E-publishing ou o saber publicar na Internet

António Fidalgo1


Índice

Algumas confusões e erros à mistura

Confunde-se tipografia com o escrever em letra de imprensa num computador. Com os modernos processadores de texto, Word, Wordperfect, etc., qualquer pessoa, que saiba mexer em computadores, formata os seus próprios textos, escolhe o tipo de letra, o espacejamento entre linhas, o tamanho dos títulos, a largura das margens, e o layout. Ora a tipografia é uma arte centenária e a maior parte das pessoas que escrevem em computadores não domina essa arte. O resultado das incursões tipográficas dos leigos não é, nem poderia ser, brilhante. Normalmente usa-se e abusa-se das capacidades técnicas dos processadores de texto sem o mínimo critério tipográfico. Dois ou três exemplos mostram isso. Misturam-se fontes, o espacejamento entre linhas não corresponde ao tamanho das fontes, e a mancha do texto normalmente não obedece a qualquer critério.

Ora a mancha do texto deve adequar-se ao tamanho da folha de papel, e há velhas fórmulas que permitem fixar a mancha.2 Por outro lado, sendo o tamanho de folha o A4 a mancha é usualmente demasiado larga, fazendo com que uma linha tenha 80 até 90 caracteres. Ora esse cumprimento é por demais longo, dificultando a passagem de uma linha para a seguinte, ou seja terminando a leitura de uma linha à direita, saltar para o início à esquerda da linha seguinte. Quanto mais curta for a linha mais fácil se torna passar de uma linha à seguinte. Nao é por acaso que as páginas dos livros de maior dimensão - os dicionários são um bom exemplo - têm um layout com duas ou mais colunas.

Basta comparar a página de um livro tradicional, impresso segundo as velhas normas tipográficas, e a página de um trabalho escrito a computador e impresso numa impressora a laser, para ver que há grandes diferenças entre uma e outra. É evidente que o tamanho das folhas A4, de 29,7 centímetros de altura e 21 centímetros de largura não é o mais indicado para criar uma mancha tipográfica típica. De qualquer modo pode melhorar-se em muito a forma como se formatam os textos em computador e se imprimem. Aliás, sendo o papel um bem precioso em tempos passados, um livro de qualidade caracterizava-se justamente por ter largas margens, onde o leitor poderia fazer abundantes e extensas anotações.

Os bits e o papel

Há certamente uma disfunção ou até mesmo uma esquizofrenia entre a enorme facilidade de publicar a informação na Internet e a extrema pobreza gráfica da sua apresentação e, ainda pior, da respectiva impressão. Se os aspectos tipográficos são secundarizados em textos compostos por computador, o panorama ainda é mais sombrio quando esses textos são disponibilizados na Internet em linguagem html. Ora esta disfunção prejudica em muito a eficiência dos textos online. Ninguém se dará ao trabalho de ler no ecrã um artigo de mais de dez mil caracteres, o correspondente a cinco páginas A4 impressas em formato tradicional, com uma fonte de 12 pontos e um intervalo de espaço e meio. As pessoas normalmente imprimem esse artigo para o lerem no suporte de papel, a que estão habituadas, e que ainda constitui provavelmente o suporte mais adequado a uma leitura atenta e proveitosa.

Começa a ser frequente sítios na Internet, nomeadamente jornais e revistas online, disponibilizarem os seus textos em diferentes formatos, o primeiro para o ecrã e o segundo adequado à impressão. É a prova provada de que a versão de ecrã serve como apresentação primeira do tema ao visitante do sítio, e que, querendo esse visitante ler o texto com detença, o deverá imprimir e ler no suporte papel.

A melhoria das impressoras, o embaratecimento extraordinário que a tecnologia de impressão laser representa relativamente à impressão a jacto de tinta, os drivers de impressão que permitem a impressão de apenas páginas pares ou ímpares (podendo neste caso, imprimirem-se primeiro as ímpares e depois, virando as folhas, as pares), a recente introdução de impressoras que imprimem frente e verso das folhas, são factores extremamente importantes a ter em conta para quem disponibiliza textos online. É possível, com meios triviais e baratos de impressão, obter uma qualidade gráfica aceitável na informação recolhida a partir da Internet. Sem dificuldades de maior poder-se-á ter um texto em folhas impressas de um e do outro lado, poupando em papel e em espaço na estante. Quer isto dizer que, ao colocar textos na Internet, é necessário dar um passo mais, isto é, pensar no leitor, no modo de como este poderá corporizar da melhor forma possível os bits visíveis do ecrã numa mancha sobre o papel.

