Para uma ONTOLOGIA DO ARQUIVO DE IMAGENS EM MOVIMENTO

Eduardo Esperança


Conteúdo

AGRADECIMENTOS







Não poderia aqui deixar de mencionar, pelo menos os nomes próprios de algumas pessoas sem as quais a conclusão deste trabalho não teria sido possível. Começo por agradecer ao Zé Manel, que me meteu nesta alhada, mas que depois lá me foi arranjando uns papelitos para trabalhar, enquanto ía perguntando - ''já és mestre?''. Ao Carvalho d'Oliveira, que foi fechando os olhos a ''estes biscates!''. Ao Zé Miranda, que me facultou a utilização da sua ''enciclopédia ambulante''. Ao Tiago, que me deixou dar umas voltinhas pelas suas temporalidades. Ao Trindade Santos, que trabalhou tanto para ele, que me contagiou. Ao Prof. Adriano, pelo passado, e pelos presentes ''quando é qu'entregas?''. Ao Manel, que me foi descobrindo uns livritos. Ao Prof. Tito, que aceitou a tutoria deste trabalho nesta idade de ''instabilidades''. Ao Dr. João Benard, que aceitou a arguência de tão ''instável'' matéria, sem outros quesitos que um simples pedido. Agradecer à Paula, é um paradoxo: nunca o hei-de conseguir.

Este trabalho é apresentado por Eduardo Jorge Esperança como dissertação do Mestrado no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O autor, licenciado em Comunicação Social por este Departamento, exerceu o jornalismo até 1985, altura em que se integrou no Instituto do Emprego e Formação Profissional como técnico superior, exercendo actualmente funções de concepção e edição de documentos didácticos na Divisão de Recursos Didácticos do Centro Nacional de Formação de Formadores.

Colaborando activamente com a Cinemateca Portuguesa, o autor presta, desde 1986, assessoria ao Projecto ANIM - Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, particularmente no que se relaciona com a àrea de Novos Suportes.

Apresentação

Este trabalho surge na sequência do meu envolvimento e colaboração com a Cinemateca Portuguesa, na pessoa do Eng.º José Manuel Costa, no Projecto de edificação do ANIM -- Arquivo Nacional das Imagens em Movimento. Uma vez frequentada a parte lectiva do Mestrado do Departamento de Comunicação Social da FCSH da UNL, entre as hipóteses possíveis de trabalho, surgiu-me e cativou-me esta, essencialmente por duas razões:

-- era um espaço suficientemente novo (no sentido em que, só muito parcialmente, havia sido abordado) para oferecer alguma motivação/liberdade de descoberta.

-- o trabalho prometia oferecer, mesmo adentro da sua novidade, algum enquadramento institucional; à partida, pelo menos o mínimo de garantias de aproveitamento mais pragmático.

Como era de esperar, aconteceram inúmeras hesitações, especialmente no processo de arranque. Foi, afinal, encarando o trabalho como particular e adentro dos limites e condições que me eram oferecidas, que alguma coisa foi tomando corpo. Neste momento, o corpus que aparece como ''Dissertação de Mestrado'' é, felizmente, apenas uma parte -- a que pude considerar mais adequada, do trabalho de investigação e, essencialmente auto-formação, que não parou desde o último ponto final do índice e, espero não venha a parar tão cedo.

Uma das características com que se pode deparar, na leitura logo dos primeiros capítulos, é um certo colorido que prefiro chamar eclético, e que, se se pode atribuir um pouco à formação do autor, é sem dúvida característica preponderante do assunto/tema que não se compadece com abordagens de visualização parcial e/ou dirigida. Esta incomodidade ( a de estar, eventualmente, a mexer em coisas a mais) foi-me já tardiamente sanada por H-P Jeudy, quando no seu ''Memoires du Social'' descriminou o rol de saberes e nível de interdisciplinaridade a que se sujeitam os candidatos a museólogos (pps 126-127).

Começo, assim, por tentar explicar o objectivo do meu trabalho. Em seguida faço a abordagem ao filme/cinema do ponto de vista material na sua relação com todos os outros, chegando ao nascimento e desenvolvimento das cinematecas. A Memória vem a seguir, como grande tema central de ''pensamento do arquivo''. A Materialidade volta então de novo à carga com a abordagem pragmática da linguagem que serve aqui de charneira para o entendimento da memória -- na sua relação com a Morte e o Poder -- e a introdução no espaço mais directamente ontológico (Temporalidades do Ser) onde se questiona o Arquivo enquanto projecto, actividade com características teleológicas. O problema axiológico é o que define o espaço da Selecção e tenta, de algum modo, percorrer a questão : o que conservar?

Em Ruína começa-se já a trabalhar sobre os despojos e os problemas éticos e técnicos do restauro que se põem a qualquer arquivo. No final, Novos Suportes dá o panorama do que, neste momento, é possível fazer/prever relativamente ao registo de imagem noutros suportes que não o filme.

No final deste percurso, uma bibliografia anotada e alguns documentos anexos prevêem, talvez com alguma inocência, a utilização deste trabalho como fonte para outros, e/ou simples recurso didáctico.1

Introdução

``En général c'est la nuit qu'il faut aller au musée(...)c'est seulement la nuit qu'on peut se fondre avec le visible''

''Mémoires'' Vol 2 S.M. Eisenstein 10/18

Quando encetei este trabalho, senti alguns calafrios, especialmente nos momentos em que tive consciência do pequeno deserto aonde tinha vindo parar. Em termos patológicos chama-se a este tipo de perturbação ''agorafobia''.

Há afinal um espaço a explorar e os referentes que se podem observar encontram-se todos juntos num mesmo sentido - para trás.

Até que ponto o trabalho foi conseguido - isso é tarefa que desde já proponho ao observador. Com o mínimo de modéstia metódica, o que posso afirmar é que, entre a rede de pequenas análises, observações, metáforas e raciocínios por que fui tecendo esta reflexão, está subjacente um objectivo primário de deslocação. Percorrer, dar a volta, passar por entre, para observar e, essencialmente olhar e dar a ver a ''paisagem''. O espaço é suficientemente novo para que não deva implicar uma deslocação rigidamente metodológica, ou então corremos o risco de voltar a encontrar apenas os mesmos referentes. Esta novidade implica também uma tentativa de exploração operatória por camadas - horizontais - arqueologicamente uma exploração na horizontal, até ao esgotamento. Isto torna, por vezes o trabalho um tanto massador; a verdade é que a exploração na vertical é tão rica de relações e inflexões, que é necessário um cuidado imenso para se não ultrapassarem fronteiras que antes se estabeleceram como metodologicamente demarcáveis - aí, quando descobrimos que já estamos a trabalhar terreno vizinho ou fronteiriço, vem permanentemente à liça a questão - mas porquê este trabalho sobre ''o arquivo'' e não outro qualquer? Esta amplitude de perspectivas teve de ser dominada.

Por outro lado, quando me questiono acerca das razões que não teriam ainda levado o arquivista a pensar o arquivo, acabo também localizado nas ''necessidades''. È claro que o arquivista não precisa de pensar o arquivo, precisamente porque está lá, em casa (parousia). A presentificação isenta-o de se/o questionar. É apenas o assombro, o espanto do de fora, que o podem questionar e observar no todo.

Algo de parecido ocorre relativamente à produção no presente - o cinema/filme que é distribuído e presente ao público nas actuais salas de cinema. Mesmo para quem estabeleça limites de tolerância relativamente folgados, a profusão de discursos (especialmente na imprensa) que acompanha a enunciação do filme novo, deixa o sujeito da reflexão imerso numa tal quantidade de ruído, que a tarefa se torna, a todos os títulos, mais difícil. Confesso que demorei uns anos a conseguir ultrapassar esse estado de bloqueamento ''inexplicável'' relativamente a um objecto por que nutria gosto mais que suficiente - o cinema. Só depois de tocar algumas das causas e concluir que não era caso único, se foi desenlaçando o problema.

É que, também pelas próprias características do meio (cinema) demasiado envolventes, o observador se encontra sempre imerso numa tal densidade de elementos, que dificilmente se consegue destacar o suficiente para operar a reflexão mais útil.

Percebe-se, pois, a necessidade de um certo ascetismo - quasi terapêutico - de modo a que, por via de algum isolamento, a reflexão seja possível; consigamos ouvir o nosso pensamento.

Este trabalho deverá, assim, abordar questões primeiras no que se relaciona com os arquivos de filme/imagens em movimento:

  1. A grande questão ontológica - porque se conservam filmes/imagens em movimento?

  2. A grande questão pragmática - para que se conservam filmes/I.M.?

  3. (derivada de 1. e 2.) O imperativo da selecção: o que conservar?

Só destas três questões emerge um mundo das mais díspares observações. Depois, para cada uma, um rol de questões derivadas, em cascata.

No momento em que alguém se aventura por esta área, em particular o ''fundo'' (no sentido de base, infra-estrutura existencial dos arquivos de filmes/imagens em movimento), como em qualquer espaço aberto, grande e descampado, suscita-se no aventureiro uma certa vertigem do tipo da agorafobia (grande indisposição no seio de espaços abertos ou descampados). Aqui, esta tem essencialmente duas razões de ser:

Se nos ativermos apenas ao âmbito tecnológico ficamos com a necessidade de, no mínimo, abarcar suportes de nitrato, acetato, (filme, banda magnética, polivinil; os diferentes estágios da impressão fotográfica; as tecnologias de registo analógica e digital.

Começa por existir um fenómeno de interesse a observar: a aparente lentidão com que emerge, e finalmente se começa a impor, a ideia de conservação do filme. Só este século vê instalar-se com alguma solidez o conceito de Património, descobrindo dia-a-dia novos territórios, multiplicando modos, lugares e objectos de conservação; é este o século que afinal se lembra de investir ordem no passado, aparentemente ignaro quanto à origem das ordens que transporta2 , reescrever a história na posse indispensável de um token, até certo ponto ironicamente o objecto legitimador desse discurso transladado. Buscando para aqui o útil instrumento heurístico que é a noção de ''arquivo'' em Foucault, podemos então observar o fechamento de um circuito totalizante, apenas mais ou menos manifesto em determinados pontos: o peso do devir - do que ''devem'' - que se transporta e chega à actualidade eventualmente pálido e olvidado/latente mas definindo sempre, desde o início, o sistema de ''uma enunciabilidade'' - o ''arquivo'' de Foucault, e o choque ou suave interpenetração - conforme o carácter manifesto ou latente do ''arquivo'' que acontece com a actividade contemporânea de construção do passado, encontro tangível e positivado pela posse do testemunho - o monumento; documento histórico.

Quando se procura a génese/introdução da ideia de conservação na área do cinema, as coisas complicam-se; principalmente pelo leque de abordagens a que o fenómeno pode estar sujeito.

Uma das mais fortes razões de ser, parece prender-se com as próprias características intrínsecas do objecto histórico ''cinema''.

Quando atrás refiro a ''lentidão'' com que emerge uma política do património relativamente ao cinema, é apenas porque esta ideia está demasiado impressa para que a possa ignorar. Acontece que uma observação mais des-actualizada (atemporal) nos pode levar a outros pontos de vista sobre as temporalidades de instalação dessa política de património.

É verdade que o cinema é, por excelência, o dispositivo de conservação. Talvez seja também verdade que a evidência transbordante do medium, enquanto potencial arquivo, se tenha feito olvidar pelas gerações cronologicamente mais próximas.

Se o testemunho só ganha força com a distância (cronológico-temporal), talvez essa política de património não seja tão tardia assim. Isto deve eventualmente levar-nos à observação dos suportes físicos do documento/monumento, em particular aos seus ciclos de vida e perecibilidade física, estes, condicionantes dessa distância e consequente valorização patrimonial. Em termos lineares, esta é a observação lógica, primeira, utilizando a força do que Al'ois Riegl definiu como ''valor de antiguidade'' do objecto. Este, por oposição ao valor de novidade/modernidade, deve trazer impressos em si o desgaste e a delapidação do tempo, a inflação do seu valor pela emergência do seu corpo como raridade, ao nível de uma economia global.

A questão mais irrelevante - porque é que se não conservou/preservou antes? - parece assim não fazer grande sentido.

Riegl, oferece algumas pistas. ''(...) Si le XIX siécle fut celui de la valeur historique, le XX semble devoir être celui de la valeur d'ancienneté. Mais actuellement (1903) nous nous trouvons dans un période de transition(...) Cette transformation est caractérisée par le désir toujours accru, d'appréhender toute experience physique ou psychique non pas dans son essence objective, comme le faisaient généralement les époques anterieures, mais sous sa forme subjective, c'est-à-dire à travers son action sur le sujet (en tant que sensibilité ou conscience). Ce changement s'exprime clairement dans l'évolution de la valeur de remémoration(...). Muito sinteticamente, parece legítimo ir buscar ao período, a génese embrionária do arquivo, ainda apenas enquanto colecção de filmes levada a efeito pelos que afectivamente a eles ficaram inicialmente colados (1915?) ainda não como valor de antiguidade ''(...) la valeur d'ancieneté fait en principe totalement abstraction du fait singulier et de sa localisation, et apprécie seulement l'effet subjectif et affectif du monument .(...)'' mas apenas enquanto valor de re-memorização/re-visionamento. Neste estádio intermédio colectam-se/guardam-se filmes por razões estritamente ''sensuais'' ''(...) son action sur le sujet (en tant que sensibilité ou conscience)''; no momento em que se passa da venda ao processo de aluguer de filmes, e consequente destruição após o fim do seu circuito comercial, o coleccionador é suposto apenas querer poder voltar a fruir a obra numa altura posterior, quando sabe de antemão o acesso lhe ser vedado. Este tipo de investimento que podemos, à vontade, prolongar até cerca dos anos quarenta, é classificável apenas como investimento relacionado com o lado lúdico e/ou fruitivo, no seu sentido mais directo, do objecto colectado.

Neste ponto do percurso da história dos arquivos é, portanto, legítimo, apenas considerar como investimentos no objecto colectado, apenas valores fruitivos subjectivos e eventualmente alguns valores estéticos.

''C'est d'ailleurs a cette époque en 1908, qu'apparaît la primière préoccupation des pouvoirs publics à l'égard de la protection des droits des auteurs. L'argument est aussi économique: le système de location est substantiellement plus avantageux que celui de la vente puis qu'il permet un tirage restreint de copies. Dés cette periode la proféssion se structure en trois blocs: production, distribution, exploitation''
in ''Les Ombres du Temps'', Marc Nicolas, Traverses 36, P. 89.

Por isto se pode observar que muito cedo se começa a gisar a desapropriação e, consequentemente, ainda mais, o processo de intangibilidade material que coloca o filme numa categoria muito particular dentro do consumismo vulgar (que se sabe dever passar sempre, na generalidade, pela tangibilidade e apropriação do objecto). Como outras artes, o cinema de consumo começa a passar apenas pelas mãos do circuito profissional de produção, distribuição e exploração/consumo. À partida e como base, é o estabelecimento deste processo paralelo/marginal que está na origem da absoluta delapidação material das obras cinematográficas, não só pelo uso - não há cópia que resista aos limites da sua rentabilização - como pela sua desvalorização comercial. No momento em que começa a emergir a ideia da necessidade de conservação do filme, a única hipótese passa pela acção institucional/colectiva e/ou estatal/pública.

Com arranques diversos consoante o país, são os anos trinta que de facto marcam o início de algo a que se pode dar o nome de arquivo de filme. Não é por acaso que tal acontece neste momento. Para a emergência desta necessidade, o fenómeno pivot e impulsionador parece ter sido o fim do cinema mudo. Ao entrar já com alguma velocidade também na vertigem do consumo, o corte que com o sonoro se opera na circulação do produto cinematográfico, vem agitar as memórias ainda quentes de silêncio ou apenas embaladas pela pianola. Raymond Borde, mostra-nos o panorama:

''Il faudra la mort définitive du cinéma muet pour que certains esprits commencent à s'inquiéter et les choses évoluent. Car on a cru, jusqu'au milieu de 1930, que le muet et le parlant pourraient coexister, qu'il y aurait côte à côte deux formes de spectacle et qu'en déhors des grands circuits équipés en sonore, subsisterait tout un réseau de salles traditionnelles vouées à la magie du silence.

En 1931, les jeux sont faits. L'industrie a mis fin aux rêveries des amateurs. Les titres prestigieux du cinéma muet sont condamnés à disparaître dans les méandres pathétiques de la mémoire. La coupure est totale. Une téchnologie en a tué une autre. Les chances de revoir Pearl White ou Max Linder tombent à zero.

Or, le passé qui vient de s'éteindre est encore tout proche. Les Nibelungen c'etait hier. La nostalgie n'a pas eu le temps de s'interposer et ces films soudain retirés des écrans sont ressentis comme un traumatisme. Il y a frustration. Ce sentiment dépasse le cercle étroit des cinéphiles. Il touche des professionels, des parlementaires, des jouranalistes qui vont peu à peu redonner vie à l'idée de cinémathèque. Cette idée s'élargit. Elle est ''dans l'air''. (...) Mais entre temps, durant ces trois années décisives qui séparent la mort du muet de la première archive moderne, les occasions manquées se multiplient. Dans leur échec même, elles deviennent positives.

On parle de conserver, de conjurer l'irréparable. Chacun a, sur son écran mental, l'image bouleversante d'une star à sauver. Le temps des cinémathèques est venu.''

in ''Les Cinémathèques'' Raymond Borde, L'age d'homme, p. 53

Esta descrição, de qualquer modo intocável, deixa no ar uma simplicidade explanativa que, a um outro nível de profundidade não nos pode deixar quietos: o que leva ao aparecimento de dinheiros públicos (para o financiamento de Arquivos e Cinematecas) apenas nos anos quarenta? - E se não tivesse havido corte, ou de qualquer outro modo este tivesse sido aligeirado por um qualquer fenómeno paralelo, quando surgiria essa necessidade (pública) de preservar filmes?

Pelo menos algumas das respostas que agora consigo descortinar, alteram a tonalidade a essa cor directa do fenómeno. A questão síntese poderá ser: - será a passagem do mudo ao sonoro a grande força impulsionadora desse sentido de necessidade de preservar, ou terá esse corte sido apenas, tão só, a ignição desbloqueadora de um processo de amplitude muito mais alargada?

Comecemos pelo suporte: o nitrato

É muito natural que nesta altura do processo (início dos anos trinta) não existisse ainda uma consciência muito clara do alto coeficiente de perecibilidade do filme de nitrato (a um nível generalizado), mas quem começa por guardar/preservar filmes, tem pelo menos a noção de que se trata de um objecto com um ciclo de vida física relativamente curta, comercialmente morto, de armazenagem perigosa, de tangibilidade mediata, enfim, todas as qualificações próprias de um objecto descartável. E no entanto...

Só mesmo uma verdadeira relação afectiva de tal tipo com o objecto pode levar alguém (os pioneiros deste trabalho de arquivo) ao investimento num trabalho à partida inglório. Neste momento, a vislumbrar-se uma luz ao fundo do túnel, a única esperança, seria a eventual passagem do filme de nitrato a um suporte mais estável, que já existia mas era economicamente inviável, ou qualquer outro pequeno milagre que as malhas do futuro pudessem vir a trazer para a recuperação de todos os ''pacientes'' que tivessem tido a sorte de serem hospitalizados a tempo.

''La ruine devait simplement porter à la conscience du spectateur le contraste, essentiellment baroque, entre la grandeur passée et la déchéance présente. Elle exprime le regret de cette chute profonde, et la nostalgie corrélative d'une antiquité qu'on eût souhaité voir conserver (...)Les signes de destruction violente, qui caractérisent les ruines des chateaux forts, les rendent moins propres à faire naître chez le spectateur moderne une pure impression d'ancienneté.

Si nous avons néaumoins évoqué ces châteaux pour illustrer la valeur d'ancienneté, c'est uniquement parce que la ruine fait appréhender la valeur d'ancienneté de manière particulièrement forte et précise (...)

in ''Le Culte Moderne des Monuments'', Alois Riegl ed. Editions du Seuil, Paris, 1984, p. 62

Um tanto perversa, mas essencialmente correcta, esta observação de Riegl.

As datas estão bem marcadas: 1915 - o fim dos primitivos; 1930 - o fim do mudo; 1950 - o fim do nitrato.

Este escalonamento, de fácil utilização, tem sido (ab)usado na explanação da evolução das vagas e processo da conservação do património fílmico; como único apoio, os pontos na origem da desvalorização dos produtos da ''era'' anterior.

À partida, e por razões metodológicas, decido abordar o espaço do valor estético/artístico do objecto filme, só apenas quando este (valor) colida ou seja emergente em conjunto com outros, particularmente os valores de uso e de troca. Isto não quer dizer que outros valores de investimento, sempre que visíveis/manifestos, não possam vir a ser abordados.

O tipo de abordagem mais conhecido que justapõe os valores de arte e de troca, a valorização simbólico-cultural e a valorização económica, embora fulcral, não parece suficientemente abrangente.

Este é um objecto particular, com n ordens de valorização, com condições específicas de apropriação e fruição.

Até ao nível de profundidade que nos é possível descer na busca dos alicerces que balizam a evolução do processo cinematográfico, não parece bastar investir no cinema o estatuto de obra de arte, vestir-lhe um novo valor de mercado. Há toda uma complexidade própria a um objecto que até no próprio e primeiro estatuto - o de objecto - pela enorme quantidade e qualidade de relações que mantém com qualquer sujeito, todos os sujeitos, se torna bastante difícil de objectivizar no seu sentido estrito. Por alguma razão lhe colam o epíteto de ''imaterial''.

O cinema enquanto entidade estritamente materializável, de um ponto de vista epistemológico, pode ser sentido como uma entidade ''ridícula'': uma película translúcida com orifícios laterais, enroscada numa bobine, através da qual se faz passar um foco luminoso de modo a projectar as imagens/fotogramas nela contidas. O certo é que esta (i)materialidade que o seu próprio estatuto de medium (não imedato) lhe define, sem um imaginário próprio imediato, jamais pode ser negligenciada em qualquer argumentação/observação. Metaforizando, estamos muito próximos da enorme vontade de cultivar o espírito e a mente, sabendo no entanto, à partida, da necessidade e do peso do investimento que a manutenção do corpo acarreta - ''Il Corpore Sanum''.

A verdade é que, ao observarem-se a deslocação e os processos de investimento na preservação de filmes, se encontra inevitavelmente, à partida, manifesto, o fenómeno material como impulsionador dessa racionalidade de investimento.

''Par ailleurs d'autres facteurs liés à l'objet film et à sa téchnologie on pu jouer un rôle dans l'histoire de la conservation independamment de toute logique ''artistique'' ou économique. Un exemple: la propriété objective de la pelicule nitrate de s'enflamer spontanément dans certains conditions se double d'un élément dramatique qui est qu'il n'existe aucun moyen connu d'éteindre les foyers, ceux-ci dégageant l'oxigéne necessaire à la conservation puisqu'elle le faisait de tout stock une poudrière; elle a en révanche agi puissament en sens contraire quand les premières opérations de conservation systématique ont débuté, car ont ne pouvait plus laisser quelques films menacer la collection tout entiére. Cette ''logique de l'épidemie'', qui fait passer de la destruction en règle a la protection de chaque unité, est interne au processus même de conservation de l'objet particulier qu'est le film. Un discours globalisant sur l'art et la marchandise ne peut evidemment en rendre compte. Elle a pourtant participé de maniére importante au renversement de la politique de conservation.''

in ''les Ombres du Temps'', Marc. Nicolas, Traverses nº 36 p.88

Da Materialidade

O material sobressai, assim, como entidade tangível e único condicionador, aglutinante, de todos os fenómenos sofridos pelo cinema.

É sobre o material que se detêm os direitos de exploração após o aluguer/aquisição. O detentor desses direitos tem hegemonia absoluta sobre a totalidade das acções que possam ocorrer sobre esse ''material''.

A mais recente geração de profissionais (gestores), que vem suceder aos empresários dos anos quarenta e cinquenta, tem outro olhar mais respeitador relativamente à ''mercadoria''. Diferentemente dos seus antecessores que tinham pelo cinema uma certa indiferença mercantil, a geração mais recente percebeu, até certo ponto, o interesse da conservação da mercadoria, mesmo sem um horizonte próximo de utilização imediata. A conservação, pelo menos parcial, começou a ser olhada (a tentativa de conservação na totalidade é ainda um investimento demasiado pesado) como um ivestimento com possibilidades de rentabilização a médio ou longo prazo.

Um fenómeno interessante veio, em tempo oportuno, oferecer um ''lição'' aos produtores/investidores directos, e alguns prémios aos arquivos/cinematecas que há tanto o esperavam. No fim dos anos setenta uma pequena fatia de público, mais ou menos cinéfilo, começa a fazer sentir um razoável interesse em filmes antigos - do mudo ao início do sonoro. Isto acontece numa altura em que o ''boom'' televisivo (via satélite) se estabiliza nos Estado Unidos e começa a abrir na Europa, já grande cliente na produção cinematográfica mais comercial, os raios catódicos descobrem no cinescópio um canto para o ''cinema dos avós''.

O problema é que as cópias em condições estavam, algumas, (não poucas) nas mãos dos coleccionadores, e na grande maioria nas cinematecas.

Para lá deste facto, surgem os casos em que o detentor dos direitos sobre a exibição não é o detentor (posse de facto) de uma cópia utilizável. Neste momento dá-se a primeira grande machadada no ''núcleo duro'' que serve a destruição material do cinema: as cláusulas legais que estipulam, há dezenas de anos, a destruição completa das cópias fora do circuito comercial.

O interesse e o valor de uso que o filme antigo possa ter, por razões inerentes a este processo de rentabilização/destruição, passa por esta mesma vicissitude a acrescer-se de um valor de raridade.

Parece ser este um dos maiores passos para o abandono do ''Ghetto'' em que vive a Cinemateca tradicional - no culto das obras eleitas por e para uma elite de cinéfilos.

Ao afirmar a sua existência na relação de consumo a um espectro de audiência mais alargado, a cinemateca começa a ver compensado, ainda que indirectamente, o seu esforço peda-gógico de algumas dezenas de anos.

''On s'est demandé, au début des années soixante-dix, quelle était la finalité des archives. (...) quant aux institutions modernes, elles se lanceraient dans une nouvelle conception du cinéma et des mass media et dans un colloque créatif du spectateur et du spectacle. (Document du Centro Sprimentale, Juillet 1970).

Ce chant des sirènes fit hésiter. La civilisation audiovisuelle brillait de touts ses feux. Elle fascinait. On ne savait pas qu'elle serait une assez grave aliénation de l'esprit. On avait le droit de croire q'il était plus urgent de montrer des classiques à la television que de les restaurer.(...)''

in '' Les Cinemathèques'', Raymond borde, L'age D'homme, Paris 1982 p.157 - 158

A tendência para a objectivação (total) está, no entanto, ainda longe. A resolução da UNESCO de apoio ao desenvolvimento do arquivo das imagens em movimento é o pontapé de saída - revelação de outros envolvimentos institucionais mais alargados. É de certo um início da ''passagem do testemunho''.

De qualquer modo, perante esta prospectiva de ''futuro gelado'', todo o cepticismo é ainda autorizado:

''Les fonctionnaires-ordinateurs savent que le temps de baignoires est fini. Ils joueront donc les ingénieurs contre les artistes, en s'appuyant sur l'avenir apparent, pour transférer les archives autonomes dans les instituts d'Etat.(...) C'est du planning gouvernamental. Rien ne subsiste de la frénésie collectionneuse que animait Iris Barry, André Thirifays ou Mario Ferrari. L'Etat est là, avec sa grisaille et ses certitudes et dessine déjà l'hyper-objectivité de l'an 2000.

Mais le cinema est un materiau piégé qui porte en lui les plaisirs dissolvants de l'image. Même si on la réduit à l'obéissance, une cinémathèque ne peut pas fonctionner à long terme comme un service de l'équipement ou des contributions. Il y aura une fascination du patrimoine. (...)''

ibidem R. Borde. p. 160

Os ''Envolvidos''

Passemos agora a uma observação mais pormenorizada desta ''dialéctica''.

No seguimento daquilo para que R. Borde chama a atenção, os observadores mais atentos dos fenómenos por que agora passam os arquivos podem constatar um momento de passagem - essencialmente de gerações.

Começa por desaparecer a geração ''fundadora'' - os nostálgicos - e emergem os ''funcionários''.

Com toda a relatividade que se deve atribuir a estes apelidos, eles existem, no seu estado radical, com alguma razão de ser. O arranque das cinematecas não era possível sem a força afectiva, na relação com o material, que movia todos esses diligentes cinéfilos conservadores/preservadores que se limitavam, no essencial, a desejar transpor as vivências suas, e dos seus maiores, para os seus filhos e netos. Uma vez adquirido o estatuto institucional - ''integrante/integrador'' (relativamente ao estado), começam já a notar-se esses dois tipos de envolvimentos na acção da Cinemateca: em termos psicomotores, por um lado, a) um investimento a ''quente'' dos envolvidos que premeiam a sua acção sempre, e acima de tudo, com referentes cinematográficos desse seu mundo mental envolvente; por outro lado, b) um investimento a ''frio'' do funcionário mais ou menos competente que tem como objectivo/referente a condução da sua tarefa em termos de excelência laboral3 .

