documentário àqueles que exploram o produto.

Na primeira barra está o link de acesso à área junkebox, um espaço onde o internauta seleciona entre algumas músicas de Elvis Presley aquela que quer ouvir enquanto navega pelas páginas. Pela segunda barra o usuário pode acessar e conhecer uma ficha técnica de cada um dos trinta álbuns do músico, além de ter uma sinopse do trabalho selecionado, vídeo e fotos relacionados, banda participante e outras informações do produto.

A terceira barra de navegação organiza uma linha cronológica que abrange os anos de 1956 a 1973. Cada acesso permite ao internauta conhecer os principais trabalhos e fatos ocorridos no período, sempre complementados com vídeo, fotos e informações dos trabalhos produzidos em cada ano.

Uma quarta barra apresenta as principais fases da vida de Elvis, segundo a concepção dos autores do documentário. A organização das informações nessa área se dá não mais numa visão cronológica, mas de acordo com o tipo de trabalho principal enfocado por Elvis em cada período: uma visão do artista enquanto cantor, produtor, arranjador, ator ou músico. Ao entrar numa dessas áreas, o internauta tem acesso a todos os trabalhos de cada período, um texto de contextualização de época, além de fotos e vídeos.

A quinta barra dá acesso ao conteúdo inicial básico e direciona o internauta de volta às áreas home, sessão de fotos, sessão de downloads, vídeo, promoções e escolha do idioma. O modelo de navegação é bastante ousado e não compromete a sua eficiência. As barras são fixas e acompanham o internauta durante toda a visita pelo site. Além de possuir texto, seus elementos são ``iconizados'' e ``animados'' diante da passagem do cursor sobre a imagem, uma interação com a movimentação do mouse.

A pertinência social é verificada no site pela proposta do produto em resgatar e difundir pela web aspectos e informações sobre o ídolo. O web-documentário consegue a adesão do usuário quando expõe de forma criativa o seu conteúdo, pelo uso de diferentes combinações de linguagens e mídias. Esse aspecto histórico, de resgate, contribui de forma considerável com a disseminação do conhecimento, mesmo sendo o produto destinado a públicos exclusivos. Não há no web-documentário características específicas para seu uso como ferramenta na educação, mas há conteúdo e material de pesquisa importantes como fonte de informação para os processos educativos.

Não há dúvidas que Elvis Number Ones foi concebido para um suporte digital e veiculação exclusiva na web. Isso é claramente evidenciado pelas soluções tecnológicas adotadas e também pela forma como o conteúdo foi organizado, ambos propícios à mídia on-line. Tal afirmação pode ser feita ao considerarmos o formato das imagens, a estrutura de navegação, o sistema de banco e acesso de dados, além de outras viabilidades técnicas que condizem somente para um produto feito para a Internet.

Capítulo III - Web-documentário: Formação e informação na sociedade do controle

Este capítulo tem o objetivo de refletir sobre o web-documentário como uma forma de aprendizagem típica da contemporaneidade. O desenvolvimento dessa idéia central exige que façamos alguns movimentos teóricos. Iniciaremos a discussão abordando alguns autores que analisam a sociedade atual em termos de ``modernidade'' e ``pós-modernidade'' e que focalizam as características advindas do desenvolvimento técnico e das mudanças político-sociais gestadas a partir dos anos sessenta. A reflexão sobre a sociedade contemporânea leva-nos a pensar sobre os dispositivos de controle e de produção de subjetividades na nova cena social instituída pelo desenvolvimento da técnica informática; para essa abordagem, valemo-nos das idéias de Foucault sobre as transformações das sociedades disciplinares em sociedades do controle e, conseqüentemente, as mudanças nas técnicas de subjetivação e de constituição de identidades. Ao se basear em conceitos de Foucault e Deleuze, deve-se refletir sobre a realidade contemporânea de um mundo dominado pelo poder da mídia ampliado pela nova ordem imposta pelo capitalismo renovado. Apoiado nestes teóricos pretende-se buscar alternativas de constituição de novas formas de sociabilidade e de subjetividade em um presente que se marca pela extrema utilização de instrumentos tecnológicos.

Nesse quadro que afirma a construção identitária como um extenso jogo de poder/saber - no qual os sujeitos são construídos historicamente pelas técnicas de governo das subjetividades - inserimos a discussão sobre duas concepções de ensino-aprendizagem: o condutismo e o sócio-construtivismo, a fim de mostrar que a atual conjuntura social exige a formação de novos sujeitos. O sócio-construtivismo, na medida em que propõe a formação de sujeitos críticos que agem sobre o conhecimento, levou a que se desenvolvessem novas ferramentas para o ensino-aprendizagem. É no interior dessa concepção de ensino que pensamos o web-documentário como uma ferramenta que propicia a autonomia, a interatividade e a cooperação no processo de aprendizagem. Acompanhando as idéias principais do sócio-construtivismo e lançando mão de entrevista fornecida pelo antropólogo holandês Thomas Voorter e da pesquisadora americana Lisa Spiro, pretendemos delinear o contexto contemporâneo como aquele que tornou possível e contingente a educação on line e possibilitou o desenvolvimento do web-documentário.

A colonização do ``eu'' na contemporaneidade

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia universalizou o homem contemporâneo e criou condições objetivas para que ele fosse, a um só tempo, universal e tribal. . Evitando o debate desgastado dos termos ``modernidade'' e ``pós-modernidade'', Guiddens descreve a paisagem de alta modernidade, enquanto desenvolvimento de um projeto iniciado séculos atrás, na qual se perfilam possibilidades revolucionárias para novas experiências de vida social e pessoal. Para Guiddens, o que facultaria o entendimento de nosso presente seriam os mecanismos de desencaixe dos sistemas sociais a partir da separação tempo-espaço radicalizados em termos de ritmo e escopo de mudança. Passamos, assim, a viver num mundo em que relações se dão independentemente dos determinismos e tradições locais. Tais transformações estão intimamente relacionadas ao desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e informação que ganharam incremento a partir do movimento de aproximação entre as diversas indústrias - equipamentos, eletrônica, informática, telefone, cabos, satélites, entretenimento e comunicação. Como em todo momento de transição, ainda convivem valores deste mundo em transformação com os valores antigos, vinculados aos velhos paradigmas da sociedade moderna. Um elemento da modernidade ainda presente é a concentração do capital na esfera do sistema mundial de comunicações ou ainda, o sistema de ensino que precisa ser repensado e integrar-se neste conjunto de transformações.

Para o teórico Michel Foucault, aquilo que chamamos de sujeito não é um dado, isto é, não preexiste aos seus próprios atos de fala: o self não pré-existe às formas pelas quais ele é reconhecido socialmente. Isso significa que - ao contrário do que nos ensinaram as filosofias da consciência - o sujeito que cada um de nós é não se tornou assim a partir de um proto-sujeito, desde sempre natural e biologicamente ali presente. Na realidade, o sujeito foi sendo construído, moldado, iluminado, conscientizado, para ser, por fim e talvez, libertado na Modernidade. Surge, então, uma nova forma de agir no mundo contemporâneo que começa a ser gestada em um outro logos, não mais operativo, mas que tem na globalidade e na integridade seus vetores mais fundamentais.

Um dos grandes problemas do mundo contemporâneo se situa na esfera da educação: erguer um sistema educacional que forme no sujeito ativo o jovem profissional que viverá impregnado de comunicação em um mercado de trabalho em constante transformação. A educação não pode permanecer apenas contemplando o movimento de transformação que está ocorrendo na sociedade como um todo - incorporar os novos recursos da informática na educação não se constitui como garantia de que se está fazendo uma nova educação para o futuro. Ao contrário, observa-se que esta incorporação vem ocorrendo, basicamente, em uma perspectiva instrumental, com a simples introdução de recursos tecnológicos - considerados melhores - em velhas práticas educativas. É necessário que haja uma integração mais efetiva entre a educação e a informática e isso só se dará se estes novos meios estiverem presentes nas práticas educacionais como fundamento deste novo sistema educativo. A escola no mundo contemporâneo deve ser pensada enquanto participante da construção desta sociedade e não como uma resistência aos valores em declínio ou, ainda, como espectadora não-ativa dos novos valores em ascensão.

A partir do desenvolvimento da teleinformática, a humanidade passou a viver a experiência de capturar e manipular a realidade objetiva em tempo real, causando uma verdadeira revolução no sentido e nas práticas do pensamento moderno. No contemporâneo, a partir do resgate da natureza histórica do objeto da Razão, tornou-se inevitável o surgimento de um ambiente de registro que transcendesse as limitações impostas pela escrita - o hipertexto. As ferramentas da web passam a ser reformuladas para atender e suprir as necessidades de um leitor produzido à luz de um modelo novo de pensamento científico, ``pós-moderno'', dirigido ao mundo em devir - asseqüencial e histórico. Isso acontece na mesma proporção em que a escola ainda busca formar um leitor passivo diante de um texto que tem uma lógica irrecorrível. Por outro lado, esse mesmo jovem do mundo do pensamento cotidiano, usuário de hipertextos, busca intuitivamente formar-se um leitor ativo, de um texto que lhe faculte interagir segundo suas diretrizes, com relação direta com o mundo, transitória e em tempo real.

As práticas de subjetivação na sociedade do controle

Em muitos dos seus ditos e escritos, Foucault trata da genealogia dos poderes, abordando, a partir de análises históricas, as tecnologias do poder e a produção dos saberes na sociedade ocidental. 19 Ocupa lugar central nesses estudos a idéia de que, historicamente, desenvolveram-se sociedades disciplinares, nas quais o poder, exercido sobre os corpos, obedece a técnicas e mecanismos que organizam o sistema de poder e de submissão: ``... houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo - ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam'' (FOUCAULT,1987, p.125).

Segundo as teses foucaultianas, o poder está fundamentalmente ligado ao corpo, em todas as sociedades modernas, uma vez que é sobre ele que se impõem obrigações, limitações e proibições. É, pois, na ``redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento'' que se instala e reina a docilidade. É dócil o corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado, aperfeiçoado em função do poder. Em Vigiar e Punir (1987, p.126) Foucault mostra que, nos séculos XVII e XVIII, junto com a aparição da arte do corpo humano, houve a descoberta do corpo como objeto transformável em eficiência e alvo do controle. É o que ele denomina de ``momento das disciplinas''. Desde então, tem-se apenas variado as técnicas de submissão e controle. Os mecanismos disciplinares que organizam os corpos nas prisões, nos hospícios, nos quartéis, nas empresas, nas escolas, etc. tomam a forma social mais ampla de uma sofisticada e sutil tecnologia de submissão (movimentos, gestos, silêncios que orientam o cotidiano).

Esse poder que se exerce sobre o corpo é ininterrupto e, por isso, naturalizado, é internalizado pelo sujeito. A sociedade moderna construiu uma maquinaria de poder através do controle dos corpos (anatomia política), isto é, o corpo para fazer não o que se quer, mas para operar como se quer. É a tecnologia da disciplina fabricando os corpos submissos. Essa anatomia política desenha-se aos poucos até alcançar um método geral e espalhar-se numa ``microfísica do poder'' que vem evoluindo em técnicas cada vez mais sutis, mais sofisticadas e, com sua aparente inocência, vem tomando o corpo social em sua quase totalidade.

O advento da imprensa provocou mudanças nos métodos de coleta de dados, sistemas de armazenamento e recuperação da informação, bem como as redes de comunicação utilizadas pelas comunidades cultas da Europa. Ao se basear em Foucault, podemos afirmar que a Internet atua como dispositivo sofisticado de produção de disciplinarização, controle e difusão do saber e do poder.

