A TOLERÂNCIA DOS FOTOJORNALISTAS PORTUGUESES À ALTERAÇÃO DIGITAL DE FOTOGRAFIAS JORNALÍSTICAS

 

 

Jorge Pedro Sousa[1], Universidade Fernando Pessoa

 

 

Abstract

This study, based on a national survey, suggests that the tolerance of Portuguese photojournalists for computer manipulation of photos depends on the category of photographs.  If in the United States newspaper photo editors differ significantly in their tolerance level of computer manipulation of spot-news, features and photo illustrations (Reaves, 1995), in Portugal the same thing happens with photojournalists, in general.  In fact, Portuguese photojournalists are intolerant of altering spot-news photos and semi-previsible photos, a little bit more tolerant of altering feature photos and more tolerant of altering photo illustrations.  However, they are more intolerant to computer manipulation, in general, than American photo editors (cf. Reaves, 1995).

 

 

1.   Introdução e objectivos

 

Em Novembro de 1997, a Newsweek publicou na capa uma fotografia da senhora de Iowa que teve sete gémeos.  Os dentes da senhora estavam estragados, mas na imagem reluziam de brancura.  No mês seguinte, na Suíça, um jornal decidiu avermelhar a água que descia do templo de Hatschepust, em Luxor, no Egipto, dizendo que se tratava do sangue dos turistas assassinados pelos fundamentalistas islâmicos.  Estes são dois dos mais recentes e conhecidos exemplos de truncagem electrónica de fotografias jornalísticas possibilitada pelas novas tecnologias digitais.  Mas poderia relatar vários casos semelhantes que vêm sendo listados desde 1989, como o enegrecimento da cara de O. J. Simpson numa capa da Time, o misterioso deslocamento das pirâmides egípcias na página um da National Geographic, o apagamento de referências publicitárias nas camisolas de desportistas ou o desaparecimento de objectos, como latas de Coca-Cola, carros e similares.

Ora, se bem que o retoque, a alteração, a supressão e a inclusão de elementos nas imagens fotojornalísticas sejam procedimentos relativamente comuns ao longo da história, o que é novo é o facto de a manipulação digital de fotografias ser fácil e de difícil ou virtualmente impossível detecção por um observador que não tenha visto o acontecimento fotograficamente representado.  Por outro lado, embora a fotografia seja sempre uma forma de manipulação visual da realidade -recordemos a focagem ou o controle da profundidade de campo, da velocidade e da exposição- as tecnologias digitais exponenciaram esse fenómeno, pois transformam as imagens em impulsos electrónicos processáveis em computador.  Tornou-se fácil, por exemplo, alterar, na imagem, as cores do cabelo, da roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados, colocar frente a frente pessoas que nunca se viram, inserir pessoas e objectos em ambientes diferentes, criar imagens virtuais e combiná-las com imagens indiciáticas da realidade, etc.  Enquanto as alterações introduzidas nas imagens fotográficas ao longo dos tempos usualmente acabavam por ser detectadas por especialistas e, por vezes, mesmo por pessoas comuns, quando, por exemplo, se tratava de uma truncagem mal feita ou quando se conhecia o original ou até o contexto da realização da foto, com os computadores abrem-se as portas à possibilidade de mentir, fotograficamente falando, de maneiras inimagináveis no passado.

Assim sendo, e apesar de as novas tecnologias trazerem vantagens incontestáveis no que respeita à qualidade da imagem, à expressividade e à capacidade de se vencer o tempo e o espaço com maior rapidez e comodidade, as questões ligadas à geração e manipulação digital de imagens são talvez das mais relevantes para o fotojornalismo actual, especialmente no que diz respeito à ética e à deontologia profissionais.  Inclusivamente, a tecnologia digital da imagem está a ter cada vez maior utilização e é provável que venha a suplantar a fotografia tradicional, coisa que, possivelmente, afectará a nossa percepção do mundo, os processos de geração de sentidos e, portanto, o processo de construção social da realidade.