O grau de ''fascínio do património'' a que os indivíduos se sujeitam, observa-se como exercendo-se de modos diferentes, passando por um processo, no que se relaciona com o cinema, que se pode ilustrar por este duplo set de gerações:

Em a), o acompanhamento, mais ou menos próximo das primeiras enunciações/sobre a obra - os críticos, os elogios, as observações, os efeitos. O profundo envolvimento na emergência da obra com todos os fenómenos colaterais e grande condicio-nante/determinante - a actualidade dessa emergência, ou pelo menos a sua proximidade - que acabam por determinar a ''temperatura'' desse envolvimento, a profundidade do registo mnemónico.

A questão aqui é geral, como em todos os fenómenos em que a memória se vê envolvida. A emergência da obra/filme, logo após a sua produção não é nem natural, nem divina ou ''pura''. É, latu sensu - artificial; um produto cultural como tantos outros, com envolvimentos específicos, neste caso com todos os determinantes de investimento rentabilizante à partida. Antes de se inscrever no espaço da arte, inscreve-se no do consumo (de bens culturais) e, como tal, é um produto sujeito a estratégias de implantação (conquista de mercado) determinantes ao nível da conquista de audiência, tanto em extensão como em profundidade, determinantes desse tempo de vida comercial do produto.

Uma campanha de distribuição exemplar visa criar em todo o potencial consumidor o máximo de disponiblidade para a recepção do produto a ser lançado. Como tal, essa potência apetência/abertura do consumidor à recepção pode ser (é-o na maioria dos casos, ainda que inconscientemente) determinado pelo investimento feito pelo produtor na recepção/índice de receptibilidade do produto. Um certo número de variáveis devem encontrar-se para o sucesso comercial desta ''peça'', essencialmente: a qualidade (acessibilidade do produto (conteúdo e forma); a qualidade da campanha promocional (a mobilização das audiências para a boa aceitação).

Quando a conquista, pelo menos parcial - por exemplo, mais em profundidade que em extensão - acontece sempre com uma certa ''décalage'' no tempo, a mobilização da audiência pode ser geralmente encontrada numa sincronia/paralelismo de correntes epistemológicas e/ou estéticas modais que no momento da emergência acontece estarem a passar pelo tecido social.4

Este esboço do processo de produção, distribuição e recepção do filme visa, tão só, fazer perceber a quantidade de variáveis que podem/devem ser contabilizadas no ''envolvimento da memória''. Não parece, por outro lado, valer a pena aprofundar esta questão ao pormenor para observar a fragilidade da argumentação relativa à ordem desse envolvimento outra que não afectiva, mais ou menos determinada por essas variáveis de actualidade/actualização.

Neste espaço de envolvimento mnemónico de cariz afectivo encontra-se a generalidade dos indivíduos referidos em a). Encontrar-lhes um ponto fraco, é procurar, afinal, as fragilidades de qualquer mobilização de cariz afectivo: neste caso, a periclitância de uma selecção ( e esta foi indispensável aos primeiros coleccionadores e arquivos, no arranque) sem outra base que o envolvimento, o eco das primeiras enunciações. Isto é bastante revelador da fragilidade que advém da relatividade das condições de enunciação. Mais ou menos conscientes disso, o certo é que os fundadores raramente se puderam/quiseram livrar destes condicionamentos. E isto acontece sempre que surge a necessidade (ou acidente) de fazer um juízo axiológico. Já não é tão só todo o conjunto de particularidades que se utilizam (têm que se utilizar) a partir do lugar subjectivo, é um todo o ''environment'' que qualquer ''lugar'' envolve, em que este ''lugar'' em particular evolui, no espaço e no tempo. Ao precisar isto, quero enfatizar toda a consciência que é necessária a qualquer observador que se encontra na minha situação para aquilo que, muito ao de leve, posso designar pelo ''espírito do tempo'': a sua especificidade/particularidade e consequente relatividade.

''L'histoire de l'art au musée a longtemps considéré que l'oeuvre avait son autonomie propre indépendante de sa fortune historique (...) en opérant une dichotomie complète entre l'oeuvre énoncée se trouvait privée de toutes les données propres de son énonciation et particulièrement de son énonciation inaugurale, ou pis encore, l'énoncé lui même était tronqué. (...) le musée doit se pencher sur les mécanismes de la signification esthétique tels qu'ils se manifestent dans l'exposition s'il conserve ou qu'il est susceptible d'exposer.

P. F. Strawson (...) a proposé de considérer que pour atteindre à la signification la plus pleine d'une phrase énoncée, il fallait connaître la signification linguistique (A) accompagné de la signification rèfèrentielle (B) completé par la connaissance de la manière dont ce qui a été dit doit être entendu ou de tout ce qu'on veut dire par les propos tenus. (...) Ces trois composantes de la signification d'une oeuvre sont indissociables, elles peuvent intervenir de manière inegale dans le processus de signification mis en place par l'artiste, mais ne justifient en aucune manière une prise en consideration exclusive de l'une au déttriment des autres.(...) On entend donc par oeuvre, une unité de discours dont la cohérence et les limites se définissent sur le plan de la signification et on ne saurait confondre cette unité de discours avec le fait historique de son ou de ses énonciations.(...)''

in ''La transformation du musée à l'ère de l'art exposé'', Jean-Marc Poissont,« Traverses/36 » Paris 1987 p. 46/47

Uma vez estabilizada a observação do grande medium - cinema como uma ''linguagem'' com modalidades de enunciação e abordagem muito específicas e nas mais das vezes heterodoxas, não é fácil ficar indiferente à parcialidade investida na generalidade dos discursos que envolvem a actualização das enunciações/ex-posições no cinema. Esta é também uma das ''patologias'' a que podem estar sujeitos os indivíduos caracterizados em a), com todas as suas consequências. Quanto a estes (a), muito haveria ainda a dizer, especialmente no que se refere ao seu lado mais positivo, determinante e mobilizador da sua acção, tão importante e elevado que faz, muitas vezes, apagar todas as clareiras - menos mal quando o ponto de vista é o do observador; bastante pior quando o ponto de vista é o do próprio sujeito/actor da peça ''preservação''.

Relativamente aos ''funcionários'', a outra classe de conservadores que radicalmente estabeleço, eventualmente mais fria e distante, é possível que exista nela uma outra coerência de acção/performance bastante mais pragmática.

Quando esta frieza não excede determinados limites patológicos, como os outros problemas que afectam a generalidade das outras instituições (por exemplo, o excesso de burocracia, de indiferença, de ortodoxia performante, etc) talvez seja possível encontrar, entre estes, o perfil ideal, uma vez temperado o ''preservador'' de amanhã com uns pós de a), percebe-se que a simbiose de a) e b) estaria próxima dessa idealização. Seria extremamente útil, hoje/amanhã, no processo de recrutamento de recursos humanos para qualquer arquivo, ter presente este conjunto de características mobilizadoras e performantes sem as quais este ou qualquer outro tipo de acção no espaço da cultura pode estar sujeito aos caprichos e contingências do investimento pessoal de cada indivíduo.

Metaforizando, relativamente aos indivíduos caracterizados em a) e b), é possível encontrar em a) os ''médicos'' que operam verdadeiros milagres de preservação/conservação sobre os ''moribundos'' por si mais queridos e investidos de carga simbólica, no sentido de poderem morrer e deixar vivo o seu objecto de trabalho; são estes os fundadores da memória - mesmo que ''biased''. Em b) encontram-se os ''taxidermistas'' embalsamadores, geralmente involuntários, mas supostamente especializados e eficazes, que cumprem o seu trabalho de preservação na sequência dos ensinamentos em que se formaram para a excelência das tarefas que devem efectuar.

''ce travail sur la mémoire n'est pas seulement celui du deuil, il s'affirme comme une pratique des ''morts-vivants''. Il se prolonge en une véritable organisation de la reversibilité des signes culturels. L'idée que tout puisse faire retour à tout moment acompagne la restitution des sites et l'accumulation des objets. (...) une gestion des mémoires leur propose de résoudre leur hantise de la destruction nom plus par la simple conservation mais par une compulsion de ré-appropriation de tout ce qui parait mort. Traiter la chose morte comme une chose bien vivante, partageable, interprétable, permet de confondre le passé, le présent et l'avenir dans l'unique figure temporelle de la simultanéité. (...) Une étrange pulsion de pétrification outrepasse les plaisirs du spectacle: la vie sociale ne fascine plus qu'en étant mimée pour l'accomplissement d'une perceptiondioramatique.(...)''

in ''La mémoire pétrifiante'', Henri-Pierre Jeudy, ''Archives, Traverses/36, pág. 93.

Só com estes (b) parece ser possível realizar imparcialmente o sonho da ''observação policromática'', a possibilidade de convergência num presente/espaço passados por via da sua compressão/expansão no tempo/espaços presentes - a figura da simultaneidade. É aqui que emerge uma das principais problemáticas do que se poderá chamar uma ''ontologia dos arquivos de filme'' ou, melhor, arquivo de filmes/imagens em movimento. Esta é abordada em maior pormenor a partir do artigo de A. Bazin - ''O que é o Cinema - Ontologia da Imagem fotográfica'', mais à frente, como a observação fenomenológica aborda a questão.

É que, afinal, tão paradoxal ou mesmo utópica como esta tentação da fé na convergência temporal, é a outra que busca na ordem sequêncial, com recurso ao fundamento histórico, a observação/interpretação do fenómeno, acabando por ir cair no paroxismo da causalidade.

Neste trabalho de ''preservação'' acabamos também por encontrar uma primeira idade em que os sujeitos/actores da preservação sofrem de ''fascinação do património'' parafraseando R. Borde, podendo tal conduzir ao perigo das negligências já referidas.

''Il ne s'agit donc plus de vivre comme au passé ou de comprendre ce qu'a été le passé, mais de faire du traitement du passé un modèle d'appréhension du présent''

ibid. ''Archives'' traverses, pág. 95.

É claro que o que H. P. Jeudy refere já teve lugar na história recente com graus de força variável, consoante o espaço em que ocorreu mas, não é tanto este o receio que me perturba (a transferência do modelo, no tempo e no espaço). Em termos prospectivos e ''Filosóficos'' a questão é mais fluida e abraça apenas a hipótese do que um acesso ilimitado à história material, em termos de substancialidade, possa vir a originar num futuro mais ou menos longínquo. Recorrendo aqui à emergência de uma 4ª dimensão ponho-me na pele do futuro investigador/pensador e imagino as ''contraintes'' que deverá sentir com a possibilidade de acesso a todo esse devir (substancial, não-essencial): por um lado um aumento exponencial na liberdade de movimentos; mais uma dimensão (4ª dimensão), um universo a explorar. Por outro lado, o peso enorme que esse universo/cemitério deve exercer sobre quem quer que seja que nele se aventure. Ao perspectivar esse futuro, encontro ainda, como características e competências ideais para um tal investigador, apenas (e não é pouco) a necessidade de uma enorme capacidade de trans-substanciação (mental) - capacidade de simulação das condições de vivência e percepção do real num determinado tempo (passado) pela maior quantidade de factos e referências que consiga conjugar. Aquilo a que se poderia chamar uma capacidade de envolvimento teleológico total.

''(...) automatically produced images are founded from a desire that the concrete be preserved, stopped in time, and this desire leads to the special appeal of cinema, when the subject is led to open itself to a revelatory experience of reality; but reality evolves in time, and is even perceived in time.''

in ''History of Image, Image of History'' Philip Rosen, ''Screen'' nº7 pág. 18

Importa aqui chamar a atenção apenas para o facto de que, se este sujeito do futuro, com o advento da imediata cristalização da totalidade das imagens em movimento no acto da sua captação, (do arquivo total), se dispensa de uma memória, dispensa-se apenas da memória material/substancial, a que lhe dá o acesso aos factos/feitos. Por isto deverá , assim, transferir todas as suas capacidades, ainda do espaço mnemónico, para o domínio da operação relacional/vicarial. Um pouco a capacidade de todos os ficcionistas que utilizaram a ''máquina do tempo'' e a manipularam o melhor que puderam.

Voltando à cinemateca, e ao perfil dos sujeitos que nela evoluem, observamos, por outro lado, no espaço emergente da objectivização, os gestores dessa memória que, limitando-se à preservação da maior quantidade de objectos com a melhor qualidade (preservativa), entram decerto na categoria e espaço daquilo a que H. P. Jeudy chamou ''petrificação''.

''La petrification libère la parole par le commentaire. La mort y est soustraite, la memoire s'actualise. Tout peut être dit de la chose pétrifiée, mystère et dévoilement ne l'entachent pas puisque son intégrité est devenue temporelle. (...) L'arrêt sur le temps, la fixation du mouvement, sa condensation dans une scène purement statique donnent aussi l'image de la vie parce que la memoire peut passer de la steréréotypie à l'hallucianation, de la simple reconnaissance de signes culturels à la fantasmagorie.''

ibid. pag. 94 Traverses 36

E que melhor objecto/medium pode existir como portador dessa alucinação de vida? Não será este o melhor transportador envolvente na ''máquina do tempo''?

''La petrification abolit le temps et l'espace pour laisser libre cours à une mémoire imaginaire dont l'apparente morbidité n'a d'égale que sa candeur à oublier la tragédie du réel.(...) Le social n'est il que la mémoire de son énonciation? Sa propre légitimité est inscrite dans les seuls programmes de politique culturelle qui le traitent comme un objet privilégié et pétrifié. Il ouvre ainsi un champ d'interpretation infini et sur lui peut s'abattre une masse de discours dès le moment où il assure une fonction ontologique.

En le considerant (la mort) comme objet de memoire, le social est mis en scène de telle sorte que l'acte de la restitution (ou de la ré-appropriation) se suffit à lui-même puisque son objet est déjà de l'ordre de la simulation''.

ibid. H. P. Jeudy, p. 94

O técnico ''taxidermista''5 tem de ser, antes de mais, um bom técnico - o seu envolvimento afectivo com o objecto de

trabalho é sempre secundário, senão impróprio: ''(...) os egípcios também utilizaram as formas animais de um modo simbólico, quer dizer, não em função do seu intrínseco valor, mas como expressão de algo mais geral. Testemunho disso é o ingénuo emprego de máscaras de animais, sobretudo na representação da operação de embalsamar durante a qual as pessoas encarregadas de abrir os cadáveres, de lhes tirar as entranhas, etc, tinham a cobri-las máscaras de animais. Compreende-se facilmente que nessas ocasiões, a cabeça do animal era empregada não por si mesma, mas por representar uma significação geral independente do objecto.''

in ''Estética III'' - ''A Arte Simbólica '', Hegel, ed. Guimarães, Lisboa 1970 p. 107

No fim, a categoria dos ''fascinados'', nesta segunda idade da Instituição, passa a ter lugar apenas na audiência, e só a partir daí pode elaborar discurso - o fascínio legitima a condição de interdição laboral - prescindem, ou é-lhes retirado, o estatuto de ''preservadores'': não mais é possível, ou mesmo aconselhável, que existam quaisquer relações de familiaridade/afectividade entre entre médico e paciente, entre técnico e objecto de preservação/recuperação.

Da Necessidade Dinâmica

''Avec le mouvement dans l'espace, l'homme s'assume de sa maîtrise et de sa liberté(...) Car celui qui se deplacerait d'une place à l'autre en parcourant tous les lieux de l'univers et sans revoir jamais le même lieu, celui-lá surmonterait sans doute, d'une certaine maniére l'unilateralité de son point de vue local et l'étroitesse de sa finitude(...)''

in ''L'irreversible et la nostalgie'' Jankelevitch, V. ed. Flammarion,Paris l979 pps 13 e 14

Ao observar a criação do arquivo, é difícil negar que antes, à partida é uma intencionalidade o que é possível encontrar no seu arranque - a vontade de preservar.

Dando esta premissa como assente, torna-se mais fácil estabelecer uma relação (mesmo que não cheguemos ao ponto de a definir) entre essa necessidade de preservação e as grandes necessidades de deslocação. Jankelevitch define-a bastante bem; não é só a estreiteza da sua finitude (as implicações da morte) que o homem tenta ultrapassar, é também o seu presente, lugar a que está preso e de que em permanência deseja libertar-se.

Aqui, o tempo - sempre que este conceito ou noção chegam à consciência entram nesse espaço - que é sempre um espaço com forma muito próxima da objectiva - exterior; acaba por ser sempre um tempo projectado nesse espaço. ''(...)l'imagination a beau se demener, elle reste toujours imanente au temps irréversible, enveloppée dans les fillets du temps irreversible.''

ibidem p. 22

Esse grande tempo ''envelopante'' onde todos os seres têm de cair é a atmosfera e o meio omnipresente onde tudo evolui, como já Plotino e Aristóteles observavam.

Assim, o movimento de deslocação, como a necessidade que o impele/despoleta, acabam por se confinar ao universo de referentes que já se conhecem , que são leito de acolhimento imediato aos dados apreendidos por qualquer sujeito.Pode parecer, até certo ponto um paradoxo mas, aqui, como aliás noutras vertentes, o arquivo não é mais que a objectivização da possibilidade de acesso a esses referentes.

* * *

Por outro lado, encontramos também outra necessidade derivada, tão humana quanto esta: a necessidade de acumulação e objectivação de um devir.

Por este processo passam todos os coleccionadores/ /acumuladores de objectos (selos, medalhas, capital, etc) É possível observar por este prisma, que o produto/acumulo, a herança que ficam, mais não são, nos limites da finitude a que o ser acumulador se circunscreve, do que a objectivação de um devir. Objectivando-se na herança, este acaba por ser um processo do vivido - tempo gasto na produção de algo que, entre muitas coisas, é a colecção de índices/indexação do espaço-tempo vivido/processado.

O arquivo encontra-se na confluência desta dupla necessidade primária, nómada e cumulativa . É tanto na perspectiva de ser lembrado, fazer lembrar, como na de permitir a deslocação no tempo aos vindouros, que o primeiro homem preserva - se organiza de modo a poder transferir a/uma herança. Se pode parecer interessante trabalhar/produzir para ser lembrado, é

também fácil encontrar nesta necessidade a tensão que o vazio provoca - o homem que não tem quem / o que lembrar.

Da Necessidade da Memória

Si la muséophilie ouvre quelque perspective à la science-fiction, elle fait pourtant l'objet d'une gestion qui en traite son extravagance virtuelle. A l'horizon d'une accumulation fantastique des signes du passé, se profile toujours la question élémentaire: que conserver? Et celle-ci ne manque pas d'entraîner d'autres: pourquoi conserver? Que faire de ce qui est conservé?(...) Si les objets ne restent que des signes malgré le pouvoir de leur figuration symbolique des modes de vie, les récits, parlés ou écrits, tracent le possible des scénographies de la mémoire.''

in ''Memoires du Social''. H.P. Jeudy, ed. PUF, Paris, 1986, p. 25

Para a constituição de uma genealogia do arquivo, não necessariamente tema base deste trabalho, mas ponto inalienavelmente a explorar, encontro a urgência de explicar a necessidade de uma memória (neste caso colectiva, bem entendido). Precisamente uma das primeiras questões que ocorre, relativamente à emergência do arquivo, é a da origem, natureza das forças que o podem fazer/fizeram emergir.

A memória colectiva que nos interessa observar é a que se vai constituindo pela retenção/colecção dos acontecimentos que um dia foram presentes, e de algum modo tocaram uma extensão suficiente do tecido social para que alguma vontade, mais ou menos próxima, decidisse retê-los. Ainda há não muitos anos, esta definição, que consigo extrair da síntese de algumas leituras e observações mais concretas, estaria, no essencial, correcta. Hoje, não estou tão certo. De algum modo a força latente que se começa a fazer sentir, particularmente a partir de meados dos anos setenta, no que diz respeito às condutas e políticas de preservação e arquivo - em especial a sua extensão a novos objectos - faz-nos dirigir a atenção para o comportamento das entidades que tradicionalmente gerem esta área. As entidades públicas e os orçamentos cabimentados, as fundações; os particulares.

Se a '' onda positivista'' que o século consegue fazer chegar até aos nossos dias teve pouca conveniência em fazer lembrar as coisas passadas - é inegável a lateralidade (quando não marginalidade) das forças para a preservação - o volte face parece estar a ter início, em reacção a toda essa quasi-latência forçada em que se viveu nas últimas décadas.

''A história positivista que, através de métodos cada vez mais científicos de datação e crítica de textos, parecia permitir um bom estudo do passado, estava a imobilizar a História no acontecimento e a eliminar a temporalidade. (...) O positivismo teve também outra atitude que, nomeadamente em França, levou à negação do passado que afirmava venerar. É ela o ''desejo de eternidade'' reaparecido sob a forma laica.(...)''

in ''Passado/Presente'', Jacques Le Goff, Einaudi 1 Memóra/História, INCM, Lisboa, pps 305/306.

Mais e menos que só História

Ao percorrer as fontes (acessíveis) que nos podem permitir o acesso ao cinema, ou mesmo a todas as ''imagens em movimento'' subsequentes, à excepção de um ou outro artigo, pouco é possível encontrar de reflexão sobre a problemática da sua conservação. Ligada a isto há sempre, e mais, a História, as estórias; a descrição do percurso no tempo; alguma reflexão, sempre de um ponto de vista muito específico.6 Sem qualquer pré-juizo, o que observo é que talvez a tradição deste tipo de saber - a História - aqui me saiba a pouco mais que ''memórias''7. Parece haver a necessidade de descortinar e, eventualmente, assumir um sentido que nos permita explanar o fenómeno. O projecto do arquivo pode passar precisamente pelo estudo dos modos de fazer assumir esse sentido.

0 ''passado como constrição'', o aspecto repressivo da memória, particularmente da extensão material da memória colectiva que são todas as instituições colectoras, são um fardo permanente e bem presente a todo o poder que se assume como criador/gestor da mudança.

A História mostra-nos, no entanto, que este modo de estar, mais ou menos distante do que foi/aconteceu, é um modo cíclico8 que acontece variar com as crises de identidade e coesão social de um grupo sempre razoavelmente extenso (classe, nação).

Nesta problemática em que me vejo enredado, há uns tempos buscando uma causa/cousa primeira para a emergência de uma memória (material) colectiva são sempre estes dois conceitos intimamente ligados que aparecem com mais força ''hermenêutica'' quando observo o enredo dos factos enquanto fenómeno: a identidade e coesão social do grupo. ''O primeiro domínio onde se cristaliza a memória colectiva dos povos sem escrita é aquele que dá um fundamento - aparentemente histórico - à existência das etnias ou das famílias, isto é, dos mitos de origem. (...)A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou colectiva, cuja busca é uma das actividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia.(...)''''

ibidem MEMÓRIA, pg. 14 e pg. 46

Entre as funções sociais da memória, adentro do espaço de coesão do grupo, contavam-se a mais linear - da comemoração - lugar estrito da memória/lembrança, e a aprendizagem e conservação do segredo dos ofícios.

Observemos agora (hoje) a irrelevância da memória neste domínio central - a produção. Independentemente da ilusão que possa constituir, todo o produto, para entrar em circulação no mercado deve, entre outras características, ser essencialmente novo, assumir-se como novo, diferente pelo menos de tudo o que lhe é próximo - no tempo como no espaço. Cada vez mais, hoje nem como instrumento de legitimação a memória chega a ser evocada - há espaços/lugares limitados para o fazer, onde tal pode ser feito.

Cada vez mais a grande instituição inculcadora da memória (a Escola) prescinde do tradicional exercício de retenção em favor dos mais contemporâneos exercícios relacionais - o ''exercício do exercício'' - mais próximos do cálculo. A partir do momento em que muda o modelo do cidadão ideal (absoluto), do erudito para o ''performante'' - interessante não é o que sabe/retém mais, mas o que faz (ou pelo menos simula...) mais - muda o valor que é possível atribuir à capacidade de retenção (capacidade mnésica): ''Mas a escola surge, também, cada vez mais como uma máquina de triagem. Aqui, a pedagogia dos saberes está ao serviço de uma função social simples: produzir e reproduzir lugares de classe''

in ''A Sociedade Pedagógica'' Beillerot, J. ed. rés, Porto, 1985, p. 74

Se se mantém uma estrutura operatória idêntica na hierarquia dos poderes sociais, a verdade é que os peões, os processos de nomeação como de ascensão, mudam; por isto - e não é pouco, é bom que a memória, como era entendida por exemplo ainda antes do renascimento, se vá diluindo em diferentes processos de presentificação.

Podemos observar, no espaço deste milénio, a troca de lugares entre o que se poderá entender por uma memória activa/dinâmica e uma passiva/estática. Se antes de Gutemberg é difícil entrever uma memória passiva no seu sentido estrito (de narrativa solidificada), observa-se que a generalidade da repressão actua no sentido dessa solidificação (em princípio a que mais interessa ao poder instituído) . O grande temor é o da mobilidade a que essa memória solta/oral pode estar sujeita .

Gutenberg é afinal quem traz essa exterioridade/extensão à memória9 .O grande trabalho passa da capacidade de retenção para a capacidade de acesso e manipulação - ''Handling''.

Esta será talvez a grande justificação para que os poderes se tenham começado a interessar pelo crescimento das memórias objectivas/exteriores (bibliotecas, arquivos, museus, etc) .''As obrigações do saber das quais um dos princípios é ''ninguém é considerado como ignorando a lei'' são o alibi para a difusão, ao mesmo tempo que o ponto arbitrário dos poderes; porque apenas a prática permite saber se se cumpriu a obrigação; bem entendido, nós ignoramos a lei, senão, que utilidade teriam os juristas? (...)''

in ''A Sociedade Pedagógica'', Beillerot J., ed. Rés, Porto 1985, pg.63

Torna-se, assim, evidência, que qualquer poder deseja a publicidade (coisa tornada pública) da memória, porque afinal o acesso acaba por ser sempre bem controlado; no tempo em que o grande arquivo era, por excelência, a biblioteca, o acesso fazia-se naturalmente restringir aos letrados (os previamente formados/moldados pela instituição local - escola) numa actividade de assimilação (leitura) via uma outra instituição universal - a linguagem. Por aqui se percebe ser este um exercício suficientemente pedagógico, no seu sentido tradicional, para inculcar qualquer estrutura de valores previamente estabilizada e objectivada em texto ''inamovível''.

O texto/objecto inamovível (objectivamente!) guardado/preservado é antes de tudo o seguro da nossa extensão/presentificação ao futuro. Qual o Poder que não cede a esta sedução de estender no tempo, no ''espaço do tempo'', o seu poder presente?

´E possível apontar aqui uma dialéctica interessante que envolve estas vontades de instabilidade versus estabilidade: o projecto do arquivo, para qualquer poder, já não é apenas a ingénua vontade de ter acesso ao facto passado - é antes do mais a vontade de poder geri-lo/dominá-lo (ver aqui, ''1984'') , quando se chega aos limites da História, narrativizá-lo. ''(...) O novo paradigma estético-científico não é então, e apenas, um paradigma do indício, como refere Emídio Rosa de Oliveira (...) mas igualmente, e talvez sobretudo, um paradigma do instável''.

in ''A Ordem do Fílmico'', João Mário Grilo, FCSH UNL 1987

Os ordenadores/interventores (poder) são supostos ter consciência de que um futuro observará não aquilo que foi produzido num determinado presente, mas o que uma série de

presentes concatenados foram produzindo; mais, as alterações que os presentes posteriores puderem ter vindo a operar nos presentes anteriores. O efeito de real e materialidade, (mesmo quando objectivamente imaterial - veja-se TV HD - video de alta definição) induz esse investimento na memória colectiva sob uma vontade de não deixar obscurecer/oscilar o real vivido, da configuração dos que o viveram; do ponto de vista do presente para o futuro a palavra de ordem (assaz ingénua) é ''não alterar!''. O mesmo se não passa relativamente ao espólio passado que chega às mãos desse ordenador. No momento em que asseguro a preservação do passado, estou, até certo ponto, também a assegurar a preservação do futuro, de um futuro - que deverá inevitavelmente emergir desse passado, e depois nele se banhar ciclicamente.

''Na china os antigos anais reais em bambu datam, sem dúvida , do sec. IX antes da nossa era, comportando sobretudo perguntas e respostas dos oráculos que formavam um vasto reportório de receitas de governo e a qualidade de arquivista acabou pouco a pouco por vir a pertencer aos adivinhos: eles eram os guardiãos dos acontecimentos memoráveis próprios de cada reinado''

in Einaudi, ibid. pag. 18, op. cit. ''La Civilization de la Chine Classique'' Elisseeff D. Arthaud Paris 1979

Quando vou ao cinema - é do senso comum - vou visitar outro mundo: ilusório, simulado, paralelo, não interessa. É outro. Isto quer dizer que, de alguma forma existe, é inteligível e, neste caso, tem acima de tudo uma enorme coerência interna; como universo outro, é de uma massa lógica bastante mais densa que o real. Podemos dizer que o(s) sentido(s) emerge no filme, tem uma probabilidade muito mais alta de emergir no filme com bastante mais compostura que no real. Uma das ''magias do cinema'' está aqui; nesta facilidade de encontrar sentido na narratio/diegese filmica; aquilo que oferece poder a esse mundo representado. Na fronteira entre estes dois mundos, o sujeito/espectador dança uma valsa de crédito com saldo ora positivo, ora negativo. Nesta fronteira o sujeito-espectador parece dominar um mecanismo de ''desconto'' sempre que passa de um para outro mundo. Tal como não se arrepia quando o ilusionista serra a mulher ao meio ou em três, parece haver todo um ante e post preparo da consciência para a adaptação ao real e vice-versa. Por outro lado, quando o crédito é mal aplicado/gerido, entra-se no campo do patológico.