No entanto, afirma o pesquisador foucaultiano Didier Eribon, essa "disciplinarização" das sociedades capitalistas não significa que os indivíduos que dela fazem parte passivamente repetem gestos de semelhança em casernas, escolas ou prisões; mas que a sociedade procurou um ajustamento cada vez mais controlado - cada vez mais racional e econômico - entre as atividades produtivas, as redes de comunicação e o jogo das relações de poder. Se só houvesse a escravização, a submissão e a passividade, seria o ``fim da História''. Apesar dessa "disciplinarização", do controle e da vigilância contínua, nenhum poder é absoluto ou permanente; ele é, pelo contrário, transitório e circular, o que permite a aparição das fissuras onde é possível a substituição da docilidade pela meta contínua e infindável da libertação dos corpos.  Tais formas de resistência podem se expressar em simples gestos, descobertas ou novas propostas. O exercício do poder não é um fato bruto, um dado institucional, nem uma estrutura que se mantém ou se quebra; ao contrário, ele se elabora, transforma-se, organiza-se, dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados.

Aos olhos de Foucault, na sociedade contemporânea, as lutas giram em torno de uma mesma questão: a da busca da identidade. Elas são uma recusa às abstrações, uma recusa à violência do Estado econômico e ideológico que ignora que somos indivíduos, e também uma recusa à inquisição científica e administrativa que determina a nossa identidade. Em suma, o principal objetivo dessas lutas não é o de atacar esta ou aquela instituição de poder, ou grupo, ou classe ou elite, mas sim uma técnica particular, uma forma de poder que se exerce sobre a vida cotidiana imediata. 20 Esse poder - contra o qual os sujeitos se digladiam em micro-lutas cotidianas - classifica os indivíduos em categorias, designa-os pela individualidade, liga-os a uma pretensa identidade, impõe-lhes uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. 21 Adotando uma perspectiva geral, pode-se entender que há três tipos de lutas pela construção da identidade: a) aquelas que se opõem às formas de dominação (étnicas, sociais e religiosas); b) aquelas que denunciam as formas de exploração que separam o indivíduo daquilo que produz; e c) aquelas que combatem tudo o que liga o indivíduo a ele mesmo e asseguram assim a submissão aos outros (lutas contra a sujeição, contra as diversas formas de subjetividade e de submissão).

Longe de ser um autômato passivo, o sujeito vive numa constante tensão entre a aceitação do poder e a insubmissão da liberdade. Assim, não há uma servidão voluntária, pois no coração da relação de poder, provocando-a sem cessar, está a relutância do querer e a intransitividade da liberdade. Mais do que um antagonismo essencial, há, aí, um "agonismo- uma relação que é simultaneamente incitação recíproca e luta, uma provocação permanente.

Na interação com o web-documentário, o sujeito não recebe as informações de maneira passiva. Diante da oportunidade de construção dos caminhos, a rede cria a possibilidade de insubmissão. Ao contrário das teses catastróficas de que a Internet cria cidadãos pacíficos, seus instrumentos podem provocar a criatividade, por exemplo, na relação web-documentário / agenciamento do conhecimento.

O ponto mais importante, para Foucault, é a articulação entre relações de poder e estratégias de afrontamento, pois toda relação de poder implica, potencialmente, uma estratégia de luta, sem que por isso elas se sobreponham, percam suas especificidades e, finalmente, confundam-se. Relações de poder e estratégias de luta constituem, uma para a outra, uma espécie de limite permanente, um ponto de reversão possível. Ao mesmo tempo, elas constituem uma fronteira: não é possível haver relação de poder sem pontos de insubmissão que, por definição, lhe escapam. Em suma, toda estratégia de afrontamento sonha em transformar-se em relação de poder; e toda relação de poder pende, na medida em que ela segue a sua própria linha de desenvolvimento e que evita as resistências formais, a tornar-se estratégia ``vitoriosa''.

Entre relação de poder e estratégia de luta, há, constitutivamente, apelo recíproco, encadeamento indefinido e trocas perpétuas. Neste aspecto, levanta-se a seguinte proposição: qual a estratégia de luta para um país como o Brasil em que o acesso à Internet é limitado a poucas pessoas? Isso cria o que tem sido chamado de analfabetismo digital - um grande número de brasileiros que está alijado das tecnologias contemporâneas e dos conhecimentos que elas propiciam. A adoção das novas tecnologias no ensino formal pode ser um forte instrumento de resistência contra o poder que pretende separar, classificar e excluir aqueles que não dominam as novas tecnologias. Tendo isso em vista, pode-se pensar inversamente e colocar a seguinte questão: será que a Internet é apenas instrumento de exclusão? Não é possível um movimento que leve à escola essas novas formas de conhecimento? O Web-documentário pode ter papel importante na disseminação do conhecimento, enquanto instrumento que destrói a exclusão. De acordo com o antropólogo Thomas Voorter, gradativamente os conhecimentos de multimídia serão tão importantes para as escolas quanto os conhecimentos de escrita e leitura são hoje em dia. Voorter acredita que apesar do lento desenvolvimento tecnológico, o principal desafio atual é estabelecer uma educação voltada à Internet e multimídia. Segundo ele, muitas empresas holandesas doam computadores para as escolas por meio de parcerias, como forma de diminuir a exclusão digital.

Ao aninhar-se do ciberespaço, o documentário forma o circuito de sua recepção, pois passa a depender dos equipamentos de transmissão de dados. Assim, o web-documentário possui um olhar instrumentalizado, de quem deve possuir os aparelhos para a recepção da informação e, ao mesmo tempo, dominar a técnica de captação dos dados que lhe são transmitidos via Internet. A comunidade de leitores instrumentalizados ainda é reduzida. Os caminhos para o conhecimento são múltiplos, mas seguem uma trilha básica semelhante: partem do concreto, do sensível, do analógico na direção do conceitual, do abstrato. Segundo Voorter, há uma seqüência lógica que deveria ser respeitada para que o aprendizado em teleinformática fosse efetivo. No primário, as crianças deveriam aprender habilidades informáticas na sala de aula na Internet, para que se familiarizassem com os aplicativos como o mouse, a tela do computador, a janela. A partir desses conhecimentos, os alunos possuem habilidades para explorar as publicações interativas - como o web-documentário - internalizando os conhecimentos que foram explorados ao longo da mídia: palavra, som e imagem. O próximo passo, segundo Voorter, é adquirir os tais conhecimentos de multimídia - processamento de palavras, edição de som e imagem, produção e publicação de documentos interativos. Finalmente, o antropólogo elege como importantes para os conhecimentos de informática os sistemas de colaboração, o ativismo on line e a participação em comunidades virtuais. Dessa maneira, quanto mais se superpõem os caminhos para o conhecimento, mais facilmente se consegue atingir a todas as pessoas e relacionar melhor todas as possibilidades de compreensão. O conhecimento integrado depende cada vez mais da valorização do sensorial. (KELLNER, on line).

É evidente que tais suposições não podem ser pensadas como a solução para as desigualdades, para as diferenças. Uma sociedade em que todos e cada um encontrassem seus lugares em uma rede de significações seria uma sociedade estática, paralisada e, portanto, só poderia ser concebida abstratamente. As sociedades são sempre constantes construções de suas próprias referências: como as lutas pelo poder são lutas por fixação de significados, tem poder quem detém os canais de produção e circulação de informações. Os momentos de crise, de acordo com Gilles Deleuze, são momentos de fragmentação deste poder, em que muitos ``falam'' e há uma grande quantidade de significados flutuantes, como que à espera de serem articulados em cadeias significantes. A própria Internet é um poderoso canal de produção e circulação de informações. O web-documentário possibilita um processo de leitura em telas que se tornam teias. O acesso à Internet é o acesso às realidades por meio do clássico clique no mouse, demonstrando uma a inscrição de estrutura subjetiva na dimensão amorfa do cotidiano, formas de leitura e de escrita, formas de virtualização e de atualização sucessivas. Assim, há à apropriação de um espaço que conduz o leitor de um texto a outro sucessivamente. Tal leitura em camadas constitui a polifonia do web-documentário, pois a disponibilidade de links permite que o leitor acesse outros textos e significados. Assim, os recursos da hipermídia acabam por oferecer possibilidades de complementação dos assuntos e o web-documentário adquire extrema importância no arquivamento e disseminação de informações.

Em seus últimos livros que compõem a ``história da sexualidade'', Foucault se volta para a discussão da subjetivação. Alguns críticos entenderam que Foucault, que propusera a ``morte do homem'', estava agora restaurando o sujeito. Entretanto, o que Foucault entende por ``subjetivação'' é a produção dos modos de existência ou estilos de vida. Foram os gregos, segundo Foucault, que instituíram a subjetivação e na modernidade há formas múltiplas de produção de individualidades. Como afirma Deleuze, para Foucault os processos de subjetivação não são, de modo algum, a constituição de um sujeito, mas a criação de modos de existência, que Nietzsche chamava de ``novas possibilidades de vida'', e cuja origem ele também remontou aos gregos. O web-documentário enquanto ferramenta acaba por possibilitar, por conta de tais características intrínsecas, a produção de novas identidades com o acesso instantâneo ao conhecimento e seus reflexos nos sujeitos contemporâneos.

Como nos mostrou o filósofo, cada um de nós, enquanto sujeito, é o resultado de uma fabricação que se dá no interior do espaço delimitado pelos três eixos da ontologia do presente, a saber: os eixos do ser-saber, do ser-poder e do ser-si. São os dispositivos e suas técnicas de fabricação - de que a disciplinaridade é um forte exemplo - que instituem o que chamamos de sujeito. Nesse sentido, cada um faz não o que quer, senão aquilo que pode, senão aquilo que lhe cabe na posição de sujeito que ele ocupa no diagrama, num dado momento. O diagrama não é o destino, ele não está desde sempre posto, ele não é estável. Justamente porque é contingente, o diagrama se altera; a rede está sempre se rompendo, aqui e ali, de modo que o ponto que cada um ocupa está sempre sujeito a variações.

O corpo é o objeto das disciplinas; não apenas enquanto alvo das ações disciplinares, mas também enquanto sede capaz de pensar de uma maneira ordenada e representacional e, por aí, capaz de dar um sentido particular àquilo que pensa. A disciplinaridade passa a funcionar como uma matriz de fundo que, por si só, impõe ao corpo determinados códigos de permissão e de interdição e maneiras muito peculiares de pensar o mundo.

No plano da Teoria Política, o novo uso das disciplinas instaura um novo tipo de poder absolutamente imprescindível para que a lógica do código de soberania dê lugar à lógica do código de normalização. Isso que Foucault chamou de ``governamentalização'' consistiu no deslocamento de um poder pastoral exercido pelo soberano para um poder pastoral difuso no Estado. Tal não teria acontecido se cada indivíduo não pudesse olhar disciplinarmente para si e por si mesmo. Por aí, então, chega-se ao plano do sujeito. Tanto as práticas quanto os saberes disciplinares colocam em ação técnicas que começam a mudar, a partir do Renascimento, o vetor da individualização. No Estado de Justiça, ela é máxima nas frações superiores: quanto mais próximo ao soberano-rei-pastor, maior o nome, mais notáveis os feitos, mais fortes e claros os limites do indivíduo. Quanto mais afastado dessas frações superiores, quanto mais junto ao popolo grasso, menores esses limites e menos nominado cada indivíduo. No Estado de Governo, o vetor se inverte: o poder se capilariza, a individualização atinge a todos, todos têm nome, cada um tem seus limites, um lugar a ocupar; cada um é um caso. A notabilidade, não tendo como se estender a todos, é substituída pela normalização, essa invenção que indica quem está e quem não está dentro dos limites que ela mesma determina, essa invenção que separa uns e outros em normais e anormais. Isso implica constantes classificações segundo retículos que definem que, para cada critério, uma coisa é aquilo que as outras coisas não são.