Tal como a fotografia tradicional difere da pintura, a imagem digital difere da fotografia tradicional quanto à realidade física.  Enquanto a fotografia tradicional vive de processos analógicos e contínuos (a fotografia é “análoga” à luz que lhe deu origem), a imagem digital é uma realidade discreta, codificada num código de zeros e uns, subdividida uniformemente numa grelha finita de células -os pixels- cuja gradação tonal de cor pode mudar em função do código.  Na fotografia tradicional, o suporte é o negativo.  Na imagem digital, a resolução tonal e espacial é limitada e contém uma quantidade fixa de informação.  Uma vez ampliada, revela a sua micro-estrutura.

O contínuo espacial e tonal das fotografias analógicas tradicionais não é reproduzível com exactidão.  Transmitidas ou copiadas são sujeitas a alguma degradação.  Porém, a imagem digital pode ser repetida até ao infinito sem perda de qualidade, mas também é fácil e rapidamente manipulável através da substituição de dígitos no código binário -de zeros e uns- que a sustenta.  É por esta razão que uma imagem digital pode ser totalmente sintetizada por computador, ser resultante da digitalização de outra imagem, ver a sua perspectiva alterada através das mudanças da zona de sombras, ser pintada electronicamente ou ser até sujeita a uma mistura de todos esses processos, possuindo, ainda assim, coerência interna.  Trata-se, de facto, de uma espécie de electrobricollage, como lhe chama Mitchell (1992), que demonstra que o multimédia é o medium pós-moderno por excelência: vive da fragmentação e da interactividade, sendo fomentador da polissemia, mas, também por isso, da indeterminação e da heterogeneidade.

O ser humano não está desprovido de defesas contra a manipulação imagética.  Intuo que a educação, a cultura e a experiência levam as pessoas a não aceitar hoje tão facilmente como no passado as fotografias como representações válidas da realidade que tomam parte directa na sua mundividência.  Nesta matéria, há filmes que mostram como se fazem manipulações e existem fotografias que se sabe terem sido manipuladas.  De qualquer modo, não é por isso que o fenómeno da imagem digital deixa de levantar questões preocupantes.  Por exemplo, Kelly e Nace (1993) descobriram que a credibilidade de uma foto semelhante às que se vêem todos os dias na imprensa não se alterava significativamente quando as pessoas viam antecipadamente um vídeo sobre manipulação digital de imagens.  Esta ocorrência pode demonstrar que, por muito grande que seja a fotoliteracia das pessoas, as fotografias sujeitas a manipulação, quando esta é desconhecida para o receptor, tendem a ser tão credíveis como as outras.

Face ao exposto, e trazendo para Portugal um objecto de pesquisa bastante actual em países como os Estados Unidos (cf. Reaves, 1995), o presente estudo tem por objectivo avaliar a tolerância dos fotojornalistas portugueses à manipulação digital de fotografias jornalísticas.

 

 

2. Enquadramento teórico e revisão de literatura

 

Este estudo baseia-se na pesquisa empírica similar promovida por Shiela Reaves (1995) junto dos editores fotográficos dos diários norte americanos.  Porém, por um lado a presente investigação não se centra nos editores, alargando-se a todos os fotojornalistas e a vários tipos de imprensa (diária, semanal e mensal, de informação geral e especializada, incluindo igualmente agências noticiosas e fotográficas); por outro lado, não se abdica, especialmente no início e no final do artigo, de uma perspectiva crítica que se poderia precisamente situar na linha dos estudos críticos, tão cara à tradição europeia e latino-americana de pesquisa em comunicação.  Além disso, a presente pesquisa alarga o campo do inquérito, confrontando os fotojornalistas com situações que Reaves não tratou e procurando saber quais os procedimentos a que os foto-repórteres portugueses recorrem para processar digitalmente as imagens.

Baseando-se numa pesquisa anterior, os paradigmas científicos que enquadram o presente estudo são os mesmos dessa investigação e articulam-se entre a semiótica e a teoria da categorização. 

