Cultura e Sociedade da Comunicação

Manuel Lopes da Silva 1


Indice

Introdução

A Cultura é um conceito polémico, facilmente politizável, que causava apreensão quando citado a alguns intelectuais do século passado dada a sua evidente ambiguidade; Sociedade da Informação é também um termo recente repleto de contradições.

Os dois reunidos só poderão ser tratados seriamente numa perspectiva nada especulativa e bastante empírica, precisamente a adoptada pelo grupo dos ``cultural studies'' de Birmingham.

A Sociedade de consumo e a sociedade da informação não coincidem mas entrelaçam-se uma na outra. Sobretudo a SI é um conceito mais político do que sociológico, mas ambas merecem um capitulo especial em que se identifiquem os respectivos problemas.

Quem avalie com justeza o papel dos actuais media compreende a importância dada à centralidade da cultura na nossa sociedade, e a perspectiva de Stuart Hall que aqui apresentamos.

O circuito cultural é invocado através dos modelos de Moles e de Birmingham.

Finalmente a questão da identidade cultural é abordada numa perspectiva dos ``cultural studies'', mas também numa perspectiva filosófica.

A Sociedade de Consumo

O desenvolvimento tecnológico, a produção em série e a criação de mercados em expansão, com o objectivo de satisfazer as expectativas crescentes dos cidadãos, levaram ao aparecimento duma sociedade que parece apenas ocupada em produzir e consumir. Paralelamente observa-se o fenómeno da massificação, que já Ortega tão pitorescamente descrevia.

A preponderância dos factores económicos no desenvolvimento levou mesmo a um fenómeno de certo modo inesperado, ou seja, à desaparição das classes sociais ( no sentido marxiano).

De facto o proletariado dos produtores do século passado foi sendo progressivamente substituído por uma classe social única e muito extensa : o proletariado do consumo.

A sociedade inteira vai-se uniformizando, desaparecem as classes de proprietários e seus assalariados e surge a grande e única classe dos consumidores.

Ficam excluídos largos estratos da sociedade incapazes de atingir níveis mínimos de consumo que lhes permitam integrar o resto da sociedade. De facto a única coisa que hoje conta são os ordenados que se ganham, porque os ordenados altos pressupõem bons lugares de comando ou de influência.

De resto, hoje em dia, o uso do dinheiro adquiriu um sentido muito dinâmico, de certo modo mais egoísta. A antiga poupança com vista a uma adversidade no futuro , foi substituída pelo investimento imediato, procurando um lucro fácil embora com risco.

Há hoje uma grande facilidade em obter dinheiro, a começar pelas vultuosas ``mesadas'' da juventude, impensáveis há algumas décadas apenas.

À mobilidade do dinheiro corresponde um certo gosto pela comodidade, a tendência a usufruir dos meios materiais oferecidos pelo mercado, bem ao contrário duma certa ascese do século passado, herdada dos vitorianos do Sec. XIX.

Este ideal de vida sempre fácil produz sequelas inevitáveis de materialismo e egoísmo refinados e ferozes, onde não cabe qualquer preocupação ética ou religiosa .

O triunfo do mercado leva também ao predomínio da comercialização.

Se se refere frequentemente o inegável desenvolvimento tecnológico dos nossos dias, o que de facto constatamos directamente é antes o desenvolvimento de processos de comercialização duma intensidade e duma agressividade que violentam frequentemente a privacidade dos cidadãos supostamente protegida pela Constituição.

E a publicidade tem claramente aqui um papel muito negativo, que não basta para compensar os outros aspectos positivos.

Como vislumbraram os investigadores dos ``cultural studies'' de Birmingham e os críticos de Frankfurt, esta sociedade de consumo transformou tudo em produtos para venda no mercado, desde os alimentos à arte, à literatura, ao desporto, em geral a todas as actividades culturais. No mundo de hoje qualquer actividade humana acaba por ser convertida em produto de consumo, e o êxito social mede-se pela capacidade de a vender, não havendo sequer a preocupação do bem estar das pessoas.

