Movimentos das imagens

José Carlos Abrantes

Universidade de Coimbra

Março de 1999


Índice


A relação com as imagens tem propiciado, ao longo das últimas décadas, um debate filosófico e epistemológico centrado nas questões da objectividade/subjectividade do mundo representado (Bazin, 1945, Kracauer, 1960). A influência dos dispositivos técnicos sobre os modos de representação adoptados (McLuhan, 1964, Debray, 1991), o papel da recepção na construção do sentido das imagens (Eco, 1962, Hall, 1973, Certeau, 1980, Katz e Liebes, 1990), a relação das imagens com a escrita (Postman, 1986), são alguns exemplos mais recentes de questionamentos em volta da imagem. Neste fim de século, a transferência para o futuro destas problemáticas, como de outras igualmente importantes, parece inevitável.

Para esta intervenção procurei interrogar-me sobre movimentos que se encontram associados à imagem. Um primeiro movimento pode ser definido à volta das questões de representação que a imagem consubstancia, ou seja, das relações das imagens com os modo de as fabricar. Um segundo movimento pode agrupar-se à volta dos modos de conhecer associados à imagem, ou seja, das relações epistémicas que levantam. Um terceiro movimento pode encarar-se no sentido da partilha social das imagens, logo da relação social que estas provocam, estimulam ou neutralizam. Um quarto movimento, que não será analisado neste texto, tem a ver com os olhares dos receptores, isto é, centra-se nas multifacetadas relações dos olhares com as imagens.

Movimentos das imagens: a representação

O não-movimento na representação

Do século passado herdámos o retrato dessa tensão entre o movimento e o não movimento que a fotografia e o cinema procuram mimar da realidade. E assim logo em 1839, numa vista do Boulevard du Temple tomada por Daguerre, tudo se pode ver com uma nitidez que espanta Samuel Morse, então em Paris. Tudo menos o movimento (Delpire e Frizot, I, 1989: 12). De facto, só o que não mexe tem registo. Nenhuma pintura ou gravura pode pretender aproximar-se a este resultado, escreve Morse à família, pretendendo assim dar a ideia da objectividade essencial da fotografia (Bazin, 1992:17). Paradoxo: essa objectividade essencial retira à representação fotográfica uma das características primeiras do mundo físico, a do movimento. Nesse conhecido daguerreótipo tudo fica registado, excepto o buliçoso movimento das carruagens e pessoas que o longo tempo de exposição não deixa registar. O único sinal humano é o homem que engraxa os sapatos, mesmo assim não fielmente reproduzido, pois as partes do corpo que se movem não foram também registadas com perfeição. A técnica, fonte de objectividade, reproduz, por um lado, com extrema fidelidade, por outro não consegue captar o movimento, característica essencial da vida humana. Na carta de Morse este refere: "Nulle peinture ou gravure ne peut prétendre s'en approcher [...]; en parcourant une rue du regard, on pouvait noter la présence d'une pancarte lointaine sur laquelle l'oeil arrivait à peine à distinguer l'existence de lignes ou de lettres, ces signes étant trop menus pour qu'on puisse les lire à l'oeil nu. Grace à l'aide d'une lentille puissante, dirigée sur ce détail, chaque lettre devenait clairement et parfaitement lisible, et il en était de même pour les plus miniscules brèches ou fissures sur les murs du bâtiment, et sur les pavés de la rue." (Delpire e Frizot, I, 1989: 12). Morse explica depois que, pelo contrário, os objectos em movimento não deixam qualquer traço.

A ilusão de movimento na representação

Mas se Daguerre não captou o movimento outros pioneiros da fotografia o tentaram fazer: Étienne-Jules Marey e Eadweard J. Muybridge, o primeiro na Europa, o segundo nos EUA, procuram, mesmo com uma técnica ainda incipiente, mas que vão fazer evoluir, registar essa ilusão de movimento que o cinema iria conseguir dentro em pouco. Muybridge faz 24 fotografias da corrida de um cavalo através de um engenhoso sistema de disparos. Marey decompõe os movimentos permitindo também registar o que o olho humano não vê (Delpire e Frizot, II, 1989: 10 e 12).

Em 1895 começa a exibição pública de pequenos filmes. É conhecida, e paradigmática, a reacção de fuga de alguns espectadores das imagens recolhidas pelos irmãos Lumière (L'arrivée du train en gare de la Ciotat, 1886), assustados pelo realismo do "movimento" do combóio que entrava na estação.