Foram as disciplinas que permitiram a substituição da individualidade rara dos memoráveis pela individualidade comum dos calculáveis. Mas, para que tudo isso não precise ser imposto - o que exigiria consideráveis custos sociais, econômicos e pessoais -, é preciso que cada um aprenda a calcular a si mesmo, ou seja, que cada um se posicione, a si mesmo, nos muitos e muitos retículos disciplinares que cada vez proliferam mais. É aí que se estabelece, então, todo um conjunto de dispositivos e respectivas tecnologias para ensinar cada um de nós a se calcular como um objeto-de-si-mesmo.

É claro que, numa perspectiva foucaultiana, não se deve pensar em tais dispositivos e respectivas tecnologias como invenções negativas, intencionais, cruéis, desumanas, conspirativas, regressivas ou a serviço do mal. Ao contrário, dispositivos e tecnologias disciplinares devem ser pensados em suas positividades, dado que são produtivos. Aqui, positividade e produtividade não devem ser tomadas no sentido moral, senão como atributos de algo que produz efeitos, que fabrica coisas.

A disciplinaridade é, pois, um conjunto de técnicas de subjetivação. Por exemplo, a educação escolarizada é um imenso e eficiente dispositivo encarregado de tanto disseminar a fabricação de um novo indivíduo numa nova configuração social, quanto de fazer várias conexões entre poder e saber. Como engrenagens dessa ampla maquinaria escolar, há a invenção e o papel do currículo, a invenção da criança, da infância e da própria Pedagogia - ela mesma uma disciplina fortemente prescritiva. Há que se observar, ainda, a função duplamente disciplinadora do alfabetismo. Daí decorrem aspectos disciplinadores dos projetos educacionais calvinista e jesuítico, da arquitetura escolar, da avaliação, dos diferentes tipos de escolas (reformatórios, orfanatos, colégios, etc.), dos diferentes cenários escolares (sala de aula, gabinetes, seminários, laboratórios, etc.).

Discutindo a fabricação do sujeito, Foucault disse: textitAs 'Luzes' que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas" (p.195). A Escola - enquanto instituição responsável pela disseminação do conhecimento - foi uma invenção da sociedade burguesa do iluminismo. A escola se encarrega de educar a todos, no sentido da adesão ao formalismo. Deve-se reconhecer, então, o outro lado da escolarização, evidenciando que a escola tenha colaborado decisivamente para o processo de normalização, tornando-se mais um lugar de adestramento.

O fato de ser produto da sociedade capitalista deu a ela certas características e norteou suas concepções sobre o ensino-aprendizagem. A contemporaneidade e a sociedade do controle trouxeram modificações nas formas de compreender a construção do conhecimento. É nesse contexto que podemos pensar o papel da educação a distância e o web-documentário como uma ferramenta sócio-construtivista típica da contemporaneidade.

A Internet como escola ``sem paredes''

A educação - com advento das tecnologias que integram sons, textos, imagens, animações e informações com recursos multimídias - tem a aparência transformada a cada instante. Entretanto, a simples incorporação de tremendo arsenal tecnológico não implica na garantia de melhoria no padrão pedagógico desenvolvido nos sistemas formadores. Os meios eletrônicos, a priori, resolvem os problemas da informação e não da formação. Tal constatação é particularmente pertinente quando pensamos que as novas tecnologias, em si, não podem provocar mudanças na forma de se ensinar e aprender. Uma educação que se baseie na transmissão de conhecimentos, no aluno que se limita a assimilar aquilo que o professor e o currículo sugerem como adequados, continuaremos a ter um alto grau de dependência do aluno em relação ao saber, à orientação e à autoridade do professor enquanto responsável pelo ato educativo. Em contrapartida a esta situação educacional vigente em grande parte das instituições de ensino, uma abordagem inovadora propõe um enfoque pedagógico que oferece a possibilidade de re-conceituar a educação e modificar a utilização das tecnologias educacionais contemporâneas.

O conceito de aprendizagem sempre esteve intimamente ligado ao indivíduo. Aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo, inserido no contexto social, elabora uma representação pessoal do objeto a ser conhecido. Tal relação acontece no confronto dos conhecimentos anteriores do sujeito com a realidade histórica e culturalmente determinada. Dessa maneira, o conhecimento não só é transmitido de uma geração a outra, mas também evolui com novas representações. Tais representações mentais do mundo são construídas em função das novas experiências e interpretações da realidade realizadas por cada sujeito. Logo, o conhecimento está em constante transformação e atualização. Apesar de parecer consagrado, tal concepção do ato de aprender é recente e ainda não totalmente aceita por todos.

Historicamente, o conceito de aprendizagem foi associado à aquisição de fatos, valores e condutas acumulados no interior do aprendiz, transmitidos por meio dos ensinamentos e veiculados durante a educação formal ou informal. Segundo Deschênes, as práticas educativas, sejam elas desenvolvidas de maneira presencial ou a distância, se apóiam em modelos tradicionais. Essa concepção ficou conhecida como condutivismo ou behaviorismo. Tais modelos, denominados behavioristas clássicos, apenas reproduzem os problemas do ensino presencial pois, fragmentado e dissociado dos contextos reais, não se encaixam nas necessidades atuais de formação do profissional contemporâneo.

Segundo os condutivistas, na medida em que os sentidos projetam a realidade na mente, o conhecimento é adquirido como uma tábula rasa. Nesta corrente, o corpo humano é estudado como um conjunto de elementos unidos por regras sintáticas e por princípios de correspondência e a aprendizagem está baseada no condicionamento humano (estímulo-resposta) sem a interferência dos processos mentais na elaboração dos conceitos. Disso decorre a suposição de que a aprendizagem é controlada fora do indivíduo, já que o aprendiz recebe estímulos externos como uma tábula rasa, de forma passiva e incontestável. A partir desse conceito de sujeito-aprendiz como um ser passivo, os valores dos alunos e as diferenças individuais entre os aprendizes não são considerados no processo de aprendizagem e, por isso, julga-se necessária a padronização do conteúdo e das atividades. A descontextualizar e simplificar tarefas são pontos centrais do condutivismo. Nestas linhas de concepção, as necessidades de aprendizagem e os interesses do indivíduo são desconsiderados.

Esse paradigma pedagógico, atuante nas décadas de 30 e 50, foi superado por um enfoque mais atual da psicologia científica: o cognitivismo - ao trazer mudanças nas teorias de aprendizagem e de construção do conhecimento. Para os cognitivistas, o conhecimento é produzido como uma construção mental e individual do sujeito, numa relação que envolve o conhecimento existente com o conhecimento novo. Os cognitivistas preocupam-se com o trabalho da mente no processamento e na transformação da informação desenvolvida na aprendizagem. No interior dessa concepção cognitivista, consolida-se a hipótese de que a mente processa informações por meio de operações semelhantes à de um computador.

Dessa concepção de aprendizagem - que, a princípio pode se mostrar mecanicista e tecnicista - derivou uma das mais fecundas correntes contemporâneas sobre a educação: o construtivismo. Ela tem suas raízes na observação de que a nova dinâmica social - englobando a flexibilização produtiva, as novas formas de organização do trabalho e a revolução tecnológica - propõe um novo sujeito do conhecimento, detentor de mais autonomia e em constante processo de aprendizagem. Pela sua sintonia com as mudanças sociais, o construtivismo vem suplantando métodos antiquados e se estabelecendo como um paradigma dominante no processo educativo atual. Ao partir de autores consagrados como os teóricos do construtivismo, Vygotsky e Piaget, e de suposições de Jonassen, pode-se considerar como a premissa fundamental do construtivismo o aluno/profissional como sujeito ativo do seu próprio conhecimento. Tal enfoque se diferencia, principalmente, ao promover a capacidade crítica do aluno, criando subsídios para que este possa avaliar, reunir e selecionar. Dessa maneira, o aluno é capaz de organizar informações de forma criativa e intervir em problemas do contexto real. O indivíduo utiliza-se de seu conhecimento anterior, de suas habilidades, da interação e negociação de experiências e significados socialmente constituídos para construir símbolos e representações da realidade.

Somente no interior dessa nova concepção de aprendizagem - o construtivismo - é possível pensar em uma ferramenta como o web-documentário. Pelas suas características, o aprendiz precisa ter relativa autonomia, precisa elaborar o conhecimento e construir suas hipóteses, isto é, precisa participar do processo de aprendizagem.

Influenciado pelos trabalhos de Piaget, o construtivismo destaca-se pelo fato de considerar o sujeito como construtor do conhecimento. Para os construtivistas, a aprendizagem é um processo de reestruturação de conceitos prévios existentes em cada indivíduo. Logo, ao aprender um conceito, novas interpretações são construídas. Nesse sentido, o conceito não pode ser definido apenas por seus atributos, mas a partir de um conhecimento anterior que estabelece uma interconexão com outros conceitos. Logo, Piaget parte da premissa de que o conhecimento é sempre uma reestruturação de um conhecimento prévio. No web-documentário, as interconexões de conhecimentos são feitas por mecanismos de navegação, por links, pela associação entre palavras e imagens, por bancos de dados - isto é, informações disponibilizadas no site mas que exigem que o aprendiz organize, desenvolva os laços, traga para a aprendizagem seus conhecimentos anteriores, posicione-se diante da construção do conhecimento. Assim, a leitura em camadas constitui a polifonia do web-documentário, já que a disponibilização de links permite que o leitor acesse outros textos e significados. Dessa forma, o hipertexto oferece possibilidades de complementação dos assuntos, resgatando memórias que estão em outros ambientes da rede.

Além da fundamentação nos estudos de Piaget, o construtivismo possui raízes na psicologia de Vygotsky. Enquanto Piaget considera o conhecimento como um processo consciente numa ação do sujeito sobre o mundo e sobre si mesmo, Vygotsky ressalta o papel das interações sociais na aprendizagem.

Influenciado pela tradição Kantiana que afirma que ``a razão só entende aquilo que produz segundo seus próprios planos'' (KANT, 1989, p.31), o construtivismo trata de um enfoque teórico que aborda o conhecimento como uma construção humana de significados na interpretação do mundo. O web-documentário apresenta, como em todo texto, uma visão de mundo, baseada na interpretação dos dados sociais. No entanto, ao contrário dos materiais convencionais, os recursos de navegação ampliam as potencialidades significativas: o aprendiz tem à disposição uma heterogeneidade de textos que precisa manipular e ele deve ser crítico, criar seus caminhos de leitura (já que há inúmeras maneiras de ler e, assim, adotar posição crítica). Sendo assim, como uma caixa dentro de uma caixa dentro de uma caixa, sucessivamente, constroem-se vários caminhos, vários níveis de relações intertextuais, em páginas que se sobrepõem. O suporte hipertextual permite ao navegador uma leitura não linear, na qual ele se engaja em um processo de interconexões que podem levá-lo tanto para o interior do próximo espaço quanto para outros textos em outros lugares do ciberespaço.