Nesta sociedade de massa os próprios cidadãos tendem a diluir-se nela. A moda por exemplo exerce um poder homogeneizante irresistível, poucos se atrevem a usar uma gravata que não tenha a cor do momento. A massa é algo anónimo dentro do qual cada indivíduo humano perdeu a sua personalidade própria para se diluir no destino comum da própria massa , e esse é o verdadeiro perigo que tende à sua alienação.

Do ponto de vista que nos interessa, o da comunicação, verificamos que há uma hegemonia dos Media.

De facto, ao entrarmos no Sec. XXI podemos constatar, não sem alguma surpresa, uma situação inesperada há um século e que é a da extraordinária dependência do capitalismo contemporâneo dos seus canais de comunicação.

A publicidade e a propaganda tornaram-se actividades estratégicas sobre as quais assenta o mercado. Vivemos numa cultura do slogan, da abreviatura, das iniciais, governada por convencionalismos, por códigos especiais.

E há o culto da velocidade, dos carros de competição e dos aviões de combate estratégicos- mas também das intermináveis filas de espera nas grandes cidades, quer de carros quer de pessoas.

Ao fim e ao cabo uma sociedade plena de contradições, uma das quais é a actuação dos profissionais da comunicação.

Muito longe das aspirações da sua classe de há 50 anos, os jornalistas hoje têm de mediar entre os políticos e a opinião pública, o que tem provocado situações explosivas que põem em perigo o próprio regime democrático.

Sociedade do Conhecimento

Muitas vezes se tem usado o termo ``conhecimento'' em vez de ``informação'' pretendendo-se com isso recordar que a simples informação não basta para os cidadãos formarem um juízo, sendo necessário tempo e disposição para se chegar ao verdadeiro conhecimento. No entanto o termo tem entrado no vocabulário da especialidade mais como consequência da sua utilização em documentos de política da comunicação nos EU e na Europa. De facto nas recomendações do Conselho Europeu de 1996, os sistemas da sociedade da informação são considerados instrumentos fundamentais para promover o conhecimento. A sua emergência tem o carácter duma revolução que acrescenta enormes capacidades à inteligência humana e vem mudar o modo como trabalhamos e vivemos em conjunto.

No entanto percebe-se que a motivação principal que leva a propor uma política da comunicação para a Europa não é apenas de carácter cultural dado que ``as enormes possibilidades de novos serviços relacionados com a produção , o consumo, a cultura do lazer darão origem a um grande número de novos empregos''.

Os países têm de caminhar rapidamente na definição de novas políticas, sendo o mercado que conduzirá as opções, e a primeira tarefa dos governos proteger os vectores da concorrência.

A Europa não pode ficar atrás dos EU , o que tem sucedido até aqui.

Há que criar novos mercados, implementar novos serviços e aplicações que utilizam a infraestrutura, os periféricos e os equipamentos existentes ( rede telefónica e de TV por cabo, sistemas de radiodifusão e TV, computadores pessoais, leitores CD e receptores normais de TV ) a serviços que serão oferecidos através das novas tecnologias como a rede integrada de banda larga, à medida que estes estejam implementados.

O mercado da telecomunicações tem-se expandido de acordo com estas expectativas, o mesmo não sucedendo com o mercado do AV.

O problema estrutural mais importante com que aqui nos deparamos é o da fragilidade financeira e organizacional da indústria europeia de programas.

A pesar da enorme riqueza do património europeu e da capacidade dos nossos criadores, a maioria dos programas e arquivos não estão em mãos europeias. Espera-se que a expansão dum mercado interno europeu possa tornar os produtos mais facilmente acessíveis aos consumidores, criando mais oportunidades para a expansão da multiplicidade das culturas e das línguas, que é muito importante na Europa.

Na sequência dos anteriores processos de evolução tecnológica , que tinham atingido já a fase da mundialização e também da expansão do mercado mundial de capitais, um dos projectos actuais da SI é a globalização das redes e serviços.