Usando o modelo semiótico de Worth e Gross (1974) para a interpretação de símbolos visuais, pode-se considerar que se uma fotografia for percebida como tendo uma relação “natural” com o real ela será interpretada como sendo mais informativa e denotativa do que comunicativa e conotativa. Pelo contrário, à luz do mesmo modelo, se uma fotografia for percepcionada como tendo uma relação “simbólica” com o real, então ela será interpretada como sendo tendencialmente mais comunicativa e conotativa, sendo eventualmente invocados códigos histórico-culturais para se atingir o seu significado (Barthes, 1984: 13-35). Haverá, todavia, casos em que o significado atribuído pelo interpretante à fotografia é ambíguo, não sendo possível categorizar nitidamente a relação que a fotografia mantém com o real.  O fotojornalista teria, consequentemente, de aceder ao contexto da situação para a interpretar.

Se atendermos à teoria da categorização, podemos antever que os fotojornalistas avaliam as fotografias categorizando-as, tal como Tuchman (1978) fez notar sobre a categorização rotineira das notícias.  Cruzando esta teoria com o campo de análise semiótico exposto, as fotografias de certa forma inesperadas de acontecimentos fortes e duros e com desenvolvimentos mais ou menos inesperados (spot news) ou as fotografias de acontecimentos mais leves mas relevantes, como as conferências de imprensa, seriam vistas principalmente como sendo informativas e tendencialmente denotativas; contudo, as ilustrações fotográficas e as fotografias ocasionais em que os fotógrafos procuram capturar cenas sacadas à vida quotidiana (feature photos) seriam tendencialmente vistas como sendo comunicativas e conotativas.  Assim, em princípio, se uma fotografia for percebida como sendo essencialmente denotativa e informativa, provavelmente não será sujeita a manipulação digital; pelo contrário, se for vista como essencialmente comunicativa e conotativa, então aumentam as probabilidades de ser sujeita a manipulação digital.

 

 

3. Hipóteses

 

Conforme destaquei, julgo que se podem categorizar as fotografias jornalísticas de uma forma que em parte se baseia e que em parte amplia o sistema taxionómico da National Press Photographers Association:

Spot news: fotografias não planeáveis de acontecimentos imprevistos ou cujo desenvolvimento é imprevisível, como a polícia a carregar sobre manifestantes;

– Fotografias semi-planeáveis: fotografias de acontecimentos cujo desenvolvimento é semi-previsível, como as conferências de imprensa ou as “oportunidades fotográficas” (photo opportunities), de que os cumprimentos formais para os repórteres de imagem durante visitas de estado são exemplo;

Feature photos: fotografia de valor tendencialmente intemporal de situações encontradas pelo repórter fotográfico nas suas deambulações, como o cão que lambe o dono ou o polícia que pára o trânsito para deixar passar uma gata e os seus gatinhos;

– Fotografias ilustrativas/ilustrações fotográficas (photo illustrations): fotografias conceptuais e ilustrativas, por vezes combinadas com outros elementos gráficos, que combinam o valor gráfico com o realismo da fotografia.  Um exemplo poderá ser o da foto de Luiz Carvalho de Marcelo Rebelo de Sousa sentado num sofá e rodeado de telefones, inserida na revista comemorativa do 25º aniversário do Expresso.

Tendo em conta essa categorização, este estudo procurará testar as seguintes hipóteses:

1)   O sistema classificativo proposto é válido e os fotojornalistas, de facto, categorizam as fotos e categorizam-nas de uma forma aproximada da forma proposta no modelo que aqui se propõe, pelo que os fotojornalistas portugueses irão apresentar níveis de tolerância diferentes em relação às diferentes categorias de fotos;

2)   Se o sistema classificativo é válido e logicamente articulado, então os fotojornalistas portugueses serão mais tolerantes em relação à manipulação digital das fotografias ilustrativas e sequencial e progressivamente menos tolerantes em relação à manipulação digital de feature photos, de fotos semi-planeáveis e, finalmente, de spot news photos, deixando adivinhar o seu comportamento futuro em situações idênticas.

Colateralmente, procurarei testar a hipótese de que a introdução das tecnologias informáticas de tratamento de imagem está a alterar as rotinas produtivas fotojornalísticas na generalidade dos órgãos de comunicação, levando os fotojornalistas a recorrer cada vez mais, ou mesmo integralmente, aos processos digitais de processamento imagético, mais “limpos”, rápidos e cómodos.  Verificarei também se factores como a idade e o tempo de serviço influenciam a adesão ao processamento digital de fotografias jornalísticas.

