Desafios do ensino universitário do jornalismo ao nível da graduação no início do século XXI

Jorge Pedro Sousa

Universidade Fernando Pessoa


Índice

Resumo: Neste texto, o autor procura descrever algumas das tendências que desde os anos oitenta estão a modificar o jornalismo, como o aproveitamento da Internet e das novas tecnologias, a concentração da propriedade dos meios e a segmentação dos conteúdos, interrogando-se se os actuais modelos dominantes de ensino superior do jornalismo (ao nível da graduação), que diluem o campo do jornalismo na ``comunicação'', nas humanidades e noutras matérias, são os que melhor preparam os estudantes para um cenário jornalístico em transformação e os que mais correspondem aos anseios dos alunos que acorrem à Universidade para concretizarem a sua vocação. No final, o autor sugere várias linhas de força para a formação universitária dos jornalistas ao nível da graduação, como a organização dos cursos em dois ciclos e a co-responsabilização do estudante na definição do seu currículo, na linha das directrizes do Processo de Bolonha.

Transformações no jornalismo

O jornalismo atravessa um tempo de transformações. Uma primeira grande transformação decorre do aproveitamento jornalístico da Internet como meio de difusão desde o início dos anos noventa do século passado. O aproveitamento jornalístico da Internet originou transformações nos restantes meios (imprensa, rádio, televisão), a começar pela migração dos mesmos para a Rede. O jornalismo também encontrou na Internet uma nova fonte de informações, uma ferramenta de investigação e de interactividade com fontes e receptores. Mas a Rede das Redes gera fenómenos para-jornalísticos (como o dos weblogs) e está, igualmente, a reconfigurar o espaço público e a roubar ao jornalista o seu quase monopólio de selector da informação que passa e não passa para o público. A Internet potenciou ainda o problema da sobre-informação e levantou novos problemas, entre os quais os problemas ligados à credibilidade e identidade das fontes, à defesa das línguas e das culturas, aos direitos de autor e à defesa e segurança dos próprios cidadãos, das sociedades, dos estados e da comunidade internacional. A Internet tem também aumentado a tendência para a segmentação da informação, já notada noutros meios, e permite consumos personalizados de conteúdos (informação a la carte). Porém, a passagem de um modelo de comunicação massiva para um modelo de comunicação essencialmente segmentada, personalizada, não se está a desenvolver tão rapidamente como os académicos, há vinte anos (Tofler, 1984) ou mesmo há menos de dez anos atrás (Negroponte, 1996), julgavam que poderia acontecer.

Uma segunda grande transformação ocorreu na propriedade dos meios. A estrutura relativamente disseminada de propriedade dos meios foi dando lugar, sobretudo após os anos oitenta do século passado, a grandes conglomerados mediáticos regionais, nacionais e internacionais, por vezes integrantes de grupos que aliam a produção de conteúdos para rádio, imprensa, televisão e Internet aos meios para processamento da informação (informática...) e aos meios de difusão (telecomunicações, indústrias gráficas, distribuição cinematográfica...). A concentração da propriedade dos media é problemática por várias razões: pode ameaçar o pluralismo jornalístico; impõe um aproveitamento de sinergias que uniformiza e reduz os conteúdos; diminui o número de empregos jornalísticos; e reduz o número de potenciais empregadores de um jornalista descontente ou que tenha sido despedido, o que potencia fenómenos de auto-censura e uma maior sujeição dos jornalistas às directrizes da cúpula empresarial, quer em matéria de conteúdos quer de políticas de gestão dos recursos humanos. Porém, a concentração da propriedade dos media pode trazer uma hipotética vantagem: empresas jornalísticas mais saudáveis teoricamente podem investir mais na qualidade jornalística, na investigação jornalística e na produção própria de conteúdos. Não obstante, muitas empresas jornalísticas tradicionais sentem dificuldades financeiras e outras, até porque a audiência de alguns meios tem decaído (em particular a audiência de determinados meios jornalísticos generalistas).