A posição crítica do aprendiz diante do web-documentário, assim, vem ao encontro daquilo que Piaget entende como o processo de ``equilibração'', em que a aprendizagem ocorre mediante desequilíbrios ou conflitos cognitivos. De acordo com ele, na realidade os sujeitos se defrontam com os conhecimentos novos e sofrem um desequilíbrio nos esquemas cognitivos (conhecimentos prévios). Após este estranhamento inicial, há o processo de assimilação, ou seja, a interpretação da informação nova com base na referência anterior. Finalmente, há a acomodação, momento em que ocorre a adaptação de novos conceitos ou idéias às suas estruturas existentes, modificando-as. Tal processo, caracterizado como construção de conhecimento, enfatiza que a aprendizagem acontece mediante a reorganização dos esquemas cognitivos, produzindo mudanças e integrando-se às novas estruturas conceituais do indivíduo.

No entanto, essa construção do conhecimento não é algo que se processe apenas ``no interior'' do sujeito, pois a aprendizagem é tipicamente um fato social. De acordo com Vygotsky (1998), o homem é impulsionado por necessidades de adquirir novos conhecimentos, de ser coerente com valores éticos e princípios políticos, que são colocados e incorporados pela sociedade ao longo de sua vida até a morte. Tais motivações qualificam o processo do conhecimento a partir de ordens sensoriais e racionais.

O indivíduo torna-se membro de uma sociedade a partir de seu nascimento, vivendo em meio a um mundo constituído por um universo de símbolos - socialização primária. Na medida em que se desenvolve, ele percebe a diversidade de saberes no mundo - socialização secundária. O conhecimento, neste caso, é a construção realizada por meio da mediação entre o sujeito e o mundo, ou seja, constrói-se uma representação pessoal da realidade - a realidade subjetiva - e a confronta constantemente com a realidade objetivada socialmente.

Dessa maneira, o web-documentário atua como mediação entre o sujeito e o mundo. Diferentemente dos materiais tradicionais, o web-documentário caracteriza-se pela diversidade de meios. O fluxo não seqüencial do texto na tela, sua descontinuidade, suas fronteiras invisíveis levam o olhar para várias dimensões, instituindo a simultaneidade, as imagens em movimento criando a ilusão de referencialidade. Tal diversidade de recursos possibilita ao aluno aprofundamento nos assuntos. Segundo Lisa Spiro, ``o web-documentário é capaz de ajudar os estudantes a darem sofisticação aos conhecimentos que possuem de suas próprias comunidades''. (entrevista em anexo)

Na construção de conceitos, o indivíduo dispõe de duas vias: os conceitos adquiridos a partir das experiências vividas no cotidiano e os conceitos adquiridos por meio da instrução, conscientização e sistematização. O primeiro se desenvolve da experiência para a teoria. O segundo, do abstrato para o concreto. A aprendizagem é, dessa maneira, fruto das interações com o mundo, concebida por meio do processo de internalização das ações sociais, transformando-as em ações intrapessoais. Por isso, o conhecimento sofre influência daquele conhecimento acumulado no mundo pela cultura e transmitidos por meio da instrução e também pela re-significação com a formação de novos conceitos significados.

O web-documentário constitui uma nova relação entre o sujeito e a realidade, na qual o saber transita entre o confronto e a negação da realidade objetivada socialmente, o que irá resultar na modificação da percepção que o sujeito tem do ``real empírico''. Em tal processo, a realidade é construída e reconstruída no confronto das idéias materializadas pelos mecanismos da web. Para Vygotsky (1998), a cultura ``é parte constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá através da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações'' (REGO, 1995,p.42). O novo suporte informatizado determina uma nova maneira de o sujeito operar com as informações: diante da tela do computador, o ser humano se individualiza e se faz sujeito de seu conhecimento em relação com um outro (virtual, imaterial), resultando desse encontro a re-significação de suas experiências culturais. Assim, o web-documentário é um instrumento que transforma a mediação do sujeito com o mundo, transformando, por conseqüência, a unidade do pensamento e do intercâmbio cultural na (re)-construção da realidade.

Transforma-se, dessa maneira, a relação sujeito-aprendiz com a memória cultural na medida em que ele tem que reorganizar as informações, no web-documentário, o sujeito precisa reconstruir os links entre as informações do presente com as do passado. Como em um jogo de espelhos, ele é convidado a entrar num quebra-cabeça de informações cruzadas cuja coerência tem que ser reconstituída. A não-linearidade dos caminhos de leitura das informações é central no web-documentário. Visto assim, o hipertextual configura o web-documentário como um labirinto no qual o autor edificou a possibilidade de várias rotas, inscreveu suas marcas de maneira icônica, deixando ao leitor a tarefa de encontrar as saídas.

Como em um processo que amalgama sentidos semióticos verbal e não verbal, os links se encontram estruturados mas não determinam totalmente a interpretação dos sentidos que vão sendo construídos. Só podem oferecer infinitas possibilidades de conexões favorecendo a flexibilização das fronteiras e acabando por aproximar as diferentes áreas do conhecimento. O web-documentário pode se constituir, pois, em uma ferramenta imprescindível a uma concepção sócio-construtivista de educação.

No enfoque construtivista, o trabalho cooperativo é visto como uma possibilidade permanente de trocas de experiências individuais. O reconhecimento do outro como aquele que detém o saber diferente, interdisciplinar e complementar, logo, importante na construção de sentidos compartilhados é condição fundamental para a aprendizagem. De acordo com Jonassen, no trabalho cooperativo ``os alunos trabalham naturalmente na construção da aprendizagem e do conhecimento construindo comunidades enquanto fornecem apoio moral e observam as contribuições de cada membro''. (1997). Esse enfoque muda o papel dos professores, que passam de detentores unilaterais do conhecimento a terem postura de orientadores ou facilitadores pedagógicos. Assim, em vez de depositários do saber, eles passam a se preocupar em prover ambientes e ferramentas que facilitem os alunos a interpretar as múltiplas perspectivas de análise do mundo real, possibilitando a construção de suas próprias perspectivas. Essa relação dialógica - por meio da participação ativa dos aprendizes no seu processo de crescimento cognitivo e afetivo - leva o aluno a aprender, construindo seus próprios significados. Isso ocorre, por exemplo, no ensino a distância, em que uma das premissas é o conceito de ``aprender a aprender''.

A construção do conhecimento se dá mediante a interação dos homens por meio da linguagem. O indivíduo aprende a viver no universo de símbolos da sociedade objetiva partindo das condições que esta lhe proporciona para a socialização. Esse universo simbólico, segundo o teórico Vygotsky, é transmitido de geração a geração por meio de diferentes estratégias contidas nos sistemas formais e não formais da educação, expressos principalmente nos sistemas de ensino, nos conteúdos escolares e nas estruturas familiares, com o intuito de que ele elabore representações individuais da realidade (subjetiva) e as confronte com a realidade objetivada socialmente.

O sistema de ensino tem papel fundamental na formação de conceitos, facilitando o acesso ao conhecimento científico construído e acumulado sistematicamente pela humanidade em frentes que não estão presentes na vivência direta do aprendiz. Por isso, a eficácia da aprendizagem depende de várias dimensões (sociais, éticas, técnicas, históricas, psicológicas) e, conseqüentemente, necessita que sejam convergidas diferentes áreas do conhecimento para sua efetiva realização. Para a formação de um sujeito crítico é necessário colocá-lo em contato com instrumentos que lhe forneçam informações relevantes sócio-culturalmente, a fim de que possa atuar construindo conhecimentos indispensáveis à sua intervenção na realidade. Assim fazendo, permite-se que ele desenvolva a capacidade para planejar, acompanhar, refletir, confrontar as situações da realidade e avaliar o próprio processo de construção do conhecimento. Coloca-se novamente em pauta o confronto entre o conhecimento existente e o conhecimento novo, chamado por Piaget de conflito cognitivo - ``desequilibração'', assimilação e acomodação: como os conteúdos são capazes de alterar os conhecimentos prévios, podemos afirmar que um dos intuitos da educação é que os esquemas de conhecimentos se modifiquem e a aprendizagem torne-se significativa.

Para que essa aprendizagem se efetive, é necessário um ambiente construtivista, em que as tecnologias sirvam aos alunos como auxílio ao desenvolvimento do pensamento reflexivo, colaborativo e ativo no desenvolvimento do processo pedagógico. Para Jonassen (1997), tais características são inter-relacionadas e interativas e devem ser usadas de maneira a configurar solidez ao processo educativo. Esse ambiente de aprendizagem envolve a criação de contextos significativos e genuínos que envolvem três características: a interatividade, a cooperação e a autonomia.

Os ambientes construtivistas de aprendizagem são espaços onde ocorre a articulação de uma série de atividades e recursos, possibilitando que o aluno colete, interaja, interprete e manipule informações. Neste ambiente, as ferramentas pedagógicas devem estar disponibilizadas de maneira flexível e articuladas de modo a propiciarem a comunicação e o diálogo com os orientadores ou com outros sujeitos do processo de aprendizagem. Esta articulação compõe uma comunidade de aprendizagem, onde todos criam projetos e atividades e fazem circular o conhecimento construído. Esses ambientes são, portanto, espaços capazes de reinventar laços sociais, desenvolvendo competências em torno de coletividades de forma cooperativa. Tal conceito é importante para caracterizar, modelar e recriar opções de recursos educativos com o uso das tecnologias contemporâneas da comunicação agregadas à informação. O uso do web-documentário como ferramenta construtivista de aprendizagem se faz pertinente já que, para que se desenvolva a aprendizagem construtivista não é preciso apenas do enfoque conceitual, mas, ainda, que o ato educativo se insira em um sistema de relações de ferramentas e de meios dinâmicos, institucionais e processos mentais de indivíduos socialmente estruturados, em que seus princípios possam ser exercitados e avaliados.

Em um programa educacional com enfoque construtivista, deve-se oferecer ao aluno a possibilidade de construção como um sujeito ativo no processo de conhecimento. O desenvolvimento é fruto da relação interativa, construtiva, reflexiva e de processos autônomos de aprendizagem. Para que se compreenda a relação pedagógica midiatizada e para que se reflita sobre este modelo, é essencial que se avalie a possibilidade do desenvolvimento das categorias de interatividade, cooperação e autonomia e como essas categorias são definidas nos processos de aprendizagem. Logo, é necessário que se entendam suas características e a maneira como são inter-relacionadas em um ambiente construtivista.

Interatividade - a construção do conhecimento propiciada por meio do diálogo comunicacional entre aprendiz, sujeitos envolvidos no processo, ambiente e suas ferramentas, refletindo a realidade sob várias perspectivas;

Cooperação - pressupõe a construção da comunidade de aprendizagem, levando-se em conta as diferenças individuais e fazendo com que essas diferenças sejam consideradas peças chaves para a realização dos projetos coletivos e individuais;

Autonomia - fruto da aprendizagem, desenvolve-se com a prática educativa e ressaltando a independência na realização de problemas socialmente estruturados.

Enquanto paradigma teórico, o construtivismo vem redefinindo o modelo de aprendizagem. Entretanto, sua aplicação efetiva ainda necessita de estudos, análises, e divulgação de resultados que possam motivar a implantação de reais mudanças na prática educativa. Desenvolver ambientes que realmente sejam espaços construtivistas de educação é um desafio ainda pouco exercitado.

Principalmente voltada para a população adulta em educação permanente, a utilização de ambiente de aprendizagem por meio da tecnologia contemporânea serve, principalmente, àqueles que ainda exigem constante adaptação tecnológica. Ressalta-se, neste contexto, a importância de processos de aprendizagem autônomos e auto-dirigidos.

Por influência da nova visão de Educação, Michael Moore sugere profundas modificações na concepção da EAD caracterizado pela constante busca do desenvolvimento da autonomia pelo aluno na coleta e seleção de informações que pretendam suprir suas necessidades.