Processadores de texto versus tipografia

Os processadores de texto seguem a lógica da máquina de escrever e não podem ser confundidos com programas de DTP (Desktop Publishing = composição gráfica) de que os mais conhecidos serão eventuamente o Pagemaker e o QuarkXPress. Obviamente que as mais recentes evoluções dos processadores de texto os capacitam de funcionalidades que ainda há poucos anos estavam reservadas aos programas especializados de composição gráfica, mas a lógica subjacente aos processadores de texto, nomeadamente o Word da Microsoft, e sobretudo a habituação dos seus utilizadores, é a da máquina de escrever, de ir inserindo texto linha após linha, e - grande vantagem dos computadores! - de facilmente proceder a correcções, de apagar texto, e de deslocar blocos de texto, palavras, linhas ou parágrafos de um lado para o outro.

Por outro lado, os processadores de texto são mais ou menos intuitivos, com uma aprendizagem rápida, ao contrário dos programas de composição gráfica, que exigem não só uma aprendizagem técnica, mas também uma aprendizagem tipográfica. Os programas podem ser muito bons, excelentes mesmo, mas o resultado dependerá sempre do saber profissional e da sensibilidade artística do compositor. Aliás a qualidade gráfica das fontes, a composição das linhas e dos parágrafos, a hifenização, é muito superior quando feita num programa especializado do que num processador de texto, por mais evoluído que seja. Compare-se, a título de exemplo, o mesmo texto, com o mesmo layout, feito em Word e feito em Pagemaker e ver-se-á de imediato a diferença de qualidade.

O que se requer a quem decida proceder à publicitação própria dos seus escritos, sem o recurso a uma editora ou tipografia, é que o faça de uma forma o menos desajeitada possível, e recorra a instrumentos relativamente acessíveis, de modo a que o resultado corresponda de algum modo ao esforço dispendido.

Esta proposição tem tanto mais cabimento quanto a difusão pela Internet vem ganhando um relevo crescente na publicitação de textos, nomeadamente de textos científicos. Daí que seja meu propósito, aqui, indicar alguns instrumentos e modos de os utilizar para proporcionar uma publicitação mais adequada, seja mediante papel, seja utilizando a Internet como veículo de distribuição.

LATEX ou a tipografia para leigos

LATEX é um programa que reúne as funções de simples editor de texto e de composição gráfica. Habitualmente é entendido como um programa destinado a escrever fórmulas científicas, utilizado sobretudo por matemáticos, físicos e engenheiros. Se bem que isso fale a favor do programa, é um erro reduzi-lo a um editor de fórmulas algébricas e outras que tais. Muito mais do que isso, LATEX é um programa universal que se presta à composição de cartas, artigos e livros. É justamente nas suas capacidades tipográficas que me irei aqui concentrar. Aliás, reza a história da criação de TEX (que está na origem do LATEX!) que foi por não gostar da correcção de provas do seu segundo livro que Donald Knuth avançou para a criação de uma linguagem de programação que permitisse fazer aquilo que os compositores tipográficos faziam.

Aliás neste texto não irei tocar sequer o modo matemático do LATEX, mas concentrar-me unicamente naquilo que é de interesse sobretudo para os textos típicos das humanidades e das ciências sociais.

O LATEX é, de começo, um editor de texto, e, neste sentido, é igual a qualquer programa que se limita a guardar os ficheiros sob o formato .txt. Neste caso o programa é uma simples máquina de escrever electrónica, onde se insere simplesmente texto. Aliás o formato dos textos de LATEX, caracterizados por terminarem em .tex, é o formato de .txt e como tal podem ser abertos e trabalhados por quaisquer processadores de texto, incluindo o Word da Microsoft. Pode-se perfeitamente escrever os textos para LATEX em Word, beneficiando com isso dos dicionários que normalmente vêm associados a este programa. A vantagem é que os ficheiros de .tex são muitíssimo mais pequenos que os ficheiros de .doc.