De facto o que está na base do que se designa por Auto-estradas da Informação é a existência de sistemas de banda larga de expressão mundial. Esta globalização não é um objectivo técnico como frequentemente se pensa, é sobretudo um objectivo económico resultante do crescimento do capitalismo contemporâneo - afinal o que previu Marx no Sec. XIX.

Verifica-se assim aquilo que já anteriormente referimos sobre as verdadeiras motivações da Sociedade do Conhecimento, que são frequentemente económicas. E uma questão fundamental que se coloca neste momento é a de tentar definir o papel da cultura nas sociedades dos nossos dias.

A Centralidade da Cultura

Os homens são criadores de sentido e seus intérpretes, sendo os códigos de sentido que dão significado às nossas acções e nos permitem conferir sentido às acções dos outros. Tomados em conjunto constituem a nossa cultura , que hoje em dia está no centro das nossas vidas. De facto há , como referimos, uma hegemonia dos meios de produção, circulação e de trocas de cultura que se expandiram dramaticamente com as NTIC e a revolução informática.

Segundo Stuart Hall de Birmingham, as industrias culturais tornaram-se mediadoras em qualquer outro processo social ou económico, sedo difícil manter a velha distinção marxiana entre infra e superestrutura.

Os media suportam os circuitos globais de trocas económicas de que depende o movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento, produção de mercadorias, comércio de matérias primas e mercado de bens e ideias.

De facto concretizou-se o que Marx tinha vagamente vislumbrado, a emergência dum verdadeiro mercado ``global''.

A característica da actual revolução cultural reside no seu âmbito e na sua escala global, no seu poderoso impacto, no seu carácter democrático e popular. Muitas actividades deslocam-se para ambientes virtuais onde as transformações se dão a uma velocidade que ultrapassa a escala humana.

É aqui que as revoluções na cultura a nível global têm grande impacto nos modos como as pessoas vivem, no sentido que dão às suas vidas, sobre as suas aspirações para o futuro - sobre a sua cultura, enfim.

A tendência para a homogeneização está também na base deste processo, em que um conjunto de produtos culturais padronizados corrói as particularidades e diferenças locais produzindo em seu lugar uma `` cultura mundial'' ocidentalizada.

Uma tal homogeneidade é um pouco efémera , dado que a recepção dos produtos distribuídos é muito diferente consoante a ``geometria do poder'' , e as consequências são profundamente contraditórias. Uma das consequências mais negativas das exportações do sobredesenvolvido `` Ocidente'' é o enfraquecimento e corrosão das capacidades dos velhos estados-nação e das sociedades emergentes para definir os seus próprios caminhos e o ritmo e direcção do seu desenvolvimento ( questão do imperialismo cultural).

A cultura global alimenta-se das culturas locais para as converter num outro produto cultural para o mercado mundial. Por isso provoca reacções como a do ``nacionalismo cultural'' reafirmando o respeito pela tradição e herança cultural, que são respostas culturais conservadoras contra as forças da globalização cultural.

Para o bem ou para o mal a cultura é hoje um dos mais dinâmicos- e mais imprevisíveis- elementos de mudança histórica do novo milénio.

Não surpreende por isso que as lutas pelo poder político assumam cada vez mais um carácter simbólico e discursivo, em vez de físico e compulsivo, e que a própria política assuma cada vez mais a forma de `` política cultural''.

Mas a nossa sociedade de consumo que é profundamente hedonista e materialista desenvolve no seu seio profundas contradições, analisadas por Stuart Hall nos seus trabalhos clássicos no quadro dos `` cultural studies''. A maioria dos cidadãos pode esperar sofrer um desemprego ou um sub-emprego em virtude da actual racionalidade económica, profundamente imoral.

O crescimento das famílias mantinha anteriormente os pais unidos, particularmente a mãe que trabalhava duramente toda a sua vida adulta. Hoje as famílias diminuíram de tamanho e de número e os casais vivem por si próprios após a partida dos filhos.