No caso, por exemplo de ''Purple Rose of Cairo'' - o meta-enunciado reflexivo - em que Woody Allen passa todo o filme a fazer entrar e sair personagens do écran (há inúmeros exemplos anteriores: Buster Keaton em ''Sherlock Júnior'' -1924, ''Pennies from Heaven'' -1982, ''Poltergeist'' -1982), joga-se aqui com a chamada à consciência da fronteira entre os dois mundos, representada materialmente pelo écran no cinema, e pelo cinescópio na televisão. Principalmente depois da exposição a uma razoável série de filmes com uma estrutura narrativa muito idêntica, como é por exemplo o caso da generalidade da produção americana, o sujeito/espectador acaba por conceber um mapa, uma carta de intelecção desse mundo, com razoável polivalência para a generalidade desse outro mundo do cinema. Como um bom programa de computador da 3${}^{a}$ geração, o sujeito é capaz de receber uma molhada de dados ao acaso e arrumá-los segundo uma ordem inscrita na sua expectativa do que é/deve ser a história a que se expõe10 .

A ordem/capacidade de arrumação só lhe podem advir de uma pré-experiência no mesmo domínio. Essa é, como atrás referi, a experiência do relacionamento de dados: é na criança, cuja imaturidade (falta de experiência) não consegue ainda apartar os dois mundos - o real cinematográfico e o real-real - que melhor se podem detectar as confusões - aliás demasiado conhecidas para merecerem referência. Mas ainda observando o gerir da relação dos dois mundos, Jarvie, observa, por exemplo, a não compatibilidade de sentidos que pode oferecer qualquer simples «close-up» : ''One matter neither Munsternberg nor Cavell explicitly comments on is that the close-up and the invisibility of the spectator create in movies a powerful sense of intimacy. We movie-goers watch a kissing couple from closer than ever we could in real life, not only because in real life there are invisible boundaries keeping others at a distance, but also because, at such close quarters in real life our presence would be an interfering factor. Few kissing couples would carry on regardless with a real person literally breathing down each of their necks in turn(...) This capacity of the movies to make us feel intimate with other people may help explain both the role of stars and the dominance of the narrative film over all other forms.''

in ''Philosophy of the Film'', Jarvie, Ian, ed. Routledge & Kegan Paul, London, 1987 p. 83

A objectiva da camara não é mais que o veículo de transporte a uma imagem de pormenor, improvável de se deparar no real/outro mundo. Como tal, só no arquivo o objecto/documento se expõe na sua passividade mórbida a deixar-se descrever.

Serve isto para voltarmos ao nosso outro universo paralelo e ao qual o filme pode servir de grande metáfora: a memória e a produção das suas histórias. Como toda a representação, a memória, o que existe em arquivo, só faz sentido quando preparada para a intelecção/recepção de um sujeito: o(s) facto(s) lembrado, re-apresentado, deve ter toda uma rede de passagem/deslocação e suporte que o conduzam ao sujeito-espectador. Espera-se que o espectáculo da memória, a exposição dos documentos em arquivo, observem uma ordem de enunciação/exposição que se coadune minimamente com a(s) ordem(s) que o sujeito-receptor está preparado para receber. No caso, este, de uma memória colectiva, no momento em que se procede a um investimento para a sua expansão/exposição, entende-se ser quasi sempre necessário um Hermes intermediário para o ordenamento dos dados arquivados.

''Dans les systèmes de la communication et de l'information, la notion de mémoire a pris un sens déterminant. La mémoire est opérationnelle, elle participe autant du stockage de l'information que son traitement.''

in ''Les Memoires du Social'', H.P. Jeudy p. 37

Estamos aqui num ponto onde se cruzam caminhos que devemos perceber. Definindo qualquer ontologia como, pelo menos, a tentativa de perceber a existência das coisas no mundo, é legítimo que nos interroguemos sobre o destino a que nos levam os caminhos deste cruzamento.

Temos assim que tentar perceber:

1.1 O filme enquanto coisa material , manipulável com espessura tangível - o celulóide perfurado com imagens.

1.2 As coisas/objectos que a imagem transporta. Os imateriais que, mesmo no limite é possível materializar ainda que mentalmente - este afinal o outro mundo que há pouco referi:

2.1 O Arquivo enquanto projecto, edifício, estrutura material para a arrumação (ordem!) de objectos que foram presentes.

2.2 Os objectos/documentos depositados.

Tentando sintetizar, neste cruzamento, os caminhos de horizonte perceptível, e para que deles se possa ter consciência, parecem ser:

  1. Em qualquer obra/projecto é possível existir, tal como acima descriminado, uma ''forma'' e um ''conteúdo'' que é vantajoso afastar, não só por razões de percepção, mas devido ao estar das ''coisas-em-si''.

  2. Em nenhuma obra/projecto se pode, o que se designe por ''forma'', separar do ''conteúdo'' dado o seu seguimento, união, participação num mesmo corpo, sob pena de se estar a cindir o objecto de percepção.

  3. É possível observar/construir uma ontologia particular de um determinado objecto, mas é impossível demarcar o universo para o entendimento desse objecto. A negação desta formulação é um non-sense.

  4. No processo de gestão e exposição do arquivo, se é preciso partir do princípio que não existem clareiras, espaços ocultados de difícil acesso, é preciso, devido à possibilidade mesmo de tal acontecer, que se conte com essa hipótese.

  5. No processo de percepção/recepção do documento é também preciso contar com a instância intermediária (o espaço de hermes-interpretador) mesmo quando o acesso é directo, isto é, quando aparentemente não existe um intermediário/interpretante fisicamente representado. É aqui necessário ter sempre consciência/dar-se conta do ''veículo'' que nos permite o transporte àquele tempo, a vivência/experiência daquele tempo.

  6. O filme enquanto matéria está para o mundo que contém, como o arquivo enquanto projecto/espaço está para os documentos que guarda e ordena.

Destas quatro premissas com pouca conexão aparente, consigo construir o seguinte ''refugo'':

  1. Imagens em Movimento - deverá ter em conta a inter-conexão das partes que compõem o projecto: ter consciência das partes, mas ter também consciência do todo que formam, como da forma/ordem como o fazem.

  2. Deverá pressupor a possibilidade/necessidade de restringir/situar o seu olhar a um foco de atenção no mundo, mas nunca poderá/deverá delimitar o campo de conexões/relações que suportem o objecto sob observação (o arquivo)

  3. É preciso contar com : a incapacidade de observância total dos factos - a selecção feita no processo de arquivo/depósito como de exposição/levantamento. Saber ter como referência o arquivo total/ideal, em que o ''cliente'' é livre de percorrer os caminhos que lhe aprouver, e o arquivo parcial, aquele que necessariamente negligenciou factos e fez uma História, em vez das ''histórias possíveis'' (que são aliás sempre limitadas ao universo de referentes do presente). A identificação dos ''operadores herméticos'', as instâncias de transporte (podem ser objectos, signos, sujeitos-produtores, etc) dos significantes de um tempo (significado/com um sentido no tempo) para outro.

    É necessário ter consciência de que a presentificação não é possível sem esta instância interpretante e operativa/produtiva.

  4. O arquivo de Imagens em Movimento deverá ser observado como um meta-arquivo por excelência, ( todo o arquivo é um meta-arquivo desde que se perceba que qualquer documento é à partida um arquivo em si - de factos, enunciações, etc) uma vez que administra outros pequenos arquivos/ordenações de coisas de vários pequenos universos e presentes.

* * *

Se é minha vontade, assumida ou não, que o meu ''rasto'', as memórias por mim elaboradas sobre a minha passagem se mantenham incólumes ''para todo o sempre'', é minha suprema aspiração/sonho que o meu acesso ao futuro se operacionalize como uma ''iluminação'' de um texto pré-escrito, que vai passando de latente a manifesto à medida que o ''cursor'' tempo por lá se vai deslocando (como a imagem invisível que só aparece após o sombreado a lápis). É o cumulo do determinismo.11

''C'est au moment où ils passent (praetereuntia) que nous mesurons les temps, quand nous les mesurons en les percevant''(...)''c'est quand il passe que nous mesurons le temps; non le futur, qui n'est pas, non le passé qui n'est plus ni le present qui n'a pas d'extension, mais ''le temps qui passent'',

in ''Temps et Recit'', Paul Ricoeur, ed. Seuil, Paris 1983 pps 25/34

Neste estudo que Ricoeur faz das ''Confissões'' de Stº Agostinho, aqui sobre as noções de intentio versus distentio, podem observar-se na abordagem ao tempo, consciência das temporalidades, as forças objectivantes que já por esta altura davam enorme trabalho a ''desmontar''. O investimento do espaço (um espaço, o espaço conhecido) no tempo é o único meio de lhe fazer chegar um estatuto ontológico: algo só pode ser na medida em que seja mensurável, isto é, desde que se encontre referente que lhe possa ser aposto para fins de relacionamento/comparação.A experiência do tempo (só há tempo vivido) buscando a sua referência no espaço conhecido (também vivido) implica uma permanente imersão na vida, no espaço dessa vivência/movimento. Sempre que me questiono - ''quando?'' - a resposta deverá estabelecer um ''onde''/''em'' (ex: em Agosto de 1574, ou no Outono de 2030). Ontem ou amanhã, passado ou futuro, já que me é difícil referenciar o presente, são pontos que devo situar, marcar, recorrendo a uma conceptualização de um devir cristalizável, parável, divisível. Na ilustração da génese da arte mnemónica, Cícero conta a seguinte história (que sintetizo): num banquete oferecido em Tessalius por um nobre chamado Scopas, o poeta Simonides de Ceos cantou uma lírica em honra do seu anfitrião, incluindo no entanto uma passagem dedicada a Castor e Pollux. Após o acto, Scopas avisou o poeta de que lhe pagaria apenas metade da soma acordada relativamente ao canto do panegírico, e o resto ele o deveria pedir aos deuses gémeos a quem ele dedicara

metade do seu poema. Pouco depois, chegou um recado a Simonides que lhe indicava estarem dois jovens à sua espera fora do edifício. Levantou-se, saiu, mas não conseguiu encontrar ninguém. Durante a sua ausência, o telhado do edifício ruiu, esmagando Scopas e todos os seus convidados. Os cadáveres ficaram tão mutilados e desfeitos que os familiares foram incapazes de os reconhecer. Mas, Simonides lembrava-se dos lugares em que cada um estava sentado à mesa, e assim conseguiu indicar aos familiares, quais os seus mortos. A chamada dos jovens invisíveis, Castor e Pollux, tinha graciosamente pago a sua dívida ao poeta pelo panegírico, fazendo-o evitar a morte. Esta teria sido a experiência que sugeriu ao poeta os princípios da arte mnemónica, do qual se diz ter sido o inventor.
12

Entre outras coisas, esta história ilustra a noção de ''envelope'' que está na base de toda a memória/arte mnemónica.Para ser lembrado, o objecto deve estar situado, envolvido num espaço/outro-objecto que o situe/referencie. ''There can be no doubt that these topoi used by persons with a trained memory must be mnemonic loci, and it is indeed probable that the very word ''topics'' as used in dialectics arose through the places of mnemonics. Topics are the ''things'' or subject matter of dialectic which came to be known as topoi through the places in which they were stored.''

in ''The art of Memory'', F.A.Yates, ed. Routledge & Kegan, London, 1966, p.31

A alternativa ao espaço - para os rhetores romanos que colocavam as memórias nos objectos/espaços que os rodeavam, até estes se esgotarem - era a imagem, sob a noção de metáfora, na relação do facto/objecto com algo de mais impressivo e memorizável. O suporte, podendo ser de dois tipos diferentes, é sempre o espaço reservado à incrustação (material - ''loci'' mental - imagines agentes) qual fóssil com funções essen-cialmente de transporte (fixação) pelo tempo. Recorrendo a Heidegger, se o Dasein é o lugar onde o ser que somos se constitui pela sua capacidade de pôr em questão o ser e o sentido de ser, este só se define pela sua intra-temporalidade.

'' (...) une caracteristique de base du souci: la condition d'être jeté parmi les choses tend à rendre la description de notre temporalité dépendante de la descrition des choses de notre souci.''

in ''Temps et Recit'', ibid. pps 98.

Assim se percebe, no tempo como na memória, que esta, para existir, necessite de um grau de objectividade (suporte/envólucro) suficientemente volumoso/macisso que lhe permita atravessar os atritos do tempo sem perdas de informação (imagem/texto), o mesmo é dizer sem perdas de corpo.

''A Idade Média venerava os velhos, sobretudo porque via neles homens-memória, prestigiosos e úteis'' 13

ibid, Einaudi, Memória - História p.28

Atente-se no contraste com a actualidade; por mais erudito, idoso ou experiente que seja o sujeito, nunca se poderá hoje revelar tão grande fonte de interesse como o jovem ''performante''/activo.

Aos olhos do Poder, como dos orgãos de comunicação social (o 4º?), o velho, por mais jovem que se revele a sua mentalidade

não poderá ser objecto senão de simples curiosidade. Até mesmo os cargos e bens honoríficos distribuidos aos idosos mais reconhecidos, o são quase manifestamente por razões protocolares e/ou simbólicas/fantasmáticas.

Até aqui, poderemos concluir por duas grandes observações:

a) A imprensa foi o grande motor da objectivização da memória,

da passagem do monumento a documento e da extensão/distentio destes (o arquivo sistemático). A partir do momento em que a tinta no papel é conservável, todo o objecto passa a ser passível de conservação - só os objectos são conserváveis; ''Ils sont là, le temps qu'ils durent, sans plus. La manière dont ils sont parlés, conservés, détruits, mis en scène, consacrés... les inscrit dans des schèmes temporels. Cernés par ces figures communes de la temporalité, ils reenvoient pourtant la certitude de leur atemporalité par l'arbitraire de leur durée.''

H.P.Jeudy, ibid. p. 91

A memória objectiva é precisamente essa suprema retenção solidificada: não a ideia mas a tinta, não a imagem mas a organização dos sais de prata no papel, do óxido de ferro/cromo na banda magnética, a polarização negativa ou positiva em vez da voz. Logo que se guardaram objectos efémeros, degradáveis, aí começaram as ciências que tiveram por nome museologia, arquivistica, biblioteconomia.

b) Com razões/justificações de utilidade pragmática (para efeitos judiciais, por exemplo) ou não, a constituição de arquivos, colecções de documentos, está directamente relacionada com a identificação/id-entidade da dita (entidade) promotora. Toda a memória, mesmo a instável/dinâmica é utilizada para efeitos entrópicos, de estabilização, ordenamento. Com maior ou menor envolvimento dos poderes promotores, a instituição ''colectora'' (a metáfora é feliz - ''colector'' é, no circuito eléctrico, o ponto/componente que recebe as cargas de mais elevado potencial) procura antes do mais (n)a ordem(s) que pode orientar no tempo a sociedade em que se encontra inserida. Poder e Caos nunca se deram bem. Já não é só a gestão/organização das ordens que foram e do modo como podem/devem ser olhadas a partir do presente passante, como as elações que daí se podem tirar para a observação desse mesmo presente, o que quer imediatamente dizer - futuro.14

Menos que a colecção, o que se pretende compreender é, o acto de coligir, agrupar, reunir (outras tantas manifestações do pensamento), de modo a iluminar à luz o logos que permitiu o próprio acto''

in ''Do estético ao Teleológico'', Filosofia e Epistemologia III, Maria Filomena Molder, ed. A Regra do Jogo, Lisboa, 1981, pg. 240

O Poder, os Media e a História

''(..)Nas sociedades desenvolvidas, os novos arquivos (arquivos orais, arquivos do audio-visual), não escaparam à vigilância dos governantes, mesmo quando não podem controlar esta memória tão estreitamente como os novos utensílios para a sua produção, nomeadamente a rádio e a televisão''(...)''Mas toda a evolução do mundo contemporâneo sob a pressão da história imediata em grande parte fabricada ao acaso pelos media, caminha na direcção de um mundo acrescido de memórias colectivas e a história estaria muito mais que antes ou recentemente, sob a pressão destas memórias colectivas''

in Einaudi, n$^{o}$ 1 História-Memória, Jacques Le Goff, INCM, Lisboa, pps 47 e 44 respect.

A hipótese (realidade) de perenidade do registo dos media, acresce à história que emerge in loco, a memória objectiva/objectivada em ''alta definição''.

Análises recentes da realidade mediática inferem que, para lá dessa história de produção quotidiana, há já uma memória recente que pode a qualquer momento ser evocada. Este princípio da total visibilidade, do ''Big Brother''/olho universal, acaba por colocar na sombra/escuro todo o universo/memória que ''serve'' a audiência, passiva e silenciosa.

''Euxemus having asked Apollonius why he had written nothing yet, though full of noble thoughts, and expressing himself so clearly and readily, he replied: ''Because so far I have not practised silence'' .From that time on he resolved to be mute, and did not speak at all, though his eyes and his mind took in everything and stored it away in his memory. Even after he had become a centenarian he remembered beter than Simonides, and used to sing a hymn in praise of the memory, in which he said that all things fade away in time, but time itself is made fadeless and undying by recollection.

in Philostratus, ''Life of Apollonius of Tyana, I, 14, - transc. de ''The Art of Memory'', ibid. p. 42

O modelo do medium (sempre mais a TV) abrangente e total, sendo um modelo radical e já com alguma idade, (Orwell ''1984'', em 1948) oferece uma imagem bastante alusiva e avisadora do que é a capacidade de gestão dos discursos - quer dizer, de quem fala/tem o poder (Pierre Clastres) - e dos silêncios, de quem não fala e tem... a memória. Ocorre imaginar qual o poder ou a estratégia que seria capaz de subsistir/resistir a uma sociedade sem memória, sem pais. Em ''1984'' o pai/partido garante e administra tudo: o passado, o futuro e o presente; os dois primeiros a partir deste último - o presente é controlado em absoluto. O partido imobilizou a história pela capacidade de perpetuamente reescrever os arquivos, os livros e os jornais de modo a que estes sejam sempre conformes à situação presente em virtude da mobilidade/mutabilidade do passado. O partido precisa de ter, em permanência, uma acção/estratégia coerente no tempo, com a memória. Uma vez que o partido é eficaz e, para tal não pode estar preso à direcção/sentido do passado, deve ter capacidade de o mudar/substituir. O tempo tem limites, porque o passado que é possível lembrar acaba/começa com o advento da revolução. Ninguém se lembra do que aconteceu antes e, o que está para vir é linear e intersecta-se nos objectivos máximos do partido. Winston Smith, o ''herói da fita'', cidadão mal comportado que mantém um diário próprio/diferente, colabora na reescrita do passado - tarefa permanente, exaustiva e institucionalizada. Põe-se-lhe então questões paradoxais: como estar seguro de uma contradição ontem corrigida quando não resta hoje o menor traço susceptível de verificação?

Se a nossa sociedade apresenta hoje alguns factos emprestados de Orwell e vice-versa, não é menos verdade que o real em que se implanta obriga os poderes a uma maior flexibilidade/habilidade na gestão da memória/história. Começa pela capacidade não de eliminar ou substituir as memórias contraproducentes, geradoras de incoerência, mas pela habilidade de mostrar, fazer ver/manifestar as memórias que lhe podem interessar. O passado é suficientemente vasto e a memória colectiva suficientemente estreita/pequena (em termos informáticos, o ''cidadão normal'' deverá ter uma Random Access Memory - RAM com alguns Kbytes apenas suficientes para a memória a enformar/encrustar num presente relativamente curto) para que a sua gestão (da memória) se possa fazer com alguma eficiência. Estes gestores já não precisam de queimar bibliotecas de Alexandria porque a Prudência de que são investidos, como as condições de visibilidade que criam/gerem lhes permite limitarem-se a colocar os documentos/memórias menos importantes por baixo/latentes, eventualmente não visíveis.

''Prudence is the knowledge of what is good, what is bad and what is neither good nor bad. Its parts are memory, intelligence, foresight (memoria, intelligentia, providentia). Memory is the faculty by which the mind recalls what has happened. Intelligence is the faculty by which it ascertains what is. Foresight is the faculty by which it is seen that something is going to occur before it occurs''

de De Inventione, II , liii, 160, transc. de ''The Art of Memory'', ibid, p. 20

Será ousado afirmar que esta ou outra Prudência mais sofisticada, está na origem/explica a recente emergência do ''Boom'' preservacionista/arquivista? De que modo estará esta prudência relacionada com o estilhaçar das relações/trocas que tecem o tecido social? É que assim, no armazém dos tempos que o arquivo se tornou, há toda uma infinidade de histórias - entenda-se temporalizações/discursos, serializados - tal como a linguagem, à espera de serem seguidos, percorridos.

São todos os caminhos/devir(es) (narratio) que é possível percorrer à velocidade e cadência recomendadas ou impostas pelos grandes indexes de temporalidade da(s) linguagem(s) - falada ou imagética. O Arquivista assume aqui o simples, mas duro papel de guardião dos templos/tempos. À partida, não lhe é permitido/lícito ter qualquer poder sobre os documentos que guarda/preserva. Ele é suposto encarregar-se apenas e só da manutenção/preservação do espólio que lhe é entregue: tal como o escriba ou o escrivão, não lhe é permitido abrir a boca sobre o que escreve (lhe é ditado). No entanto, sem conseguir fugir à tentação, porque a mordaça lhe pesa no rosto, acaba por encontrar uma via menor de se exprimir - a gestão do acesso.

Se, como diz H.P. Jeudy, a História emerge, por vezes para responder a uma perda/falta de sentido por via de uma conexão, o engendrar do sentido em falta, ''la gestion complexe des nouveaux patrimoines modifie les représentations habituelles tant du patrimoine que du passé en imposant des liaisons de sens que la modernité a fait éclater'' (in ''Les Memoires du Social'', ibid. p. 61)

O investigador, no momento em que aborda o objecto, no momento em que estabelece relações e o junta ou diferencia de outros para a elaboração de um discurso sobre, está na via/busca do(s) percurso(s) possível que é suposto ter um destinatário. Acontece que, com a objectivização cultural constituída através da necessidade de existência/exposição do fóssil/objecto, acaba por se instalar o próprio objecto como produtor/instância de produção infinita de discursos/histórias; ele é o pivot/cruzamento de uma infinidade de percursos possíveis que cabe ao crítico/investigador/interventor propor ao destinatário do seu trabalho. É a tese de que ao percorrer todos esses percursos latentes o interventor/investigador acaba por destruir a memória/objecto nas potencialidades de que está originalmente investido; uma vez manifesto/visível todo o tecido que o envolve, quebra-se toda a aura que confere ao objecto o seu valor/necessidade de preservação: dele/sobre ele nada mais há a dizer, esgotou-se o discurso; já nem como resto pode ser observado: ''C'est bien en tant que reste que l'objet interpelle, inquiete, fascine, et seduit. Le reste n'est pas signe de la mort mais du mystère. Et vouloir faire revivre des restes à travers la mise en scène musèale, c'est bien souvent une façon de retirer cette part de mystère ou de secret au reste''

ibid. ''Les Memoires du Social'', p. 116

É precisamente quando se impõem/expõem, pela maneira como conseguem escapar-se ao discurso que os tenta falar/fazer falar, que os objectos colectados conseguem manter o seu interesse. Mesmo que muito bem integrado dentro do grupo/ordem/colecção, o objecto preservado/retirado do passado acaba por chocar também pela sua ''solidão'': falta-lhe todo o sentido da época em que viveu/teve uso. No momento em que se consegue fazer a sua imersão, investimento de sentido total, acaba por se perder o sentido da relação com o presente: o objecto em ''imersão total'' deixa de ser memória para ser presentificação. O que pode ser criticável é a tentativa de simular (nem outra coisa pode acontecer) essa presentificação total paralela. A necessidade, compreensível, por parte de uma comunidade, de uma representação constante do seu passado, não é exactamente a mesma coisa que a necessidade de uma vivência/imersão nesse passado!

Voltamos aqui à questão do acesso15 : o problema é como viver o/viver com o objecto passado.

''L'idée même de nouveau patrimoine suppose idéologiquement la tentative de maîtriser et de dépasser le deuil pour instaurer des investigations culturelles qui, tout en acceptant de gérer implicitement des choses mortes, présentent des projets, animent des croyances en un devenir patrimonial multiple et générateur de différences actives.(...) L'histoire n'est plus seulement monumentale, elle est ''importante en tant que mémoire collective du passé, conscience critique du présent et prémisse opératoire du futur''.

in ibid. ''Mémoires du Social, p. 22

* * *

Uma das noções que é possível encontrar sempre que se coloca a questão da medida do tempo e do ponto de vista/da observação é a noção de distância.

Sem ter um conhecimento profundo das teorias mais e menos recentes sobre as premissas das filosofias formais da História, da observação histórica, não queria deixar passar em branco esta reflexão que me ocorre no momento em que me coloco num presente, no meu presente, e tento observar os diversos campos de visualização que me são dispostos á vista. Utilizando aqui a noção de campo extraída à teoria restrita da relatividade, é possível observar que o presente imprime uma curvatura nesse campo que baliza o tempo, a medida do tempo, deixando assim ao observador campos de visualização diferentes consoante a

altura a que se coloque. Parte-se do princípio que duas premissas são estáveis:

  1. O observador, de algum modo não pode abandonar o presente, e só de lá pode exercer a sua observação.

  2. A medida do tempo é registada numa superfície plana cuja única curvatura é operada pelo presente, corpo com gravidade a imprimir uma determinada curvatura no espaço.

Aqui o campo/distância observada pelo observador no presente, vai depender da sua ''capacidade de elevação'', do ângulo que conseguir formar com a superfície do tempo. Assim, se à distância, as marcas do tempo se situam relativamente próximas do real na representação dos tempos/épocas próximos do presente, à medida que a distância vai aumentando, que o ponto de focalização se afasta do presente, encurta-se a distância entre marcas por distorção do ângulo de vizualização.

Com esta relatividade da observação histórica quero apenas ilustrar a aventura do sujeito no percurso do(s) tempo(s). Se antes do advento da imprensa (memória objectiva) esta noção de relatividade era absolutamente correcta - a memória dos tempos mais longínquos para lá do próprio século (+- três gerações) começava a justapôr-se/con-fundir-se até chegar aos mitos de origem - depois da imprensa, e hoje com a memória imagética objectivada, o que se pode dizer, relativamente a esta noção é que o espaço do presente começa a perder a sua curvatura. O futuro deverá ter assim um percurso bastante mais linear na sua representação do tempo - um percurso com marcas bastante mais equidistantes que as de hoje. Parecendo que não, estamos bastante próximos da abordagem foucaultiana do tempo/temporalidades pelo estabelecimento de curvaturas onde quer que se situem os presentes/re-presentados em processo de abordagem - o tempo localizado. ''(...) a sua (do modelo foucaultiano) inserção positiva numa história das formas cuja temporalidade não é a de um devir continuo e linear, mas a de uma descontinuidade abissal onde o tempo se escoa, se cumula e renova. O tempo foucaultiano é um tempo local, particular, impossível de subordinar aos meridianos de uma história global, em que regularidade é sinónimo de continuidade ... ''

in ''A Ordem do Filmico'', J.M. Grilo p.33

Deste ponto de vista, o observador foucaultiano é sempre um observador presencial absoluto, totalmente imerso e por isso, junto à linha, sem ângulo de observação - só com uma temporalidade local/situada e particular/diferente de cada vez que se move. ''Uma vez suspensas essas formas imediatas de continuidade, todo um domínio se encontra, de facto liberto. Um domínio imenso, mas que se pode definir: é constituído pelo conjunto de todos os enunciados efectivos, na sua dispersão de acontecimentos e na instância que é própria a cada um . (...) o material que temos a tratar na sua neutralidade primeira é uma população de acontecimentos no espaço do discurso em geral. (...)''

in ''A Arqueologia do Saber'' Foucault M. ed. Vozes, Petropolis, 1971 p. 38

Por outro lado, se a noção de relação é central na abordagem foucaultiana, ela só pode levar a um processamento de nexos - coexistência, determinação recíproca, transformação paralela, independente ou correlativa, sucessão, etc, que acabam por fragilizar , no campo lógico da sua episteme, a determinação da abordagem descontinua. Há uma materialidade a todos os níveis, particularmente ao nível institucional que, vinculando a supremacia do objecto-rei, por inerência faz emergir um sujeio só possível num campo de rotatividade(s).

Concorde-se que é uma abordagem problemática. Viu-se como é a suprema tentação do historiador o estabelecimento de continuidades, de nivelamento de relações entre espaços e tempos. È um pouco difícil perspectivar qualquer candidato a Hermes (interpretador) sem esta pulsão subliminar. Viu-se também já como o ''éclater'' da relação social gera cada vez com maior potencial a necessidade dessa procura de identidade/ continuidade, daí os recentes cuidados com o património.

