MEIO & AUDIÊNCIA
A SIMBIOSE PARASITÁRIA

Fernando Teófilo
Março de 1998

 
 
 
Comensais, Mutualistas ou Simbiotas
 

Cedo nos apercebemos que não vivemos sozinhos, mesmo quando não está ninguém ao nosso lado. As primeiras experiências nas aulas de Biologia revelam-nos as colónias de inúmeros seres que habitam em nós. São invisíveis no nosso quotidiano mas não são fantasmas. O microscópio mostra-nos como são reais. Sem nunca terem sido convidados eles acompanham-nos desde que nos lembramos até nos esquecerem.

Com eles estabeleremos relações involuntárias de reciprocidade, muitas vezes apenas aparente. Nem sempre recebemos o que precisamos, mas damos sempre o que eles precisam.

Nestas colónias liliputianas podemos observar três tipos de parasitos: os Comensais, os Mutualistas e os Simbiotas. Os Comensais acompanham-nos na alimentação. Temos sempre de contar com uma parte para eles. Não se conhece nenhuma utilidade oferecida em troca. Não são como os Mutualistas que retribuem os serviços de protecção e alimentação que recebem. Esta interdependência é levada ao extremo com os Simbiotas. Só existem porque nós existimos. A sua "pele" depende da nossa.

Recentemente percebemos como esta tríade de hóspedes nos habitam mesmo quando estamos em grupo. Desta vez já não precisámos do microscópio para os observar, eles são visíveis a olho nu. Aliás tudo fazem para serem vistos. Apesar de macroscópicos assumem também vários tipos de relação recíproca, mas a sua sobrevivência está agora dependente da nossa existência em grupo.

A "natureza" destes seres é  tecnológica mas estabelecemos com eles relações idênticas ás que existem com os seus congéneres biológicos. Servem e são servidos.

O canadiano Marshall Mcluhan disse um dia que eles são "a " mensagem. Estava a referir-se aos meios de comunicação de massa. Mais conhecidos por mass media. Toda a realidade alterou-se e a análise de McLuhan já não sobrevive ás novas circunstâncias sem uma profunda actualização. Os mass media já não são a mensagem, eles somos nós. Ou melhor, se quisermos ser gramáticamente correctos: eles são o que nós somos. Entenda-se Nós como grupo ou massa de indivíduos com alguns denominadores comuns. Uma comunhão que pode registar-se ao nível demográfico e ou económico.

A realidade que fundamentava Mcluhan tinha por base a importância da electricidade, essencial ao desenvolvimento das telecomunicações electrónicas. Os meios de comunicação de massas alimentavam o seu crescimento na electricidade. Maiores alcances territoriais significavam maiores consumos energéticos. A potência emissora assim o obrigava.

Passados mais de trinta anos desde que foram publicadas as palavras de McLuhan, os mass media já não se alimentam de electricidade como nos anos 50 e 60. Hoje a electricidade já não é o alimento escasso pelo qual é preciso lutar. Hoje os meios guerreiam por outra raridade: audiência. Rara porque a procura é elevada e o bem é finito. A dificuldade de a dominar por completo já foi assumida. A estratégia passa agora por encontrar as audiências menos guarnecidas, isto é com espaço livre para um meio se instalar.

Para melhor ser acolhido o meio oferece à audiência aquilo que ela quer, em troca pretende constância na sua fidelidade. Um dá ao outro aquilo que ela precisa. Os meios têm hoje ao seu alcance a capacidade de conhecer ao pormenor as preferências da audiência. Conhecem-nas melhor do que a própria audiência. Este conhecimento permite-lhes desenharem eficazmente a sua forma, para assim se instalarem com êxito.

Se a audiência hoje prefere X dá-se-lhe X, se amanhã preferir Y deixa-se de fabricar X e passa-se a oferecer Y. Mas é preciso estar atento e vigiar a concorrência, não vá a audiência preferir o seu Y. Esta adaptação constante verifica-se a todos os níveis de contacto. Adapta-se o conteúdo e a forma. Neste processo o meio deixa de ser o mais importante. O que importa é a audiência.Tudo é feito em função das preferências de um grupo demográfico. A audiência molda  o meio mas isso é mais consentido do que conseguido.

O consentimento acontece porque esse é o único caminho para se chegar ao fim de um trimestre com os resultados que interessam ás agências de publicidade. Só com bons resultados se será contemplado no plano de meios das agências. Plano este totalmente computorizado: a determinada entrada de resultados corresponderá uma saída dos meios que melhor proporcionam o contacto com o alvo a atingir. Se o número de anunciantes interessados em atingir uma determinada audiência o justificar, o meio irá analisar a melhor forma de poder dominar essa audiência e assim poder oferece-la.

Este é de facto o interesse dos meios de comunicação de massas. Temos todos a ilusão de que nos é dada a capacidade de escolher-mos o canal de rádio ou televisão que mais nos interessa, mas mais não estamos do que a decidir  por um produto de um cabaz pertencente ao mesmo dono.Estamos perante uma situação em que o meio, depois de devidamente desenhado, se instala no corpo de determinada audiência e dela se alimenta.

Na Grécia Antiga ao cidadão que se alimentava á custa do Estado chamavam Parasito. Na biologia encontramos o mesmo nome aplicado aqueles que se servem do corpo de outro ser para sobreviver. A guerra pelas audiências é para os mass media uma luta pela sobrevivência e nela também podemos encontrar vários comensais, mutualistas, simbiotas ou mistos.

Se olharmos para os meios que pretendem comunicar em massa, verificamos que quase todos são simbiotas. Todos sobrevivem enquanto existirmos. Estão indissociáveis de nós como audiência. A rádio, a televisão, a imprensa, em todos encontramos casos crescentes de desaparecimentos por perda de audiência. Talvez tenham sido maus mutualistas, querendo só receber sem muito dar em troca. Isso deve-se por vezes a uma adaptação errada ou um conhecimento incompleto do alvo a atingir. Não foram capazes de satisfazer as gratificações procuradas pela audiência para compensar as suas necessidades sociais: Evasão, Excitação, Educação, Identidade Pessoal, Vigilância. Se estas gratificações forem oferecidas a audiência é capaz de descontar a violência que custaram. Mesmo que indirectamente prejudicadas, se o que pretendem é encontrado não se importam de dividir o seu espaço com o meio. Uma situação muito semelhante á que ao microscópio nos evidenciam os comensais.

Mas se esta associação é proveitosa para ambos então não estamos perante uma simbiose em vez de um fenómeno de parasitismo ? A associação é proveitosa para ambos mas não de forma equivalente, nem proporcional. Afinal sempre temos alguém que dá mais do que o que recebe. Esta pode ser uma simbiose entre o meio e a audiência, mas muito parasitária.

O que diria hoje McLuhan ? Continuaria a preocupar-se com a "temperatura" dos meios e com a sua capacidade de estender o nossos sentidos ? Continuaria a sentir-se numa aldeia global ?

Ele nunca poderia prever  que trinta anos depois a sua "aldeia" viria a aquecer tanto devido ao buraco que fizemos todos na camada de ozono. O aquecimento ambiental parece ter chegado aos meios de comunicação. Estão todos muito quentes. Estão todos muito empenhados em dar todo o sentido à mensagem, deixando reduzido espaço de decisão a quem os recebe.