O que distingue o LATEX de um processador normal de texto é que é ele próprio que faz a tipografia, isto é que ajusta as margens, que formata a mancha e os parágrafos, que estabelece a relação entre o tamanho de fontes do corpo, das notas de rodapé e dos títulos, que faz o índice, que administra e uniformiza toda a bibliografia, etc.

WYSIWYG ou a pressa do resultado

O funcionamento actual dos processadores de texto é o que se convencionou chamar WYSIWYG, isto é, what you see is what you get, querendo com isso dizer que o se vê no monitor do computador é justamente aquilo que vai sair na impressora. Um utilizador quer colocar uma palavra em itálico ou em negrito e isso aparece imediatamente no texto, quer introduzir uma nota de rodapé, e ela aparece logo no fundo da página. Ora no caso do LATEX não é isso que acontece. O utilizador limita-se a escrever texto e a declarar quais as palavras que devem surgir em itálico ou a negrito, qual o texto que deve aparecer em nota de rodapé, sem visualizar o resultado nesse preciso momento. Contudo, pode fazer uma espécie de print-preview e ver qual o resultado.

Neste aspecto, e noutros, a linguagem de LATEX assemelha-se à linguagem html da World Wide Web, a linguagem franca da Internet. O resultado aparece a posteriori.

Convém aqui chamar a atenção para um facto, melhor um erro, corrente nos textos feitos em processadores de texto, e filhos da pressa do WYSIWYG. Em quase todos estes textos há uma falta de uniformidade no que toca a títulos, espacejamentos, referências bibliográficas, etc. É que o critério aqui é meramente subjectivo, o olho. O tamanho de fontes varia, sobretudo quando se trata de títulos, a colocação do título na página ora se situa mais acima ou mais abaixo na página, o parágrafo a seguir a um título ora tem um espaço maior ora menor, que pode ser o espaço de um ou de dois, ou de três parágrafos. Quanto maior for o texto, maiores são as hipóteses de falta de uniformidade ao longo do documento. Ora é justamente isso que um programa como o LATEX evita e que o torna adequadíssimo para um trabalho académico como uma tese de mestrado ou de doutoramento. Como essas formatações são feitas pelos mesmos comandos, e não a olho, o resultado será igual em todo o documento.

Publicar na Internet

Para quem hoje quiser efectivamente publicar os seus textos, torná-los acessíveis ao público, não há dúvida que a sua disponibilização na Internet é a forma mais barata, mais rápida, e mais abrangente. Quantos e quantos artigos científicos não são publicados em revistas de especialidade que vão na grande maioria acabar em estantes de bibliotecas. Quase se pode falar de cemitérios de artigos científicos. Ao contrário, online, o artigo está disponível, a qualquer hora, de qualquer lugar, para qualquer pessoa,em qualquer computador ligado à Internet.

Mas para alguém colocar os seus textos na Internet tem de os formatar em .html, e isso consegue-se com programas especializados, muito embora os próprios processadores de texto mais evoluídos - e aqui há que novamente referir o Word da Microsoft - tenham a possibilidade de converter um ficheiro .doc num ficheiro .html e, assim, poder ser posto online. Há programas melhores, outros piores, para trabalhar em html, os chamados editores de html, de que os mais conhecidos serão porventura o Frontpage da Microsoft e o Dreamweaver da Macromedia. Com esses programas o texto pode ser formatado, tabelado, podem-se inserir gráficos, etc. Pode de facto considerar-se que esses editores são para a Web o que os programas de DTP são para a composição gráfica. Mas esses editores estão sobretudo vocacionados para uma apresentação gráfica no ecrã, o que é diferente de uma preparação adequada dos textos para a sua disponibilização online .

Uma disponibilização optimizada de textos online na Internet obriga a que sejam colocadas duas versões: uma para ser consultada online e outra destinada a ser impressa. A primeira deverá estar em formato .html - isto é quase uma verdade de La Palisse! -, que tem desde logo a vantagem de começar a ser carregada de imediato. É a linguagem universal da Internet, acessível a qualquer browser , e sem que seja necessário qualquer outro programa para visionar o texto no ecrã e para o imprimir. A segunda versão deve ser a versão tipográfica, destinada a ser impressa. Aqui a Internet deverá apenas cumprir a função hoje exercida pelas tradicionais distribuidoras de livros.