Como ressalta Knowles, ``a experiência de aprendizado de um adulto deve ser um processo de busca auto-dirigida, com os recursos do professor, dos alunos e os recursos materiais colocados à disposição dos alunos e não impostos a eles'' (1980, p.13). Portanto, não se podem suprimir as habilidades e competências do aprendiz por um controle externo que predetermina os objetivos, forma e metodologia. No web-documentário isso se dá por meio do efeito de sentido de cancelamento do espaço e tempo, obtido pelo uso da imagem. Constrói-se um dispositivo que permite, no mesmo suporte, a recepção da palavra, da imagem, do movimento e do som, resultando em um texto sincrético que exige do leitor uma competência inter-semiótica que o habilite a ler o sincretismo de diferentes sistemas. Segundo Thomas Voorter, ``os web-documentários são valiosos na medida em que têm potencial de proporcionar o conhecimento ao longo do mundo globalizado. Certamente, o desafio nesta grande rede é estimular os caminhos e jornadas intelectuais por meio da interação e informação arquitetada''. (entrevista em anexo)

As experiências iniciais de educação utilizando a Internet e outras tecnologias, no entanto, fundamentam-se em educação enquanto transmissão de conhecimento, ou seja, como adestramento. Apesar de incorporar recursos das novas tecnologias, segundo Jonassen, mantêm-se os postulados de base do condutivismo: o aprendiz é visto como uma tabula rasa, em que a produção do conhecimento independe da sua experiência prévia; o conhecimento é produzido de forma descontextualizada, cabendo ao aluno aprender e esperar para provar a aprendizagem.

Na educação não presencial tradicional, busca-se superar ausência da relação face a face por meio de informações objetivas de forma a transferir conhecimentos. Em tal paradigma, o papel do aluno é "secundarizado" ao aprenderem por meio de estratégias pré-determinadas no conteúdo e na forma, cabendo-lhe apenas responder corretamente aos exercícios propostos. Nesse tipo de educação, identificam-se pressupostos do paradigma condutivista pela presença de conceitos como: instrução, transmissão, objetividade do ensino, industrialização, centralização, conteúdos assimiláveis e métodos de instrução. Essa concepção condutivista de aprendizagem está na base da visão de muitos teóricos do ensino a distância como, por exemplo, Otto Peters: ``O ensino/educação a distância é um método de transmitir conhecimentos, habilidades e atitudes, racionalizando, mediante a aplicação da divisão do trabalho e de princípios organizacionais, assim como o uso extensivo de meios técnicos, especialmente para o objetivo de reproduzir material de ensino de alta qualidade, o que torna possível instruir um grande número de alunos ao mesmo tempo e onde quer que vivam. É uma forma industrial de ensinar e aprender.'' (PETERS, 1973, p.206).

Para a concepção construtivista da aprendizagem, ao contrário, ao utilizar ferramentas que consigam suprir as necessidades de interatividade do aluno, o ambiente de aprendizagem se torna dinâmico e contextualizado. Por isso, na formação não presencial surgem novos papéis para este aluno como protagonista de sua própria aprendizagem, por meio da autonomia, da flexibilidade, de novas atitudes: ``A formação a distância é o produto da organização de atividades e de recursos pedagógicos dos quais se serve o aluno, de forma autônoma e seguindo seus próprios desejos, sem que lhe seja imposto submeter-se às limitações espaço-temporais nem às relações de autoridade da formação tradicional.'' (HENRI, 1985, p.35).

Ou, ainda, conforme José Luís Garcia Llamas, a educação a distância, quando pensada em termos sócio-construtivistas, ``é uma estratégia educativa baseada na aplicação da tecnologia à aprendizagem, sem limitação do lugar, tempo, ocupação ou idade dos alunos. Implica novos papéis para os alunos e para os professores, novas atitudes e novos enfoques metodológicos'' . (1986, p.25)

Após essa nossa breve reflexão sobre os paradigmas que embasam a educação atual, podemos deduzir que o processo de aprendizagem é orientado tanto pela base teórico-conceitual como pela correta utilização de ferramentas no desenvolvimento de uma proposta de extensão da educação presencial e/ou substituição da mesma. Para os condutivistas, as ferramentas servem para transmitir um conhecimento e o professor é a figura central da relação de aprendizagem. Os meios assumem um caráter de destaque na relação. No entanto, em uma abordagem construtivista, as ferramentas pedagógicas devem viabilizar a iniciativa por parte dos alunos, diminuindo o controle das atividades por parte dos alunos. Nesse sentido, o aluno tem a possibilidade de gerenciar a si próprio como aprendiz, a sua forma de aprender e a conduzir sua experiência de aprendizado. Ao professor cabe incentivar o intercâmbio de experiências e a circulação do saber entre os agentes do processo. Logo, os ambientes educativos devem ser compostos de todo arsenal tecnológico disponível sem deixar de levar em conta as necessidades do sujeito. Suas características sócio-culturais e econômicas, idade, familiaridade com os meios, níveis de educação e experiências de aprendizagem devem ser consideradas na construção desses ambientes de aprendizagem.

Ao se optar pela conceituação construtivista, encontra-se a definição de formação continuada a distância como um subsistema da Educação que se caracteriza pela separação física entre os atores do processo de aprendizagem numa relação de comunicação multi-direcional. A aprendizagem, centrada no aluno, é mediada pelo facilitador pedagógico e pelo uso de diferentes tecnologias na construção de conhecimento a partir da reflexão crítica das experiências significativas. Neste contexto, o web-documentário se insere como uma opção de ferramenta, respondendo às dimensões de autonomia, interatividade e cooperação, para a construção do conhecimento. Segundo o antropólogo Thomas Voorter, produtor do premiado web-documentário ``Kyrgyz Heroes'', ainda não existe no mundo qualquer instituição de ensino que utilize o web-documentário como ferramenta pedagógica. De acordo com ele, atualmente torna-se imprescindível que se utilizem imagens em movimento como ferramenta no sistema educativo em geral. Para Lisa Spiro, ``a inserção do web-documentário no currículo escolar iria simbolizar um aprendizado ativo, em que o aluno se sentiria bastante motivado por perceber algo que possua valor além da sala de aula'' (em anexo)

Por outro lado, o web-documentário é fruto da sociedade contemporânea, de controle, que funciona não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea. Sucedendo a sociedade disciplinar - na qual o comando social era exercido por uma rede difusa de dispositivos ou aparelhos que regulam os costumes, os hábitos e as práticas produtivas e foi a base para o desenvolvimento do capitalismo - atualmente, vivemos na sociedade do controle. Desenvolvida nos limites da modernidade e da pós-modernidade, nela os mecanismos de comando se tornaram cada vez mais ``democráticos'', cada vez mais imanentes ao campo social, distribuídos pelos corpos e cérebros dos cidadãos. É típico da sociedade do controle o fato de que o poder se interiorizou, passou a ser exercido por máquinas que cuidam das mentes (elas organizam e redistribuem o conhecimento por meio de sistemas de comunicação, de redes de informação, etc.) e dos corpos (em sistemas de bem-estar, atividades monitoradas, etc.) com o objetivo de controlar a disseminação do conhecimento. Há um sistema de normalização da disciplinaridade que anima internamente nossas práticas, "capilarizado" fora das instituições, mediante redes flexíveis e flutuantes.

Assim, há uma vinculação traiçoeira entre cidadania e normalidade no interior das democracias representativas. Implantam-se novos tipos de sanção, de educação, de tratamento: hospitais abertos, atendimento a domicílio, educação a distância, formação continuada (controle contínuo e comunicação instantânea).

O web-documentário se situa como uma dessas ferramentas que auxiliam a educação a distância, em que redes flexíveis oferecem novos dispositivos de constituição de identidades. O controle da aprendizagem pela autonomia, interatividade e cooperação.

No entanto, como afirmam Foucault e outros estudiosos da contemporaneidade, o sujeito não vive passivamente a experiência da modernidade. Ele não é um autômato e, por isso, "tensiona" e problematiza constantemente o sentido da vida e o desejo de criatividade. Para escapar ao controle, há as resistências: a pirataria, os vírus disseminados pelos hackers, etc. Essa tensão mostra o quão complexa é a sociedade atual. O animal que simboliza a disciplina é a toupeira; a do controle é a serpente. Assim, Deleuze afirmaria que os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.

O web-documentário insere-se na crise atual das instituições tradicionais (escola, família, etc.) advinda das mudanças econômicas e políticas, das transformações técnicas e do aparecimento de novos movimentos sociais. Essa sociedade do controle exige que a educação seja cada vez mais flexível, que os conhecimentos tenham caráter heterogêneo e que a aprendizagem ocorra, cada vez menos, em um ambiente fechado. Pensa-se, na contemporaneidade, na educação permanente, no não acabamento da construção dos conhecimentos, já que eles são móveis e flexíveis. Essa característica da sociedade moderna se reflete na maquinaria desenvolvida para a produção e difusão do conhecimento, pois as máquinas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nascimento e de utilizá-las. Assim, se as sociedades antigas manejavam máquinas simples como alavancas, roldanas, relógios, as sociedades disciplinares tinham máquinas energéticas, as de controle desenvolveram máquinas de uma terceira espécie, informáticas e computadorizadas. Elas decorrem da revolução tecnológica e da mutação do capitalismo. Discípulo de ideais de Foucault sobre a sociedade do controle, Deleuze afirma que a família, a escola e o exército não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras decifradas, deformáveis e transformáveis.

O controle realizado por meio dessas máquinas informáticas é de curto prazo e de rotação rápida e o homem não é mais o H confinado, mas o H que está em toda parte e em nenhuma, pois a relação do seu corpo com o tempo e o espaço transformou-se e ele vive imaginariamente imerso na constante virtualidade espaço-temporal.

A desmaterialização do espaço e do tempo é característica marcante da sociedade do controle. Ao contrário da sociedade disciplinar - que, para Foucault teve seu apogeu na organização dos grandes confinamentos, por meio da concentração e distribuição dos corpos no espaço e, conseqüentemente, na ordenação do tempo - hoje, há crise generalizada em todos os meios de confinamento (escola, prisão, fábrica, família). Vive-se, atualmente, as formas de controle que se caracterizam pela instantaneidade, rapidez, imaterialidade, enfim, controles ``ao ar livre''. Da crise da escola como meio de confinamento decorre a educação a distância, que cria diferentes concepções de escola, novas liberdades, novas sujeições. Assim, a formação permanente tende a substituir a escola e o controle contínuo substitui o exame. Como afirma Deleuze, se nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar, nas de controle nunca se termina nada, a formação é um processo contínuo, ininterrupto que remete a trocas flutuantes, a sempre novas modulações do saber. Isso acarreta mudanças radicais no regime em que vivemos e na maneira de viver as relações com os outros: se o sujeito da disciplina era um produtor descontínuo, o do controle é antes, ondulatório, funciona em órbita num feixe contínuo. Para entendermos as mudanças atuais na educação é preciso que pensemos sobre as novas práticas no regime da aprendizagem, que envolvem as formas de construção de conhecimentos, de controle e de avaliação contínuos.

Considerações finais

Percebemos em nossa pesquisa que a utilização de recursos multimídia na aprendizagem pode contribuir para prender a atenção do usuário e, conseqüentemente, ajudar na construção do conhecimento. Assim, o web-documentário é um forte aliado nesta nova forma de educar. Ao contar com inúmeras informações acerca do assunto tratado no web-documentário, o usuário interage com o produto de forma criativa e lúdica. Segundo os ideais construtivistas, o conhecimento não é ``adquirido'' pelo aluno, mas sim construído ao longo de sua vida em sociedade. Dessa forma, no uso do web-documentário, deve-se promover a integração dos alunos, desenvolvendo a cooperação entre eles, enriquecendo seus horizontes. Assim, os alunos processam melhor o conhecimento quando aprendem ativamente - interagindo com o computador.