Estamos imersos num universo de objectos a trabalhar/discursivizar. É na observação/trabalho do discurso sobre o objecto que está a ''arte'' do investigador. Hermes é aqui o técnico que desmonta o aparelho que estabelece relações entre o enunciado que cobre o(s) objecto(s); trabalhando entre esse ''lençol'' e o objecto que cobre, cabe ao investigador estabelecer as regras inter-mediárias que regulamentam a formação discursiva e a sua regularidade - a designação dos nomes dessa práctica ; o discurso como efeito das regras que levam à sua produção numa prática/pragmática específica. ''(...) é preciso com efeito definir os objectos sem referência ao fundo das coisas, referi-los no conjunto das regras que permitem formá-las como objectos de um discurso e que constituem as suas condições de aparecimento histórico ''

ibidem, p. 64

Esboça-se aqui, da parte de Foucault, o sentido da necessidade de uma pragmática estruturada e operativa/operacional. Por estranho que pareça, Foucault várias vezes aflora o campo (pragmática) sem nunca o aprofundar a um meio-nível que seja.

Passamos por isto e por sentir a necessidade deste ex-curso para a apreensão do ''Arquivo'' (a abordagem mais profunda adentro do campo pragmático, com especial atenção à utilidade heurística que aparece nas suas modalidades de abordagem).

''Perhaps the strongest argument against the pragmaticism/instrumentalism alternative is this: it makes us hostage to the ad hoc adjustment. Since the instrumentalism criterion of admission to science is that a theory have predictive success, and since predictive success can often be obtained merely by adjusting the calculations or adding a lemma, there is nothing to prevent us piling up epicycles into an incoherent but still working muddle.''

in ''Philosophy of the Film'', Jarvie,Ian, ed. Routledge, Kegan & Paul, London, 1987, p.37

Problemática, mas contundente, esta afirmação de Jarvie é aqui útil para nos abrir o apetite a uma rápida passagem pela pragmática e seus pontos de vista...

As Forças da Gravidade e do Significante

A imagem com que se fica do arquivo - a noção/visualização que Foucault lhe empresta relativamente ao objecto-linguagem, é a imagem dos substratos/camadas sobrepostos que, pela força da gravidade se vão amassando umas sobre as outras. Uma imagem que não é assim tão ''nítida'' é a de que, ao contrário do que o real arqueológico implica, nós os presentes no presente, não nos deslocamos/passeamos à superfície (superior) da última camada ( por cima) mas eventualmente no interior, senão mesmo sob todas essas camadas. Uma arqueologia do produzido/saber coloca essa mesma questão do ''lugar'' por onde nos deslocamos.

De outra forma mais contundente, a questão colocar-se-ia do seguinte modo: andaremos/actuaremos entre ou por baixo dos mortos/restos ? Qual a relação, de que modo se partilham entre o poder instituído e suas forças de coerção, com as forças dos idos? Em que medida toda a acção presente (nova performance) é administrada/governada pelo arquivo?

Será bom, ainda antes de entrarmos em campos mais concretos, fazer um passeio à superfície desta trindade de instâncias que nos pré-determinam universalmente. A Linguagem, a Morte e o Poder. Talvez este ex-curso nos ajude depois a concluir sobre o modus operandi por entre os objectos em depósito no arquivo.

A Imanentíssima Trindade:
A Linguagem, a Morte e o Poder

''The task of universal pragmatics is to identify and reconstruct universal conditions of possible understanding (Verstandigung). In other contexts one also speaks of ''general presuppositions of communication,'' but I prefer to speak of general presuppositions of communicative action because I take the type of action aimed at reaching understanding to be fundamental.''

in ''What is Universal Pragmatics?'', ''Communication and the Evolution of Society'', Habermas,Jurgen, ed.Heinemann London 1979, pg.1

No primeiro capítulo dos ''Postulados da Linguística'' (''Mille Plateaux'', G. Deleuze, p. 96). Giles Deleuze encontra implicada toda uma ordem imanente à linguagem.

Esta é uma abordagem, em termos epistemológicos, radical. Deleuze leva-a à beira do paradoxo: o ''mot d'ordre est partout'' - existe um só logos possível, em imanência; não são admitidos ''comentários''.

Voltando ao objecto em observação: no momento em que o sujeito actua, para que a sua performance, seja ela de que tipo for, possa encontrar o mínimo de sucesso (indo de encontro ao objectivo entrevisto pelo sujeito), é absolutamente necessário que tal acto se inscreva numa ordem performativa pré-existente a esse sujeito. O carácter inevitavelmente social da enunciação implica e reforça essa ordem performativa transcendental16 a que se sujeita/obriga todo o elemento que se quer integrado.

Entrando mais adentro deste eixo do Poder/relação de forças imanente a todo o acto/enunciação, tentemos dilatar um pouco as fronteiras (fronteira - único topos referenciável; só o limite

posso perceber, tocar, entre o corpo e o pneuma que o envolve) assimilando melhor esta abordagem ao primeiro postulado que acaba por condicionar todos os outros. Em trabalho recente, (''Philosophy of the Film'') referindo-se a Bazin, Ian Jarvie, com algum humor a dar para o escuro, avisa ''esses rapazes'' que se sentam no muro a discursar e se esquecem de que a qualquer momento pode aparecer alguém distraído e dar-lhes um empurrãozinho na cabeça...

Ao olharmos a linguagem como instituição, com todas as implicações que isso trás ao nível da relação de forças, chegamos essencialmente a duas conclusões (do ponto de vista do utilizador).

O sujeito/enunciador está implicado/sujeito:

Le langage n'est pas même fait pour être cru, mais pour obéir et faire obeir''

in ''postulats... ''Mille Plateaux'', Gilles Deleuze, p. 96

  1. A uma necessidade de percorrer caminhos pré-estipulados com o risco, caso o não faça, de ver o seu acto de discurso fracassado, com todas as implicações que daí advêm (p. ex. ao nível da sanção, falta de rendimento, etc).

    L'obligation n'aurait lieu qu'avec les genres qui prescrivent des enjeux; tu dois enchainer comme ceci pour arriver à cela''

    in ''Le Differend'', J.F. Lyotard, ed. Ed. de Minuit, Paris, 1983, p. 171 § 174

  2. A uma necessidade de gerir proveitosamente os seus actos/percursos caso (mais que certo) queira atingir o objectivo.

    ''Vous admeteriez donc, que les genres de discours, aussi hétérogenes soient-ils entre eux, sont tous soumis a un même principe universel, disons ''gagner''.

    ibid. p. 188 §181

Voltando a 1), somos obrigados a admitir que todo o sujeito, na demanda do Outro, é sujeito/obrigado (em estado de sujeição) a um poder imanente/eminente. Quando Lyotard, sobre o estado de obrigação fala de um ''aveuglement du Je'', fá-lo num espaço operatório específico; o momento em que o sujeito comenta o seu enunciado anterior (explicando-o, suspendendo-o) numa estratégia de persuasão, desvinculando-se dele (seu enunciado) automaticamente. Acontece que, ao deslocarmos este raciocínio à totalidade institucional da linguagem, observamos um ''aveuglement'' permanente de todo o sujeito que pretenda ''entrar no jogo''.

''S'il était spectateur completement détaché de sa propre vie, autant qu'il est spectateur détaché de la vie des autres, il en contemplerait la finitude avec un parfait sang-froi. S'il restait interieur a son propre devenir sans jamais survoler il vivrait dans la parfaite plenitude de l'insou cience. En fait il oscile entre la surconscience et l'interiorité à soi, l'une qui lui assure la sérenité du détachement, l'autre qui le plonge dans la nuit de l'engagement aveugle...''

in ''La Mort'', Jankélévitch, V. ed. Flammarion, Paris 1977, p. 211

Surge assim a radicalização do papel da performatividade adentro do sistema em agonística total. Para que o jogo tenha lugar, é necessária a existência de uma entidade legitimadora/instituinte do ganhador e perdedor, entidade do Juízo, acima das partes litigantes. Se, no arquivo, essa entidade existe imanente em todo o documento depositado, todo o documento foi extraído a um real uma vez presente - ela é mais imediatamente aferível pelo trabalho coordenador do acesso: o trabalho de expor ou ocultar. Na biblioteca de Bahel (Borges, J.L.) essa entidade do juízo é representada pelo código-chave que decifra toda a linguagem inscrita nos volumes ilegíveis - só ela dá sentido e relação. Já no cinema, especialmente na ficção/fantástico se pode dizer que baixa bastante o nível de austeridade desse código: é na relação com o real, no estabelecimento da diferença, que o sujeito encontra provavelmente, o declive que o atrai a esse tipo de filmes. O fantástico é decerto o Zenith da satisfação para o sujeito que frui/goza a diferença entre os dois mundos - real versus cinema: é que sendo o mundo do cinema parte do mundo real, apresenta-se aqui como um real alternativo que, ainda por cima, conhece as leis do real exterior e se contenta em desobedecer apenas a uma ou outra.

Assim, uma vez que a obrigatoriedade de ''entrar no jogo'' da linguagem implica a performatividade desta ''simulação'', ela implica também uma mais acentuada e profunda (por isso indiscernível) auto-simulação permanente em relação ao estado de sujeição no qual a fuga implica a morte, ou a não existência.

Todo o sujeito (entendendo aqui sujeito apenas como suporte do ''linguajar'') está assim, uma vez integrado/imerso no oceano da linguagem, condicionado às suas regras/tensões, pressões/forças. Para uma optimização da sua perfor-mance/desempenho, é necessário que permaneça inconsciente das limitações, ausência de liberdade/mobilidade condicionantes.

Eu falo, logo, lingu-ajo. Se falo, uso a linguagem, estou inscrito, sujeito a ser prescrito caso o não faça, ou o faça sem o cabal cumprimento/performance das regras a que sou sujeito.

Morte ad hominem

A morte surge como uma razão de ser para a instituição/linguagem, quanto mais não seja, pela efemeridade que implica; é preciso manter-se/durar.

Se surge aqui esta prescrição/morte (a que nos é mais familiar, a morte social; marginalização, psiquiatrização, ex-comunhão/comunicação, reforma, hospício, etc.) , é porque o seu espaço - vazio/não-sentido/não-Poder/indizível/indo-mável/não-topos, está intimamente relacionado com o espaço do Poder onde quer que este se inscreva.

A omnipresença do Poder é permanentemente evocada por Michel Foucault no modo como este se reproduz a cada instante, em cada relação, no sentido dessa ordem imanente.

Na actual sociedade de programação burocratizada/informatizada, subindo para o topo da pirâmide organizacional, o responsável oficial é sempre indiscernível. O anonimato do Poder vai-se reforçando à medida que nos deslocamos do centro para a periferia.

Na base do sólido (pirâmide como modelo espacial) o cidadão é obrigatoriamente nomeado, deve mostrar/produzir a sua identificação, os seus papéis. De qualquer modo, essa identidade, que oferece a qualquer requisição, não lhe confere qualquer estatuto real nos ficheiros da administração, é apenas mais uma etiqueta do catálogo que permite controlar a sua existência.

Há assim, uma relação de forças (paradigma tensional, aqui no sentido Leibniziano - tensão, propriedade fundamental de coesão entre os logoi) em que um vector puxa permanentemente para a separação, distanciamento (grande espaço da morte) e outro para a co-relação/co-munio (grande espaço da bio-força/vida). Neste espaço do vivo, impõe-se, por outro lado, ao corpo o producto.

Encontramos, então, o valor que à vida confere a sua precaridade: sem morte não existiria cultura/instituição/obrigação, ou seriam então muito mais diluidas porque se não poria o imperativo do limite/fronteira para a produção: a angústia de morte institui assim a fruição do ''fazer''.

A morte, para o Poder, é uma realidade obscena, perigosa. Do ponto de vista do Poder é obsceno tudo o que escapa à sua jurisdição. Até mesmo esta grande desconhecida pode ser cientificizada/tecnologizada até à quasi negação, isto é, até ao esquecimento. Aqui, um dos maiores paradoxos do actual sistema social; no ''forcing'' para o olvido, a instituição negligencia o reforço directamente proporcional que opera a um terceiro nível para a omnipresença da morte.

Da já considerável literatura sobre o tema da ''morte'' que me passou sob os olhos, para lá das conclusões actuais que refiro - a sua tecnologização, negação, instrumentalização, etc, concluo que este tema é um «buraco negro», no sentido astronómico do termo. Sobre a morte tudo se pode dizer, tal como sobre Deus, só que esta é mais presente e marcante, e parece estar-se bastante nas tintas para o modo como os sujeitos a encaram.

''...un autre-monde qui est un autre monde, absolument autre et absolument ailleurs, et cependant partout présent; qui est donc, comme Dieu, omniprésent et omniabsent; qui est des deux côtés à la fois;(...) qui est tout ensamble transcendant et immanent - car il s'en faut de rien, un caillot de sang dans une artère, un spasme du coeur, pour que le ''là-bas'' soit immédiatement ''ici''... La mort est à la porte, invisible et pourtant si voisine!(...)''

in Jankélévitch, ''La Mort'', Flammarion , Paris,1977 p.9

Talvez não exista assim tanta diferença entre o discurso e o silêncio, entre mimésis e negação.

A universal mimésis e o logos comum que os sujeitos/corpos pela ''imaginação'' mimam são ameaçados por um deles, o corpo/morte em última instância.

Boa altura para evocar a tentativa monadológica de Leibniz; que efeitos após o reforço da tensão imanente à instituição linguagem/mot d'ordre segundo o modelo Leibniziano? Co-mandar... ou morrer?

A pragmática ''como uma ''política da lingua'', pouca ou nenhuma razão teria de existir sob uma linguagem leibniziana. A aplicação da lei imanente traria tal política excedentária dada a radicalização da força de coesão dessa ''fala intermediária'' qual '' Big Brother'' omnipresente. Aqui, enfim, ''ce qu'il faut; mimer! ''.

No julgamento-juizo da performance mimética a justeza não precede o ajustamento, resulta dele.

'' A sua legitimação, (do poder), tanto em matéria de justiça social como de verdade científica, adviria da optimização das performances do sistema, da eficácia. A aplicação deste critério a todos os nossos jogos é acompanhada de algum terror, doce ou duro: '' sejam operatórios, isto é, mensuráveis, ou desapareçam.''

in ''A Condição Pós-moderna'' , Lyotard, J.F. , ed. Gradiva, Lisboa 1984 p. 8/9

Na hipótese de institucionalização de uma linguagem logotípica leibniziana, tal pragmática/política da linguagem surgiria como non-sense dada a eliminação lógica de qualquer meta-linguagem num horizonte do possível; não se pode falar sobre no/dentro do estatuído se este estatuir a sua perfeição/completude. Um logos acabado, sem resto, que nos transporta ao espaço místico onde se engendra a perfeição /completude da operacionalidade linguajeira. É a negação do sentido, que não pode emergir.

''Calculons, on vera qui a raison''

Leibniz, in ''opuscules et fragments inedits,'' ed. conturat, p. 176

Por esta afirmação de Leibniz se pode aferir a plenitude (sentido lato) do seu ''projecto''. Começa a desenhar-se uma relação que faz girar 180 graus a habitual nomeação vazio/morte; neste espaço de perfeição/completude, pode apenas como Leibniz, falar-se de ''cheio''. O mundo melhor que Leibniz projecta é um mundo mais ''cheio'', isto é, onde não existe resto, onde a imobilidade surge por total identidade entre corpo e fronteira (em giria popular - ''pelas costuras'').As Monadas não têm janelas. O ideal era que se falasse como os relógios marcam o tempo - na harmonia total por consenso.

Acima de tudo, eliminar a singularidade e a contingência.

''Le consensus gentium est une autorité importante et le passage est bien tentant de la présence d'un contenu dans la conscience de tous à la affirmation que ce contenu appartienne à la nature de la conscience elle-même et lui soit nécéssaire. Cette categorie de l'accord universel contenait la conscience essentielle que n'echape pas au sens humain le moins formé, du fait que la conscience de l'individu est en même temps une réalité particuliére, contingente''.

in ''ENCICLOPEDYE des sciences philosophiques'', cap. I ''La science de la logique'', Hegel, ed. Gallimard. Paris 1970, p. 133/134.

Em todos os espaços - Poder/político, epistemológico, social, o peso do que se nos apresenta à percepção primeira tende para este lado - o ''mot d'ordre''/ techne omni . Um lado (triste) eivado de uma plenitude sem espaço para resto/movimento. O paradoxo da mística perfeccionista que implica o silêncio17 /morte dos súbditos. Para aqui tendendo, nem a fuga é livre. Chega-se então a conhecidas conclusões: deixa-se de falar, é-se falado (mesmo quando se enuncia). Eu já não lingu-ajo: eu digo, logo, sou falado.

É esta não permissão mutacional/proibição da phronesis, que nos leva a notar fundações num ante-passado paradigma/ar-quétipo mecânico.

Em muitos domínios, já estivemos mais longe do modelo de linguagem Leibniziano; neste, a articulação do significante é regrada/instituída ao limite. Falar em ''sentido'' como este é entendido imerso num espaço/pneuma onde há, ou não há, um mínimo de indeterminação, não é assim possível: existe apenas uma pura relação (lógica)

real/significante/referente estatuido

sem lugar para ''sentido''. Operacionaliza-se um processo perfeito de institucionalização/sujeição. O triunfo da homogeneização e o estilhaçar da relação social.

Das Temporalidades do Ser

''How vain a thing is painting'' if underneath our fond admiration for its works we do not discern man's primitive need to have the last word in the argument with death by means of the form that endures(...)''

Bazin

Continuando a procura, e sem outros receios de origem menos clara, devemos descer ao núcleo desta busca, ou pelo menos àquilo que podemos encontrar mais perto do seu fim.

Questionar o arquivo é questionar algo de complexo; é antes do mais questionar um projecto e uma actividade específicos. Qual é e em que consiste a propriedade essencial desse projecto; será de todo possível encontrá-la? Em que consiste aquilo que é, em seu ser - activo?

Concluo sempre que procuro aquilo que posso designar por uma ente-idade ( a partir do momento em que nomeio, encontro. Nada mais há a acrescentar...).

Pelo que já foi ''mexido'', apercebemo-nos que a entidade do arquivo passa necessariamente pela busca de forças em alguma necessidade humana primária/primeira que a alimenta - entenda-se ''busca de forças'', ''fonte de alimentação'' não como um ponto de origem, mas como um ponto de passagem numa eventual circularidade que preenche um espaço que é preciso cobrir. Para tal, existe um ''motor'' que deve ser energizado/alimentado (paradigma mecânico) ou uma troca de energias que produz o movimento (paradigma termodinâmico).

A citação (supra) que faço de Bazin, naquelas quatro linhas poéticas, são um pouco esse núcleo do problema que aqui se aborda. Acabamos por encontrar sempre uma intencionalidade subjectiva base, por trás de toda a manipulação do objecto. Neste caso, o perigo do nada a que esta busca sequencial nos possa levar não é tão importante porque é preciso que nos chegue, que fiquemos humildemente satisfeitos com a vivência/experiência do percurso - a tal que nos pode/possa oferecer um adequado ''verstehen''. É claro que consigo (outros conseguiram) encontrar mais ''intencionalidades subjectivas'' para o acto de re-produção: começando na posse do objecto representado - (poder sobre) - passando pelo circuito eros-tico que toca todo o acto de representar, há toda uma série de margens, que antes e depois de Bazin foram tratadas, evocadas com maior ou menor convicção. Mas há toda uma inalienável individualidade, preenchendo o processo letal, que é evocada. A morte é a omni-presença (pelo menos latente) em toda a argumentação/observação ontológica, e Bazin não lhe conseguiu fugir.

''Time passing, duration and change, are exactly what Bazin's ontological subject is driven to disavow, for they raise the problem of death. The lure of automatically produced images is attributable to subjective obsession precisely because time is a threat to the stable existence of the subject as well as the object (...)''

''Subject and Ontology in Bazin'' p. l8

Se o tempo é central na generalidade da teoria de Bazin, todas as restantes ferramentas heurísticas que vai em volta semeando se tornam extremamente úteis para o nosso processo de apreensão deste ''objecto''. O complexo da múmia e a obsessão preservativa de que nos fala Bazin são o desdobramento de uma e a mesma ideia de que ele se serve para nos ajudar a perceber a sua teoria;

(...)for photography does not create eternety, as art does, it embalms time, rescuing it simply from its proper corruption. (...) Now, for the first time, the image of things is likewise the image of their duration, change mumified as it were, (...)''

in ''The Ontology of Photographic Image'', A. Bazin,

A produção automática de imagens, ou as imagens automaticamente produzidas - como define Bazin a fotografia (prefiro por razões de precisão chamar-lhe ''reprodução automática da imagem de objectos'' ) é o grande objecto da sua abordagem ontológica. Ora, voltando ao primeiro tópico que Bazin encontra como grande propriedade do registo fotográfico - a preservação no tempo, podemos apenas admitir mais ou menos remotamente que a descoberta da fotografia e o seu uso mais pragmático (processo suficientemente lento para se considerar acidental) possam ter nessa sua função preservativa/petrificante, um aspecto meramente marginal, epifenomenico.

Acontece que nos deslocamos, relativamente ao arquivo, num sobre-nível, meta-nível epistemológico que envolve, aqui sim, um outro aspecto preponderante e omnipresente - o teleológico. Ocorre-nos de imediato que ninguém se lança na construção (no seu sentido total) de um arquivo com intencionalidades subjectivas menores, ou outras que não as da preservação dos registos.18 É certo que há sempre um objectivo, e é este que define o propósito teleológico.

Nos parágrafos que passo a citar, Hegel, que delineava premissas bastante mais abstracta consegue colar-se-me ao raciocinio que aqui desenvolvo para a exposição deste tópico:

''La relation teleologique est le syllogisme dans lequel le but subjectif se rassemble avec l'objectivité qui lui est extérieure, grâce à un moyen terme qui est l'unité des deux, en tant qu,il est l'activité teleologique, et en tant qu'il est l'objectivité immédiatement soumise au but, le moyen'' $209 ''L'activité teleologique, avec son moyen, reste orientée vers l'exterieur, car le but, lui non plus, n'est pas identique à l'objet; c'est pourquoi il faut d'abord également qu'il soit mediatisé avec lui. (...) Que le but subjectif, en tant qu'il est la puissance de ces processus où les éléments de ce qui est objectif, en se frottant les uns aux autres s'usent et se suppriment, se tienne lui-même en dehors de ces processus et soit en eux ce qui se conserve, telle est la ruse de la raison.''

''Encyclopedie...'' pps 216/217

Apliquemos a ''demonstração'': entenda-se a objectividade exterior como a ''propriedade material do filme'' - ''o objecto exterior''; o meio como o objectivo primeiro... ''preservar''.

Releia-se aplicando!

Conclusão: para a manutenção do processo, a conservar antes de tudo, é o objectivo (le but) , a missão, que empresta ao processo a sua teleologicidade. A ''astúcia da razão'' é a de manter de fora esse motor do processo provavelmente para que se não desgaste também na actividade que energiza.

Não consigo aqui encontrar em Hegel o ponto onde ele busca a energia para activar esse ''but(...) qu'il est la puissance de ces processus'', mas este parece-me ser um desses tais processos circulares que importa percorrer apenas uma vez para poder reconhecer. Parece-me no entanto que se o seguíssemos um pouco mais para diante iríamos sempre deparar com as (grandes) necessidades e nunca com os grandes acasos.

De qualquer modo serviu-nos esta digressão para apercebermos a diferença entre a produção do objecto/produção do registo e, a preservação desse registo: o peso da carga teleológica que existe a este segundo nível e que é impossível aperceber de imediato no primeiro; o lugar básico/de base onde nos leva a reflexão sobre esta teleologia. Não é Heidegger que algures na ''Carta sobre o Humanismo'' afirma que ''o pensar deve descer humildemente à pobreza da sua condição probatória''? Por aqui se apercebe também a sua noção de Alltaglichkeit - quotidianidade, propriedade de todo o ser-aí (da-sein) de estar imerso no mundo, real, literal, concreto; com uma temporalidade específica. Esta afinal uma racionalidade metafísica bastante mais rasteira, tangível (?) que nos diz que é impossível ser-no-mundo (In-der-welt-sein) sem uma imersão por entre os ''pragmata'' e a sua gestão, único meio de nos aproximarmos de qualquer ''Weltanschaung''. Daqui que qualquer teleologia possa encontrar, acabe por encontrar os pragmata - ''a ferramenta base'' - eventualmente mesmo por razões últimas de sobrevivência. O objecto-rei sobrevem sempre para a fundamentação de qualquer ''ratio'' e logo, implicados na operação, aparecem todos os instrumentos que o podem manipular/mexer.

Bazin tenta explicar-nos, até que ponto as imagens mecânicamente reproduzidas podem ''induzir'' uma ontologia (neste caso também quase automática e inconscientemente) pelo crédito que oferecem ao sujeito na sua obsessão com o real. O Sujeito anónimo é suposto partir sempre do princípio de que a máquina não está sujeita à ilusão, relativamente à imagem que regista. O sujeito observa sempre o index que lhe é oferecido (a imagem) como prova irrefutável da existência do referente (objecto) registado. ''If apprehending a sign as indexical is to recognize, to some degree, how it is produced, that apprehension in photographic and filmic images is of a production which has previously occurred, for the spatial field and objects depicted were in the camera's ''presence'' only at some point prior to the actual reading of the sign''
ibidem Rosen, Philip, ''Wide Angle'', p. 14

Tudo se situa aqui na base da relação de crédito e testemunho que se estabelece entre objecto representado e sujeito sem (estatui-se) a passagem por outro sujeito. É a produção (simulação?) de um efeito de real.

Tudo isto pode ser bastante chocalhado mas, por enquanto, continuemos a observar a abordagem por este ângulo. Bazin aparece no meio da onda do ''imperialismo cientifista'' em que Bergson havia já conseguido fazer alguns cortes. No meio do afastamento entre a consciência e o mundo, Bergson tinha conseguido fazer da experiência da consciência, especialmente, uma abordagem ao fenómeno da duração/passagem do tempo, o ponto de partida para um outro modo de acesso à verdade.Neste estado de coisas, Bazin conseguia pelo menos oferecer um modelo mostrando que o efeito de real oferecido pelo filme, sendo um efeito simulado e mesmo tendo o espectador disso conhecimento, não deixava de ser fulcral, uma vez que produzido pela sua própria consciência. O crédito (de realidade) começa no facto de, entre o objecto e a sua representação não existir outra coisa senão um objecto. É óbvio que o argumento pode parecer falacioso quando se sobe a um nível mais globalisante, mas tal nada retira à coerência hiper-objectivante que dá vida a todo um tecido social, que une todos os átomos do seu imaginário. Se se pode dizer que existe, à priori, uma vontade do lado da produção (da obra/filme) no sentido de uma maximalização do crédito19 , é um facto que é da parte do sujeito espectador que parte toda a concessão: toda a ilusão de coerência e de continuidade é investida na actividade do sujeito, no apagamento de todas as marcas de descontinuidade; começa pelo fenómeno da persistência retiniana que liga os ''fotogramas'' e passa por todo o tipo de elipses temporais, heterogeneidade de espaços etc, que a força desse investimento sincretiza num bloco (história/narratio) coeso. Portanto, este é um ''realismo'' que se enraiza tanto no procedimento mecânico da sua produção, como no acto subjectivo do momento da percepção.

Um dos termos que pode estar sujeito a uma certa ambiguidade, especialmente hoje, é o real/realismo. Talvez pela quantidade de peripécias a que tem vindo a estar sujeita ao longo da história recente, esta terminologia tornou-se menos precisa. Daqui que me tivesse sido útil a introdução de termos como crédito, envolvimento, sentido, material.

Do outro lado, a crítica que tenta desmontar o argumento Baziniano, põe as questões de um modo relativamente simples: contra o agumento que advoga o crédito testemunhal da imagem pelo processo exclusivamente material/objectivo da sua produção, questiona-se:

E não é precisa a mão do sujeito para ''tirar o retrato''? Para focar/desfocar a objectiva? Para a orientar? Para... ?

É claro que o sujeito está lá sempre. Põe e dispõe. Mas atenção, um menor descuido pode de novo confundir-nos. Voltando a Bazin, percebemos que se desloca num campo delimitado pela recepção, e por alguma razão este foi um dos seus primeiros ensaios.O que o parecia preocupar, e tem preocupado muito mais gente, na sujeição à exposição filmica, é essa questão do ilimitado crédito concedido, exclusivamente durante o período de exposição. Chega-se a um antigo problema epistemológico que me apresenta o dilema da distância e do envolvimento.

Eu para conhecer deverei estar envolvido, proceder no sentido do envolvimento, ou deverei manter a distância para preservar a minha ratio intacta?