Uma terceira grande transformação verifica-se nos conteúdos, devido quer às necessidades do mercado (cada vez melhor conhecido pela aplicação de princípios de marketing à produção jornalística de informação) quer ao aproveitamento das tecnologias. Ao longo dos anos tem-se assistido a um aumento do leque do que é noticiável e à emergência de conteúdos fabricados com recurso a meios informáticos (como os infográficos fixos e animados). Os meios de qualidade foram permitindo a especialização dos jornalistas, o que possibilitou a emergência de um jornalismo que, sem perder o seu vínculo noticioso, enveredou pela interpretação dos acontecimentos e problemáticas (Pinto, 1997). Outros meios apostaram na tabloidização da informação. Os meios generalistas têm perdido terreno para os meios segmentados e a segmentação é cada vez mais afunilada. No entanto, em cada segmento mediático assiste-se a um fenómeno de homogeneização de conteúdos. (Pinto, 1997)

Um aspecto interessante da transformação ao nível dos conteúdos observa-se na intensificação das práticas de auto-promoção mediática, com o intuito de maior penetração no mercado. Com o mesmo fim, mas também para viabilizar financeiramente as empresas jornalísticas, assiste-se igualmente a um aproveitamento dos meios jornalísticos para venda de outros produtos culturais (o que é facilitado pela oligopolização trans-sectorial da indústria cultural). Por exemplo, a imprensa começou a fidelizar os consumidores oferecendo fascículos coleccionáveis, mas agora já se vendem DVD's e livros com os jornais e estendeu-se mesmo a oferta a outros produtos, como talheres, copos e roupa...

Uma quarta grande transformação resulta do aproveitamento das tecnologias para fabrico e difusão de conteúdos jornalísticos digitais. A fotografia digital e as telecomunicações aceleraram o fotojornalismo e o telejornalismo. A informática permitiu a produção de infográficos fixos e animados que ajudam a noticiar e explicar os acontecimentos na televisão, na imprensa, nos meios on-line e também na rádio DAB. O DAB, aliás, poderá modificar a natureza da rádio, tal como a interactividade, a digitalidade e a alta definição desenham novos conteúdos televisivos e também novas formas de ver televisão. O futuro talvez traga uma maior convergência mediática, sendo hipoteticamente possível a fusão dos meios electrónicos. A interactividade e a segmentação ou mesmo personalização do fabrico e/ou consumo da informação (o prossumidor que usa os meios como self-media) são também outros vectores da mudança que se observa no jornalismo devido ao aproveitamento das novas tecnologias.

As transformações do jornalismo e do cenário comunicacional em geral têm sido de tal monta que alguns autores não hesitam em falar de pós-jornalismo (Altheide e Snow, 1991). Para eles, o jornalismo já não existe como actividade autónoma e com fronteiras definidas dentro do vasto espaço da comunicação em geral. A lógica mediática domina a actividade, ou seja, o jornalismo prossegue os seus próprios fins mais do que fins sociais (Altheide e Snow, 1991). Outros autores, como Sousa (2000), pretendem que na época actual há que pugnar pela imposição de fronteiras ao jornalismo, porque embora o jornalismo seja comunicação, nem toda a comunicação é jornalismo. Há ainda outros pesquisadores que dizem que as mudanças têm ocorrido mais ao nível das aparências do que das essências, já que o jornalismo continua a ser essencialmente a mesma actividade, regida pelos mesmos valores (Koch, 1991).

Transformações na formação superior de jornalistas

Acompanhando o cenário de transformações no jornalismo verificou-se uma alteração na educação superior dos jornalistas. De cursos orientados predominantemente para a prática profissional, como os primeiros cursos de jornalismo norte-americanos do último quartel do século XIX, passou-se a cursos menos específicos e profissionalizantes, opção que se começou a desenhar com particular notoriedade no último quartel do século XX. Interessa por isso ponderar se essa foi a melhor solução para acompanhar as mudanças que se verificaram no jornalismo e na sociedade.

Há que convir, de facto, que o jornalismo tem tido dificuldades em afirmar-se como um campo académico, em especial em países como Portugal, onde a Universidade mantém a estrutura rígida e anacrónica da Universidade napoleónica. Em consequência, o jornalismo demorou a encontrar o seu lugar numa Universidade pouco vocacionada para o receber e ainda menos vocacionada para entender as suas necessidades específicas, pois um curso de jornalismo não é um curso de letras ou de humanidades, embora exija eficácia e eficiência linguísticas, referentes humanísticos e capacidade de ler o mundo; nem é um curso de tecnologia, apesar de requerer competências tecnológicas que transcendem em muito o lápis e papel.

Não sabendo bem como integrar o jornalismo no meio académico, o que fez a Universidade? A dificuldade de situar o jornalismo no universo da comunicação, a par do facto de o estudo do jornalismo poder ser feito sob diferentes perspectivas, estimulou a integração do ensino do jornalismo no ensino genérico da comunicação e das humanidades, um campo potencialmente quase ilimitado e que, por sua vez, também pode ser abordado segundo múltiplas perspectivas. Por outras palavras, a Universidade diluiu a formação de jornalistas e a investigação sobre jornalismo na filosofia, nas ciências humanas e sociais em geral e nas ditas ciências da comunicação em particular.