 

 

4. Método

 

Para efectivação deste estudo, foi enviado por correio personalizado um questionário a 205 fotojornalistas de todo o território português, da imprensa de grande informação, da imprensa desportiva e económica e de agências (Lusa, ASF, etc.) ou grupos editoriais (como o Grupo Forum).  Os inquéritos foram enviados a todos os repórteres fotográficos que trabalhavam nos diferentes órgãos de comunicação contactados.  Os nomes dos foto-repórteres foram obtidos através de um contacto telefónico com os editores fotográficos ou com outros responsáveis editoriais.  Desta forma, julgo que o número de inquiridos se deve situar muito próximo do universo dos fotojornalistas portugueses, se exceptuarmos os que trabalham para revistas de sociedade (Caras, Nova Gente, etc.) e os que trabalham para revistas sectoriais muito específicas (do sector turístico, do sector bancário, etc.), que não foram contactados. 

Dos 205 fotojornalistas contactados por correio, 66 fotojornalistas (32,2%) responderam a esse inquérito até 10 de Abril de 1998 (data limite).  Outros oito fotojornalistas (da Agência Lusa, em Lisboa) foram inquiridos directa e pessoalmente, o que perfaz um total de 74 respostas em 213 possíveis.  Estes dados revelam, assim, uma taxa global de adesão à pesquisa de 34,7% dos repórteres fotográficos inquiridos, dos diversos tipos de imprensa, razão pela qual me parece que os resultados são minimamente representativos das actuais tendências gerais no que respeita à tolerância à manipulação digital de fotografias jornalísticas, muito embora a taxa de adesão ao inquérito se situe significativamente abaixo das taxas de resposta que Reaves (1995) obteve nos Estados Unidos para um inquérito menos exaustivo mas semelhante, que se situaram perto dos 75%.  Na minha opinião, este fenómeno demonstra a inexistência de uma certa cultura científica em Portugal, o que torna as pessoas e as organizações mediáticas algo impermeáveis à pesquisa científica.  No caso específico desta investigação, o fenómeno talvez tenha ocorrido porque, ao contrário do que sucede nos Estados Unidos, no nosso país não existem cursos superiores de fotojornalismo e só na década de oitenta se introduziram cursos superiores de fotografia, de que grande parte dos repórteres fotográficos não terá beneficiado.

O questionário, anónimo, solicitava informações gerais aos fotojornalistas sobre o órgão de comunicação social a que pertenciam (que serviu para elaboração da tabela 1), a idade (tabela 2), o sexo (tabela 3), o número aproximado de anos como fotojornalista profissional (tabela 4), o grupo profissional e o número de órgãos de comunicação social para que trabalhavam (tabela 5).  Seguidamente, interrogava os fotojornalistas sobre as suas opiniões acerca da manipulação digital de imagens (tabela 6) e sobre a frequência com que recorriam ao processamento digital de fotografias (tabela 7) e sobre quem decidia desse tratamento e dos termos em que ele seria feito (tabela 8).  Depois, solicitava aos fotojornalistas que assinalassem, entre 27 opções, operações de manipulação digital de fotografias que já tivessem realizado e a frequência com o faziam (tabela 9).  Posteriormente, apresentavam-se várias situações hipotéticas aos fotojornalistas, tentando-se averiguar se em determinadas circunstâncias eles cederiam a manipular uma fotografia jornalística de maneira a enganar propositadamente o observador (tabela 10).

Na parte principal do inquérito descreviam-se as quatro categorias de fotos atrás referenciadas e inseriam-se imagens ilustrativas das mesmas.  Para os quatro casos, o questionário levantava 22 questões idênticas para avaliar a tolerância dos fotojornalistas à manipulação digital de imagens fotográficas.  As respostas eram remetidas para uma escala de cinco pontos, em que um significava “desacordo total” e cinco significava “acordo total” (tabelas 11 e 12).

 

 

5. Resultados

 

Os dados do inquérito, dada a sua natureza, são apresentados nas tabelas abaixo.  Chamo desde já a atenção para o facto de que alguns fotojornalistas responderam a determinadas questões e não a outras, razão pela qual os números de respostas podem oscilar de tabela para tabela.