O certo é que Bazin foi o primeiro a perceber que não podia falar de cinema sem ter permanentemente presente o seu lado material e todo o contexto envolvente, que o trabalho a fazer-se teria de se localizar na fronteira onde acabam os corpos, os objectos e as aparências, e começam as operações que a consciência do sujeito-espectador desenvolve entre as suas representações. O cinema, como a fotografia, são particulares entre as artes, por terem como virtualidade estética a ''revelação do real''. Aqui voltamos a todos os problemas que se põem a uma pragmática da recepção, e que oscilam especialmente entre o maior ou menor envolvimento do receptor na experiência da recepção. Por isto, já é mais difícil afirmar que o filme, todo o filme, revele o sentido do real e que se dê mesmo ao trabalho de passar à interpretação desse sentido.Nesta experiência (da recepção) tudo vai depender um pouco da distância que as partes estabelecerem entre si - o investimento no espaço da produção da obra, e o investimento do sujeito/receptor no espaço da recepção; observar este fenómeno só de um ou outro lado, não pode dar certo; tomar essencialmente o investimento do lado da produção como condicionante da atitude/recepção do sujeito, é cair num ''behaviourismo'' descarado; do outro lado, ficamos muito próximos de outra incorrecção. Portanto, a observar é, com alguma distância, as distâncias que se estabelecem no intercâmbio.''Ce qui plaît en effet au public dans le fantastique cinematographique, c'est evidemment son réalisme, je veux dire la contradiction entre l'objectivité irrecusable de l'image photographique et le caractère incroyable de l'événement''

in ''Cahiers du Cinéma'', ''Vie et mort de la Surimpression'', tomo 1 ed. du Cerf ''7 art'' Paris 1958

Por outro lado, é ainda explorando esse factor-distância que é possível ao cinema a particularidade - no caso, hiper-objectivante - de servir de espelho desse real/material.

Ao mostrar/expôr o mundo, os objectos o cinema está, à partida, a despoletar a granada dos sentidos/discursos possíveis de que se pode envolver esse real. No acto da recepção, só a distância pode oferecer o espaço reflexivo: é-me muito mais difícil pensar (se é que é possível) aquilo em que me envolvo totalmente. Se me deixo mergulhar/envolver, perco também qualquer poder de análise/observação porque passo também a fazer parte do real em que me envolvi; o meu eu está completamente colado, faz parte do exposto.

Quando se sobe ao nível do património em geral, a questão põe-se do mesmo modo, com a mesma acuidade, '' quand la culture tend a être tout entière mise en spectacle, que devient du sens d'une stratégie culturelle?''

in ibidem H.P. Jeudy p. 159

A Espectacularização

Quando, na representação do real-espectáculo se vê, cada vez mais, emergir a noção de ''espelhamento'', no próprio real-espectacularizado, somos tentados a tocar logo as primeiras elações/questões: quais os resultados que poderão advir da sensação de impotência que esse real-espectáculo imprime em mim-sujeito/sujeito a ele? Quem poderá tirar (se é que esse alguém existe) algum rendimento da minha passividade?

Por outro lado, como o tempo é irreversível (por isso se projectam arquivos) e, como já se pôde ver, o arquivo é também uma instância de produção - eu só procuro/leio o que me interessa/busco, como me interessa/sei - até que ponto o arquivo não poderá para mim representar o único espaço de escape, o único onde tenho alguma maior capacidade de intervenção? Ainda ( parece ser mais fácil administrar os mortos que os vivos) adentro do casino social tenho de entrar no jogo em que me mostro à camara/máquina e me deixo apreender pela película, para ela depois me mostrar a mim como sou - eu a deixar-me observar.

* * *

O filme enquanto objecto do património parece ser mais que útil a esse ''espectáculo'' posto em cena globalmente pela cultura. Neste jogo, o filme não pode ser trunfo porque é, por excelência dispositivo de exposição de todos os objectos/afectos, culturais incluindo-se a si próprio. 20

O certo é que o sujeito tem sempre que ler ''um passado'' na imagem. Mas aqui, se alguma diferença notória existe é a do acto de leitura/recepção. O investigador que consulta o arquivo, ou está avisado, ou à partida não duvida do que lhe é passado diante dos olhos. A credibilidade que aquela imagem / index lhe oferece (seja video ou filme) é indiscutível; este é o lugar onde se anuncia o papel ''fiduciário'' das cameras. Este grande crédito que lhes é concedido avoluma-se na sua fragilidade quando se percebe que a captação/registo da camera tem um diferente ''quando'' /localização no tempo do espectador-sujeito. A diferença, entre tempos tem que ser, de algum modo preenchida por algum tipo de actividade mental por parte do sujeito.

Depois de termos observado a performance da operação teleológica, não é tão grande a diferença da operação que se vira em sentido contrário - no espaço da memória. Aqui, a temporalidade é uma componente primordial no processo em que o sujeito está obcessivamente predisposto a ''a-creditar'' na imagem.

É no momento em que esta obcessão se cruza com o tempo que Bazin entendeu o seu ''complexo da múmia'' . A defesa contra o tempo só é admissível enquanto obcessão, nunca como projecto. Existe no entanto uma via alternativa imposta pelas necessidades do ser-sujeito/existente que o impelem à manutenção do corpo contra o declínio, nem que seja apenas pelo embalsamar do tempo. Se a História das artes representativas pode ser observada como o investimento da sublimação neste impulso para derrotar a morte, o arquivo é apenas um modo da sua acumulação e gestão: '' it is no longer a question of survival after that, but of larger concept, the ceation of an ideal world in the likeness of the real, with its own temporal destiny... man's... last word in the argument with death by means of the form that endures.''

in ''The Ontology of Photographic Image'' Bazin, A. p. 10

Uma das grandes questões que de início se esboça e que centralmente se coloca ao arquivo (processo de perenidade) - é o que o justifica, que finalidade teleológica, que ''rendimento'' trás esse árduo trabalho. Talvez aqui Bazin responda a essa questão: com alguma simplicidade, o ser/sujeito necessita de um ponto focal algures além do seu espaço temporal (horizonte) que o guie, e legitime o seu modo de estar no presente. A noção de limite que a morte impõe e para além do qual se situa sempre esse ponto focal/horizonte trancendental, são quotidianamente ilustrados em várias cinematecas. Acontece frequentemente velhos realizadore (menores) aparecerem a perguntar pelos seus filmes. O limite próximo e já num estado de não-vivência, não só suscitam uma necessidade de vivência vicarial (matar saudades!) como fazer emergir a tal angústia/cuidado (souci) de que falam os homens que se preocupam com o ser e a existência. Este, o ''cuidado teleológico'', afinal o que faz do cinema ''the realization of a perennial compulsion.''

Por outro lado, quando se pensa/prospectiva/ o arquivo, algumas ficções não são permitidas: existe alguma aporia quando se pensa a representação de um passado nalgum futuro; esta começa pelo tipo de envolvimento a que o ''leitor'' está/pode estar sujeito. Hoje, o leitor dos textos medievais ou da antiguidade - o nosso pequeno Hermes - não deve partir para tal aventura sem o conhecimento profundo da linguagem do tempo que vai ''ler'', isto é, das equivalências que lhe permitem representar mentalmente a mensagem registada. A este nível um descuido pode ser desastroso e não nos faltam exemplos na História. O outro Hermes - do futuro - para quem hoje preservamos material (imagens) deverá ter uma tarefa operacionalmente idêntica, mas estruturalmente mais dura em termos de ''construção''. Acontece que a lógica prospectiva diz-nos que o Hermes que nos observará, deverá ter sempre uma tarefa de ''preenchimento de faltas'' - o enunciado (imagético) posterior é sempre mais rico, com mais componentes, que o anterior - é preciso compensar o anterior. ''Interpretar, é uma maneira de reagir à pobreza enunciativa e de a compensar pela multiplicação do sentido...''

in ''Arqueologia do Saber'', Foucault, M. ed. Perspectiva, Petrópolis, 1972, p. 150

Depois, é suposto existirem sempre mais dimensões, traços, que antes. Será preciso que Hermes perceba, por entre as suas condições de percepção, as alterações operadas pela cumulatividade/sumatividade do arquivo: em 2072, o visionamento de um filme, mesmo segundo condições de percepção de 1934, não pode ser o mesmo, dadas as alterações que a partir de 2047 foram introduzidas com o ''HoloSens'' - (comercialização do holograma sensitivo) - a representação perfeita com sensualização - introdução de mais ou menos intensidade de sensação regulável pelo espectador totalmente imerso no ''real'' representado. O espectador pode por ele deslocar-se a preceito, percepcioná-lo na totalidade . Com este ''Pan-HoloSens'', passamos de dois para cinco sentidos: isto quer dizer que sobram três, relativamente a um tempo anterior - estamos muito próximos da diferença entre a rádio e o cinema, o drama rádiofónico e o drama cinematográfico. Este Hermes do ano 2100, vai ter que ser capaz de se deslocar de um estado de indexicalidade para um estado de presencialidade a que está habituado e em que vive - a representação total.

''...for photography does not create eternety , as art does, it embalms time, rescuing it simply from its proper corruption (...) Now, for the first time, the image of things is likewise the image of their duration, change mumified as it were.''

in ''The Ontology of Photographic Image'', Bazin, p.17

A objectividade que a re-presentação (the object once present) por via da objectiva/camara fotográfica vem trazer ao objecto, trá-la por inerência também ao tempo em que o objecto está imerso. Daí que Bazin fale essencialmente numa mumificação do tempo: o objecto presente ''somewhere'' (espaço) mas essencialmente ''somewhen'' (tempo).

''The specific indexicality of cinematic representation includes duration, so that the essential ''realism'' of this mechanically reproduced image lies in the relation of the subject to the future by something like a hallucinatory control over the past.''

in ibidem Philip Rosen p. 20

A impulsão preservativa fundamental no contexto deste sujeito para a ''ultrapassagem do tempo/limite'', com a consequente necessidade de uma representação ''objectiva'', vêm fundamentar uma vicarialidade grande parte das vezes despercebida. A abordagem de Bazin conclui assim as relações entre experiência cinemática e o sujeito/receptor, registando nas suas teorias sobre o cinema alguns dos processos ilógicos originados no desejo de permanência, existência, identidade, que podem fazer o sujeito chegar ao concreto, fazê-lo sentir na pele o fluxo do tempo (devir), a mudança. Faz-se então sentir a contradição essencial (também sobre o conceito de ''essência'') entre a abordagem fenomenológica de características atemporais (fora do tempo - suspensão) - a intemporalidade transcendental e o atrito/ sensação que a passagem do tempo causa no ser, no existir em si, pelo simples facto de existir.''Thus critics of Phenomenology such as Adorno have long argued that the contradiction between the universal effectivity of temporality in existence and a timeless consciousness, is only overcome by logical sleight-of-hand impelled by socio-historic circumstances''

ibidem Philip Rosen p. 28

Por aqui voltamos a uma questão já tratada (ver - ''les apories de l'experience du temps - Le Livre xi des Confissions de Saint Augustin'', in ''Temps et Recit'', Ricoeur,Paul, Tomo 1, ed. Seuil, Paris 1983, p. 19 a 53.

O Problema Axiológico

Archiving television is like wrestling with an octopus - no matter how clever you are or how fast you move, you are never really in control. There is always an extra arm, or a leg, that works loose and threatens to strangle you.

Sam Kula, National Film, Television and Sound Archives Canada

Na sequência do que tenho vindo a tratar, encontra-se o campo que genericamente apelido ''axiológico''. Mais concretamente o problema que se põe é o da selecção: um dado universo de objectos (neste caso, bobines com filmes ou cassetes com banda magnética gravada) dada a impossibilidade de tudo reter/preservar, o que preservar? Observa-se o seguinte: a partir de uma necessidade, (selecção) pela impossibilidade de tudo conservar (o ideal) cria-se por essa operação um investimento de valor(es); como arquivista, o que guardo e conservo, é suposto ter sido foco de maior valorização relativamente ao que elimino e de que não cuido. Esta é uma questão de primordial importância por se encontrar na confluência dos campos que tenho vindo a abordar; encontra-se junto ao campo da pequena reflexão quotidiana que o ''media-man'' faz no recorte da realidade que se lhe depara; encontra-se depois numa segunda pequena reflexão que o arquivista faz na selecção/recorte do produzido; encontra-se, por fim, na necessidade de maior (por compensação) reflexão/conjectura que o investigador do futuro terá de investir na procura de um universo mais focalizado por sucessivas ''depurações''. Por isto se encontra (a selecção) tanto no campo operacional concreto do quotidiano profissional como no campo da reflexão à posteriori.

Como referência, é preciso dizer que, à partida, o ideal, neste momento, seria tudo preservar. ''Tout garder, ne rien jeter. Chaque objet se voit investi d'un sens qui n'est plus necessairement lié `sa fonction ou à une symbolique individuelle. Il est d'abord là pour ne pas disparaître''.

ibidem, H.P. Jeudy, p. 81

Talvez pareça estranho mas, raramente ocorre a formulação deste paralelismo: se é licito/razoável(?) ter como objectivo - tudo preservar - porque se tornará já mais obscena (ob-scene) a meta de ''tudo registar''? (Voltamos ao Big Brother). De facto, só perante o universo do registo total qualquer recorte/selecção pode ser permitido.''This year the archives installs a dish of its own, to pull signals out of the air as a monitoring device, and as a means of recording live transmissions in a crisis or during events such as elections or national celebrations where the broadcast record, if it survives, will only be the prerecorded segments on tape or film.(...)''

in ''The Archiving of Television'', Sam Kula, IFTA Newsletter, jan. 1986 p. 61

Não tendo, mesmo assim, capacidade para chegar a tudo o que é registado e, cada vez mais neste momento em que tendem a expandir-se as cadeias de televisão de maior porte, Sam Kula regozija-se pela nova parabólica que o seu arquivo vai instalar para captação directa do ar/do satélite. De facto, nesta situação o actor/agente não se pode dar ao luxo de reflectir .''(...) if the archivist adopts the position that for every image a rational argument for retention can be made by somebody, for some purpose, then everyting should be conserved .(...)Which images should live, and which should die? The archivist playing God - the most difficult task of all.''

ibid. Sam Kula p. 62

Como se percebe, neste trabalho ''divino'', as imagens que são poupadas à morte entram necessariamente no jogo axiológico.

O valor, como H.P.Jeudy bem o descreve (in ''Memoires du Social'' p. 81) passa a papel de primeiro plano/personagem principal das histórias que se contam, quando não estão já pré-determinados: o arquivista convidado para esse papel divino que o pode esmagar, tende a pautar-se por regras - é mais fácil - que lhe indicam, por premissas básicas e gerais, que veredictos aplicar a quê. O ideal aqui, seria a intuição de uma prospectiva tão exacta quanto a dos adivinhos da antiguidade chinesa (que guardavam os arquivos do reino). Há que saber o que, dentro de um século, dois ou três, poderá vir a ser considerado bom ou mau. Afinal é da importância da imagem que se deixa para o futuro: ''The bad programming drives out the memory of the good leaving an overall impression of mindlessness. That is a danger and FIAT, in its Recommended Standards and Procedures for Selection and Preservation of Television Programme Material, issued in 1981, proposed a delay factor of at least two years before the initial selection takes place'',

ibid. S. Kula p. 63

O problema é que, se por um lado, dois anos de espera não é nada, reter por dois anos tudo o que chega, é um quebra-cabeças para qualquer arquivo de banda magnética. O ''delay factor'' para imagens de actualidades está estabelecido em 5 anos!. Já não é só o problema técnico dos diversos formatos em que o material é registado, são uma série de outros maiores e menores problemas que enredam o campo tecnológico em todos os outros campos das ciências filosóficas. Uma das interessantes questões que aqui emerge é a das implicações que o estatuto/características do medium faz eclodir. Já não se pode pensar o ''software'' sem o ''hardware'' de leitura/registo. No presente já não é só o problema da gestão (que a informática acabou por resolver), é também o da monitorização: o caudal de entrada/saída de grande parte das grandes cadeias de televisão, tornam impossível o visionamento de todas as imagens, até mesmo para efeitos de selecção. O que se arquiva é indexado por uma ordem e segundo um Thesaurus determinado, mas só quando alguém, por razões outras, requisita a peça (acesso a imagens/cassette) é que, de facto, essas imagens de um passado mais ou menos longínquo se actualisam: ''All television archivists have experienced the frustration of offering a researcher hours and hours of videotape only to be told that the one shot they are looking for is not there. That shot, of course, is the one the archives discarded as irrelevant or redundant.''

ibid, S. Kula p. 64

Este desabafo que Sam Kula acaba de enunciar não é mais que um acidente/efeito típico entre as coordenadas que delimitam este corpo de rarefacção. O que o historiador/investigador busca no universo que se lhe depara (não é exactamente o tipo de caso relatado por Sam Kula) é uma rede que lhe estruture as normas de rarefacção. Podendo tal tornar-se simples utilizando como guia documentos do tipo do já citado ''Recommended Standards and Procedures for Selection and Preservation of Television Programme Material'', nem sempre o trabalho se adivinha assim tão fácil. Não é garantido que todos os arquivistas sigam à letra e interpretem o documento da mesma forma, que exista uma homogeneidade de procedimentos; não é sequer garantido que dele tenham conhecimento e em todos os actos de selecção apliquem. Uma abordagem válida deverá contudo ''estudar os enunciados (imagens) no limite que os separa do que não está dito, na instância que os faz surgir à exclusão de todos os outros'' .

in ''A Arqueologia do Saber'', Foucault, ibid. p. 149

Não haja dúvidas que pelo menos duas instâncias devem ser sempre bem ''controladas'' pelo investigador:

  1. A partir do corpus que aborda deverá ter sempre a noção do que está ausente/não-dito, não registado.

  2. No momento em que analisa o discurso produzido, como no momento em que produz o seu próprio discurso, deve estar consciente das regras que o aparelham aos objectos discursivizados.

'' O arquivo (...) é o que, na raiz mesma do enunciado-acontecimento, e no corpo em que se dá, define desde o início o sistema da sua enunciabilidade.(...) é o que define o modo de actualidade do enunciado-coisa; é o sistema do seu funcionamento.''

in ''A Arqueologia do Saber'', Foucault,ibid. p. 161

Consciente da dura tarefa de pesquisa e reflexão que tem pela frente no cumprimento das premissas mínimas acima estabelecidas, o investigador sabe sempre que por menor (em extensão) que seja o trabalho produzido, este é sempre parte de uma abordagem mais total, mais próxima do esgotamento dos sentidos, da interpretação correcta. Em termos económicos, esta dir-se-ia uma abordagem pouco rendosa/muito trabalhosa, mas a única que garantiria, pela exploração/cobertura tendente para o todo, o resultado mais certo.

A Memória dos Novos Media

Memória - ''A capacidade de trazer à mente um acontecimento ocorrido numa experiência passada'' - definição de dicionário que nos oferece a síntese base do que nos quer dizer a expressão - fonte deste projecto.

Na verdade, há séculos que a questão central da ''memória'' se coloca no ''como é possível adquirir o conhecimento presente - a presentificação - do que já não é (presente). Aristóteles, Locke, Hume, Russel, todos tentaram, de modos diferentes, identificar o (que Peirce veio a chamar indice) que se presentifica mentalmente, re-apresentando algo que foi no passado. Mais recentemente, contudo, o problema tomou outro ponto de observação; a preocupação já não recai tanto no como o conhecimento presente do passado é adquirido, mas como o conhecimento passado é retido/armazenado no presente.

Neste idade panpedagógica da ''educação permanente'', é exigido ao indivíduo em escala relativa ao seu nível de formação, o domínio de um universo cada vez mais vasto de elementos culturais, terminologias específicas, culturemas aparentemente dispersos. Na panóplia do quotidiano doméstico, o videogravador tornou-se, em meia dúzia de anos, a porta de entrada para a iconoteca pessoal, do arquivo individual. No entanto, só em teoria parece desvanecer-se a possibilidade de uma ''cultura-mosaico'' de que Abraham Moles falava no início dos anos setenta. O indivíduo torna-se susceptível de, em princípio, exercer uma capacidade de discernimento, programando os elementos que quer receber, em vez de se limitar a filtrar toda uma produção heteróclita que lhe é oferecida. Mas, é já muito difícil, encontrar no ''aquário'' um programa, uma unidade de programação que não venha super-investida dos elementos mais díspares, que vão do entertenimento ao socio-pedagógico, por exemplo.

O que veio a acontecer foi, por razões mais administrativas e económicas, acabou por emergir uma homogeneização da informação (software) veiculada pela generalidade dos canais. A sua aparente heterogeneidade que se fundamenta na emissão veloz e ritmada, consegue manter-se como simulacro graças ao corpo de ''gate-keepers'' comandados pela mesma comunidade de interesses produtivos. É no momento em que se toma consciência deste simulacro, que se reconhece numa iconoteca individual como única característica relevante, o benefício da posse.21 É esta que oferece uma quasi tangibilidade dos elementos que se guardam em casa e não mais só uma memória/mente. O pequeno mito que aqui se evoca já não é o da abertura a uma qualquer eidosfera Bachelardiana, prenhe de fantasmas com que se dinamiza o espírito; o mito é mais material, na consulta à iconoteca universal por via do relé da iconoteca pessoal - museu imaginário próprio, das imagens animadas, que permite o esforço e as recompensas nos actos de registar, coleccionar, seleccionar, rejeitar. O axioma define-se como: ''em qualquer momento, em qualquer lugar, a preço módico, todos os acontecimentos passados podem ser armazenados e requisitados à vontade''. O que acontece hoje, há bem poucos anos ainda uma suposição, é que os elementos contidos numa cultura, um tempo passados, dada a velocidade de deslocação, acabam por ser passíveis de re-injecção no circuito cultural/mediático presente. É aquilo que A. Moles descreveu como uma ''cultura sincronica''. Afinal, tudo é passível de ser empastelado/colado, independentemente da origem.

''A nossa - como muitas vezes se repetiu - é justamente uma idade de simulacros, não de documentos. O passado, a tradição são um fruto explícito de fingimento. E, além disso, a nossa parece ser uma era que, com a sua ''vizualização total'' da imaginação, torna tudo perfeitamente contemporâneo. Pense-se, só para dar um exemplo, no palimpsesto de um simples dia televisivo. Umas ao lado das outras, passam imagens de diversas datas, e isto torna-as perfeitamente actuais entre si. O sujeito pode ser um tempo qualquer, uma época qualquer, um estilo de sempre. Tudo é perfeitamente sincrónico. O ''passado'' já não existe, a não ser como forma de discurso''

in ''A Idade Neo-Barroca'', Calabrese, Omar, ed. 70, Lisboa 1988, pg. 194.

Análise de Documentos

Da série de documentos que tive a oportunidade de colectar, mais directamente relacionados com esta problemática, há três que devo destacar:

  1. - «Selection in The National Film Archive: a proposal for change»

  2. - «Recommended Standards and Procedures for Selection and Preservation of Television Programme Material» (FIAT)

  3. - «Normas de Exploração e Arquivo Permanente de Suportes Audiovisuais» (RTP)

Os dois primeiros documentos são neste trabalho reproduzidos em anexo. Passemos então a uma apreciação/comentário de cada um deles.

I - «Selection in The National Film Archive»

Como assinala o documento assinado por Clyde Jeavons em Março de 1984, é suposto ser ''de interesse para a generalidade dos arquivos''. Não só o processo de selecção no National Film Archive se tem ao longo dos tempos pautado por uma eficaz originalidade, como se nota, por aqui, uma continua procura da melhor solução.

A intenção essencial é substituir um processo algo oneroso (em termos de tempo para o pessoal do arquivo) por um outro mais expedito que o anterior:

1) a substituição do comité permanente de aconselhamento por um sistema de selecção ainda na base da consultoria, mas mais diversificado.

Uma vez que o arquivo (N.F.A.) se vê com pessoal qualificado e suficiente para grande parte desta tarefa, propõe a utilização de consultoria específica apenas relativamente a filmes/documentos sobre os quais não exista capacidade interna de observação/selecção ( §18/19).

Sem prescindir completamente dos serviços prestados pelo comité (voluntário) de aconselhamento - de que alguns membros fazem parte há longo tempo - o NFA parece encontrar uma racionalidade mais coerente adentro das suas fronteiras. Talvez isto consiga reflectir a homogeneidade da filosofia/política que deve unir o ''staff'' de um arquivo.

Repare-se que é assinalado (§4) o facto de ser o NFA o único arquivo - disciplina introduzida por Ernest Lindgren (fundador) - que regista uma ''razão plausível'' (a cogent reason) para a selecção, para o facto daquele e não outro documento/filme ou programa terem sido seleccionados. Para lá de se privilegiar o conhecimento e experiência (§5) do ''staff'' do arquivo recorrendo à opinião de especialistas apenas quando estes não existam no arquivo, é aqui destacada a consciência de manuseamento dos dinheiros públicos (§3). Por outro lado, começa também a manifestar-se uma inflexão mais assumida relativamente à própria axiologia geral do processo: começa a reconhecer-se que a generalidade das boas soluções passam essencialmente pela capacidade económica de aquisição dos filmes /programas a preservar, tornando-se esta, por evidência imposta, a ''ratio'' principal.

Tudo o que mais possa assinalar relativamente a este documento (i) entra em recorrencia. O documento é bem claro e evidente; merece a nossa atenção e reflexão, essencialmente pela sua actualidade. Todos os comentários sobre ele produzidos irão necessariamente depender do ponto de vista do observador.

II - «Recommended Standards and Procedures for Selection»

Relativamente a este documento da FIAT (Janeiro de 1981) que se reproduz em anexo, pela sua evidência, acaba também por dispensar grandes comentários.

Todos os trinta parágrafos nele contidos assinalam os procedimentos/ética que deve ser levada a cabo para o óptimo funcionamento do arquivo. O problema parece ter sido tão bem pensado que, do conhecimento que tenho (via documentos e interpostos técnicos) de alguns arquivos de televisão e do trabalho/investimento que estes implicam, sou forçado a concluir que muito poucos se devem aproximar do desejado/recomendado neste documento. Todos os problemas técnicos já abordados - sucessão de formatos, fragilidade da banda magnética, etc - a acumular aos problemas económicos e de administração, tornam na prática inviável o cumprimento ortodoxo destas normas (ver, à frente, RTP).

De qualquer modo, o último appendix 1 (selection criteria) merece uma observação mais atenta: partindo sempre do princípio de que ''tudo é para preservar'' (aqui não manifesto), nota-se, por exemplo, que não são mencionados trabalhos/produções de ficção. Nota-se que são privilegiados os programas de carácter informativo (actualidades). Nota-se essencialmente, após tão grande exposição de procedimentos práticos e administrativos a observar, que os critérios de selecção não se apresentam ''à altura'', ao mesmo nível do que antes ficou exposto. De qualquer modo, um documento como este, em última análise, será sempre uma pedra no nosso sapato para que, daqui a uns anos - e não deverão ser assim tantos - os nossos herdeiros possam nele agarrar reclamando '' o que deveria ter sido cumprido.''

III - «Normas de Exploração e Arquivo» RTP

O terceiro documento (que não reproduzo), é uma ''ordem de serviço'' da RTP, datada de 20 de Março de 1987, gentilmente cedida para estudo, pelos orgãos competentes.

Pelo que me foi dado a observar pela rápida visita que empreendi aos arquivos da RTP na companhia dos seus responsáveis, os problemas parecem ser em tudo idênticos à generalidade dos outros arquivos, só que agravados por uma mais profunda falta de disciplina e vontade organizativa. Ainda sem o braço da informática sobre o arquivo operacional de banda magnética, todos os movimentos de ''cassetes'' são anotados sobre fichas em sextuplicado (para os diversos serviços). É este um modo de acesso longe do eficiente, agravado pela morosidade que implica o monitorisar os documentos para catalogação e depois... encontrá-los. Este parece ser um dos problemas primordiais no arquivo de banda magnética da RTP: é que a marcação/indexação que é dada às cassettes entradas, bem assim como aos items indexados, é uma numeração que só o arquivo conhece. Só os documentos já indexados (por assunto) são acessíveis e, mesmo assim, nunca se sabe em que estado.

O mesmo não parece passar-se relativamente ao arquivo de filmes (acetato). Há cerca de um ano que, no grande armazem do Prior Velho, uma dezena de documentalistas faz a monitorização e catalogação de filmes acumulados durante anos. Estes dados estão inclusivamente já a ser transpostos para a memória do computador central, embora ainda se vá só em 1957... Uma vez que o arquivo da RTP é na sua totalidade posterior a 1950, não existe o probema da conservação do nitrato. O mesmo já se não pode dizer relativamente à cor, muito embora a quantidade de filmes a cores em arquivo (ainda não inventariada) não deva ser relevante.

* * *

Outras questões merecem ainda ser apontadas:

- o período máximo de espera, arquivo temporário, para as cassettes é de seis meses - findo o qual são enviadas as fichas dos documentos ''às respectivas Direcções Coordenadoras de Programas e Informação, que se pronunciarão, no prazo de oito dias sobre a conservação definitiva ou o apagamento (para re-utilização da cassette) tanto dos suportes que serviram a emissão como dos da gravação original. Ultrapassando este prazo de oito dias sem que seja obtida informação por parte daquelas Direcções, a decisão será tomada mediante proposta do Chefe do Arquivo Audiovisual Central, pelo Director Coordenador dos Arquivos Audiovisuais e Documentação''.