A preocupação central de muitos cursos superiores é, assim, a formação de comunicólogos e a pesquisa comunicológica e não a formação específica de jornalistas, como se nota em relatórios como o de Mesquita e Ponte (1997). Em alguns casos, as próprias disciplinas da área da comunicação social e do jornalismo diluem-se num conjunto de disciplinas de filosofia, ciências humanas e sociais, línguas e outras de uma maneira tal que dificulta a definição clara dos objectivos educacionais desses cursos. Outras vezes, mais do que ``comunicologia'' ensina-se ``comunicologismo'' e em vez de o processo de investigação científica, que funda o conceito de escola universitária, se direccionar para um objecto de estudo e ensino específico, promove-se, como diz Meditsch (1999 a) a reprodução infinita e indefinida da teoria, sem rumo nem capacidade de interacção com as práticas profissionais e a realidade.

Tem também sido reforçada a componente académica do ensino superior do jornalismo, em detrimento da componente profissional. Uma evidência deste estado de coisas reside na forma como o pessoal docente é contratado: privilegiam-se os doutores aos jornalistas, mesmo quando estes são titulares de um título de graduação ou pós-graduação, embora, obviamente, um doutor com experiência profissional do jornalismo seja uma mais-valia para qualquer universidade. Uma outra evidência consiste na política de avaliação universitária, cada vez mais baseada em indicadores académicos (número de doutores, número de livros e artigos publicados, número de participações em congressos com comunicação, número de projectos de investigação realizados, etc.) do que em indicadores pedagógicos e profissionais. Pode, assim, dizer-se que, conotativamente, as transformações no cenário da formação superior de jornalistas parecem apontar mais para a ideia de que o jornalismo se dilui no vasto universo das comunicações sociais e da ``comunicologia'' do que para a noção de que o jornalismo se distingue de outras formas de comunicação.

Há, portanto, que colocar a questão da educação superior dos jornalistas. Neste campo são muitas as perguntas que podem e devem ser colocadas. Deve privilegiar-se uma formação de banda larga no domínio comunicacional que permita aos estudantes enveredar por uma carreira em qualquer área da comunicação? Deve promover-se uma formação de banda ultra-larga que inclusivamente despromove as próprias disciplinas de comunicação em favor das disciplinas de ciências humanas e sociais, da filosofia ou outras? Deve privilegiar-se uma formação de banda estreita que direccione especificamente os estudantes para o jornalismo? Deve assumir-se um compromisso? Quais as valências indispensáveis à formação de comunicólogos e/ou jornalistas? E no meio disto tudo, até que ponto se deve responsabilizar o estudante pela confecção do seu próprio currículo, em função dos seus interesses e necessidades? Até que ponto podem as universidades obrigar o estudante a estudar o que ele não quer nem procura na Universidade e até quando as universidades conseguirão sustentar este estado de coisas? A concepção napoleónica das universidades continentais europeias dá resposta a estas questões? Até que ponto as universidades conseguem educar não apenas para uma profissão, mas também para a vida, para a cidadania e para o mundo de hoje, num cenário de contínuas e meteóricas mudanças? Qual o papel da educação ao longo da vida e das pós-graduações?

Uma concepção da educação superior em banda larga tem vantagens quando se trata de dotar os estudantes de conhecimentos e competências em áreas afins. A formação de comunicólogos em banda larga, por exemplo, permite que um estudante adquira competências e conhecimentos básicos em diferentes áreas de concepção, produção e difusão de conteúdos, como sejam a publicidade, as relações públicas, o audiovisual ou o jornalismo. Mas também favorece a visão do campo da comunicação como unitário, coisa que ele não é, pois, como já se disse, embora todo o jornalismo seja comunicação nem toda a comunicação é jornalismo. Além disso, a banda larga dificulta o aprimoramento e aprofundamento dos conhecimentos e competências num único campo e quanto mais larga é a banda mais difícil se torna assegurar a performatividade do processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, se para além da comunicação se dilui o ensino e a investigação do jornalismo no campo muito mais vasto das letras e humanidades está a correr-se o risco de se perder o Norte e de não se conseguir dotar os estudantes de competências e conhecimentos profundos no campo para o qual esses estudantes se sentiram vocacionados.