 

Tabela 1

Respostas por tipo de imprensa

 

 

N.º de envios

% em relação ao n.º total de envios (213)

 

Nº de respostas

% em relação ao n.º total de respostas

(74)

Agências noticiosas e fotográficas

28

13,1%

12

16,2%

Jornais diários[2]

80

37,6%

36

48,6%

Jornais semanários

24

11,3%

6

8,1%

Jornais desportivos

30

14,1%

8

26,7%

Jornais especializados

14

6,6%

0

0%

Revistas de informação geral

13

6,1%

2

2,7%

Revistas de informação especializada

 

12

 

5,6%

 

6

 

8,1%

Outros

12

5,6%

4

5,4%

Totais

213

100%

74

100%

 

Tabela 2

Composição da amostra[3] segundo a idade

Idade

18-25

anos

26-35

anos

36-45

anos

46-55

anos

56-65

anos

 66 anos

ou mais

Total de respostas

Média de

idades

N.º de

respostas

10

26

30

7

0

0

73

35,3

%

13,7%

35,6%

41,1%

9,6%

0%

0%

100%

 

Tabela 3

Composição da amostra segundo o sexo

Sexo masculino (n.º)

Sexo masculino (%)

Sexo feminino (n.º)

Sexo feminino (%)

Total

67

90,5%

7

9,5%

(100%)

 

Tabela 4

Composição da amostra segundo o número de anos de exercício profissional do fotojornalismo

 

N.º de anos

 

 menos de 2

 

3-5

 

6-10

 

11-20

 

21-30

 

31 ou mais

Total

de

respostas

N.º médio de anos de

exercício

N.º de

respostas

10

17

27

12

8

0

74

9,6

%

13,5%

23%

36,5%

16,2%

10,8%

0%

100%

 

Tabela 5

N.º de órgãos de comunicação jornalística onde o fotojornalismo é exercido por cada profissional

 

N.º de órgãos

 

1

 

2

 

3-5

 

6 ou mais

 

Total de respostas

N.º médio de órgãos onde os

foto-repórteres

exercem

N.º de respostas

52

12

10

0

74

1,3

%

70,3%

16,2%

13,5%

0%

100%

 

Tabela 6

Opiniões sobre a manipulação digital de fotografias jornalísticas

Perguntas

Sim (N.º)

Sim (%)

Não (N.º)

Não (%)

Na sua opinião, o Código Deontológico deve definir as condições em que uma fotografia pode ser digitalmente manipulada?

60

83,3%

12

16,7%

Na sua opinião, as fotografias jornalísticas sujeitas a manipulação devem conter um símbolo que as identifique?

58

80,5%

14

19,5%

Na sua opinião, o observador deve ser sempre informado quando está perante uma fotografia digitalmente manipulada?

60

83,3%

12

16,7%

 

 

Tabela 7

Frequência com que os fotojornalistas tratam digitalmente as fotografias

Sempre

Sempre

Frequente-

mente

Frequente-

mente

Às vezes

Às vezes

Nunca

Nunca

N.º

%

N.º

%

N.º

%

N.º

%

Total

36

48,6%

16

21,6%

8

10,8%

14*

19%

Idade até

35 anos

11

14,8%

9

12,2%

4

5,4%

12

16,2%

Idade de 36 anos ou mais

25

33,8%

7

9,5%

4

5,4%

2

2,7%

Exercício

profissional

até 10 anos

 

24

 

32,4%

 

10

 

13,5%

 

6

 

8,1%

 

14

 

19%

Exercício

profissional

superior a

10 anos

 

12

 

16,2%

 

6

 

8,1%

 

2

 

2,7%

 

0

 

0%

*Apesar destes terem sido os dados recolhidos, veremos pela tabela 9 que a situação aqui exposta não corresponderá totalmente à realidade, pois apenas quatro fotojornalistas mostraram que, de facto, nunca usaram qualquer procedimento digital de tratamento de fotografias.  A explicação que me ocorre é a de que determinados fotojornalistas não perspectivam certas operações digitais, de que os reenquadramentos são exemplo, como uma forma de tratamento digital de imagens, já que estes procedimentos seriam semelhantes às técnicas usadas nos laboratórios tradicionais.