Comparem-se estes ''seis meses'' com os ''dois anos'' propostos pelo documento da FIAT (''cinco anos'' no caso de material informativo). Além disto, observe-se o que é decidir sobre apagamento de documentos por via de assinatura ou rúbrica, com base num título/tema que, a maior parte das vezes, diz pouco ou nada sobre o conteúdo concreto do documento.

Não parece ser lícito alongar-me sobre esta questão, só aparentemente relativa à RTP. A verdade é que, para não destoar, também nesta Empresa Pública, a atenção dada aos espaços de arquivo tem sido bastante próxima de zero. Com tradição longínqua, a gestão do património público a nível nacional pauta-se, na generalidade, pela consecução de metas e objectivos muito próximos do presente, quando não mesmo pelo alinhavar das metas perdidas. Este tipo de gestão míope, que há anos grassa por todo o sistema administrativo dos poderes públicos, é grande responsável, neste caso, pelos apagamentos e distorções que se deverão somar a todas as outras (naturais) com que a nossa memória virá um dia a ser apreendida/apresentada. Adicionado a tudo isto, o facto de este ser um investimento (na memória) rentável em todos os sentidos, mas só a longo, e muito longo prazo.

Vale a pena pensar, no entanto, que este é decerto um dos orgãos mais responsáveis sobre a memória que os nossos herdeiros vão visionar num amanhã completamente panaudiuovisual. Sem querer entrar pelo campo da moralidade, é fácil tomar consciência de que a questão ultrapassa o âmbito da EP que gere esse património. A questão parece, bem refectida, dizer-nos respeito a todos, pagantes ou não de taxa.

O Acesso

Tratando-se de um extremamente vasto (o acesso), não queria deixar de o tocar, ainda que superficialmente, mas pelo que na actualidade mais influi no arquivo.

Observamos hoje, que o modelo de organização do acesso, com todo o investimento da gestão informática, origina um controlo, ao nível da micro-unidade. A base de dados em alguns presentes (tempo próximo, mas local ainda distante, a aproximar-se por via da telemática) dá-se ao luxo de permitir o acesso ao fotograma.

Se, relativamente a documentos escritos ( o universo das bibliotecas) o modelo actualmende defendido, e em processo de instalação é o da omni-informatização - é irrelevante o local onde se encontra o documento ou a instituição que dele cuida/preserva/restaura, relativamente às imagens em movimento e , particularmente, ao filme, esta descentrali-zação é praticamente impossível. O hardware e o know-how necessários ao tratamento dos documentos/filmes/banda magnética é impossível de dispersar, para lá de anti-económico. Daqui que, por inerência, o arquivo de imagens em movimento, em termos técnico-operacionais, se reserve à centralização. É esta uma das mais fortes razões que me fazem encontrar uma grande necessidade de descentralização no que se refere a pontos de acesso/consulta ao material arquivado. Já nem preciso de recorrer aos modelos implantados de descentralização (difusão cultural que deve regar o território no incentivo e satisfação de toda a procura manifesta. Não me parece nem difícil, nem como a consecução de um tal projecto ( satisfação da procura, localizada).

Amplamente discutido, neste campo do acesso, é o eterno dilema do preservar ou mostrar. Dando aso às mais inusitadas articulações - os ortodoxos e puristas pela primeira (preservar antes), os políticos pela segunda (mostrar é que é importante) - este parece-me hoje, e na área das imagens em movimento um dilema estéril. É claro que é preciso fazer chegar os documentos/filmes ao público, e não há mas que resista. Se existe algum problema é no como. O argumento da deterioração/delapidação que fundamentava e fundamenta a argumentação dos ortodoxos cai um pouco por terra perante o mínimo de flexibilidade. Hoje só se estraga alguma coisa, por descuido. Se bem que percepcionar/visionar um filme via cinescópio (tv) não seja a mesma coisa que recebê-lo via tela de cinema, a verdade é que já estivemos mais longe do esbatimento dessa diferença.

Hoje, com a implantação da TVHD - televisão de alta definição - com as características proporcionais e técnicas de visualização incomparavelmente mais próximas das do cinema, qualquer ortodoxia se afunda na sua irrelevância.

(...) le cineteche regionali che stanno sorgendo un po' ovunque, non avrebbero difficolta a passare su nastro i film di cui dispongono e farebbero bene a riflettere sui vantaggi offerti da questo sistema, che va rapidamente diffondendosi soprattuto a livello di scuole e Instititi Universitari.(...) anche se è il caso di aggiungere: meglio su nastro che niente$.$

in ''Nastroteca'', Scena, nº 37 , Alberto Barbera, Milão, 1977

Qualquer arquivo de imagens em movimento com um bom departamento de novos suportes deve poder satisfazer qualquer uma rede de mediatecas que a ele tenham acesso.

A partir desta abordagem, pode perceber-se que o arquivo de I.M., em termos de organização do acesso deverá, pelo já constatado, andar sempre atrás da realidade das bibliotecas. A somar a isto, o facto de hoje, neste presente, ainda ser mais vantajoso/rentável ao poder político o investimento num espaço menos oneroso (o livro) mais tangível e descentralizável.

O Depósito

Se não ficou suficientemente manifesto, é no entanto perceptível que a dinâmica de conservação/preservação é antes do mais um processo de rehabilitação e re-apropriação. É evidente que a propriedade joga um lance primordial no campo da memória: já não é só a capacidade/possibilidade de acesso sem um ''quando'' - sempre à disposição - é também a necessidade dos efeitos da posse e por consequência, da dádiva. Da parte do depositante deve ser sempre agradável sentir que os outros têm acesso ao objecto ''meu''. (Porque o descobri no ''meu'' sótão.)

''(...)ce traitement de la circulation des objets se présente comme un facteur de liaison sociale. Il valorise le propriétaire lui-même qui peut voir son nom inscrit à côté de l'objet exposé dans le musée sans subir le risque d'une désappropriation, il permet également de limiter le cût économique du rachat d'objets, du stockage et même du transport. Cette forme de stockage et même du transport. Cette forme de stockage ''éclaté'' répond bien à des problèmes soulevés par la gestion du patrimoine. Il crée une communauté de pensée et stimule le travail de protection, de conservation et de restitution en lui retirant son aspect ''rétro''. Car le propriétaire de l'objet ne traite plus celui-ci comme un objet qu'il aurait recupéré, neettoyé pour l'accrocher au mur.(...) Il peut l'investir de sa propre histoire,de ses projections mnésiques et imaginaires''.

in ''Mémoires du Social'', H.P.Jeudy, p. 88

Mesmo que se suspeite do contrário, acaba por ser um investimento na troca de relações, no fortalecimento da coesão, senão da totalidade do tecido social, pelo menos de algumas bolsas. Por isto, tudo o investimento na promoção da dádiva/depósito deve tocar estas condições no incentivo e no sentido de evitar o estado passivo de um público também potencial investidor.

A Relação de Troca

Um dos fenómenos mais observados nesta última década, e comesta problemática relacionado, é o interesse que tem vindo a suscitar o universo dos registos amadores - as fitas domésticas. Nunca, senão nesta última meia dúzia de anos, formatos como o 9,5 mm com perfuração central e até o mais recente 8 mm haviam despertado algum interesse por parte dos arquivistas e seus clientes. É legítimo considerar este fenómeno sintomático da necessidade de chegar a um outro universo que ficou de fora/excluido - o universo da quotidianidade, um outro real. Para o investigador não deve, de facto existir fonte mais directa para o acesso a um quotidiano com um mínimo de encenação (artificial). O acesso a essa vivência e aos objectos dela constituintes começam a encontrar espaço nos arquivos para um depósito condigno. Deve ser este mesmo o último grande espaço a preencher no espólio do arquivo, aliás sem grandes problemas técnicos de conservação - pelo menos comparados com os do nitrato - dado ser a maior parte dos filmes amadores, desde muito cedo produzidos em acetato (safety film).

''Dans d'autres circonstances, quand le musée prend et garde l'objet qui lui est confié, le propriétaire remplit une fiche sur laquelle il doit inscrire tout ce que représente pour lui l'objet qu'il donne. C'est grâce à ces démarches que la cultures technique passée, encore présente dans les mémoires individuelles et collectives, peut porter avec elle des représentations actives des modes de vie et de socialité qui n'ont pas été oubliés. Cette théâtralisation de la mémoire, même si, en apparence, elle est réduite à l'épreuve de la taxinomie, du recensement, ouvre la voie au partage de la reconstitution du passé sous une forme actualisante.''

H.P.Jeudy p. 88

Ruína

''Os Site construiram, a partir do final dos anos setenta, uma série de edifícios para os armazens Bell's, (...)O carácter essencial de todos edifícios é o de terem uma base simples, a forma de um paralelipípedo que é o aspecto «normal» dos edifícios industriais. Mas o aspecto exterior está tratado de uma maneira especial, como se se tratasse de uma espécie de «pele», à qual se fizeram sofrer transformações catastróficas. Os palácios aparecem assim como que atacados de uma forma qualquer de destruição, devida ao tempo, a um ciclone, a um terramoto, etc. Por exemplo, as fachadas foram pensadas como folhas e feitas encaracolar a um canto, como se fosse causado pela humidade. Ou então o paralelipípedo não foi construido «apoiado» sobre o terreno, mas desviado do seu centro de gravidade, como se estivesse afundado no terreno. Ou ainda certos ângulos do edifício foram previamente realçados, como ruínas, com blocos de tijolos que parecem caidos das cornijas, e faltas de estuque nos pontos de ruína, quase como se tivesse saltado devido à violência dos elementos naturais. (...) Recentemente, Fabre utilizou materiais fotográficos que tornam não durável a imagem fotografada, ainda que, pelo contrário, esta última, no período em que é permanente, represente figuras perceptivamente estáveis e ''normais'' para uma fotografia. A imagem, em substância, desaparece lentamente, um tanto à maneira das pinturas tumulares trazidas à luz por escavações efectuadas sem precauções técnicas.

in ''A Idade Neobarroca'', Omar Calabrese, ed. 70, Lisboa 1988, p. 121/122

No processo de passagem/existência por este mundo, qualquer objecto é observado essencialmente em três estádios separados, feitos separar para melhor entendimento: o nascimento ou construção; o seu uso-fruto ou vivência; e a sua degradação, ou ruína;

Especialmente do ponto de vista técnico, e deste (estádio) último que vamos agora tratar.

Se alguma força existe, neste momento fazendo volver as atenções para o património filmico, esta deve-se essencialmente à sua velocidade de degradação. Poucas outras áreas do património tão rapidamente atingem o seu ponto de ruína, inutilização total.

Em termos técnicos e adentro do grande campo das Imagens em Movimento, esta características (de velocidade de ruína) ainda se mantêm:

Temos essencialmente:

  1. Um grande período, até ao inicío dos anos cinquenta com a generalidade do património em suporte de nitrato de celulose altamente instável e inflamável a baixas temperaturas;

  2. Um segundo período ''do acetato'', um suporte mais seguro e durável - mas, na generalidade, até aos nossos dias, com uma emulsão bastante efémera.

  3. Num período quasi paralelo ao do acetato, a banda magnética com uma efemeridade diferente, mas ainda assim bastante próxima do acetato no início da sua produção, com tendência a melhorar com a actual qualidade das suas características de produção e processos de armazenamento.

O Filme

Já aqui focado. o problema técnico da conservação do nitrato não me parece merecer grande detalhe, dada a ampla documentação sobre o assunto. Fica assim claro que só passo a abordar os pontos mais problemáticos, ou, na generalidade menos tocados por uma ou outra razão.

Ainda assim, o problema do nitrato é suficientemente candente para merecer uma menção, tanto por ser um caso exemplar, como por se ter tornado uma causa apaixonante. Observemos então a parte física: composto instável, algumas trocas químicas entre as moléculas são quebradas - o nitrato tem uma composição química próxima da da pólvora. Induzindo mais calor pela troca termo-energética, vai libertando vários tóxicos, sobretudo o peróxido de azoto, por um processo de aceleração cumulativa. Esta desintegração química que pode levar vários anos/décadas, mantém-se invisível até ao momento em que, sob o efeito de gases acumulados, a imagem fotográfica na emulsão começa a empalidecer. Tudo isto num primeiro estágio. Depois, os componentes da emulsão sofrem uma dilatação, e o próprio suporte ''amolece'' e começa a largar um odôr acre, azedo, com o respectivo aparecimento de bolsas de ''mel de nitrato''. Os últimos estágios podem aparecer em qualquer momento: no espaço de alguns meses o filme torna-se uma massa gelatinosa que acaba por se desintegrar num pó acastanhado escuro de odor azedo.

Dependendo largamente da temperatura ambiente, o processo de decomposição parece duplicar a sua velocidade cada vez que a temperatura sobe 5 graus centígrados. A protecção da humidade - a FIAF aconselha o armazenamento entre 50 e 60% de humidade relativa - tem a ver com a combinação que se origina entre a água da atmosfera e o peróxido de azoto. Combinado, produzem, por entre a emulsão, moléculas de ácido nítrico que acabam por atacar a película. Por outro lado, constata-se que uma humidade relativa mais baixa, origina frequentemente uma tal perda de componentes aquosos, que o filme acaba por ficar quebradiço e difícil de manusear sem dar origem a ''estragos irreparáveis''. Acontece ainda um encolhimento que, a médio prazo, encurta a distância entre perfurações, altera as proporções do Fotograma e torna o filme incapaz de ser projectado. A temperatura ideal, sendo negativa, estabeleceu-se, no entanto, um limite que não deve deixar passar os 5 graus positivos.

Duas características relevantes dão, portanto, ao nitrato, uma ''imagem'' pouco simpática. Para lá de completamente envolvido num mais ou menos lento processo de desagregação - toda a bobina de película de nitrato está condenada a transformar-se num magma gelatinoso antes de se tornar um pó/cinzas de mórbida evocação - o nitrato comporta uma composição que, uma vez inflamada, não há processo de a apagar.

Se nos dois primeiros estádios/fases de desagregação, o filme pode ainda ser salvo, via reprodução, na terceira fase (aparecimento do ''mel de nitrato'') o filme só parcialmente pode ser reproduzido. Quando se torna gelatinoso e depois se desintegra em pó, adquire uma temperatura de inflamação extremamente baixa e torna-se mesmo explosivo. Em caso de inflamação, a combustão pode atingir temperaturas de 1700 graus centígrados.

* * *

A questão essencial que diferencia o filme dos outros objectos do património, e que se sobrepõe à sua velocidade de degradação, é que o processo de preservação que se lhe possa destinar, nunca é um processo passivo, mas activo. Enquanto material de suporte quimicamente instável, o nitrato não só tem de ser armazenado sob condições muito especiais de humidade e temperatura, como tem de ser vigiado temporariamente o seu processo de desagregação, neste caso, inexorável. Este é um objecto prematuramente moribundo, com permanente necessidade de cuidados intensivos. A única solução é a transferência de informação (imagens) para um suporte mais durável - o acetato. Aliás, ao nível do filme, tudo ainda é assim: até mesmo no acetato, no caso de degradação da cor e emulsão, é preciso recorrer a um inter-negativo, quando este existe em melhores condições. Mas é sempre para outro suporte, de cacterísticas idênticas ou necessariamente melhores, que é preciso transpor a imagem.

No processo de conservação do filme, podem também encontrar-se três tipos de trabalhos diferentes, consoante as necessidades relativas às condições de degradação do filme:

  1. A cópia ou transferência de suporte: neste caso, relativamente simples; existe material (filme) completo, de nitrato ou acetato em boas condições de conservação, que é preciso apenas transferir para outro suporte que possa oferecer mais garantias de perenidade. Esta, apenas uma medida de prevenção.

  2. A restauração: neste caso é suposto existir material, negativo ou positivo, com pequenos problemas de conservação (''picos'', perfuração quebrada, ''shrinkage'', etc) de tipo diferente. O trabalho minimamente cuidado consegue-se, geralmente, juntando o melhor material que se consiga encontrar, mesmo que esteja longe (em vários locais separados), para a recomposição da película, levando a efeito os trabalhos técnicos necessários (corte e colagem, limpeza, polimento, reparação da perfuração, etc.).

  3. A reconstituição: o material que se consegue encontrar é incompleto, são apenas partes de uma obra sem qualquer ordem original e, o pior é que se não consegue dispôr de um modelo que possa servir de referência para a montagem da película. O trabalho de reconstituição é já um trabalho de restauro a que se sobrepõe a re-criação mais ou menos conjectural do que poderia ter sido a obra original.

Como ficou dito, todo o trabalho de restauro implica a produção de uma ''cópia/master'', intermediária, que possa assegurar a conservação da película pela necessidade que há de produzir novas cópias para divulgação. Estamos ainda na idade do acetato. Espera-se que dentro de relativamente pouco tempo um suporte como o videodisco, com registo digital ou ainda outro de características mais duráveis (já difícil de imaginar) possa começar a ser aplicado por via de transferência/transcrição com o advento do video de alta definição com standards que possam igualar a definição da imagem em acetato (a tender para as 2000 linhas). Esta a actual questão quente que tanta celeuma tem levantado pela cisão que opera entre puristas, que não querem, nem tão cedo nem tão tarde, abandonar o acetato, e os outros, que anseiam por um rápido desenvolvimento e interesse da indústria pelos seus problemas de conservação e difusão.

Estes três modos de operar a preservação que em cima sintetizei, são apenas o processo mais curto de ordenar esse imenso trabalho que é o da preservação e restauro. Abordar esta questão com um mínino de exaustividade obrigar-me-ia a duas alternativas que, por variadíssimas razões, não me é grato aqui contemplar: ou produzia um ''manual de procedimentos técnicos'' sobre o tratamento e restauro de películas em más condições de conservação, ou fazia uma História comparada de casos particulares, que são aos milhares, das aventuras épicas de restauro de cada filme operadas pelos diversos Arquivos espalhados pelo mundo e associados na FIAF (Federation International des Archives du Film). [Isto não quer dizer que, por razões que considero de ética laboral, não deixe (em anexo) anotada, a bibliografia que me pareceu mais conclusiva e útil a quem quer que um dia possa vir a utilizar este trabalho como fonte.]

De qualquer modo, pelo seu peso, alguns casos exemplares merecem ser aqui aflorados. .

A Nitrafobia

O ''problema do nitrato'' apaixonou já bastante gente, e não só arquivistas. É o caso, clássico, do paciente com uma doença incurável. Fez-se dele uma causa nobre - a palavra de ordem era/é ''Nitrate won't wait'' - e como em todas as causas/casos houve quem lutasse e chorasse, como houve quem a tal não fosse sensível. E houve quem se assustasse. É que sempre que acontece algum acidente, e aconteceram, puderam ser utilizados como argumento para a destruição macissa dos filmes em suporte de nitrato que estivessem em depósito. Isto aconteceu um pouco por todo o lado, especialmente quando um acidente se sobrepunha a outro: o facto de ocorrer num local/instituição, ou organismos estranhos/indiferentes ao cuidado patrimonial.

Em Portugal, um pequeno acidente ainda hoje recordado com algum espanto, conta a história de um sargento, da divisão de material audiovisual do exército que, ao abrir a gaveta da secretária, deparou com uma pequena bobine de filme e com a maior das naturalidades a começou a desenrolar para apreciar as imagens. Quando deu por ela, o chão estava pejado de pequenas manchas de fogo...

O exército conseguiu arranjar então cerca de trezentos contos, à altura ainda uma quantia razoável, para passar o filmes de nitrato para acetato. Não consegui saber ao certo qual a percentagem de pelicula que foi transposta de suporte. Mas todo o nitrato foi destruido.

Este é aliás outro dos antigos dilemas, mesmo entre os arquivistas: conservar ou destruir o nitrato depois de transposto?

Neste momento, o que se pode acrescentar é que a maioria ainda vota pela conservação, em depósitos de alta segurança, com humidade e temperaturas controlados, sistemas de alarmes eficientes e, a partir de testes feitos em Inglaterra, uma distância aconselhável de pelo menos 300 metros de qualquer espaço habitado. É que, antes da combustão, o nitrato liberta gases altamente tóxicos e difíciceis de detectar. Relativamente a este dilema, Georges Sadoul é bastante alusivo em ''Faut-il conserver ou detruir les anciens films inflammables?''

''Si le film brûle à la température de 110 degrés, soit en mesure anglaise Fahrenheit 230, le papier s'inflamme à Fahrenheit 451, comme l'a rappelé un livre de Ray Bradbury et un film de Francois Truffaut, il serait donc prudent de détruir touts les livres aprés avoir transposé sur microfilm ininflammable la Bible et Gargantua.''

G. Sadoul, ''Archives'', Cin. Française.

A comparação irónica de Sadoul é, ainda assim, um pouco falaciosa porque se sabe, em termos materiais, e condições mínimas de preservação, o papel é capaz de aguentar uns milhares de anos. No que ao filme diz respeito, é mais uma questão de ''sim ou não à eutanásia?''

O Acetato

O suporte de acetato tem muito pouco a ver com o nitrato na sua composição. É também obtido a partir da celulose mas por esterilização do ácido acético. Ao processo são ainda adicionados plastificantes. Embora tivessem existido vários processos análogos de produção do acetato, sendo diferente apenas a mistura dos ácidos, hoje todo o filme tem como base o triacetato de celulose. Praticamente todos os filmes de 16 mm e 70 mm são em suporte de acetato (''safety film''): o primeiro porque o foi desde o início da produção do formato, e o segundo porque apareceu já depois da universalização do acetato. No entanto, só a partir de 1950/51 o formato mais comum de 35 mm passa universalmente ao suporte de acetato graças a um conjunto de condições favoráveis de produção, que a nível internacional impõem a sua utilização.

O acetato apresenta duas propiedades de excelência, relativamente ao nitrato: uma muito maior estabilidade - sofre também um processo de decomposição, mas incomparavelmente mais lento que o do nitrato; uma inflamabilidade reduzida - o acetato é tão inflamável como o papel (220 graus centígrados, Fahrenheit 451), não está sujeito à combustão espontânea e inflama-se muito dificilmente, em pequenas quantidades, não ardendo, mas consumindo-se sem chama.

Condiçoes de conservação

Um pouco como o nitrato, o acetato deve ter condições ideais de conservação e armazenamneto (diferentes). Se os níveis de humidade devem ser idênticos (50/60% hum. relativa) já a temperatura deve ser o mais baixa possível, particularmente quando existe uma emulsão a cores. Com um ambiente demasiado seco, o acetato perde os plastificantes e torna-se quebradiço. Com uma humidade acima dos 60%, crescem as probalidades de cristalização do plastificante à superfície, assim como as do aparecimento de fungos e bolores, particularmente quando o ambiente não é sujeito a tratamento/filtragem e as temperaturas são positivas: De qualquer modo, não só pela sua instabilidade como pelos gases que liberta, extremamente nocivos também ao acetato, o nitrato deve ser completamente segregado/separado do acetato, tanto em operações de manuseamento como, e essencialmente, em operações de armazenamento.

Sobre o acetato-suporte encontra-se uma camada de gelatina - produto orgânico proveniente da albumina animal com propriedades de conservação tão boas como o suporte - que envolve a emulsão fotosensível constituída por cristais/sais de prata (sensíveis/oxidáveis à luz), com ou sem aditivos sensíveis à côr.

É de facto esta gelatina onde se suspende a emulsão de cristais de prata que, em caso de maior humidade relativa, incha e se torna pegajosa. Com a ajuda da elevação da temperatura não só se alteram o volume e as propriedades originais da película, como a gelatina se torna um excelente agente nutritivo dos fungos que, como em tantos outros casos, a médio prazo, podem tornar o trabalho de recuperação bastante difícil.

Um Caso

Um conservador da UCLA e um técnico de laboratório americano, Robert Gitt e Richard Dayton, contam a história do restauro de ''Becky Sharp'', primeira longa metragem de ficção, com actores, feita em 1935 com o novo processo Technicolor. Nessa altura, a Technicolor tinha produzido 249 cópias para o mercado americano e 189 para destribuição no estrangeiro. Dessas 448 cópias não se conseguiu encontrar uma que fosse, excepto a primeira bobine teste do filme, conservada pela sociedade Technicolor. Para este duro trabalho de vários meses, os restauradores contavam com o material que encontravam por aqui e por ali em fragmentos, para o início de um gigantesco puzzle.

A pôr em destaque aqui, é o trabalho de investigação que envolve a consecussão deste ''puzzle''. Antes de juntar as peças do próprio filme, há toda uma miríade de documentos inestimáveis para um trabalho correcto: são os catálogos da época editados pelas firmas distribuidoras, os guiões e os argumentos da obra; as sínteses, críticas e outros artigos da imprensa; o material de publicidade - cartazes, fotos, desdobráveis; documentos oficiais do processo administrativo que o filme sofreu - censura, entrada em circulação, etc; as partituras musicais, tanto das obras que acompanhavam algum cinema mudo, como das que compunham a banda sonora - este é um componente fulcral em caso de grandes lacunas, para o cálculo do tempo de duração de uma cena, por exemplo; enfim, as recordações e memórias escritas ou orais do realizador, se ainda for vivo, dos colaboradores, dos espectadores mais atentos da época. Neste grande contexto do trabalho sobre o filme, tudo acaba por ser precioso para a colocação dos fotogramas no local exacto: Um trabalho assim completo, especialmente quando se trata de uma reconstituição, acaba por juntar todo um património contextual, que acabei de referir, extremamente útil a qualquer investigador que necessite de se debruçar sobre este mundo. Hoje não se concebe, aliás, já nenhum trabalho de arquivo, sem todos estes componentes contextuais editados pelos media da época, como os testemunhos que posteriormente a necessidade de investigação possa ter vindo a colectar. Neste sentido, é por isso impossível falar de um ''Arquivo de Filmes'' strictu sensu: há todo um trabalho museológico e de colecta que transborda o tratamento do celulóide e do acetato, que vai do ''Hardware'' envolvente, das máquinas de revelação às máquinas de projectar, passando por todos os outros meios impulsionadores da circulação do filme.

Outro caso exemplar e limite de reconstituição de um filme é o de ''Hirondelle et la Mesange''. Este filme de André Antoine, rodado em 1920, não tinha sido notado devido ao desinteresse mostrado pelo produtor: Em 1982, a Cinemateca Francesa mandou fazer uma cópia do negativo que se encontrava em armazém. A montagem do filme foi então feita por Henri Colpi, com a assistência de Philipe Esnault a partir do argumento e das notas de André Antoine.

O que aqui se passou foi uma verdadeira pós-produção ...63 anos após a rodagem do filme, caso único na história do cinema . (extraído de ''La Restauration Des Films'', Vincent Pinel, Cinematheque Francaise, ''Les Archives'', Août 1985.)

«L'hirondelle et le Mésange» participa duma série de acontecimentos com certa semelhança com uma intriga policial, uma daquelas clássicas, em que a verdade surge ao fim de muitos anos. O ''crime'' teve lugar em 1920. No ano anterior, a Societé Cinematographique des Auteurs et Gens de Lettres contactava com Gustave Grillet e Antoine para escreverem um argumento que se passasse no norte, para ser interpretado por Henry Kraus. As filmagens tiveram lugar no verão de 1920, na Bélgica, em Bruges, e ao longo do Escalda. Contudo os distribuidores da Pathé não ficaram nada entusiasmados. Queriam sangue e violência, e quando Antoine se recusou, não puseram o filme no mercado. Em 1923, na ''Revue Hebdomadaire'', Antoine escrevia:

«Tinha a ideia para um filme: a vida dos barqueiros na Flandres, no cais. Envio Grillet à frente, a procurar os cenários. Chego em seguida com os artistas. Partimos de Anvers na nossa ''peniche'' (espécie de batelão) e subimos o Escalda. Magnífico. Como tudo fora filmado em marcha, todas as fotografias pareciam em relevo. A história era dura, um drama muito simples. Aquilo acabava pelo afogamento de um homem na noite, enquanto no dia seguinte a ''peniche'' partia de novo, tranquilamente, na luz e no silêncio. Era lindo. De regresso, apresentámos isto no escritório e disseram-me: '' mas isto não é um filme'' ... e eu respondi : '' claro que não meu caro senhor, não é um filme. Mas se quizer pode-se acrescentar uma loja de diamantes em Amsterdão e uma rusga da polícia num bar de Londres. Eis tudo. E o filme nunca saiu.''

E os negativos desapareceram. Em 1958, aquando do centenário de André Antoine, aventava-se a hipótese de se encontrarem em armazens da Pathé ou na Cinemateca, todos em excelente estado de conservação. Com o apoio do Ministério da Cultura procedeu-se à sua restauração tendo a montagem sido entregue ao cuidado de Henri Colpi . Kevin Brownlow afirma na ''Sight & Sound'' que , mais do que reconstrução, se devia falar de ''construção'' dado que o filme não chegou a ser montado na altura, tendo Colpi ( que foi o montador de filmes como ''Hiroshima, mon amour'' e ''L'anée Derniére a Marienbad'') estudado atentamente o argumento, comparando-o com todo o material filmado, e percorrendo o mesmo trajecto de Antoine para localizar os locais de filmagens. Em nove semanas Colpi fez a montagem de ''L'Hirondelle et la Mésange'' que foi apresentado na sala da Cinemateca Francesa nos dias 12 e 13 de Março de 1984, com acompanhamento musical ao vivo composto por Raymond Alessandrini ( ...).