Uma concepção da educação superior em banda estreita tem vantagens quando se trata de formar para o exercício performativo de uma determinada profissão. No caso do ensino superior do jornalismo, favorece também a noção de que há fronteiras entre as actividades comunicacionais. Além disso, como argumenta Meditsch (1999 a), o ensino universitário direccionado para o jornalismo, com as práticas de pesquisa e reflexão que lhe estão por inerência associadas, permite o elevação da ciência e da técnica jornalísticas a um patamar que não obtêm quando se diluem noutras áreas disciplinares, mesmo quando se trata de áreas comunicacionais. A comprová-lo estão os exemplos de ciências como a sociologia, a psicologia, a antropologia, a que se podem somar os exemplos das centenas de engenharias e de ciências naturais e exactas, que se desenvolveram e aperfeiçoaram quando se autonomizaram.

A opção pelo jornalismo e a opção pelo estudante

O cenário mutacional do jornalismo e a paisagem policromática do respectivo ensino tornam difícil a busca de soluções consensuais para a formação de jornalistas neste começo de século. Há, no entanto, um ponto de partida que poderá ser suficientemente consensual: a Universidade, se quer ser uma instituição indispensável à sociedade, não pode abdicar de formar jornalistas e de o fazer com qualidade, o que implica educar para um cenário em transformação, mas em que há coisas relativamente perenes, como, no caso do ensino do jornalismo, certos valores, linguagens e técnicas.

Um outro ponto será menos consensual, mas é pertinente colocá-lo: o ensino superior do jornalismo passa, obrigatoriamente, por se reencontrar no jornalismo um objecto específico de ensino, de estudo e de investigação científica.

Assim, quais devem ser os eixos estruturantes da formação universitária dos jornalistas?

a) Os cursos universitários de jornalismo não podem formar estudantes para o desemprego. Assim, os cursos nas áreas da comunicação em geral e do jornalismo em particular têm de ser confeccionados em função do mercado de emprego, pelo menos do mercado de emprego potencial, e não em função dos recursos humanos que uma Universidade possa ter. É um erro estruturar-se um curso pensando primeiro nas valências e competências que os docentes da instituição possuem. É também um erro ceder-se às pressões políticas e jogos de poder que se fazem sentir no mundo académico em geral e nas universidades de cariz napoleónico em particular.

b) O estudante deve estar no centro das preocupações da Universidade. Esta deve encarar o estudante como o seu cliente. Um cliente especial, que procura saber e competências, mas essencialmente um cliente, que tem que ser bem tratado e bem servido. Por isso, a Universidade não pode fugir às expectativas do aluno que nela busca um ponto de partida para uma carreira profissional de jornalista, para a qual se sente vocacionado. Dito por outras palavras, quiçá mais acutilantes e claras, a Universidade não pode obrigar um aluno que quer estudar jornalismo a estudar igualmente matérias pouco relevantes para a prossecução dessa vocação, que por vezes só existem para permitir a alguns professores preservar o seu emprego.

c) A Universidade deve co-responsabilizar o estudante pela definição do seu próprio trajecto educativo no ensino superior e pela aquisição de conhecimentos e competências. Por um lado, isso implica que o estudante trabalhe muito por si, fora dos espaços lectivos, que devem, por seu turno, reduzir-se ao indispensável; por outro lado, implica também que um curso superior de jornalismo, destinado, por definição, a formar jornalistas, tem de permitir ao estudante a frequência de um vasto número de disciplinas optativas cuja escolha seja da responsabilidade exclusiva do discente, impondo-lhe somente um pequeno núcleo duro de disciplinas específicas. Os cursos também terão de ser suficientemente maleáveis para permitir, por exemplo, a atribuição de títulos de graduação em mais do que uma área do saber, seguindo o esquema major/minor de algumas universidades anglo-saxónicas. Seria perfeitamente compatível, por exemplo, possuir um major em Jornalismo e um minor em Economia, em Ciências Políticas, em Desporto, em Teologia, em Sociologia ou noutra qualquer ciência humana, social, natural ou exacta. Em parte, esta solução resolve o problema da especialização do jornalista. Teoricamente, um estudante pode mesmo acumular sucessivamente vários minors, ficando mais tempo na Universidade mas saindo melhor preparado para enfrentar o mercado de trabalho.

d) Os cursos de graduação têm de ser orientados para critérios de competência profissional, nos domínios da tecnologia, do uso eficiente e adequado da língua, das linguagens mediáticas e do profissionalismo, o que no jornalismo compreende a capacidade de produzir e comunicar conhecimento (Meditsch, 1992; 1999 b), de avaliar o que é notícia, de recolher e processar jornalisticamente a informação e de entender os efeitos da comunicação jornalística, de maneira a poderem tomar-se decisões eticamente balanceadas. Sobretudo, tem de ficar claro que a Universidade não pode continuar a passar pela vergonha de ver os seus alunos buscarem em centros de formação profissional a obtenção das competências que ela tem sido incapaz de lhes dar e muito menos pode passar pela vergonha de ver as empresas que poderão dar emprego aos seus estudantes desconfiarem dela e do tipo de formação a que os discentes são sujeitos. Os cursos de jornalismo têm necessariamente de ter uma dimensão importante de prática profissionalizante, experimental, laboratorial e interactiva, simulando, inclusivamente, o ambiente empresarial, o que possibilitará ao estudante aprender com os seus erros e procurar as melhores soluções para os problemas jornalísticos que enfrentará.