 

Tabela 8

Decisão sobre o processo de manipulação digital de fotografias

(No seu órgão de comunicação social, quem decide sobre se uma imagem será digitalmente manipulada?)

O foto-

repórter

(N.º)

O foto-

repórter

(%)

O editor

(N.º)

O editor

(%)

O chefe

de re-

dacção

(N.º)

O chefe

de re-

dacção

(%)

O di-

rector

(N.º)

O di-

rector

(%)

Os

de-

signers

(N.º)

Os

de-

signers

(%)

Outros

 

(N.º)

Outros

 

(%)

22,3

30,5%

26,6

36,4%

5,9

8,1%

5,3

7,3%

8,6

11,8%

4,3

5,9%

Nota: quando os inquiridos assinalaram mais do que uma opção, os valores foram divididos pelas categorias.  Por exemplo, se um fotojornalista assinalava que eram ele próprio e o editor a decidir sobre o tratamento digital de fotografias, contabilizava-se meio valor para cada uma dessas duas categorias.

 

Tabela 9

Operações de processamento digital de fotografias realizadas pelos fotojornalistas

(No seu órgão jornalístico, já realizou algumas das seguintes operações de manipulação digital de fotografias?)

 

 

Não

(N.º)

 

Não

(%)

 

Sim

(N.º)

 

Sim

(%)

 

Sempre

(N.º)

 

Sempre

(%)

Fre-quente-mente (N.º)

Fre-quente-mente (%)

Às

vezes

(N.º)

Às

vezes

(%)

Reenquadramentos

4

5,4%

70

94,6%

24

32,4%

24

32,4%

22

29,7%

Ajustamento das

tonalidades

14

18,9%

60

81,1%

12

16,2%

18

24,3%

30

40,5%

Ajustamento das

cores

22

29,7%

52

70,3%

14

18,9%

14

18,9%

24

32,4%

Mudança das

cores

68

91,9%

6

8,1%

0

0%

0

0%

6

8,1%

Ajustamentos do

contraste

(sharpening)

 

10

 

13,5%

 

64

 

86,5%

 

24

 

32,4%

 

6

 

8,1%

 

34

 

45,9%

Sombreamento

(shading)

34

45,9%

40

54,1%

4

5,4%

12

16,2%

 

24

32,4%

Limpeza da imagem devido a

“lixos” no negativo

 

22

 

29,7%

 

52

 

70,3%

 

14

 

18,9%

 

20

 

27,1%

 

18

 

24,3%

Efeitos de névoa

(smoothing)

72

97,3%

2

2,7%

0

0%

2

2,7%

0

0%

Realce ou atenuação do plano de fundo

 

66

 

89,2%

 

8

 

10,8%

 

0

 

0%

 

2

 

2,7%

 

6

 

8,1%

Realce ou atenuação do motivo

 

35

 

47,3%

 

39

 

52,7%

 

6

 

8,1%

 

12

 

16,2%

 

21

 

28,4%

Efeitos de máscara

41

55,4%

33

44,6%

0

0%

4

5,4%

29

39,2%

Acentuação, diminuição, introdução ou alteração de texturas

 

 

68

 

 

91,9%

 

 

6

 

 

8,1%

 

 

0

 

 

0%

 

 

1

 

 

1,4%

 

 

5

 

 

6,8%

Simulacros de

iluminação

71

95,9%

3

4,1%

0

0%

0

0%

3

4,1%

Mistura de imagens

64

86,5%

10

13,5%

0

0%

0

0%

10

13,5%

Retirada de objectos

53

71,6%

21

28,4%

0

0%

0

0%

21

28,4%

Retirada de pessoas

69

93,2%

5

6,8%

0

0%

0

0%

5

6,8%

Colocação de objectos

72

97,3%

2

2,7%

0

0%

0

0%

2

2,7%

Colocação de pessoas

71

95,9%

3

4,1%

0

0%

0

0%

3

4,1%

Substituição de objectos

72

97,3%

2

2,7%

0

0%

0

0%

2

2,7%

Substituição de pessoas

72

97,3%

2

2,7%

0

0%

0

0%

2

2,7%

Efeitos ópticos (difracção, transparência, refracção, etc.)