Verificou-se um declínio do trabalho industrial e o crescimento dos serviços, com os seus diferentes tipos de vida, motivações, , ciclos de vida, ritmos , perigos e recompensas; o aumento do tempo de descanso e o relativo esvaziamento do chamado ``lazer''; o declínio do ``trabalho para a vida'' e as ``perspectivas de carreira'' a favor da chamada `` flexibilidade de tarefas'' mas que é apenas uma consequência do desemprego não planeado; as mudanças de dimensão do agregado familiar, dos seus padrões e da diversidade entre gerações, da autoridade e responsabilidade parentais, o declínio do matrimónio nos tempos do divórcio generalizado; as famílias monoparentais; o envelhecimento da população, com os problemas de se prepararem para uma maior velhice sem o apoio dos esposos, dum apoio de boa segurança social, dum sistema de saúde eficaz; o declínio da frequência tradicional da igreja e da autoridade baseada em padrões de moral tradicional e social, e falta de sanções sobre a conduta dos jovens; as deslocações geracionais em consequência das divergências entre estilos de vida dos adultos e dos jovens, entre o declínio da ética puritana do trabalho, por um lado, e o crescimento da ética hedonista do consumo pelo outro.

O executivo médio pode hoje concretizar uma deriva de carreira , antes impensável, mas no conjunto é mais vítima do que senhor da ``mudança cultural''.

A informação provoca hoje deslocações da cultura através da divulgação de dados sobre outros povos, outros mundos, outros estilos de vida, diferentes dos nossos , largamente acessíveis; do bombardeamento dos mais banais aspectos das nossas rotinas diárias por imagens, instruções, convites e seduções; da expansão nos estratos médios da sociedade das capacidades de comparar, ver, gastar, poupar, escolher, socializar a distância, virtualmente, através das tecnologias culturais que incorporámos na nossa vida.

A expressão de `` centralidade da cultura'' assinala aqui o modo como a cultura se entrelaça com todos os aspectos da vida social contemporânea.

E nesta , o culto do futbol invoca a nostalgia dum ``comunidade ideal'' em que vivíamos anteriormente, antes da mudança económica e do declínio industrial.

Não é possível alcançar uma perspectiva do nosso passado histórico, sem se ser motivado para a nossa ``herança cultural''; e entretanto a cultura actual atinge os mecanismos de formação da própria identidade, convidando mesmo com slogans a mudá-la.

E tudo sendo regulado, vigiado - surgindo mesmo o slogan `` Governo pela cultura'' !

Por tudo isto a cultura não pode ser estudada como uma variável sem importância, secundária ou dependente no que toca às transformações da sociedade, mas sim vista como algo fundamental e constitutivo, determinando tanto a forma e o carácter desta , como a sua vida interior.

O Circuito Cultural

Para abordar os problemas da cultura e sociedade os investigadores dispõem de modelos sociais que ajudam à sua compreensão. Um deles é o modelo de A . Moles, o da sociodinâmica da Cultura, bastante conhecido na área da comunicação.

Moles fundamenta-se no método cibernético e no estruturalismo para desenvolver hipóteses heurísticas , isto é, que permitam melhor entender os mecanismos socioculturais da sociedade. Ele procura definir as estruturas permanentes de circulação de elementos da cultura (culturemas) a partir dos quais seria possível constituir uma política da cultura.

Para ele a cultura é um género particular submetida a um certo número de leis particulares, à qual se pode atribuir um preço de venda e um valor social cujas grandezas relativas determinam os movimentos culturais.

É possível aceitar uma representação estruturalista da cultura, e admitir e existência de fragmentos de ideias, de imagens , de formas.

O papel do criador é o de extrair, destilar esses fragmentos do seu campo de consciência para, em seguida, os combinar num mosaico original de elementos banais gerando uma nova forma , incorporada por intermédio dos media no conjunto da sociedade, para dar lugar, ulteriormente a um novo processo similar. É o que Moles designa por ``circuito cultural ''.

Neste ciclo sociocultural os Media ( 1$^{o}$ polo) ``regam'' a sociedade, o macromeio (2$^{o}$ polo),com os produtos culturais, que são sempre extraídos desta por um processo que envolve os outros dois pólos.