Movimentos "escondidos" na representação

Em 1840, um dos inventores da fotografia, Bayard faz um auto-retrato como afogado. Conhecem-se três versões ligeiramente distintas umas das outras. Esta imagem é acompanhada de um comentário escrito onde Bayard explica a sua decepção por ter sido preterido pelo governo francês em proveito de Daguerre. Bayard mostra-se em corpo nu, com os olhos fechados, dando uma impressão de morte (Delpire e Frizot, I, 1989: 16). Bayard inicia assim o trabalho de encenação que tem alimentado a fotografia artística, mas também a fotografia de informação. José Benoliel, um fotojornalista português, encena também uma fotografia de João Chagas, da Penitenciária de Lisboa, local onde estivera preso por motivos políticos. Chagas já saíra quando Benoliel chegou. Benoliel não hesita: pede-lhe que volte para tràs, até à porta da prisão. Benoliel obtém assim a chapa da alegre "saída" da prisão de Chagas (Barreto, 1995).

Hoje, a encenação do real deixou frequentemente de exigir ao fotógrafo estes movimentos escondidos, prévios ao registo. Basta muitas vezes que este os ignore, fazendo a fotografia (ou a imagem de televisão) como expressão de um real transparente, não fabricado.

Os movimentos da câmara, ou a descoberta da narratividade

Movimento das imagens que se traduz obviamente no cinema. A imagem-tempo e a imagem-movimento (Deleuze, 1994) criam uma narratividade associada ao novo tipo de imagens. O próprio objecto move-se. Rápidamente o cinema instaura outros movimentos associados à narratividade em descoberta. Assim, um operador dos Lumière, ao colocar uma câmara numa gôndola descobre, com perplexidade, o "travelling". Escreve aos patrões perguntando se pode continuar nesta via, pois os registos dos Lumière eram invariavelmente obtidos com a câmara fixa. A imagem torna-se uma forma de movimento, torna-se imagem-movimento. Estes movimentos narrativos iriam ser progressivamente enriquecidos pela criação de planos específicos (como o grande plano) ou da montagem como forma de criar estruturas narrativas. Tais narrativas vêm a construir-se num duplo sentido: ora procurando a imitação mimética dos movimentos da realidade, ora tentando soluções mais adequadas à reconstrução, a interpretação fílmica desses movimentos encontrados no real.

A imagem numérica, ou o movimento na imagem

Nos dias de hoje, o movimento saíu do exterior da imagem para se situar no seu interior, na sua estrutura interna. A imagem cria-se pelo cálculo, pela digitalização, sem que a realidade exista como prévio indício físico. Por outro lado, na imagem fabricada pelos meios tradicionais tornou-se possível juntar, tirar, modificar, transformar. O "morphing", por exemplo, permite passar de um rosto a outro, metamorfoseando uma representação noutras representações. Estes movimentos tornaram-se interiores à imagem permitindo visualizações impossíveis a partir do registo físico da realidade (veja-se, por exemplo, a Máscara) dando à imagem movimentos próprios, distintos do que o olho humano pode ver (Barboza, 1997: 90).

Nesta categoria de movimentos poderemos incluir também as "imagens" médicas, imagens que registam movimentos invisíveis há uma ou duas décadas: os movimentos do feto, os movimentos de um tumor ( a sua aparição, o seu desenvolvimento, a sua desaparição), ou os movimentos dos neurónios em actividade. A imagem vai assim permitindo criar novos movimentos ou ver movimentos internos, outrora inacessíveis. E, ainda no caso da imagem médica, científica ou técnica, essa imagem permite movimentos físicos de novo tipo (operar a distância, operar a partir de um écrã de televisão, comandar utensílios técnicos a distância). Novos movimentos que por sua vez exigem novas aprendizagens, novas imagens que exigem novos questionamentos sobre os modo como os médicos vêm (ou não vêm) a doença a partir da imagem.

Estes movimentos das imagens radicam na função de representação que tradicionalmente atribuímos à imagem. Representar o movimento, eis uma ambição conseguida, mas em mutação permanente. Porém, outros movimentos estão contidos na imagem, sobretudo se alargarmos o seu espectro de funções, atribuindo-lhe, para além da tradicional função de representação, outras funções menos convencionais, nomeadamente a função de transformação e a função de envolvimento (Tisseron, 1995).