É arriscado julgar a carreira cinematográfica de André Antoine por um único filme, tanto mais que ele parece destoar, segundo os testemunhos, do resto da sua obra, podendo dizer-se que surge como uma súmula de toda a sua obra, em flagrante avanço sobre o seu tempo ao secundarizar a intriga colocando-a abertamente sobre o domínio da paisagem, reduzindo-a ao quotidiano banal de algumas pessoas cujo único sobressalto é um acontecimento, em si, também banal: um piloto novo da ''peniche'' ao tentar roubar os diamantes de contrabando é afogado pelo ''patrão''. No dia seguinte ''L'Hirondelle et la Mesange'' ( o título une os nomes das duas ''peniches'' que vogam ligadas uma à outra) partem '' deslizando tranquilamente sobre as águas que guardam o segredo''. Foi esta quase inteira recusa do argumento que assustou os distribuidores e manteve o filme nos cofres. No entanto a visão deste filme belíssimo é um estimulo para se conhecer a restante obra de Antoine ( em graus de conservação diferentes, parece que toda a sua obra sobreviveu). Pela recusa integral de filmagens em estúdios ( o filme possui um tom documental que, ainda hoje, surpreende, marcado pela atenção aos pormenores, aos pequenos gestos quotidianos: Marthe lavando a roupa sobre a ''peniche'' que atravessa calmamente o écran; e também histórico, dado que se situa no imediato pós-guerra, com passagem por alguns locais fortemente atingidos); pelo surpreendente jogo dos actores que fogem aos clichés da representação do filme mudo marcado geralmente por excessos faciais e visuais; finalmente por um trabalho de camara notável, não sáo na fotografia como na escolha dos ângulos das tomadas de vista. De destacar que em muitas sequências Antoine utilizou várias camaras.»(Manuel Cintra Ferreira.)

Outro Caso

''Sadie Thompson'': porque valeu a pena

Recorro a este caso - o filme de Raoul Walsh e Glória Swanson - porque é também ele, a todos os títulos, paradigmático.

''Sadie Thompson'' foi projectado na sala Félix Ribeiro da Cinemateca Portuguesa, a 6 de Fevereiro de 1987, como ante-estreia mundial da cópia restaurada do filme de Raoul Walsh dado como praticamente perdido. Se até aí, já lá vão quasi dois anos, me dava ao trabalho de observar o desenvolvimento das questões relativas ao arquivo da imagem com alguma atenção, posso confirmar que a observação desse trabalho me foi crucial como motor/motivaçao para ir um pouco mais longe.

Entre os documentos que consegui encontrar sobre o filme e sobre a cópia restaurada, exponho a seguir o que me pareceu mais relevante pelas razões acima apontadas.

A parte mais interessante deste trabalho de restauro/reconstituição diz respeito aos oito minutos finais (epílogo do filme) que foi impossível descobrir nos fragmentos das cópias encontradas. Dennis Doros optou então, após bem estudado o caso, por reconstituir os oito minutos finais com ''stills'', pela reprodução de fotografias, a maior parte retiradas de cartazes (pequenos) de publicidade ao filme da época. As imagens fixas são entrecortadas pelos entretítulos, reconstitudos aliás, na totalidade do filme, a partir do argumento original. Durante todo o filme se notam traços de película: pontos brancos, fungos, etc, mas sem afectar a sua percepção geral. A música de Joseph Turrin não me parece ter sido da melhor correcção - isso não implica que, por ser originalmente mudo, o filme deva ''puristicamente'' ser assim visionado.

Quero com isto dizer que, quem desejar tomar a atitude supostamente mais ortodoxa pode sempre, se puder, desligar a amplificação sonora, e, se não puder, tapar os ouvidos.

Outro aspecto que aqui fica saliente, tanto pela mão (envolvida) de Manuel Cintra Ferreira no folheto policopiado de apresentação do filme que, pela primeira vez, pelas palavras que enuncio como pelas que cito e mostro, posso, como eu toquei, fazer sentir o toque de toda a ideia de arquivo, de vontade de arquivo, em volta da qual temos andado. Um exercício útil é, sempre, imaginar o cenário oposto: se não tivesse havido um Dennis Doros ou um qualquer outro D. D. que se tivesse interessado por este trabalho?

Arrepiou-me um pouco a ideia, e foi esse arrepio que me fez pensar um pouco na razão (se é que é possivel evocá-la) porque eu tinha ficado para ali, aqueles noventa minutos (eu, que nem me assumo como cinéfilo!) a olhar uma estrela do mudo(!) (Sawnson) com a mesma força de embevecimento/envolvimento com que ontem olhei para uma Brigitte Bardot ou Jacqueline Bisset e, por exemplo, hoje olho para uma Marushka Detmers ou K. Turnner.

Na impossibilidade do filme (solução ideal) ficam aqui estes documentos... e uma enorme vontade de o voltar a ver!

Realização: Raoul Walsh / Argumento: Raoul Walsh segundo a novela de Somerset Maugham e a peça ''Rain'' de Jonh Colton e Clemence Randolph / fotografia : Gorge Barnes, Oliver T. Marsh, Robert Kurrle / Art Director: William Cameron Menzies / Montagem e intertítulos: C. Gardner Sullivan / Interpretação: Gloria Swanson (Sadie Thompson), Lionel Barrymore (Alfred Davidson), Raoul Walsh (Sargento Tim O'Hara), Blanche Frederici (Mrs. Davidson), Charles Lane (Dr. McPhail), Florence Midgley (Mrs. McPhail), James A. Marcus (Joe Horn). Sophia Artega (Ameena), Will Stanton (Bates).

Produção: Gloria Swanson Productions, para a UNITED ARTISTS / Cópia restaurada em 35 mm, preto e branco, sonorizada, versão original com intertítulos em inglês.

Numa homenagem a Raoul Walsh era obrigatória a presença de Sadie Thompson, isto porque, com este filme, Walsh poderia reivindicar o estatuto de autor completo dadas as suas diversas responsabilidades: autor do argumento, realizador e intérprete. Contudo Sadie Thompson foi para Walsh um trabalho inesperado. Gloria Swanson que se tornara produtora independente a fim de fugir aos papéis esteriotipados que lhe impunham, procurava fazer a sua Gold Rush (''Swanson on Swanson'') numa segunda tentativa após o quase malogro de ''Sunya'' . Conhecendo o trabalho de Walsh e tendo apreciado a forma como dirigia Dolores Del Rio em ''What Price glory?'', convenceu o realizador a trabalhar na sua próxima produção, pedindo-lhe que descobrisse uma história curta onde pudesse mostrar todas as suas capacidades de actriz. Walsh sugeriu-lhe de imediato uma hitória curta de Somerset Maugham, ''Miss Thompson'' que fora adaptada ao palco por John Colton e Clemence Randolph, e que na Broadway fora um dos grandes triunfos de Jeanne Eagels. A actriz entusiasmou-se mas havia um obstáculo de vulto: ''Rain'' estava na lista da frente do ''Index'' do código Hays, que desde 1922, após a série de escândalos que abalaram a capital do cinema e o prestígio da nova arte, começavam a impor toda uma série de preceitos a que, bom ou mau grado, as companhias tiveram de submeter-se. Tratou-se pois, de descobrir uma forma de ultrapassar as dificuldades. Walsh descobriu primeiro que a censura do código era à peça não à novela, melhor, que o código fazia referências a peças e romances e não a histórias curtas e clássicos. Mas mesmo com este problema ultrapassado, havia ainda a lista de interdições do código a que todo o filme tinha de obedecer, e, concretamente, a história parecia incorrer em duas: a linguagem contundente e principalmente a alínea 10 que proibia ridicularizar a religião e os seus ministros. Gloria Swanson teve então uma entrvista com William Hays e conseguiu a autorização de Somerset Maugham autorizasse a transformação do pastor Davidson num reformador laico ao que este anuiu. (Diz-se que Maugham ficou satisfeito com a adptação e com a interpretação de Sawnson, tendo mesmo anuido a escrever uma continuação para ela, para possível adaptação, o que não se verificou). Teria de ser também evitada a palavra ''Rain'' para que não se confundisse com a peça e evitar a linguagem forte (que se podia usar no teatro!). A realização foi uma permanente luta contra os censores, com Walsh procurando soluções que não desvirtuassem o sentido e não despertassem as iras dos vigilantes. Alguns exemplos: a sequência em que Sadie é transportada às cavalitas por O'Hara partiu duma ideia de Gloria Swanson. A posição e a chuva caindo em catadupas sobre os dois com roupas molhadas não tinha a mínima possibilidade de passar na rede da vigilância. Walsh lembrou-se então de colocar sobre o corpo de Sadie a coberta de oleado do sargento. A sequência passou mantendo, no fim de contas, a sua quase total carga erótica. Perto do fim, quando o pastor ( o reformador) é presa da sua obsessão pouco virtuosa (!) por Sadie, dirige-se para o quarto dela. Em vez de entrarmos no quarto (impensável para o código), Walsh faz uma alipse magistral que de um plano da mão na fechadura, do rosto obsecado de Davidson, e da chuva que cai ininterruptamente, se passa para a imagem do céu finalmente limpo e dos pescadores que encontram o cadáver de Davidson. Mas o melhor exemplo está na sequência, absolutamente genial, e uma das maiores da obra de Walsh, da ''conversão'' de Sadie para Davidson retirar a queixa. No frente a frente que se agudiza cada vez mais Sadie fraqueja e deixa escapar a confissão de que foge da prisão. Tudo segue um movimento imparável e de cortar a respiração: o vendaval, o vidro que se quebra, o domínio de Davidson forçando-a a ajoelhar-se, a exigência do arrependimento e a oração em comum. O que é assombroso é que as imagens nos revelam aquilo que os censores queriam e julgaram evitar: a profunda carga erótica que a sequência revela e que se há uma ''conversão'' forçada (a de Sadie), há também outra, assumida e palpável (a de Davidson ao seu desejo). Um plano de cortar a respiração mostra isso claramente, e só não o vê quem não quer: Sadie ajoelhada em frente de Davidson e encostada para trás no que é uma verdadeira oferta. O plano pode passar as malhas da censura porque essa cedência e entrega claramente física é sugerida como uma cedência espiritual.

Mas apesar de todos os cuidados, muitas coisas não puderam passar. E entre elas o plano perto do fim em que Mcphail exige a navalha com que Davidson se matou, porque o código proibia a exibição das armas de um crime. Outros planos cortados foram aqueles em que O'Hara vai consolar Sadie após o seu primeiro choque com Davidson. No quarto os seus beijos ultrapassam largamente os 3 segundos que o código autorizava (Falava-se num ''love affair'' entre Walsh e Gloria). E outras coisas passaram como clara provocação, especialmente ao nível da linguagem. Os ''rushes'' eram visionados também por especialistas de leitura labial a fim de puderem detectar certas expressões mais contudentes. Lembram-se certamente como em ''What Price Glory?'' Beau Geste, Old Ironsides e Sadie Thompson que consistia na descoberta de obscenidades introduzidas por entre o diálogo fizessem ou não parte do argumento. E quem perceber algo de linguagem labial pode, nesta sessão, dedicar-se so ''cuss word puzzle''. Entre outras coisas facilmente detectáveis alguns ''sonofabitch''.(...)

O Enigma Chinês

Quando no ocidente, e lá fora, no fim da década de 50 o processo ''Agfacolor reversal'' de revelação de filmes foi transposto e adoptado na generalidade dos países, a Technicolor, num negócio que em terminologia economicista hoje recebe o sugestivo nome de ''dumping'', vendeu o seu processo de revelação à Républica Popular da China. Mais oneroso, por envolver três negativos para a produção de um positivo, servia no entanto a produção centralizada do estado chinês, que se deve ter congratulado ao comprar ''a relíquia'' em segunda mão que o ocidente não mais utilizaria.

A ''ironia do destino'' fez então com que, desde essa data, até aos nossos dias a generalidade do património fílmico do ocidente, principalmente os filmes da década de sessenta, alguns ainda de cinquenta e setenta, se encontre em estado próximo do lastimável no que se refere à conservação da côr. São os ex-filmes coloridos e agora completamente rosa ou azul, com a emulsão inclusivamente já a perder boa arte do contraste. Os filmes chineses, é simples: crê-se que estejam praticamente como quando foram revelados.

A Investigação Técnica...

porque é preciso tratar o corpo.

Let me take attention away from the mechanics for a moment and try a diffrent approach. Governments that on passports we use photographs, not drowings or paintings. Furthermore, they usualy specify that the photograph shall be a full-face close-up. This is what we might call a ''priviledged point of view'', supposed to be the most readily identifiable of all our aspects . Why is a drowing or a painting not acceptable? We cannot argue that they should be because some painters can paint a picture that look exactly like a photograph, for this would beg the underlying question. What is it in a photograph that they are trying to capture when doing paintings exactly like it? What is the standard that photography sets? Obviously, the substitutions of mechanism for human intervention is the explanation for the diference, not its characterization. What is the difference? What goes wrong if there is human intervention?''

in ''Philosophy of the Film'', Jarvie, Ian , ed. Routledge & Kegan, London, 1987, p. 101

Côr no Acetato

Os processos envolvidos na produção, tanto de negativos, como de positivos a côr, são imensos. Interessa-nos aqui apenas abarcar as questões que mais directamente se relacionam com a conservação do suporte e emulsão da generalidade dos filmes a cores. Para isto, é preciso observar uma introdução muito sucinta a esta matéria.

Os Principios Ópticos

Todos os processos de fotografia a cores com alguma importância, tanto no passado como hoje, são baseados no princípio da sensibilidade dos sais de prata à luz e a respectiva revelação da imagem que se torna latente durante a exposição à luz.

Para lá dos fundamentos de síntese da côr que eram já bastante bem conhecidos nos finais do sec. XIX, um complemento de H.W. Vogel - a descoberta da sensibilização quimica - foi bastante importante para a côr na fotografia. A sua descoberta permitia produzir emulsões de sais de prata sensíveis aos três espectros de frequência da luz visível - azul , verde e vermelho.

Para se perceberem os vários processos utilizados, é necessária alguma explicação da natureza óptico-sensível desses processos.

Luz

De todas as oscilações electromagnéticas que preenchem o espaço em nossa volta, da ordem dos 10 nm(1Km) aos 10 nm, apenas a banda entre os 400 e os 700 nm é por nós perceptível como luz. Conseguimos apenas ''sentir'' os raios infra-vermelhos como calor, mas conseguimos ''ver'' os raios de luz cuja radiação oscile entre 400 e 700nm, variando a cor com o respectivo comprimento de onda. Estas são as diferentes bandas que percebemos como ''cores'':

700 nm vermelho

650 nm laranja

590 nm amarelo

550 nm verde-amarelo 1 nm = 10 metros

520 nm verde

500 nm verde-azul

470 nm azul

410 nm azul-violeta

Como por aqui se pode observar, a percepção da luz e da cor não são fenómenos presentes na natureza e nos objectos, mas oscilações electromagnéticas ''impressas'' no nosso organismo.

Como todos os processos de oscilação, os raios de luz observam determinadas leis; são assim reflectidos, absorvidos ou transmitidos.

Se um raio de luz ''branca'' consegue passar completamente através de um determinado corpo, é porque este é transparente ou incolor. Se o corpo reflectir toda a luz incidente, aparece como sendo branco. A luz branca, que é o conjunto de todas as bandas de frequência do espectro de cores, pode também ser absorvida na sua totalidade ou só em parte. No caso de absorver a totalidade dos raios de luz, a superfície do corpo aparece como sendo negra. No caso de absorver selectivamente apenas algumas bandas de frequência, aparece como colorida.

Como na camara fotográfica, os raios de luz partindo de um objecto, formam uma imagem na retina do olho que está equipada com vários tipos de celulas sensíveis à cor como à luminância.

Foi Maxwell quem, em 1855 descobriu que todas as formas de cor podem ser obtidas a partir da mistura de três cores básicas. Consegue obter-se o cyan pela mistura do azul e do verde, o amarelo com a mistura do verde e vermelho; o magenta pela mistura do azul e vermelho e finalmente o branco com a mesma quantidade de azul, vermelho e verde. É o modo como esta quantidade enorme de combinações excita as celulas oculares que por via do nervo óptico se forma a impressão da côr no cérebro.Assim, sempre que não há uma excitação da totalidade das células oculares, acontece uma percepção de côr.

O Processo Aditivo

Este método é baseado no facto de ser possível produzir todas as cores pela mistura de raios de luz azul, verde e vermelha. O negro aparece quando se varia (para menos) a intensidade da luz (luminância). Para a aplicação prática deste processo têm que ser registados separadamente as partes de azul, verde e vermelha da luz que irradia um objecto. São utilizados filtros para o registo de cada uma das cores, podendo fazer-se variar a sua intensidade através do tempo de exposição a cada côr.Isto quer dizer que cada filtro absorve dois terços do espectro de cores. Após a produção de uma imagem (positivo) para cada uma das cores, passa-se à sobreposição das três imagens, de contornos/formas idênticas mas de cores diferentes.

O resultado é, particularmente numa projecção sobreposta (três projectores) a representação do objecto original no formato e cores o mais próximos do real.

O Processo Subtractivo

Teoricamente, não só é possível sintetizar todas as cores do espectro de luz a partir das três cores aditivas primárias, azul, verde e vermelho, mas é também possível utilizar as três cores subtractivas, o amarelo, o magenta e o cyan com o mesmo fim.

A vantagem deste processo é que enquanto no processo aditivo são absorvidos dois terços do espectro de cores para deixar passar um apenas, no subtractivo apenas um terço é absorvido, permitindo uma maior radiação, passagem da luminância.

Um dos exemplos práticos disto é o processo Technicolor no qual são utilizados três negativos preto e branco para cada registo/exposição.É claro que no início foi preciso utilizar cameras especiais que decompunham o espectro nas três cores básicas para a sensibilização de cada negativo.O que acontece é que com a decomposição do espectro, cada negativo preto e branco da mesma imagem, apresenta sensibilidades diferentes (luminância) consoante a côr que absorve nos diferentes pontos da sua superfície. É possível depois, no complexo processo de obtenção do positivo através da combinação das diferentes luminâncias de cada côr, obter a representação desejada.

A Revelação a Cores

Como já se viu, pelo efeito da energia radiante da luz acontecem algumas conversões na parte dos cristais de prata. Cria-se a ''imagem latente'', após a exposição à luz que não é visível externamente. O agente quimico da revelação vai, então, em contacto com a camada dos cristais de prata, oxidar em termos proporcionais aqueles que tiveram mais ou menos contacto com a luz e, enfim, tornam visível a imagem antes latente. O próprio agente revelador se oxida no processo, convertendo-se num outro produto quimico, obrigando à necessidade de substituição, imediata após cada operação (regeneração).

Através da manipulação - recombinação de agentes quimicos, até depois do revelador original se ter totalmente convertido noutro agente diferente, descobriu-se que a tintura na pelicula, a côr da imagem resultante podia variar. Por exemplo, quando se extraia o sulfito de sodio do revelador da emulsão a preto e branco original e se deixava ficar apenas o piro-catecin, a imagem aparecia bastante amarelada. Ter-se-iam arranjado reveladores que oferecessem oxidações nos cristais de prata em combinação com agentes cromogeneos, (geradores de côr).

No fim do século passado tinham-se já descoberto agentes quimicos para as diferentes cores/tinturas da pelicula. Era preciso então arranjar um filme com pelo menos três camadas de cristais para que cada uma pudesse ser sensibilizada/oxidada pelos agentes quimicos cromogeneos em cada nível respectivo.

Acontece no entanto que, durante bastante tempo, este processo

- numa operação conseguir a revelação das três camadas - se tornava impossível devido ao fenomeno da difusão - migração de moleculas - que necessariamente os agenstes quimicos sofrem quando se juntam. Não se conseguia fazer localizar cada agente formador de uma tintura na respectiva camada (layer).

O grande problema era então o da migração das celulas - difusão - impossibilitando qualquer localização de agentes quimicos. Algumas substâncias coloides , uma vez dissolvidas nos liquidos juntamente com os agentes químicos, podem formar porções/espaços de substâncias liquidas ou sólidas suspensos com estabilidade na água - as emulsões. Com uma determinada composição, estes podem passar do estado líquido a um ''pseudo-sólido'' - o gelatinoso. A vantagem é que com a sua coesão assegurada pela força de absorção da água, essa matéria gelatinosa permite apenas suspender com estabilidade particulas insolúveis na água e de maior porte. Só isto tornava a fotografia a cores possível porque permitindo, por um lado, a difusão no seu meio, deixa as moleculas dos agentes reveladores e outros agentes chegarem aos cristais de prata, mas depois retêm os cristais oxidados/combinados de maior porte.

Tinha ainda que ser descoberto um agente cromogeneo/formador de côr, insoluvel na água após a reacção/oxidação.

É preciso dizer que nos filmes, as camadas para cada cor têm uma espessura de poucos «microns» (milésimos de milímetro)

-por razões de operacinalidade óptica, mecânica e outras, provocando uma certa dificuldade até no fenómeno de difusão em tão fina espessura, para lá de outros problemas menores.

Kodachrome

Desenvolvido por dois amadores americanos, Mannes e Godowsky, foi o processo adoptado pela Companhia Eastman-Kodak. É um processo utilizado apenas enquanto reversível e utiliza um filme preto e branco de várias camadas sujeito depois a uma revelação também a preto e branco depois da exposição. Para produzir a cor na imagem, os agentes cromogeneos são dissolvidos no revelador. É utilizado um revelador de solução diferente para cada côr primária. O principio da penetração controlada foi aplicado na versão original, isto é, todo o filme é revelado com o cyan depois da segunda exposição. Então um banho de branqueador penetra as camadas numa extensão de modo a que os cristais de prata formados e a côr (cyan) sejam limpos das duas camadas superiores. Das duas camadas superiores, são depois retirados os cristais magenta e tratados com revelador do mesmo modo, deixando ficar os componentes amarelos na camada superior.Depois de se dissolver a totalidade da prata, ficam apenas os cristais coloridos respectivos.

Apesar de ser bastante complexa a produção da imagem cologrida por este processo, requerendo grande precisão, os resultados são muito bons. Mais tarde, este processo complexo da penetração controlada era substituido por outro mais simples e seguro da pós-exposição controlada de côr.

Agfacolor

O Processo que se tornou conhecido sob o termo Agfacolor utiliza agentes de coloração solúveis em água, cujas moléculas, contudo, são suficientemente diferentes na sua estrutura para não permitir a difusão adentro do meio gelatinoso da emulsão.Isto foi conseguido pela introdução de um longo residuo alkalino nas moléculas do agente de coloração. Para colocar os agentes de coloração na emulsão fotográfica, estes são dissolvidos na solução aquosa alcalina e intrudozidos por via de agitação desta. Deve ser tomado muito cuidado com o ajuste preciso do valor de pH da emulsão.

A solução para o problema da difusão não estava disponível à Kodak e e a maneira como o resolveu foi arranjando agentes de coloração oleosos, não solúveis na água. Diferindo os dois processos essencialmente no modo como os agentes de coloração estão dispostos nas diferentes camadas, estes foram no entanto a base da manufactura de filmes a cores durante mais de duas décadas.

O primeiro filme com agentes de coloração à prova de difusão e solúveis na água, foi produzido pela Agfa e utilizado em grande escala, pela primeira vez, nos Jogos Olimpicos de 1936 em Berlim. Este foi durante muito tempo o único tipo de filme a cores em material reversível.

Depois da 2ª Grande Guerra, com o expirar das patentes da Agfa, o princípio de Wolfen foi tomado de assalto pro grande parte das outras firmas concorrentes. Foram estas a Gevaert, Ferrania, Ansco, Ilford, e as japonesas Fuji e Konishiroku. A verdade é que estas firmas não só puseram os seus produtos no mercado utilizando a patente da Agfa, mas também fizeram bastantes esforços de investigação. Descobriu-se muito cedo que grande parte dos agentes de coloração desenvolvidos em Wolfen eram inadequados; as propriedades ópticas das tinturas/cores eram insatisfatórias dando origem a várias distorções de côr, particularmente no processo negativo-positivo, bastante mais importante para a indústria cinematográfica. Em 1949, este princípio era completado com a introdução de um filme de duplicação revelado pelo processo reversível, oferecendo imediatamente um duplicado para a produçção de cópias. É que antes, a produção de cópias do negativo original se tornava impossível a partir de um pequeno número. Mas, o pior dos contratempos era de facto a durabilidade das cores na imagem.

Tanto a Eastman-Kodak como a Technicolor utilizam um filme preto e branco mas sensibilizado para as várias cores - a revelar uma de cada vez. Este processo de duplicação é indubitavelmente mais difícil de manusear que, por exemplo o processo reversível de duplicação de negativos oferecido pela Wolfen. Por outro lado, oferece a vantagem, para o arquivo, de poder ser armazenado como material a preto e branco.

Factores de Armazenamento fora do controlo dos Arquivos

Podem dividir-se em dois tipos, os factores que afectam a durabilidade do filme e da imagem:

Os factores inerentes ao sistema são :

São estes os factores inerentes ao próprio material filmico e que se podem deteriorar sem qualquer influência externa, para lá do controlo do Arquivo.

Químicos

O problema aqui surge nos químicos que ficam como residuo nos filmes aquando do seu processamento em laboratório. Particular-mente na etapa de fixação, podem surgir uma série de agentes a afectar, posteriormente, as tinturas de coloração; isto é no entanto mais difícil de afectar o filme a preto e branco.

Existe uma série de métodos para determinar a presença de químicos residuais, mas alguns são complicados e há dificuldade em empregá-los na prática. É necessário perceber-se que o negativo original de um filme compreende normalmente várias centenas de «shots» individuais, que não foram todos revelados/processados todos ao mesmo tempo, nos mesmos banhos, ou até no mesmo laboratório... Alguns arquivos (Gostfilmomond) adoptam um determinado procedimento para todas as entradas de filmes que implica lavagem, ou tratamento do material com químicos que eliminam os residuos prejudiciais.

O Valor de pH

É importante que o valor de pH não exceda os valores standard recomendados para cada filme.Se os laboratórios de revelação são responsáveis pelos valores de pH, a verdade é que depois de um período de armazenamento - a 60% de humidade relativa para filmes a preto e branco, e 30% de h.r. para filmes a cores a temperaturas negativas - os valores originais de pH tendem a mudar.

Balanço

É claro que a economia tem um grande papel para a existência de arquivos do audiovisual. Qualquer renúncia só pode levar a efeitos desastrosos. De qualquer modo, a preocupação deve recair sobre o que se pode ainda salvar, de modo a que se não possa nunca reconhecer uma memória nacional amputada. Infelizmente, e já não são tão poucos os casos, começam a surgir receios engendrados por aquele tipo de histórias em que o paciente morre porque o aparelho e os medicamentos ficaram retidos na alfândega...

Os Novos Suportes

Como a expressão que lhe é também familiar - Novas Tecnologias - existe ainda uma razoável nebulosidade em sua volta. O problema é que alguns dos novos suportes já não o são (banda magnética) e boa parte dos verdadeiramente novos (video-disco, micro-chops, etc) como tal ainda se não podem considerar.Relativamente a este espaço estamos em tempo de deslocação e a apontar não existe ainda qualquer fixidez. É possível observarmos o que hoje se passa relativamente ao video e seu nascimento ainda recente, como o que do início do século e até aos anos trinta se passou com o filme: uma diversidade de formatos profissionais; uma diversidade ainda maior nos formatos amadores; processos de captação e reprodução diferenciados; processos de revelação não homogéneos.

A banda magnética, hoje ainda o grande suporte, oscila de formato cada vez que um novo sistema mais sofisticado e fiel é introduzido no mercado: é o caso recente do betacam, e ainda mais recente do beta SP.

Pela experiência de trabalho que encetei para o ANIM (índice em documento anexo) é-me possível aqui delinear, em poucos parágrafos o panorama do que, neste momento (1989) se observa relativamente aos actuais suportes em utilização, e o que se pode esperar e se deverá fazer para um futuro mais estável em termos de possibilidades de arquivo.

Um projecto ( de que abaixo se faz uma síntese) de arquivo de Novos Suportes deve integrar-se respeitando o enquadramento que lhe é delimitado pelos outros projectos de arquivo/serviço de imagens em movimento (celulóide). Dada a sua especificidade e lugar de charneira que deverá vir a ocupar, num futuro cada vez mais próximo, relativamente aos serviços de acesso, este terá de ser, tal como o serviço de restauro, um espaço a nutrir permanentemente. É por aqui que irá passar grande parte do contacto com o exterior assim que o acesso possa vir a ser feito pelo pequeno écran.

É por aqui, também, que a área de arquivo se poderá vir a estender a todo o tipo de manifestações culturais para lá da área restrita do cinema.

Assim, um arquivo de novos suportes deve considerar como objectivos primordiais para a prestação de um serviço:

  1. Colectar, arquivar e preservar as obras audiovisuais editadas em suportes de informação electrónico que estiverem em utilização no mercado.

  2. Facilitar o acesso não só às imagens (em arquivo) editadas em suporte de informação electrónico como, após conversão, o acesso a imagens editadas e arquivadas noutros suportes.