Procuramos alertar para a necessidade de utilização de um modelo de ensino que esteja compatível com a nova ordem mundial, em que o aluno deixe de ser visto como mero receptor de informações. A nossa proposta desafia as instituições existentes a repensarem seus modelos pedagógicos ao mesmo tempo em que oferece uma ferramenta tecnológica - web-documentário - com potencial para desenvolver habilidades e suprir necessidades do aluno.

Ao refletir sobre os paradigmas que circundam a educação no mundo atual, percebemos que a aprendizagem deve ser orientada tanto pela base teórico-conceitual quanto pela correta utilização de ferramentas pedagógicas contemporâneas. Ao se optar pela conceituação construtivista, encontra-se a definição de formação continuada a distância como um subsistema da Educação que se caracteriza pela separação física entre os atores do processo de aprendizagem numa relação de comunicação multi-direcional. Atualmente, pede-se que os profissionais estejam em constante atualização. Além disso, cada vez mais, é valorizado o profissional que detém o conhecimento. Neste contexto, o web-documentário se insere como uma opção ideal de ferramenta, respondendo às dimensões de autonomia, interatividade e cooperação para a construção do conhecimento. Assim, o web-documentário é fruto da sociedade contemporânea, de controle, que funciona não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea.

As instituições responsáveis pelo ensino devem ter como prioridade a preparação dos profissionais da educação para melhor lidarem com essa tecnologia nova. Isso porque os educadores devem estar capacitados para cumprir seus papéis de facilitadores no processo de construção do conhecimento. Caso isso não ocorra, a nova ferramenta de aprendizagem pode se transformar em mero acúmulo quantitativo de informação, tornando-se apenas mais um objeto de instrução.

Sabemos que, como todo processo inovador, o web-documentário é inapreensível na totalidade de suas potencialidades. Por isso, com a certeza de que esta pesquisa irá servir de base para futuras reflexões, esta monografia pretende apreender apenas algumas de suas facetas. Isso significa, portanto, que as reflexões sugeridas nesta monografia estão em constantes mutações. Além disso, temos projetos de dar continuidade à pesquisa em próximas etapas acadêmicas, com o intuito de preencher todas as lacunas teóricas que o tema suscita. Ainda assim, acreditamos que essa nossa incursão em um tema ao mesmo tempo fascinante e desconhecido é um primeiro passo para a compreensão das inúmeras possibilidades abertas por esse meio de transmissão do conhecimento.

Anexos

Artigo fornecido com exclusividade pelo documentarista Beto Leão no dia 28/10/02

Documentário

Da Cavação ao Webdocumentário

Por Beto Leão22

Não há qualquer exagero em afirmar que o filme documentário tem exatamente a mesma idade do cinema. Quando, em 28 de dezembro de 1895, aconteceu a primeira sessão pública do invento criado pelos irmãos Lumière, a platéia que se aglomerou no Grand Café, em Paris, acompanhou também a primeira exibição de um documentário: "A saída dos Operários da Fábrica". Com o advento do Cinematógrafo surgiram, portanto, as reportagens jornalísticas de atualidades, o documentário e alguns ensaios de comédias.

Com efeito, durante muito tempo o cinema viveu o estigma de servir apenas como registro puro e simples do mundo em que vivemos. Começou a atingir o status de Sétima Arte a partir de George Méliès, o primeiro a conceber o filme como espetáculo diferente do teatro e de outros meios de difusão. Ao incorporar a trucagem à nova tecnologia, criar o décor cinematográfico e a montagem, Méliès deu origem à futura usina de sonhos que seria Hollywood. Na verdade, ele é responsável pela criação do filme histórico e praticamente todos os gêneros que mais tarde constituiria o típico arsenal cinematográfico.

Assim, com o surgimento dos filmes de ficção, o documentário deixou de ser confundido com o próprio conceito de cinema, tornando-se um dos seus gêneros. Entretanto, outro grande engano com relação a esse gênero persistiria durante muito tempo: a idéia de que o filme-documentário é o registro neutro e imparcial da realidade. Essa imparcialidade era encoberta pelo olhar mecânico e impessoal da câmera. Mais tarde, os teóricos dos anos 1920 demonstraram que, por trás de toda a parafernália técnica, há a presença do homem, que, em primeira e última instâncias, é quem determina a forma e o objeto a ser filmado, reduzindo a pó o conceito de "neutralidade" do documentário. Essa interferência humana no ato de filmar e, por conseguinte, de manipular as mentes dos espectadores, não passou desapercebida aos donos do poder. Na ex-União Soviética, o grupo Kinoglaz (Cine-Olho), liderado por Dziga Vertov, documentou o cotidiano soviético num estilo que antecipou o cinema-verdade (cinéma-verité) dos anos 60. Vertov odiava a falsa realidade dos filmes encenados e realizou, então, documentários que combinavam fatos, sentimentos e propaganda numa espécie de surrealismo poético. Na Alemanha nazista, a cineasta Leni Riefenstahl descobriu na nova arte o instrumento ideal de propaganda para a glorificação do III Reich e a suposta pureza da raça ariana.

Com o passar do tempo, os filmes documentários deixaram de ser um meio de divulgação de idéias políticas dos regimes estatais. Num determinado momento passaram a ser também um importante instrumento de denúncia social, recuperando os conceitos da escola britânica de documentários dos anos 1930, da qual fez parte o brasileiro Alberto Cavalcanti, que renovou por completo o gênero. Alguns cineastas aliavam a teoria à prática e construiram roteiros profissionais, abrindo espaço para os documentários didáticos, artísticos, esportivos, ecológicos etc.

No Brasil, a produção documentária atravessa de modo horizontal o cinema mudo. Enquanto o cinema de ficção articulava-se em picos de produção e depressão, o filme documentário, embora com variações, manteve uma estabilidade sginficativa. Às atividades que propriamente circundavam a feitura de documentários era dado no nome de "cavação". Espaço menosprezado da sobrevivência no cinema, a "cavação" cobre o documentário de encomenda, a propaganda e o ensino em pequenas escolas de cinema. Em termos temáticos, o documentário mudo brasileiro girava em torno do que Paulo Emílio Salles Gomes chamou se "o berço esplêndido e o ritual do poder." Documentários sobre fazendas, empresas e distintas famílias que exploravam o espaço da vaidade alheia através da imagem cinematográfica. Em geral tratava-se da vaidade de ricos e poderosos que podiam bancar os custos envolvidos. Principal vetor da "cavação", os documentários sob encomenda rendiam lucro fácil, levando - em testemunhos de época e em editoriais de revistas especializadas - a críticas a falsos profissionais que aplicavam golpes, prejudicando e denegrindo a classe como um todo.

Durante o período do Estado Novo (1937-1945), o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e os seus similares estaduais passam a dominaram a produção de cinejornais. O órgão de divulgação do governo Getúlio Vargas e dos interventores federais nos estados simplesmente aniquilaram ou cooptaram os produtores de documentários e cineatualidades surgidos nas décadas de 1910 e 1920 e que dominaram a produção até os anos de 1930. Com a produção oficial institucionalizada através do DIP, as produtoras independentes perdem boa parte do seu mercado, já que, além da concorrência desigual, têm de enfrentar censura sistemática. Por isso, diversos cinegrafistas transformaram-se em funcionários públicos, filmando diretamente para o DIP ou para as suas agências estaduais.

Dessa forma, mais uma vez, o documentário vem dar uma importante contribuição para a educação, contribuindo para a transmissão cada vez mais ampla do conhecimento universal. Embora os educadores não o utilizem como deveria nas salas de aula, o documentário sempre foi levado a sério pela indústria e o comércio cinematográficos. No caso particular do Brasil, o INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo) exerceu importante papel na história cinematográfica. Criado por Roquette Pinto na década de 1930, o INCE destinava-se a promover e orientar a utilização da cinematografia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular. Oficialmente, o Instituto foi instituído em 1937, por meio da Lei n 378, artigo 40, no Ministério da Educação e Saúde, embora uma comissão instaladora já funcionasse desde março do ano anterior, dando início à pprodução, aquisição e adaptação de filmes educativos para exibição e distribuição de cópias à rede de ensino do País. Antes, em 1936, o INCE produziu 26 filmes científicos, de reportagem e de temática artística. O INCE surgiu no bojo de um projeto articulado no governo de Getúlio Vargas, que, no esforço em construir uma identifidade imprescindível ao desenvolvimento industrial e à constituição de um mercado, valorizou os instrumentos de difusão cultural, abrindo um novo relacionamento do cinema com o poder. Para tanto, valeu-se das propostas qu8e, desde os anos 20, apontavam as possibilidades de técnica cinematográfica para implementar a reforma da sociedade pela via da reforma do ensino. Desse modo, o cinema educativo tornou-se um dos pilares de um projeto mais amplo, que procurava organizar a produção, o merco exibidor e o importador, ao mesmo tempo que servia ao propósito de propagandear o aspecto integrador/centralizador da ideologia nacionalista.

O INCE chegou a realizar, entre outras atividades, projeções em mais de mil escolas e institutos de cultura, organizou uma filmoteca e elaborou documentários. A produção do INCE dividiu-se em filmes escolares, de 16 mm, mudos e sonoros, destinados a circular em escolas e institutos de cultura, e filmes populares, sonoros, de 35 mm, encaminhados para o circuito das casas de exibição pública de todo o País, ora reproduzindo títulos da literatura brasileira, como Um apólogo (1936), de Machado de Assis, ora evocando episódios da história, como Bandeirantes (1940), que contou com a colaboração de Humberto Mauro. Até 1941, já haviam sido editados cerca de 200 filmes, que foram distribuídos não apenas nas escolas, mas também em cnetros operários, agremiações esportivas e sociedades culturais.

Todo o processo de produção dos filmes do INCE era realizado pelo próprio instituto: revelação, montagem, gravação de som, filmagem em estúdios e copiagem. Humberto Mauro constituiu uma equipe que permitiu ao INCE uma produção ininterrupta de filmes por mais de 20 anos: Mateus Colaço, Erich Walder, Manoel Ribeiro, seus irmãos Haroldo e José Mauro, Brasil Gerson e Pascoal Lemme. Foi no INCE que Humberto Mauro produziu e dirigiu mais de 200 documentários de curta e média metragem.

Após abordar uma enorme gama de assuntos em seus filmes (geografia, música, medicina, educação rural, documentação científica e industrial, história etc.), o INCE é incorporado, em 1966, ao INC (Instituto Nacional de Cinema), criado durante o regime militar por meio de um Decreto-lei, de número 43, em 18 de dezembro de 1966, quando então os filmes documentários passaram a ser encomendados aos produtores. Por sua vez, o INC foi extinto em 9 de dezembro de 1975, quando suas atribuições passaram a ser exercidas pela Embrafilme, que teve seu fim decretado por Fernando Collor de Mello, em 27 de abril de 1990.

Como se pode ver, minha cara Maíra, a produção documentarista sempre foi um dos pontos focais da diversidade de expressões culturais e dos olhares sobre a realidade, estabelecendo um intenso diálogo com as ciências humanas, movimentos sociais e grupos étnicos, além de seu papel na educação ou nas políticas governamentais em vários países e períodos. Nos últimos anos, com a utilização de novas tecnologias de captação, edição e exibição de audiovisuais, a vitalidade do documentário tem se manifestado na produção dos mais diversos locais do Brasil, no sucesso do festival 'E tudo verdade" em São Paulo ou nos ainda restritos (mas preciosos) espaços de exibição no cinema, TV aberta e por assinatura. 