Movimentos das imagens: modos de conhecer

O movimento dos conhecimentos

Logo, poderemos identificar um movimento de transformação dos nossos conhecimentos. O aforismo "uma imagem vale mil palavras" pode querer significar esta transformação que gera em nós uma simples imagem vista. A imagem didáctica de um corte de um motor de explosão leva-nos rapidamente de um ponto do conhecimento a outro. São as imagens e os sons que conseguem esse movimento no conhecimento de cada um.

Galileu percebeu que a lua não era um objecto plano pela observação cuidada através da sua luneta. E esse movimento individual de conhecimento associado à imagem pode ter também representação colectiva: o "olhar aumentado" da luneta teve efeitos num tempo mais rápido, foi objecto de uma apropriação socialmente mais alargada que o "olhar aumentado" pela lente do microscópio. (Sicard, 1998, ). A lembrar-nos que os movimentos cognitivos que as imagens geram se situam em certos contextos históricos e culturais que lhes condicionam ou expandem a força interna.

Movimento dos conhecimentos na actualidade

E nos dias de hoje? Como estão as imagens a influir na cultura de massas? Tema controverso, fruto de contributos contraditórios, analisado amiúde, teve recentemente um desenvolvimento interessante.

Estamos a ficar mais inteligentes por causa das imagens, esta é a opinião de um reputado investigador, Ulrich Neisser, da Universidade de Cornell. Numa investigação publicada na revista American Scientist, encontra-se a descrição do problema e o estado de reflexão sobre ele (Neisser, 1997). De que se trata? Nas décadas mais recentes, tem-se verificado uma subida dos níveis de resposta aos testes de inteligência: nos últimos 50 anos o QI "subiu" 15 pontos nos EUA, e 21 pontos, em 30 anos, na Holanda. Há muitas hipóteses explicativas para esta subida. Uma delas seria uma maior aptidão para a resolução dos testes, hoje banalizados. Mas outras explicações são possíveis: seria plausível que as populações se tivessem tornado mais inteligentes, devido a melhoria da alimentação, a maior escolaridade, a diferentes atitudes dos pais das crianças e jovens em idade escolar. Segundo o autor do artigo, embora cada um destes factores tenha a sua importância, nenhum pode ser a chave explicativa desta evolução positiva. A hipótese mais verosímil é muito interessante e repousa nas mutações culturais ligadas ao acto de ver. Até por que os ganhos mais significativos nos testes se verificam numa sua conhecida componente visual, a matriz de Raven.

O investigador considera que a mudança mais significativa ocorrida no ambiente intelectual do século XX foi a exposição aos media visuais (fotografia, cinema, televisão, video, banda desenhada, cartazes, imagens virtuais...), que teriam criado ambientes icónicos progressivamente enriquecidos, levando a que os jovens dediquem mais tempo aos projectos visuais que as gerações anteriores (diminuindo porventura o tempo dedicado às competências outrora mais desenvolvidas como o "tradicional", mas sempre necessário, ler, escrever e contar). Ora, segundo Neisser, nós não olhamos apenas as imagens, também as analisamos. E, sendo assim, é possível admitir que a exposição a ambientes visuais cada vez mais complexos esteja a produzir melhorias significativas numa forma específica de inteligência, qualificada como "análise visual". Esta tese viria confirmar uma ideia desenvolvida entre os especialistas (entre os quais o mais saliente será Howard Gardner, que esteve entre nós em 1998) segundo a qual existiriam diferentes formas de inteligência que repousariam em diferentes tipos de experiência. Ainda segundo Neisser esta constatação poderia significar que estamos mais "espertos" que os nossos avós no domínio da análise visual, o mesmo não acontecendo quanto a outras formas de inteligência. O que a ser verdadeiro, não deixa de ser um bom desafio para pais e professores, para escolas e universidades, para jornalistas e cidadãos. É que os jovens ( e os outros cidadãos) não esperaram pelo estudo de Neisser e foram progressivamente mergulhando no mares da imagem, sem as ajudas e orientação a que a sua condição lhes dá direito.