De facto a cultura de massa é permanentemente sujeita a um processo de análise, de reflexão crítica pelos criadores (autores, artistas - 3$^{o}$ polo) que dão origem a obras e produtos novos.

Essas novas obras ou produtos culturais são permanentemente propostas às personalidades que constituem o 4$^{o}$ polo do circuito e que Moles designa por ``micromeio'', constituído por membros da ``cidade dos Intelectuais'' onde se constituem os elementos do ``quadro sociocultural'', ao qual se incorporam também os acontecimentos ou factos jornalísticos que lhes dão a forma de mensagens.

Quanto aos media de massa , eles extraem deste quadro as mensagens com que alimentam a sua produção televisiva, radiofónica ou impressa.

Eles seleccionam as unidades de mensagens de maneira semi- aleatória, fundamentando-se em directivas, tábuas de valores sociais (culturais) e no princípio do menor esforço.

As unidades de mensagens a seleccionar constituem o quadro da vida quotidiana da massa social.

Os media são assim o fundamento duma ``cultura mosaica'' constituída por um fluxo granular mais ou menos aglomerado e aleatório. Eles governam a nossa cultura filtrando e privilegiando certos elementos para lhes dar importância.

O pessoal dos media desempenha um papel reduzido quanto à inteligibilidade, interesse e valor das ideias que fazem circular.

Recordemos que o macromeio/sociedade é composto pela massa dos consumidores que, do ponto de vista político são os cidadãos das nossas sociedades democráticas.

A regulação deste ciclo cibernético é realizada pelos responsáveis dos media, que devem actuar respeitando os valores da sociedade, mas que, de facto, num regimen concorrencial de mercado da comunicação são frequentemente olvidados.

Um outro ciclo cultural foi desenvolvido em Birmingham pelo grupo conhecido de ``cultural studies''. Com efeito estes investigadores consideram que para entender completamente um texto ou outro artefacto cultural, é necessário analisar os processos de 1) identidade, 2) representação, 3) produção, 4) consumo e 5) regulação, que se fecham num circuito ou ciclo.

A abordagem através da regulação, por exemplo, implica a consideração das transgressões que possa haver contra a identidade (valores) ou contra uma representação adequada.

Entre estes cinco pólos dão-se relações bidireccionais, estando claramente explicitada a regulação, contrariamente ao modelo de Moles. Esta pode ter vários significados podendo referir-se a políticas governamentais ou a simples avaliação de comportamentos em referência a padrões da sociedade.

Mas o estudo das formas de regulação levanta necessariamente questões acerca da política cultural envolvendo conflitos de sentido, de valor, de formas de subjectividade e de identidade. A regulação é um processo dinâmico, conflitual, afectado por pressões económicas e estruturas de poder e por acções de indivíduos e grupos.

Kenneth Thompson, de Birmingham, afirma que os critérios de regulação estão em íntima relação com o modo de produção económica e as formas de consumo, e que a manutenção dum tal regimen requer um modo particular de ``regulação cultural ou moral''.

Particularmente importante é a consideração dos produtos culturais com referência à identidade nacional, uma perspectiva frequentemente invocada mas pouca esclarecida.

Identidade e Responsabilidade

A expressão atrás utilizada de ``vida interior'' também remete para a centralidade da cultura na constituição da subjectividade, da identidade e da pessoa como actor social.

A fronteira entre psicologia e sociologia justificava-se com a existência da identidade, mas hoje em dia essa fronteira tende a diluir-se precisamente com a questão da ``cultura''. Mesmo os mais cépticos foram obrigados a reconhecer que o sentido é válido ``subjectivamente'', mas ao mesmo tempo ``objectivamente'' presente no mundo - nas nossas acções , instituições, rituais e práticas.

A linguagem e o sentido dissolveram a fronteira consensual entre as duas esferas do social e do psíquico . Os símbolos, os valores sociais, podem ser estudados através de questionamentos chave, mas remetem sempre para um estilo de vida própria que reflecte a ``identidade nacional''.