Agora, mais recentemente, o documentário vem cumprindo o seu importante papel de discutir o entrecruzamento de mídias, de suportes, gêneros e linguagens, em um espaço virtual, sem fronteiras, através do webdocumentário, o que é um avanço sempre bem-vindo. Com o crescimento e a popularização das conexões de banda larga à internet, em lugar da trabalhosa conexão discada, de velocidade mais baixa, é outro fator importante para o desenvolvimento do documentário, que passa a contar com maior participação popular.

A cada dia que passa o cinema se inclina mais e mais para o mundo digital. ao longo desta última década, a tecnologia do cinema se afastou como nunca das tecnologias químicas e mecânicas que lhe eram essenciais num passado bem próximo. Hoje, não somente a finalização de som e imagem vem sendo feita em computadores como a própria idéia de captação de imagem em meio digital vem ganhando mais adeptos entre o cineastas. O ano de 1999 marcou a história do cinema como o ano onde as salas de cinema comerciais começaram a usar sistemas de projeções digitais.

Nesse contexto, o webdocumentário vem acrescentar inúmeras possibilidades para o cinema digital enquanto um cinema prático, barato e aberto a experimentações. Mas também vem impor uma estética e um meio de produção que podem vir a ser radicalmente diferentes do cinema analógico. Os documentários feitos especialmente para a Web são uma forma alternativa dos realizadores terem suas obras audiovisuais reconhecidas de forma mais rápida e com menos recursos, já que a comercialização e exibição de filmes pela internet é uma realidade hoje no mundo inteiro. Para se ter uma idéia, filmes exibidos no Brasil recebem a visita de mais 30 mil internautas por semana. É um imenso mercado de entretenimento, que veio ampliar o campo de trabalho de quem produz filmes e vídeos, sem prejuízos para a indústria cinematográfica e para o mercado tradicional de exibição, que já se tornaram aliados da internet. Em todo o mundo, diretores estão produzindo filmes para disponibilizá-los na rede, como forma alternativa de ganhar algum dinheiro e ter sua obra reconhecida por um número cada vez maior de pessoas.

Entrevista fornecida no dia 28/10/02 pelo jornalista Sérgio Rizzo, crítico de cinema do jornal ``Folha de S. Paulo''

1. Ao longo da história do documentário, houve mudanças em sua produção e objetivos. Em paralelo a isso, discutiu-se muito sobre o conceito de realidade neste audiovisual. De maneira sucinta, como foi essa evolução?

Rizzo - Diria, resumidamente, que a inocência dos primórdios foi perdida. Acreditava-se que documentários eram capazes de captar a realidade tal como ela se apresenta. Descobriu-se logo que se tratava de falácia. Basta lembrar alguns dos exemplos mais notórios de manipulação e reelaboração do real, da escola soviética pró-Revolução aos filmes encomendados pelo regime nazista a Leni Riefenstahl. A escola inglesa contribuiu, me parece, para ampliar o conceito e lembrar que o documentário opera com ferramentas muito semelhantes às da ficção. Admite-se desde então, por exemplo, que cenas documentais sejam produzidas, ou seja, que as pessoas diante da câmera encenem atitudes. (É preciso registrar que uma corrente de documentaristas, da qual o principal nome talvez seja o americano Frederick Wiseman, continua até hoje a resistir a essa idéia; Wiseman insere sua câmera nos locais cuja ação procura registrar, liga e deixa rodando, sem qualquer intervenção.)

As condições e os objetivos da produção, por sua vez, vêm se alterando nas últimas décadas com a multiplicaçao das vitrines para o documentário (sobretudo nas TVs pagas) e com o desenvolvimento da tecnologia digital, que barateia os custos e torna possível a realização a quem antes só poderia sonhar com ela. As Oficinas Kinoforum, realizadas com jovens em bairros da periferia de SP, são um bom exemplo disso. (www.kinoforum.org.br <http://www.kinoforum.org.br>)

2. Alguns acreditam que o documentário possui potencial pedagógico (como Grierson). Vc acredita nisso? E se o produto for webdocumentário? O aprendizado é melhor?

Rizzo - Não faço distinção, nesse caso. O cinema (tanto o de ficção quanto o documental) pode ser usado com finalidade pedagógica. Depende, no entanto, de como será inserido no processo educacional. Na escola, fora dela ou no lugar dela? Como ensino (produção de conhecimento) ou mero treinamento? Seja lá qual for a idéia, precisa ser devidamente planejada, tendo em vista as características do público-alvo e os objetivos estritamente pedagógicos. O webdocumentário, nesse contexto, é uma nova ferramenta, que pode ser bem ou mal usada.

3. Vc conhece exemplos em que o documentário é utilizado em sala de aula?

Rizzo - Em geral, em aulas de história, para ilustrar e promover a discussão de conteúdos. Nesses casos, o professor deve ser preparado para exercer o papel de animador dos debates. Por outro lado, todos já tivemos alguma experiência traumática com documentários enfadonhos em super-8 ou 16mm exibidos em aulas de biologia, química ou física. São um bom exemplo do que não funciona.

4. Quais as desvantagens e vantagens que vc vê em se fazer webdocumentário? E quanto à ausência de um referencial, isso é problemático?

Rizzo - Vantagens: relativa facilidade para obtenção de recursos para a produção e possibilidade de tornar o produto acessível a qualquer momento, em qualquer lugar. Desvantagens: o acesso ainda restrito, num país como o Brasil, à rede (e sobretudo à banda larga, indispensável ao uso de imagens em movimento). O fato de não existirem ainda referências muito claras a respeito deve estimular, na minha opinião, as pesquisas e os trabalhos experimentais.

Entrevista fornecida no dia 22/10/02 pelo documentarista Paulo Baroukh - via e-mail

1. O documentário, ao longo de sua história, sofreu muitas mudanças na concepção. Isso fez com que se discutisse muito a respeito dos conceitos de verdade e realidade no documentário. Agora com a internet e com o surgimento do web-documentário isso aflorou ainda mais. Como você vê essa mudança (positivamente ou não?)?

Baroukh - Para mim o advento da internet é um avanço. Com certeza para melhor, pois a democratização da informação se faz urgente. Quanto mais pessoas tiverem acesso a ela, melhor o mundo caminha. Meu último documentário foi projetado e também está presente na internet. Creio que é meu trabalho que foi mais assistido, uma vez que não tenho acesso à midia. Portanto positivíssimo que os produtores que não têm acesso à grande midia possam finalmente ter seu trabalho visto e criticado. Tenho tido retornos surpreendentes. (talvez você tenha me conhecido assim?)

2. Você acredita que o documentário e, mais ainda, o web-documentário seja forte aliado na transmissão do conhecimento?

Baroukh - Quero fazer uma distinção: creio que o que pode diferenciar o documentário do Webdocumentário seja tão somente o veículo.

Dito isso, acredito fortemente (por experiência própria) que o documentário é uma poderosa ferramenta educacional, não só na transmissão do conhecimento, como na formação de consciência crítica e fomentação de reflexão a respeito dos temas que apresenta. Digo isso por ter acompanhado durante todos esses anos o efeito que meu trabalhos desempenham na cabeça das pessoas. É modificador mais do que educacional.

3. Você sabe se o documentário é utilizado na educação? Quando isso começou historicamente?

Baroukh - Que é usado tenho certeza. Quanto a datas não sei te informar. Talvez valha a pena pesquisar isso na própria internet.

4 . Finalmente, agora com as mudanças tecnológicas, você se vê obrigado a fazer web-documentário, ou já está fazendo? Tem essa perspectiva futura?

Baroukh - Como te falei, meu último documentário ``Reciclando Esperanças'' está na Web em www.adrianodiogo.com.br, na área de webtv. (dá uma olhada). Quando iniciei o trabalho., há dois anos atrás, já sabia dessa possibilidade, mas posso te assegurar que esse fato não mudou em nada a minha maneira de fazê-lo. Talvez, com o tempo, a linguagem vá se alterando naturalmente, a exemplo do que ocorreu com o cinema e com a televisão: o meio vai modificando a linguagem e vice-versa. De qualquer maneira, ainda prefiro assistir os filmes e vídeo projetados, ou na televisão. A internet ainda não atingiu a velocidade e a qualidade necessárias para substituir uma boa projeção. Pode ser que isso aconteça ou não, mas enquanto isso prefiro entrar numa sala escura e sentar confortavelmente com meu saquinho de pipocas e ter a concentração necessária. (a pipoca, se bem utilizada, não distrai, mas ajuda a concentrar). Claro que para o profissional é preciso estar sempre atento a mudanças e tendências. Eu procuro estar antenado. A adaptação é natural para quem fica de olhos abertos.

Entrevista fornecida pela pesquisadora americana Lisa Spiro, diretora do Cento de Pesquisa de Tecnologias Educacionais (Rice University), no dia 09/10/02 - via e-mail

1. On Brazil, we have so poor education system plus the base on conductivism and formal education. Our thesis is that webdocumentary could be a help to change this reality. I ask you: How it could be different with webdocumentary? (pratically or theorically saying)

Lisa - I believe that in the act of creating web-based documentaries, students gain a more sophisticated understanding of their communities and of the process of making something. In designing a curriculum around web documentaries, I kept in mind the principles of active learning and project-based learning-students learn more, and are more motivated, if they are making something that has value beyond the class. If the product they create reflects or even serves their communities, all the better.

2. Are webdocumentaries been used on education around the world? Where?

Lisa - I'm not sure.

3. In your opinion, the concept ``webdocumentary'' is closed? I mean, as we have lots of digital documentaries and these are not the same os webdocumentary, how to identify a really webdocumentary? Does we have studies about their concepts?

Lisa - Steve Dietz of the Walker Art Center produced a very interesting metadocumentary on the subject - it's more impressionistic than scholarly. I would distinguish the web documentary from other forms in that it often involves the sharing of knowledge and ideas across a networked community. Forinstance, they may include online forums and other opportunities for visitors to participate.

4. In your profission, the social evolution is very important, in think. So, how important the webdocumentary is for this group of population? We could call it as the simbol of contemporary?

Lisa - Hmm, not sure. For some, creating a web documentary is an act of self-reflection or projection, which I suppose you could say is contemporary. The defininition of a web documentary is fuzzy - do blogs count? personal web pages, which are documents of the self? I'm not sure.

Entrevista fornecida pelo antropólogo e produtor do documentário ``Kyrgyz Heroes'', o holandês Thomas Voorter, dia 07/10/2002

1. On Brazil, we have so poor education system plus the base on conductivism and formal education. Our thesis is that webdocumentary could be a help to change this reality. I ask you : How it could be different with webdocumentary?