As duas versões, tanto a versão de ecrã, como a versão tipográfica, devem obedecer a critérios específicos. Para a versão de ecrã convém utilizar a tecnologia de hipertexto, permitindo que mediante um índice inicial, remetendo por links para as partes indiciadas, se possa aceder rápida e confortavelmente à parte, capítulo ou secção desejada do texto. Se o texto for longo, o melhor será dividi-lo por capítulos, acessíveis, por hipertexto, a partir do índice. Quanto à versão tipográfica, convém que cumpra os requisitos da boa tipografia, já aqui enunciados. A melhor forma de o fazer é fazê-lo através de ficheiros em .pdf, que num único ficheiro incluem texto, figuras, gráficos e tabelas. Para além de, como se disse, possibilitarem uma impressão profissional do texto, têm também a vantagem de poderem ser guardados num único ficheiro (ao contrário da versão em .html, que muitas vezes, sobretudo quando inclui figuras e gráficos, obriga à criação de uma pasta com diferentes ficheiros).

Trabalhar com LATEX tem a vantagem de se exportar o ficheiro directamente em .pdf, e ir vendo qual será o resultado, ao jeito de print-preview , à medida que se elabora o texto. A juntar a essa vantagem, há a possibilidade de exportar o ficheiro de .tex para .html através de um programa muito simples, o latex2html. Ou seja, escrevendo um texto em LATEX conseguem-se simultaneamente vários objectivos: 1- obtém-se um excelente resultado tipográfico; 2- o ficheiro pode ser exportado no formato .pdf, que mais e mais se vem tornando num formato universal para a partilha de textos mais complexos, que incluem fórmulas, gráficos, etc.; 3- obtém-se uma versão em formato .html destinado à Web.3

Um exemplo concreto do que aqui acabo de expor, de publicar na Internet sob os dois formatos na Web, encontram-se nos últimos textos colocados na Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, www.bocc.ubi.pt http:// www.bocc.ubi.pt , e que aparecem nas novidades.

É óbvio que não basta saber fazer a composição gráfica dos textos da forma mais profissional, disponibilizá-los na Web sob os formatos mais adequados, para que tenham uma boa difusão, ou melhor, a maior difusão possível. Aqui passa-se o mesmo que no mundo tradicional dos livros, de editores, tipografias, distribuidoras e livreiros. Um livro pode ser excepcional, quanto ao conteúdo, estar primorosamente composto e impresso, mas o seu êxito irá depender sobretudo da sua distribuição. Cada vez mais o sucesso de um livro depende da sua distribuição. O mesmo se passa na Internet. O texto mais pertinente, mais bem composto e paginado, não será bem publicitado se for disponibilizado numa página pessoal. Há sítios na Internet que têm milhões de visitantes por dia e outros que têm uma meia dúzia por mês. Quanto à distribuição o ideal é disponibilizar o texto num sítio apropriado e isso depende, evidentemente, da natureza do texto. Mas esse é um outro assunto, que vai além da problemática aqui abordada. Saber formatar um texto para a Internet é uma condição necessária, mas não é certamente uma condição suficiente. Ou seja, deve saber-se fazer, mas isso não significa que o trabalho acabe aí. Outros passos terão de ser dados, e enumero apenas alguns: disponibilização do texto num sítio que ofereça garantias de continuidade (muitos textos anunciados na Internet deixaram de estar acessíveis porque os sítios e os servidores em que estavam alojados deixaram de funcionar), publicitação do texto em mailing-lists e em revistas da especialidade, sobretudo através de links directos para o url do texto em causa, etc., colocação do texto em bases de dados de bibliotecas online, sobretudo de temáticas afins às do texto em causa.





No References!



Notas de rodapé

... Fidalgo1
Universidade da Beira Interior, www.ubi.pt
... mancha.2
Cf [#!bringhurst_elements!#], em particular o capítulo Shaping the Page, pgs 129-162
...Web.3
Diga-se que estes objectivos também podem ser conseguidos de outra maneira, e até de uma maneira mais intuitiva. O Word da Microsoft, entre outros processadores de texto, também exporta os ficheiros em formato .html e, associado a outros programas, como o Adobe Acrobat (que não é o mesmo que o Acrobat Reader!) também exporta sob o formato .pdf.