Movimentos sobre a raíz epistemológica do conhecimento

Estes movimentos referem-se a uma outra transformação radical que a imagem provoca no olhar humano: a dos dispositivos que as fabricam e dos efeitos de transformação crítica que estes têm com os modos de ver. Na altura da descoberta das lentes para os microscópios e dadas as diferenças de polimento e fabrico dessas mesmas lentes, a própria incidência da luz na plaqueta provoca imagens diferentes no sujeito que vê. Ou seja, há dúvidas e discussões não só porque o que é visto nunca fora visto dessa forma (ver gravura de Robert Hooke, de 1665 - Sicard, 1998: 67-84) como também o que cada microscópio vê pode ser diferente de aparelho para aparelho ou de situação para situação. Reflexões que questionam o acto de ver, que obrigam a movimentos de pensamento sobre a relação do que é visto com o mundo. Discussão que não está terminada e mesmo se tornou mais premente pelos novos dispositivos de visão do mundo de hoje. Jean Pierre Meunier interpelou-nos nas conferências da Arrábida, em 1997, sobre o "God's view" e o nosso "point of view", sobre a oposição entre o objectivismo e o experiencialismo. Questões que têm toda a pertinência em relação às imagens mentais que fabricamos sobre (com) o mundo, mas que os dispositivos técnicos mediadores, entre a nossa visão e a realidade, amplificam de forma gigantesca. Habituámo-nos a acreditar que o golo existiu a partir da imagem que não existiu como registo directo da realidade. Habituámo-nos a considerar que o ponto de vista da câmara fotográfica era melhor que o nosso olhar, que o ponto de vista múltiplo da filmagem de vídeo (mais tarde o ralenti e outras manipulações da imagem) nos davam um retrato mais fiel do que o produzido pelos acontecimentos. Estamos agora a deixar que a imagem virtual (que não é uma imagem no sentido indicial de Bazin) nos diga sobre o que é verdade e o que não é. Estamos no coração de um movimento epistemológico gerado pelo papel da imagem pois ligámos irremediavelmente o nosso modo de ver a dispositivos técnicos fabricantes de imagens, como a fotografia, o computador e a televisão.

Da produção para a teoria, da teoria para a produção

Não será possível continuar a produzir imagens, a usar novas tecnologias para as criar, a utilizar os espaços da memória individual e colectiva para as armazenar, sem simultaneamente acrescer o capital de reflexão que a este movimento produtivo se associa. Movimentos de produção, de criação, por um lado, de reflexão, de estudo científico, por outro lado. Movimentos que se podem autonomizar mas que se interpenetram, se influenciam, se potenciam reciprocamente.

Movimentos das imagens: partilhas

A partilha de representações sociais

Outros movimentos se acentuam, se amplificam, com as imagens: movimentos sociais, por exemplo. Basta lembrar o papel desempenhado por Jacob Riis, o primeiro reformador a usar uma câmara fotográfica, um imigrante dinamarquês que se torna jornalista em Nova York (Jeffrey, 1996: 156-177). Os seus textos e imagens (How the other half lives) denunciam as péssimas condições de vida dos imigrantes, condições que ele próprio conhecera. As suas fotografias ilustram e denunciam as insalubres condições de habitação dos imigrantes. Roosevelt, então governador de Nova York, vai dar-lhe atenção e proporcionar fortes melhorias nas condições de vida e e de acolhimento dessa massa humana que procura um novo mundo.

Idêntico trabalho foi feito por Lewis Hine que se centra na captura de imagem do trabalho de crianças e jovens. As imagens dos jovens que trabalhavam foram decisivas na criação de um ambiente favorável à aprovação de legislação que veio a proteger os direitos dessas crianças e jovens (Jeffrey, 1996: 156-177).

O FSA permitiu idênticas condições de tomada de consciência dos americanos sobre as condições de vida dos agricultores na sequência da grande depressão. Durante muitos anos pensei que essa consciência social, para as gerações actuais, provinha sobretudo da leitura das Vinhas da Ira, de John Steinbeck. Hoje julgo poder sustentar que os fotógrafos do FSA ajudaram a construir movimentos sociais que, não devendo tudo à imagem, nela encontram fortes ligações estruturais (Hagen, 1983).

Poderíamos lembrar as imagens mais próximas do espancamento de Rodney King, do massacre do cemitério de Timor ou as imagens cruas do carro espatifado onde viajava a princesa Diana. Todas essas imagens se relacionaram com movimentos sociais e políticos, neles tiveram influência, neles imprimiram a marca dos seus movimentos.