Voorter - When i watch the little children of my friends - from 3 years on - playing with computers, i sometimes think that i see a glimpse of how humans will communicate in future. They draw pictures on paper ... scan them in ... then record their stories on the pc and - of course with the help of dad or mum .. they make an animated flash movie. And they love it ... So i can imagine that gradually multimedia skills will play a big part in primary schools as reading and writing is now ... However: i work on the University of Amsterdam, with a fast internet connection since 1993 and still i wish we have multimedia 'laboratories' (which we don;t have) ... the technology is adopted very slowly (i hope this notion doesn't discourage you). Only last month all the dutch primary schools are wired in a big inter/intranet ... so this is the stage we reached here. Now it is up to good multimedia and internet education. A side-note: here in Holland companies donate their old computers to schools ... this is arranged thru a foundation .. .is there something like that also in Brazil? To come back to your question how webdocumentary could facilitate the educational system in your country -> there are a few things to consider:

a. children should learn computer skills in a classroom on a (local) network. to familiarize them with mouse, screen ... the window metaphor etc.

b. then they can explore interactive publications (that is: webdocumentaries), internalize the knowledge which is communicated thru exploration of rich media: word, sound and image. c. as a next step i envision multimedia skills, like: word processing, image and sound editing, producing and publishing interactive flash/html (or other format) documents. d. also other internet skills should be adopted ... like you do: you interview me more or less by means of email ... You can also think of things like collaborating systems, online activism and community-building (also internet can facilitate neighborhoods, government services etcetera). It more or less comes down to communication skills .... There are more benefits to think of ... you probably will come up for practical applications for your setting/environment yourself ... I continue with your other points ..

2. Are webdocumentaries been used on education around the world? Where?

Voorter - No .. and that is because not much educational interactive documents are produced ... Video becomes more and more important in the educational system here. I also see an increase in video-citation ... which means one day the need will rise to make those video-references concrete by pointing to (streaming) video fragments ...

3. In your opinion, the concept ``webdocumentary'' is closed? I mean, as we have lots of digital documentaries and these are not the same os webdocumentary, how to identify a really webdocumentary? Does we have studies about their concepts?

Voorter - No .. it's not closed at all .. .i once thought the term would convey a practical pointer to a broad series of interactive documents ... the difference with other digital documents is interactivity ... this is an essential notion/concept ... games, in many respects, are not different from educational interactive documents -> people learn by trial and error how to behave and act in certain three dimensional settings ... another concept - also used by game developers - is ``immersion'' ... that is: to be completely absorbed into a virtual reality. Here i like to point to two books: From my good friend Saskia Kersenboom: Word, sound, image. The life of the Tamil text. Oxford: Berg Publishers. 1995 Walter Ong, Orality and literacy. The technologizing of the word. London: Methuen & Co. Ltd. 1982 Chapter 1.5 The world as theory in the head of Kyrgyz Heroes.

In my opinion you can call many interactive documents - like my online ethnography - webdocumentaries. Not so different of course from cd-roms, except that they can be read by a larger audience (simultaeous). Here i like to pause a while on the concept of non-linearity. Non-linearity was the buzzword in the early days of multimedia and internet ... The hope and expectation was that human communication would change drastically ... as the invention of script did in ancient times and press a few centuries ago did ... humans would produce non-linear documents ... so not like a book .. but something different. Experiments reveal that non-linear documents - like hypertext - often render a chaotic experience ... so now the concept ``multiple linearity'' (or terms with the same meaning) is en vogue. The challenge is for a multimedia author to stipulate intellectual paths for an audience to follow. This can be achieved by logically interlinking symbols, sounds, text blocks etc. The challenge, thus, is to build up a world of interconnected stories in which your audience can immerge. I talk about this in chapter 1.6 Referential information in oral histories.

5. Finally, I ask you if you can compose the contemporary world putting the webdocumentary on center. Aditional informations are wellcome!

Voorter - You can compose contemporary world by means of multimedia ... if this is what you mean. Here are some good links: check this link ! http://www.docs-online.nl/ -> last year on festival in amsterdam .. maybe this year webdocumentary again topic for discussion:
http://jefferson.village.virginia.edu/wax/;
http://www.unhcr.ch/witness4/III_Stans/html/toc
/toc_set.html; http://www.neonsky.com/neonsky
.html; collaborating system:
http://www.czukay.de/writing/stories/index.html
http://aporee.org/equator/; http://www.mothermillennia.org/;
http://www.fraclr.org/hay/preface.htm; http://www.riceworld.org/
enjoy ..

Entrevista fornecida pelo produtor Giba Assis Brasil, da Casa de Cinema de Porto Alegre, no dia 17/10/02 - via e-mail

1. O documentário pode ser utilizado como ferramenta para a educação? Como?

Depende do tipo de documentário de que se está falando, e também do tipo de educação. Existe um gênero de filmes, que pode ser chamado de ``documentário científico'' ou ``didático'' ou ainda ``educativo'', cujo objetivo principal é servir de material de aprendizado de determinados conteúdos. Não é o que eu considero propriamente como ``documentário'', aquele gênero que Garcia Escudero coloca como intermediário entre a ficção e a reportagem, por requerer sempre um certo grau de ``dramatização da realidade''. Um documentário desse tipo pode ser ``ferramenta de educação'' assim como um filme de ficção também pode, mas aí entramos no campo na educação não-formal. De qualquer maneira, se pensarmos no documentário como uma possibilidade de expressão, e portanto, eventualmente, de arte, então seus propósitos nada têm a ver com educação.

2. Você acredita que exista, ou conhece, algum documentário que tenha esta utilidade?

``Cabra marcada para morrer'' mudou a minha maneira de pensar o Brasil, o cinema, a família. Se isso não é educação, é o quê?

3. Durante muitos anos o documentário ficou estagnado no modelo de Grierson. Por que isso aconteceu?

Não conheço Grierson o suficiente para afirmar ou negar isso.

4. Na sua opinião qual é o objetivo de um documentário? Defina-o rapidamente.

Esses tempos, num debate, eu disse que documentário é o filme que consegue formular uma pergunta que ainda não tinha sido feita, e que ao mesmo tempo não se preocupa em respondê-la. Talvez seja até uma boa frase, mas não é uma resposta satisfatória. O problema é que eu não tenho outra.

Entrevista fornecida pelo pesquisador Hélio Godóy, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, no dia 17/10/02 - via e-mail

1. O documentário pode ser utilizado como ferramenta para a educação? Como?

A resposta é sim. Todavia não aprecio os documentários feitos com esse objetivo. Eu acredito que os documentários são educativos pela sua própria natureza. Uma vez que eles são formas de produção de conhecimento, quando os assistimos nos tornamos donos de seu conhecimento, ou de parte dele.

2. Você acredita que exista, ou conhece, algum documentário que tenha esta utilidade?

Todos os que eu já vi. Se ele está adequado ou não ao nível de conhecimentos do espectador aí é outra discussão. Seria melhor falarmos do uso dos documentários de forma educativa, isto é, inseridos em um processo maior de ensino aprendizagem. Talvez acompanhado com discussões promovidas por um professor...

3. Durante muitos anos o documentário ficou estagnado no modelo de Grierson. Por quê isso aconteceu?

Boa questão. Não sei lhe responder taxativamente. Posso inferir que havia uma dificuldade com o som direto. Por outro lado uma tendência sócio-política que teve grande repercussão na sociedade não se extingue assim de uma hora para outra. Creio que houve um aprimoramento das Ciências Sociais para que o tipo de documentário griersoniano pudesse se modificar. Assim como houve mudanças nas Ciências Ambientais para que os filmes de natureza estilo Walt Disney (bastante antropomórficos) pudessem se superados. Mas são apenas hipóteses.

4. Na sua opinião qual é o objetivo de um documentário? Defina-o rapidamente.

Creio que depende do documentarista. Existem aqueles que pretendem fazer dinheiro, outros que pretendem interferir na política, outros que pretendem produzir conhecimento, ou apenas divulgar conhecimento. Podemos dizer que existem diferentes tipos de documentários que poderiam também ser classificados pelos seus objetivos, além de sua forma é claro.

Sugiro que você entre em contato com a professora Marília Franco da ECA-USP, ele é mais especializada no uso do documentário como instrumento educativo e deu aulas de documentário educativo no Curso de Cinema da ECA.

Bibliografia



Notas de rodapé

...aneo1
Projeto experimental desenvolvido sob a orientação do professor Celso Bodstein para obtenção do título de graduação do curso de Comunicação Social - Jornalismo da PUC-Campinas 2002.
...Lead2
Termo jornalístico que convencionalmente se refere às questões primordiais de uma matéria jornalística: quem, que, quando, como, onde e porquê.
... Deus3
Cidade de Deus, 2002, Brasil. Fernando Meireles. 35mm, 130'. Co-dir.: Kátia Lund. Rot.: Bráulio Mantovani. Dir.fot.: César Charlone. Baseado no romance de Paulo Lins.
...ografo4
Aparelho que permite projetar em uma tela imagens em movimento, por meio de uma seqüência de fotografias.
... esquimó5
Nanook of the North, 1922, EUA. Robert Flaherty. 16mm, P&B, 79', mudo.
... filmar6
O homem da Câmara de Filmar, 1929, URSS. Dziga Vertov. 16mm, P&B, 100', mudo. Ass. realiz. mont.:Elizaveta Svilova. Prod.: Vufku.
... Morrer7
Cabra Marcado para Morrer, 1986, Brasil. Eduardo Coutinho. 120'. Fot.: Edgar Moura, Fenando Duarte. Mont.: Eduardo Escorel. Mús.: Rogério Rossini. Prod.: Zelito Viana, Vladimir de Carvalho. Mapa - Eduardo Coutinho Produção.
... Volante8
Órgão da União Nacional dos Estudantes que no início dos anos 1960 tinha como objetivo divulgar a Reforma Universitária para estudantes de todo o país.
... cognitiva9
Entendemos e consideramos cognição, neste trabalho, ser todas as formas e processos de aquisição do conhecimento efetuados pelo ser humano.
...idio10
Irídio: Elemento metálico, do grupo da platina, principalmente trivalente e tetravalente, branco-prateado, muito pesado, duro, quebradiço. Símbolo Ir, número atômico 77 e massa atômica 193,1. (Michaelis Digital)
... códex11
Códex: Segundo o Aurélio, refere-se ao singular de Códice que, por sua vez, tem relação com o registro e compilação de manuscritos, documentos históricos, leis; código antigo. Pode se referir, também, à obra antiga de um autor clássico.
... Grierson12
``First Principles of Documentary'', de 1932-34, in: Forsyth Hardy, Grierson on documentary, London, Faber&Faber, 1979.
... Human13
http://www.becominghuman.org Direção: Bart Marable. Escrito por: Leonora Carey J. e Bart Marable. Produção: Leonora Carey J. Edição: Jayson Singe. Narração: Donald Johanson
... Develops14
http://www.terraincognita.com
... Motown15
http://www.motown.com
...360degrees16
http://www.360degrees.org
... Ones17
http://www.elvisnumberones.com.br . Prod.: BMG Europe - uma divisão da BMG UK & Ireland Limited. Não há equipe de produção divulgada.
... BMG18
http://www.bmg.com .
... ocidental.19
Principalmente, em Vigiar e Punir(1987) ; A Vontade de Saber (1988) e nos textos organizados por Roberto Machado em Microfísica do Poder. (1979).
... imediata.20
Modernamente, a resistência transcende a noção de classe; daí porque é mais correto falar em ``movimentos sociais''. Ao contrário das teses centralizadoras do marxismo, em Foucault o poder e a resistência interagem um sobre o outro, num movimento dialético permanente e infindo.
... sujeitos.21
Foucault pensa em dois sentidos para a palavra "sujeito": a) sujeito submetido a outro pelo controle e pela dependência e b) sujeito assujeitado à sua própria identidade pela consciência ou pelo conhecimento de si. Nos dois casos, ela sugere uma forma de poder que subjuga e submete.
... Leão22
Beto Leão é jornalista e cineasta documentarista, presidente do Núcleo Goiano do CPCB (Centro dos Pesquisadores do Cinema Brasileiro) e sócio-fundador da ABD-GO (Associação Brasileira de Documentaristas - Seção de Goiás)