e) Uma forma de ultrapassar o dilema da banda larga/banda estreita é estruturar os cursos de graduação em duas fases. A primeira fase seria mais prática, já que as tecnologias dominam-se pior ou melhor (Fidalgo, 2001) e os alunos que entram na Universidade estão desejosos de agir e experimentar. A segunda fase seria estruturada em torno da componente intelectual e criativa, bastante mais difícil de dominar (Fidalgo, 2001). Assim, uma fase inicial (dois anos) incluiria no núcleo duro da graduação disciplinas destinadas a garantir: a competência tecnológica; a eficiência linguística nos meios digitais, audiovisuais e impressos; e conhecimentos mínimos de teoria, história e actividades de comunicação social. No final desse primeiro ciclo de estudos, o estudante deveria estar apto a sair da Universidade e ingressar no mercado de trabalho de nível técnico ou prosseguir estudos enveredando por qualquer área da comunicação. Um segundo ciclo de estudos (de um ano ou dois) permitiria ao estudante uma especialização num domínio comunicacional, para o nosso caso o jornalismo. Esta segunda fase do curso de jornalismo deveria proporcionar, depois de uma formação para vários media, uma especialização mediática. Deveria também proporcionar disciplinas de estudo, debate e reflexão sobre o jornalismo e, a partir dele (Meditsch, 1999 a), sobre a história, a sociedade e a cultura.

f) Os cursos de jornalismo têm de fomentar, talvez muito mais do que os outros, a mobilidade internacional de estudantes e professores, pois isso estimula nos estudantes a capacidade de conhecer e ler o mundo e de se abrir ao diferente e permite aos professores saírem do seu reduto para beneficiarem dos conhecimentos dos colegas, formarem redes de investigação, conhecimento e competências e tomarem contacto com as experiências de ensino-aprendizagem do jornalismo que se fazem com sucesso por esse mundo fora.

Finalmente, um curso superior de jornalismo ou direccionado para a formação de jornalistas tem de reconhecer os seus limites, devendo insistir no que é essencial para essa formação e não no que é acessório. Também os estudantes que buscam um curso de jornalismo têm de reconhecer os limites da formação que obtêm. Por exemplo, um curso superior de jornalismo ou que propicie a formação de jornalistas não garante por si só a obtenção de um emprego jornalístico. Aliás, os estudantes têm de saber construir os seus currículos de maneira a procurarem diferenciar-se dos restantes, para conseguirem atrair a atenção de um possível empregador. Outro exemplo: um curso superior não garante por si só uma preparação total para as transformações no mundo em geral e no campo comunicacional em particular, pois estas são vertiginosas. Por isso, importa que os estudantes se preparem para uma vida de contínuo esforço, labor e estudo, sendo que a Universidade deve, desde logo, exigir zelo, empenho e muito trabalho a um estudante durante a graduação e propiciar formação contínua ao longo da vida, ministrando cursos de actualização, em regime presencial ou à distância, propiciando aos seus antigos estudantes a participação em congressos e eventos similares, etc.

Em conclusão, embora o ensino superior do jornalismo, ao nível da graduação, tenha, por um lado, sido direccionado para a satisfação de standards académicos, mais do que de standards profissionais, e, por outro lado, tenha sido diluído no campo da comunicação ou ainda no campo mais vasto das línguas e humanidades, isto não é uma inevitabilidade nem significa que a opção é a mais correcta. Interessa equacionar a questão, explicar porque algumas experiências de ensino do jornalismo obtiveram bons resultados e outras não e encontrar os melhores modelos para a aprendizagem da profissão. Afinal, o objectivo, talvez mesmo o desafio do ensino superior do jornalismo continua a ser o mesmo de sempre: dotar os estudantes que tenham talento e vocação para serem jornalistas das competências profissionais e técnicas que lhes permitam fazer um uso eficaz e eficiente das suas capacidades no exercício profissional, adaptando-se sempre que necessário a novas condições, sem descurar a formação humana, intelectual e cívica que permite ler o mundo e sobre ele agir com respeito pelo próximo.

Referências bibliográficas