A partilha de representações estéticas

A estética é outro terreno de movimento profundamente ligado à imagem. É certo que existem estéticas literárias e de outros tipos. A imagem provocou porém movimentos individuais e colectivos indiscutíveis. O que é belo, o que é feio, quantas vezes passa pelo olhar?

A perspectiva renascentista pôs o homem no centro do mundo, os pintores do renascimento procuram a ilusão que nos aproxima da realidade (Krauße, 1995: 6-13). A procura dessa ilusão é reflexo de escolhas estéticas e provoca um usufruto estético sobre quem vê. Provoca outras vezes perturbação em quem vê: Veronese foi chamado à Inquisição por ter pintado criados e cães, pouco representados até então. Respondeu aos seus interrogadores: "Pinto o que vejo". Esse "pintar o que vejo" estava em contradição com as práticas anteriores, muito centradas na perspectiva hierárquica, que dava apenas lugar ao que era importante e atribuía maior relevo visual aos elementos mais valorizados nas representações das épocas precedentes (por exemplo, Cristo, os santos, os reis eram geralmente representados em tamanho maior do que outros personagens).

No romantismo, os pintores usam estéticas que obrigam o espectador a investir os seus sentimentos, a sua cultura, na leitura das obras (Krauße, 1995: 56-64). O século XX deu origem a estéticas novas provindas do cinema, da televisão, da cultura de massas em geral, da imagem virtual, das performances artísticas. Hoje são bem claros estes movimentos, demasiado evidentes para que neles seja preciso insistir.

A partilha económica

No início do século a França dominava o mercado de filmes a nível mundial. Pathé e Gaumont haviam-se instalado nos EUA. A partir da 1ª Guerra Mundial o centro económico gerado pela criação no cinema, altera-se e coloca os EUA como o 1º local de criação, de distribuição, de economia das imagens. Em 1915, um autor, D.W. Griffith, lança as bases de uma nova forma de contar histórias com imagens e sons (Nascimento de uma Nação) introduzindo várias inovações narrativas.

Entre elas a de uma nova duração (só em Itália se fazia cinema com uma duração de mais de uma hora), a de uma nova economia. O filme, que havia sido financiado por produtores de algodão sulistas, torna-se um sucesso comercial que atrai os financeiros da Wall Street. Estes não recuarão com o desastre comercial em 1916 do novo filme de Griffith (Intolerance), preferindo o contrôle dos realizadores ao abandono de um projecto economicamente prometedor. O cinema, como arte e como indústria, nasceu em simultâneo, os milhões de bilheteira nasceram ao mesmo tempo que a montagem paralela. Junte-se-lhe hoje as receitas do multimédia, das imagens virtuais, da publicidade, da televisão, da internet. Liguemos-lhe a imagem médica, o mercado artístico. Emprego, novas profissões, grupos económicos. "America's moovie industry has created more jobs since 1990 than car makers, pharmaceutical phirms and hotels combined. " podia ler-se no The Economist, Setembro/Outubro de 1996. Movimentos das imagens que soam, neste aspecto, qual jackpots contínuos de um vasto casino mundial onde a imagem é figura de proa.

A partilha da técnica

Todos estes movimentos se baseiam numa outra partilha: a partilha das técnicas associadas ao fabrico e manipulação das imagens. Tais partilhas têm permanentemente revolucionado os equipamentos, tornando-os de pesados a leves, de grandes a miniaturizados, de toscos a esteticamente apetecíveis.

Tais partilhas têm criado movimentos de democratização no uso e paropriação das técnicas (a fotografia, o video). Mas por outro lado, podem também ver-se, nestes movimentos, outros pólos de desenvolvimento mais orwelianos, afuniladores da capacidade de criação (por exemplo, a estandardização estereotipada da imagem de televisão), ou mesmo de interpretação técnica, especializada das imagens de novo tipo, como seja o caso da imagem médica.

Movimentos que, por o serem, nunca terão uma direcção única, mas antes serão portadores de sentidos múltiplos, de forças de actuação contraditórias, de interpretações complexas. Movimentos que desencadeiam outros movimentos: os diferentes olhares dos receptores na apropriação das imagens quotidianas, terreno que deixaremos para outra reflexão.

Bibliografia