  3. Contribuir, pelo seu trabalho de preservação e disponibilização, para o difundir dos factos e valores culturais que se tenham assumido (ou venham a assumir) como dignos de registo e veiculação mediática.

Em termos de natureza e objectivo, este serviço pressupõe dois grandes factores de diferenciação e flexibilização, a saber, o facto de se envolver substancialmente na área da difusão (grande componente de serviço público) e o facto de se prender a um forte contexto de transição e mudança.

Características Gerais. Contexto.

A caracterização da prestação deste tipo de serviço é alvo de naturais reservas em termos de prognóstico e evolução. Sabe-se já que a banda magnética não é o suporte ideal para fins de preservação. Neste momento (1989) é apenas possível saber que está próxima a emergência de um novo suporte mais perene (videodisco?). No entanto, o tempo que poderá vir a mediar entre o seu aparecimento em termos eficazes e a sua instalação e posterior estabilização, pode ainda vir a ser longo. Daí que, sob um princípio de vontade intensa de arquivo, seja aconselhável ir trabalhando com o que existe, apesar de instável e efémero.

É necessário entender este espaço ( Novos Suportes) como o mais susceptível no seu sentido lato, a variáveis exteriores de todo o tipo, entre as quais:

  1. A evolução tecnológica dos processos de impressão de informação electrónica em novos suportes

  2. A sua instalação no mercado de consumo Broadcast

-- Caso específico da banda magnética; Factores condicionantes da sua conservação.

Essencialmente contida em cassettes, a banda magnética a armazenar não deverá trazer grandes problemas de conservação, desde que os seguintes preceitos básicos venham a ser activados:

  1. Que a zona de arquivo esteja isolada de campos de oscilação magnética;

  2. Que a temperatura se estabilize em volta dos 20 C;

  3. Que a humidade relativa estabilize em volta dos 50%;

  4. Que as cassettes sejam rebobinadas pelo menos uma vez por cada dois anos de arquivo.

Componentes do Serviço

Arquivo

A componente de arquivo deverá respeitar todas as condições em a); b); c) e d). O arquivo de banda magnética deverá ficar, em princípio, numa única sala climatizada. Existe ainda a hipótese de se proceder ao arquivo de ''masters'' no interior dos depósitos de filmes de acetato, dado a banda magnética ocupar um espaço praticamente irrelevante em comparação com o filme.

Níveis de temperatura e humidade relativa adoptados: 18 C -- 60%hr.

Acesso

O serviço de visionamento público (acesso) passa pelo acesso ao microprocessador, onde é possível consultar informação sobre os documentos armazenados em arquivo.

Do ponto de vista do utilizador, o passo seguinte é a requisição das obras e/ou documentos desejados e disponíveis para consulta e visionamento. O processo de visionamento é levado a efeito em células individuais, providas das condições adequadas para tal . Este serviço implica essencialmente um bom trabalho de atendimento; bom equipamento para pesquisa; bom trabalho de catalogação. Esta é a descrição de um serviço em processo de arranque. A área do acesso é a das que maior desenvolvimento tende a sofre uma vez instalados e estabilizados os outros serviços. Um processo de informatização do arquivo devidamente estruturado é condição sine qua non para uma expansão dos serviços de acesso nas melhores condições. Neste momento é já impensável um serviço deste género em termos centralizados. É preciso, à partida, prever a instalação de terminais de informação em todas as Instituições potenciais utilizadoras dos serviços do Arquivo.

Transcrição

O trabalho de transcrição destinado a servir o serviço de arquivo é, essencialmente, um trabalho de manipulação e controlo das qualidades de leitura e registo de imagem através do equipamento disponível. A transcrição pode operar-se tanto de filme para vídeo, como de video para video, necessitando a primeira de equipamento de telecinema e acessórios.

Captação de imagem do ar

Serviço de captação de imagem a partir do ar, controlo de qualidade e posterior arquivo. A exemplo de outros países (EUA, Canadá, Grã-Bretanha) tem-se tornado uma tarefa imprescindível dada a desmultiplicação de cadeias de emissão/programas e as exigências a que qualquer serviço nacional deve anuir.

Formação

Serviço a ser desenvolvido após o inicio da fase de estabilização de todos os outros serviços. Deverá responder, em primeiro lugar, às necessidades ''próximas'' das Instituições promotoras. Deverá, depois, alargar-se a acções combinadas com o exterior e a inventariar na altura.

Este serviço deverá articular-se com outro, a emergir nessa segunda fase -- '' promoção'' . Este terá como objectivo essencial, prestar todo o apoio ao alcance da sua área em todas as acções de promoção a desenvolver pelo arquivo. Terá como base logistica a sala de trabalho própria deste sector ou a sala de formação do Centro Técnico.

À Guisa de Conclusão

«Pensava então edificar grandes álbuns ou museus familiares e públicos, dessas imagens .(...)

A telefonia, a televisão, o telefone são, exclusivamente, de alcance; o cinematógrafo, a fotografia e o fonógrafo -- verdadeiros arquivos -- são de alcance e retenção.(...)

Sobrepujei a repugnância nervosa que sentia pelas imagens (...)

É verdade que o comércio das imagens me causa um certo mal-estar(...)

Estou a habituar-me a ver Faustine, sem emoção, como um simples objecto(...)

E um dia acabará por existir um aparelho mais complexo. O pensado e o sentido durante a vida -- ou nos tempos de exposição -- será como um alfabeto, com o qual a imagem continuará a aperceber-se de tudo(...) A vida será, pois, um depósito da morte. Mas mesmo então a imagem não terá vida; objectos essencialmente novos não poderão existir para ela. Conhecerá tudo o que sentiu ou pensou, ou as combinações superiores do que sentiu e pensou .(...)

E se tivesse ocorrido a Morel gravar também os motores!...»

in «A Invenção de Morel» Adolfo Bioy Casares, ed. Antígona,

Lisboa 1984 pps 106,108,109,110,113.

Morel é, sim, uma verdadeira Ontologia do Arquivo. Parece-me ser a descrição mais hiper-realista da relação do homem com a memória, da sua vivência por entre os mortos.

Perpassa-nos ao longo de todo o relato, a grande necessidade de manutenção e crescimento, no espaço e no tempo. É evidente que qualquer projecto de arquivo é isto, antes de tudo o mais. Depois, como o velho que tudo viu e reteve - deverá ser simpático, acessível, e não senil ou petrificado na oferta da sua memória. ''Quando o homem soçobra, resta-lhe, no seu desgosto, a encenação da vida: cinema. Falta-lhe perceber que tanto esta pobre vida, como a sua retroversão fílmica são por igual negligenciáveis: meros simulacros do ser.» É assim que ''A Invenção de Morel'' é e/anunciada na sua edição em português. Por mais positivistas que nos queiramos revelar, é difícil esconder a sombra da dúvida, o fantasma céptico que, afinal, por ser aqui tão importante como os motores escondidos da ilha de Morel, não deve ser ignorado. «Livres de más notícias e de doenças, vivem sempre como se fosse a primeira vez, sem recordação das vezes anteriores» (p. 117). O que nos incomoda é sentir a vontade de preservação da memória, da vida passada, como ausência da vontade de vivência do presente... Resta-nos a consolação de saber -- por experiência -- que sem memória, não há projecto que vingue; assim seja!

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Uma razoável desilusão para quem espera deste nome e obra extensos, alguma matéria prima para trabalhar. Aqui ''super envolvido'' até à ponta dos cabelos, Deleuze deixa escapar um ou outro parágrafo luzidio em cada 100 páginas. Se o filósofo quis mostrar ao mundo o seu amplo conhecimento da cinematografia mundial, conseguiu-o: poderia era ter avisado que era só isso. Nunca percebi como é que se pode alguma vez pensar/dizer algo com, e a partir do estritamente particular, como o é qualquer filme/obra cinematográfica, por maior que seja a ''concretude'' que se evoque.

Derrida, Jacques. « Freud et la scene de l'écriture », in « L' ecriture et la différence », ed. Seuil, Paris 1983 p. p. 293 - 340. « Gramatologia», ed. Perspectiva, S. Paulo 1973.

Fonte: F.C.S.H. U.N.L.

Eco, Umberto. « A Estrutura Ausente », ed. Perspectiva, S. Paulo 1976.

« As Formas do Conteúdo », ed. Perspectiva, S. Paulo 1974.

« Tratado Geral de Semiótica », ed. Perspectiva, S. Paulo 1980. Fonte: M

Ferro, Marc. « Cine e Historia», ed. Gustavo Gili, Barcelona 1980. Fonte: M

FIAF. « La Conservation des Films», vers. or. Pub. Staatliches Filmarchiv der DDR 1963, - vers. Francesa Pub. Cinématheque Royale de Belgique, Bruxelas 1967.

Fonte: Cinemateca Portuguesa

FIAF. « The Preservation and Restauration of Colour and Sound in Films », ed. Respons. -- Herbest Volkmann. DDR 1977.

Fonte: Cinemateca Portuguesa.

Flahault, François. « A Fala Intermediária », Via Editora Lisboa 1979, or. ed. Seuil Paris 1978.

Fonte: M

Foucault, Michel. « As palavras e as Coisas », ed. Portugália, ed. or. Gallinard 1966.

« A Arqueologia do Saber », ed. Vozes, Petropólis 1971.

Fonte: M

Grilo, João Mário. « A Ordem do Fílmico », F.C.S.H. U.N.L., Lisboa 1987

Halbwachs, Maurice. « La Mémoire Collective », ed. PUF. Paris 1968. Fonte: F.C.S.H. U.N.L.

Habermas, J'urgen.« Communication and the Evolution of

Society », ed. Heinemam, London 1979.

Fonte: M

Hegel. « Estética: A Arte Simbólica III », ed. Guimarães & Ci, Lisboa 1970.« Encyclopédie des Sciences Philosophiques en Abrégé », ed. Gallinard, Paris 1970.

Fonte: M

Heidegger, Martin. « Qu'est-ce que la Métaphisique ? », ed. Gallinard, Paris 1951 - L'être et le temps.

Fonte: M

Illich I. « Nemésis Médicale », ed. Flammarion, Paris 1977.

Fonte: M

Jankélévitch, Vladimir. « La Mort», ed. Flammarion, Paris 1977. «L'irreversible et la nostalgie» , ed. Flammarion, Paris 1979

Fonte: M

Jarvie, Ian. « Philosophy of the Film: Epistemology, Ontology, aesthetics » ed.. Routledge & Kegan Paul, London 1987

Fonte: Cinemateca Portuguesa.

Uma razoável surpresa, não só porque entra, também, por espaços não mexidos, como porque, mesmo com objectivos de reflexão dirigida -- o cientifismo realista como parâmetro de abordagem -- é suficientemente flexível e hábil no seu trabalho de reflexão persuasiva.

Jeudy, Henri-Pierre. « Mémoires du Social », ed. PUF, Paris 1986. Fonte: Departamento Com. Social F.C.S.H. U.N.L.

Kodak. « The Book of Film CARE », ed. Paul L. Gordon, Eastum Kodak Company, Rochester N. Y. -- 1983.

Fonte: Kodak.

Com as capacidades de financiamento de uma grande companhia é possível fazer livros como este que introduzem qualquer candidato aos primeiros cuidados com o acetato/celulóide. As alternativas são os manuais da FIAF - sem ilustrações.

Ladrière, Jean. « A Articulação do Sentido» ed. Un. de S. Paulo . S.P. 1977

Fonte: M

Lima, José Pinto.(org.) Linguagem e Acção - da Filosofia analítica à linguistica pragmática », ed. Apaginastantas, Lisboa 1983.

Fonte: F.C.S.H. U.N.L.

Lyotard, J. F. « A Fenomenologia », Dif. Europeia do Livro, S. Paulo 1967. or. PUF 1965.

« Le Différend », ed. Minuit, Paris 1982.

Fonte: F.C.S.H. U.N.L.

Moles, Abraham. « Rumos de uma Cultura Tecnológica», ed. Perspectiva, São Paulo 1973.

Fonte: M

Morin, Edgar. « O Homem e a Morte», ed. Pub. Europa-América, or. ed. Seuil Paris 1970.

« O Cinema ou o Homem Imaginário», ed. Morais, Lisboa 1980. Fonte: Cinemateca Portuguesa

Munford, Lewis. « Arte e Técnica », ed. 70, Lisboa 1980.

Fonte: M

Oakey, Virgínia « Dictionary of Film and Television Terms» ed. Barnes & Noble Books NY 1983

Fonte: Cinemateca Portuguesa

Orechioni, K. - L'énonciation - problematique de la subjectivité, ed. Armand Colin, Paris, 1980

Fonte: FCSH UNL

Orwell, George - « Mil Novecentos e Oitenta e Quatro », ed.Morais Editores, Lisboa 1984

Fonte: M

Peirce, Charles. S. « Semiótica », ed. Perspectiva, S. Paulo 1987, trad. or. « The Collected Papers of C. S. Peirce ».

Fonte: M

Ricoeur, Paul. « Temps et Récit », Tomo I, ed. Seuil, Paris 1983.

« El Discurso de la Accion », ed. Catedra, Madrid 1981.

Fonte: M

Riegl, Alois. « Le Culte Moderne des Monuments, son essence et sa genèse », ed. Editions du Seuil, Paris 1984, Título original - Der Moderne Denkmalkultus.

Com biografia s/ o autor, esta é uma obra inestimável a quem quer que se interesse pelas origens da noção de ''Património'', particularmente no que respeita à sua relacção c/ os valores de arte, uso, valores históricos e seu enquadramento. Uma Bíblia.

Sadoul, Georges. « História do Cinema Mundial», ed. Livros Horizonte, Lisboa 1983.

Fonte: M

Salt, Barry. « Film Style and Technology: History and Analysis », ed. Starword, London 1983.

Fonte: Cinemateca Portuguesa

Com uma biografia assaz colorida, passando pela dança (Ballet) profissional, programação de computadores, e um doutoramento em física, Barry Salt oferece-nos a visão de quem deseja observar a História e sua interpretação por via do devir tecnológico. Aqui podem ser encontrados, de modo mais sintético e acessível, todo o percurso material do cinema, uma história/observação que neste trabalho ''Ontologia do Arquivo...'' considerei que não deveria caber. Pondo de parte todos as considerações a propósito da interpretação (em termos científicos) hiper-realista da história do cinema, esta é uma abordagem de grande complemento à igual parcialidade que nos chega, essencialmente, de França.

Searle, John R. « Os Actos de Fala », ed. Almeida, Coimbra 1984. Fonte: M

Thomas, Louis-Vincent. « Mort et Pouvoir », ed. P. B. Payot, Paris 1978

Fonte: M

Sobre o assunto em epígrafe, e com a necessária condição de síntese, é do melhor que se pode encontrar.

Yates, Frances A. « The Art of Memory», ed. Routledge and Kengan Paul, London, 1st. Pub. 1966.

Fonte: F.C.S.H. U.N.L.



Notas de rodapé

...actico.1
Na totalidade deste trabalho, todo o destaque (palavras a ''bold'') é da responsabilidade exclusiva do autor.
... transporta2
O arquivo é, de inicío, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares.(...) O arquivoé(...) o que, na raiz mesma do enunciado-acontecimento, e no corpo em que se dá, define o modo de actualidade do enunciado-coisa; é o sistema do seu funcionamento .(...) entre a tradição e o esquecimento, ela (a liberdade/livre-arbítrio) faz aparecer as regras de uma prática que permite aos enunciados subsistirem e ao mesmo tempo modificarem-se regularmente. É o sistema geral da informação e tranformação dos enunciados.''

in ''A Arqueologia do Saber'', M. Foucault ed. Vozes,1971, p. 161

... laboral3
Sem comentários, sem necessidade de qualquer estudo pragmático de performances (desempenho) dos sujeitos afectos à Cinemateca Portuguesa, é possivel observar, como evidência, que esta se encontra, em termos globais, ainda no estado a).

... social.4
Um fenómeno de que, relativamente à ciencia, é bem conhecida a observação em Khun .

É um caso de recuperação: quando acontece a emergência de uma moda e se vai buscar um fita eventualmente classificada de ''menor'' até aí esquecida. De qualquer modo, bem observados os factos, este não é um fenómeno universal. Se no arquivo da ciência, que Khun abordou com inegável mestria/perspicácia, as camadas justaspostas são sempre susceptíveis de, a qualquer momento, surgir à superfície - o pôr em relevo/manifesto -, já noutros espaços da arte, o mesmo não parece suceder. Em recente entrevista à televisão (B.B.C.), um carismático e controverso compositor rock - Frank Zappa - chamava a atenção para o facto de, no mundo da música, os ''clássicos'' serem apenas aqueles que no seu tempo tiveram algum sucesso: ou porque ''lambiam as botas a alguém da côrte, ou agradavam àquele público para que compunham; ou tinham muito dinheiro para se expôr, ou...enfim, de algum modo se conseguiram expôr mais: a questão é; e os outros milhares que não se conhecem?

Eram/serão assim tão maus(?), ou pura e simplesmente des-conhecidos, não expostos? Frank Zappa adiantava: ''assim é possível prever que daqui a dois ou três séculos, os clássicos deste século/década sejam os ''Michael Jacksons'', ''Barry Manilows'', etc.

... ''taxidermista''5
''Taxidermista'' e porque não, por exemplo ''médico''?. Opto pela primeira pelo simples facto de, é minha tese, num futuro próximo todos os suportes/objectos /materiais originais estarem mortos/destruidos. Tal como o ''Taxidermista'', o técnico do futuro arquivo deverá preocupar-se em manter apenas condições de percepção originais. Será importante que os nossos netos possam ver os filmes feitos pelos nossos avós, não necessariamente nas mesmas condições em que estes os viram (já vimos como tal é utópico) mas pelo menos em idênticas condições de percepção - re-criação próxima da perfeita - pouco importando para o facto, se o écran é de cristal líquido, em vez de pano; se existe ou não projector e projeccionista; se a banda sonora é ou não reproduzida por altifalantes dinâmicos - desde que o som reproduzido seja idêntico; que o suporte seja de celuloide ou vinil, analógico ou digital, enfim, que a simulação/re-produção seja tendente para o perfeito, em termos substanciais?!

...ifico.6
Três exemplos distintos do que refiro são:

''História do Cinema Mundial'', Georges Sadoul, ed. Livros Horizonte, Lisboa 1983

''Cinéma d'Hier, Cinéma d'Aujourd'hui'' , René Clair, Gallimard, Paris 1970.

Compilação das memórias de René Clair, num percurso extremamente elucidativo para algumas clareiras que se deparam a quem trabalha o cinema.

''Cine e História'' , Marc Ferro, ed. Gustavo Gill, Madrid 1980 - onde se observa o filme como grande fonte para a História, mesmo que de um modo razoavelmente ''estrito''.

...orias''7
''Como se vê, a historicidade dos objectos é limitada a um aparecer na história, quer como manifestação de superfície (também variável em cada tempo,tal como num mesmo tempo) quer como efeito de dinâmicas morfológicas''

in ''A Idade Neo-Barroca'' Omar Calabrese, ed. 70, Liboa 1988, p. 34

Mesmo que à custa da ''Solene Instabilidade'', com ou sem neo-barroquismo assumido, todas as conexões são permitidas e possíveis no tempo que me envolve. O neo-barroco pode construir as constelações que lhe aprouver, sendo bastante difícil desmontá-lo/derrotá-lo; se tal acontecer, quando acontecer, o gasto/tempo já não o justificam.

...iclico8
Poderia baptizá-lo como o ciclo da memória-morte.Nos tempos mais positivistas (até hoje), como na idade das Luzes, a morte é esquecida/evitada.(Veja-se Ph.Ariès - ''La mort à l'occident'', Edgar Morin - ''O Homem e a Morte'', P.Muret -'' Ceremonies Funebres'').

É com o romantismo que volta a lembrança dos mortos. Ocorre-me especular se será preciso esperar por uma nova ''ordem dos sentimentos'', eventualmente trazida pelos media, que nos mergulhe num mar de sensação extasiante, público e incentivado!?

...oria9
Será interessante pensar ainda até que ponto a imprensa trouxe (quantas vezes terá isto sido já abordado?) um travão à dinâmica da linguagem após a alfabetização geral. Quanto tempo deveremos esperar até à soltura/destravamento por via de uma nova oralidade - novos media?

...oe10
Todos os problemas surgem quando a história/filme se não baliza por esses padrões mais generalizados e que, é um facto, são os únicos acessíveis às ''massas'' não só por serem os mais veiculados como pela necessidade de experiência/vivência que cada tipo de estrutura narrativa implica para que seja plenamente inteligida/recebida. Independentemente do elitismo de que este raciocínio possa enfermar, concorde-se que é difícil demovê-lo. De qualquer modo, serve aqui tão só para demonstrar à saciedade, com as conclusões a que por tal se pode chegar, da escassa disponibilidade e preparo de que o grande público (estamos em Portugal) ainda goza.

... determinismo.11
Aqui então, alguém observa quo o tempo não só degrada os suportes materiais da memória, como altera a sua percepção (das memórias), diferentes já senão de sujeito para sujeito, de presente para presente .

Do outro lado, a tentar resolver os estragos que Gutemberg despoletou ao petrificar os suportes mnemónicos está um herói, Hermes (não desta fita) único capaz de ligar/deslocar-se por todos esses presentes, observadores do mesmo espólio, mas de percepções necessariamente incompatíveis.''the object of historical knowing is the intelegibility of events through time'' in ''Historical Knowing in Film'', Rodowick, Iris, Vol. 2, nº  2, pps 2/4 . Acaba por ser o intérprete quem oferece essa continuidade no tempo.

... 12
Traduzido de ''The Art of Memory'', Frances A Yates, ed. Routledge & Kegan, London, 1966 pps 1/2

... úteis''13
Com o aumento relativo do número de pessoas idosas - a explosão de uma demografia da 3ª a idade com o advento da pilula, é bastante natural esperar uma emergência da força da memória, com factos/objectos a guardar/imobilisar, mesmo que eventualmente com menos células cinzentas de stock, onde arrumar (memória activa). Começa então a ser necessário que o presente se expanda o suficiente para poder abarcar uma quantidade inaudita de outros (uma vez) presentes. Sem qualquer juizo de valor, a eficácia dos contraceptivos ofereceu à sociedade ocidental um tecido social de velhos, cidadãos/actores sociais de memória cheia, que de algum modo querem ver reproduzida e tangível.Neste mundo das materialidades até o mais imaterial fenómeno ou sensação, por mais forte que se a-presente estão condenados ao esquecimento quando não ''indexados'' pelo objecto. ''Les gens du troisième age qui se passionnent pour la muséalisation, acomplissent une restitution qui relève de la nostalgie d'une vie social perdue. Mais les autres qui tentent parfois de réutiliser les techniques abandonnées sont en quête de l'innocence des plaisirs propres aux découvertes des techniques. Ceci est frappant dans le cas des techniques cinématographiques avec l'usage du noir et blanc.''

in ''Memoires du Social'', cap.II/2 ''La quête des origines et la peur de la disparition'' H-P. Jeudy, PUF, Paris 1986, p. 73.

... futuro.14
Gostaria de fazer notar aqui, na relação destes três conceitos temporais, passado, presente e futuro, o antigo paradoxo da sua defini-ção/concretude. Se parecem bastante mais abarcáveis/inteligíveis tanto o passado como o futuro - o que foi e o que ainda não é, há-de ser - sendo o presente um instante fugidio e ininteligível/intangível, por outro lado, só o presente oferece essa tangibilidade/vivência no devir dos instantes. Esta intelecção não deixa de ser interessante, particularmente quando nos questionamos relativamente à memória: será que colectamos passados e ex-futuros, ou o que juntamos e ordenamos não é mais que uma colecção de presentes (concatenados)? Ou será ainda que toda esta questão é um problema de forma de linguagem/enunciação?

... acesso15
Entendo aqui, como na generalidade deste texto, Acesso no sentido lato da expressão como ''os modos/vias de chegar a algo'', neste caso aos objectos, ao passado. A gestão do acesso, que aqui se cruza com as problemáticas da enunciação/exposição, rede, estrutura e ordem/disposição, davam só por si, uma outra tese...

... transcendental16
Melhor dizendo, ordem de performatividade imanente: a restrição do espectro catético (das escolhas possíveis) ao pré-inscrito.

...encio17
Dieu et la mort, ils sont tous les deux silence, et ils imposent leur silence au vacarme de l'homo loquax (...)''

ibid. Jankélévitch, p. 84

... registos.18
E aqui surge um algo inesperado paroxismo. No seguimento deste reciocínio, tal pode parecer uma evidência, o facto é que, quando se passa aos sub-níveis - para lá do grande objectivo ontológico/abstracto - na direcção dos objectivos pragmáticos/concretos finais - encontramos algo próximo do vazio, isto é do ''ainda-não-cheio'' - como afirmei no início, se me debruçosobre o arquivo nestes termos é também porque não tenho conhecimento de quem o tenha feito a este nível - isto é, questionar entre outros, os propósitos últimos do arquivo. Pode daqui inferir-se ser duvidoso que os primeiros ''fotógrafos'' tenham pensado a fotografia fosse lá em que termos fosse, e tivessem mesmo tido que esperar por Bazin para lhes ''revelar'' o sentido último da sua actividade.

...edito19
Com o advento da televisão, cada vez mais se pode falar da vontade/procedimento para esse crédito, que se confunde com a capacidade de envolvimento que a obra consegue imprimir ao ser exposta. Uma vez envolvida, todo o sentido será ''real'' para a consciência do espectador.

...oprio. 20
Quando se chega o património próximo do campo político, aclaram-se jogos interessantes. Sabe-se do primordial interesse do político pelos media, interesse ainda em crescimento. No momento em que se percebe a cultura como espectáculo/encenação - no caso do património, encenação do que foi essencialmente por razões que têm a ver com o que agora/no presente não consegue ser, neste momento, o político aproxima-se. Não é preciso uma grande análise estratégica para se entender que o politico que necessita do património para se identificar é o que, tendo poder, não tem ascendência/origem. Os mortos que lhe interessa comemorar são sempre os de tempos remotos e gloriosos, os suficientemente inócuos que não lhe causam fricção, ou os relativamente próximos/recentes, já dentro das suas áreas temporais. A cultura tradicionalmente subalterna, começa a ser finalmente uma área interessante para qualquer Poder, porque a cultura passou a ter o poder de mostrar/expôr e seleccionar. Na dialéctica que já se teve a oportunidade de observar e em que a destruição deve sempre preceder a conservação, vê-se às claras que o jogo do politico é bastante ortodoxo segundo estas regras.

O caso do incêndio do Chiado é disso revelador. Um acidente como este, é particularmente propício a uma observação mais profícua, porque a velocidade de actuação permite um acompanhamento quase ''in loco''. Os outros, ''acidentes-não-acidentes'' como são todos os casos de degradação/ruina mais lentos e inexoráveis, não permitem esse ''travelling'' (acompanhamento em paralelo). Pondo a hipótese que o Chiado estará dentro de x anos, como é da actual vontade política, reconhecível como era dantes, não custa muito perguntar se, em vez de um acidente/catástrofe, os prédios observassem um processo de rápida degradação, vá lá 50 anos, e fossem desabando um a um , se isso acontecesse, qual seria a configuração do Chiado ao fim desses 50 anos? É que já não é só necessária a destruição antes da conservação: é preciso que se note a falta (alguém note) do desaparecido para que se restaure. A convivência com a ruina gera naturalmente um hábito que torna mais fácil a demolição que o restauro.

Notar a falta do destruido, hoje, não é exactamente apenas sentir uma clareira, é, acima de tudo, observar um rendimento para a obturação dessa clareira. Qualquer abordagem pragmática nos diz que a vontade politica se movimenta, quando se movimenta, com um horizonte relativamente curto e situado em convergência no efeito da acção. Pode portanto daqui inferir-se que o objecto em estado de ruina progressiva, não se situando na área de efeitos rentáveis aos poderes que lhe aparecem pela frente, está condenado à ablação.

Até que ponto este raciocínio se pode mostrar arrepiante, só pode ser estabelecido quando se responder à questão, porquê/para quê conservar tudo ?

... posse.21
''Now cinema adapts to this lack in two ways. First, unable to offer possession of the apparatus to the consumer, cinema offers tales of possession, the dominant plot concern of early cinema. Second, the cinema industry spawns a secondary market of possessible artefacts: fan magazines, pictures of stars, autographs, souvenir programs. Only with the video medium will it finaly become convenient and common actually to own one's feature film.''

in ''Toward a Theory of the History of Representational Technologies'', Rick Altman, Iris, Paris, 1982

... 22
Alguma bibliografia que a seguir se discrimina aparece com um comentário sintético, porque alguma impressão deixada no autor deva ter merecido esse comentário, ou simplesmente porque a raridade/novidade do livro/artigo merecem algum esclarecimento que não tenha sido directamente fornecido neste trabalho.

Dado o aproveitamento didáctico a que este trabalho se possa prestar, é indicada a origem/fonte de onde o autor teve a oportunidade de requisitar o livro/artigo.

A indicação M a seguir a ''Fonte:'' significa que o livro pode ser encontrado à venda no Mercado livreiro nacional.