Cada indivíduo adere a um ou outro conjunto de valores propostos, mas há sempre um remanescente que lhes é exterior qualquer coisa em excesso aos ``sistemas de sentido'' que é o novo caminho que nos aproxima da identidade.

A identidade nacional emerge não só do centro do nosso `` um, verdadeiro, eu '' mas também do diálogo entre sentido e definições que são ``representadas'' para nós pelos discursos da cultura e a nossa vontade em a eles aderir, ou seja a nossa identidade é formada culturalmente.

A identidade social é construída dentro da representação, através da cultura, não fora delas, mas uma tal identidade social é mais restrita do que a ``identidade pessoal'' estudada em filosofia.

A noção de pessoa é central em metafísica e ética e está indissoluvelmente ligada às noções de liberdade e responsabilidade.

A regulação contemplada no ciclo cultural anterior pode ser exercida pelos decisores dos media (auto-regulação) ou por instâncias exteriores (hetero-regulação), instrumentos jurídicos ou órgãos de regulação.

Em muitas instâncias nacionais ou internacionais se debate a questão dos media estarem a contribuir para a erosão da nossa identidade nacional, pondo em risco até a nossa própria independência económica e política.

De facto a presença nas grelhas de difusão de programas produzidos no estrangeiro intensificou-se nos últimos 20 anos. É difícil aceitar que o actual mercado do AV esteja a ter um papel positivo na constituição da nossa identidade nacional, tão necessária à constituição da comunidade em que todos nos sintamos numa mesma família.

O excessivo recurso a programas massificantes e embrutecedores, abusando do mau gosto ao manifestar os casos degradantes da sociedade, da violência gratuita ou da pornografia explícita preocupa não só as Associações Cívicas de Consumidores mas as próprias instâncias da EU como se pode verificar nas declarações sobre política da comunicação de Praga e Tessalónica .

Daqui a importância da existência dum serviço público de radiodifusão ( som e TV) que tenha por missão, entre outras, a de defender a nossa identidade nacional no campo cultural.

Considerações finais

A centralidade da Cultura nas sociedades contemporâneas resulta do papel essencial desempenhado pelos nossos sofisticados meios de comunicação, como acentuam o grupo de Birmingham e os críticos de Frankfurt, superando mesmo a dimensão cultural as dimensões económica e social.

A nossa sociedade de consumo acaba por criar contradições e clivagens, mesmo até disfunções culturais que é necessário corrigir. E a Sociedade do Conhecimento também não resolve estes problemas dada a sua vocação basicamente económica.

A identidade nacional, tão importante para a criação da comunidade em que vivemos, não só não é promovida pelos media como é corroída pelo predomínio da produção internacional.

A própria subjectividade, aquilo que somos como pessoas, origem da nossa própria felicidade ou frustração, é completamente abalada pelos maus conteúdos dos media, designadamente nos domínios que envolvem os padrões ( valores) da sociedade.

Assume por isso particular importância o papel da regulação do circuito cultural, como sublinha o grupo de Birmingham, tanto na dimensão autoreguladora como na heteroreguladora.

Mas para a preservação da nossa identidade nacional é também necessário que todos os agentes económicos, políticos e culturais assumam a responsabilidade social que desde há 50 anos alguns profissionais e académicos da comunicação social tentam promover.

E os consumidores devem também assumir as suas responsabilidades, recusando os produtos culturais estragados que com tanta frequência lhes são oferecidos.

1
Professor Cated. Jub., DCC/UNL, Investigador CECL


Europa e a sociedade global da informação- recomendações do Conselho Europeu'' , Bruxelas, 1994.

`` Media and Cultural Regulation'', Ed. by Kenneth Thomson, The Open University, 1997, que inclui :

`` The centrality of Culture: notes on the cultural revolutions of our time'', by Stuart Hall.

`` Mass Media and Democracy: a reappraisal'', por James Curran, in ``Mass Media and Society'' , Ed.by James Curran and M. Gurevitch, 1992.



Notas de rodapé

... Silva