 

70

 

94,6%

 

4

 

5,4%

 

0

 

0%

 

0

 

0%

 

4

 

5,4%

Efeitos atmosféricos

69

93,2%

5

6,8%

0

0%

0

0%

5

6,8%

Ampliação e redução de partes da fotografia

 

34

 

45,9%

 

40

 

54,1%

 

2

 

2,7%

 

16

 

21,6%

 

22

 

29,7%

Rotação e/ou reflexão

59

79,7%

15

20,3%

0

0%

1

1,4%

14

18,9%

Alteração e/ou simulação da

profundidade de

campo

 

71

 

95,9%

 

3

 

4,1%

 

1

 

1,4%

 

0

 

0%

 

2

 

2,7%

Distorções

70

94,6%

4

5,4%

0

0%

0

0%

4

5,4%

Efeitos de travagem ou escorrimento do movimento

 

72

 

97,3%

 

2

 

2,7%

 

0

 

0%

 

0

 

0%

 

2

 

2,7%

 

Tabela 10

Cedência à manipulação de fotografias jornalísticas de forma a enganar o observador

Sim

(N.º)

Sim

(%)

Não

(N.º)

Não

(%)

Se o seu director lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de forma a enganar o observador?

3

4,1%

71

95,9%

Se o seu chefe de redacção lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de forma a enganar o observador?

1

1,4%

73

98,6%

Se o seu editor lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de forma a enganar o observador?

3

4,1%

71

95,9%

Se o seu presidente da administração lhe pedisse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de forma a enganar o observador?

1

1,4%

73

98,6%

Se o seu emprego estivesse em risco caso não o fizesse, manipularia digitalmente uma fotografia jornalística de forma a enganar o observador?*

 

21**

 

28,4%

 

51**

 

68,8%

*Alguns fotojornalistas assinalaram as duas opções, “sim” e “não”, enquanto outros escreveram “talvez” e outros ainda escreveram comentários que se podem resumir a “depende das circunstâncias”.  Nestes casos, dividi o valor da resposta pelos dois itens, “sim” e “não”.

**Dois fotojornalistas não responderam a esta questão.

 

Tabela 11

Tolerância dos fotojornalistas à manipulação digital de fotografias jornalísticas

(Médias arredondadas das respostas em função das diferentes categorias de fotografias)

(Nota: cinco significava “acordo total” e um significava “desacordo total”)

Spot news

Fotos “semi-planeáveis”

Feature photos

Fotografias

ilustrativas

Remover postes telefónicos, linhas, etc., que distraiam a atenção (exemplo: poste a “sair” da cabeça de uma pessoa)

2,04

2,33

2,5

4,2

Remover anúncios publicitários das camisolas dos jogadores

1,09

1,85

2,3

3,8

Remover objectos que possam passar por publicidade (exemplo: tirar uma lata de Coca Cola da imagem)

1,31

1,82

2,26

4,2

Remover objectos que dificultem a leitura da imagem ou estraguem a sua estética (exemplo: eliminar os carros estacionados  em frente a um monumento ou outro motivo)

 

1,64

 

1,66

 

2,44

 

4,8

Mudar ligeiramente as cores de objectos ou pessoas (por exemplo, por os dentes mais brancos)

1,44

1,44

2,16

3,83

Modificar as cores para dar um novo sentido à imagem (por exemplo, avermelhar a água para que esta passe por sangue ou avermelhar o céu para passar por um pôr do sol)

 

1

 

1

 

1,63

 

3,24

Remover objectos do plano de fundo que tiram relevo ao motivo

1,61

1,74

2,07

3,5

Mover objectos para a beira do motivo (exemplo: bola para a beira do jogador)

1,46

1,64

2,07

3,27

Remover pessoas do plano de fundo quando desviam a atenção do motivo

1,11

1,52

2,05

3,22

Remover pessoas do primeiro plano quando desviam a atenção do motivo

1,11

1,11

2,11

2,88

Reenquadrar, sem abandonar o formato (ao alto ou ao baixo), apenas suprimindo “ar”

4

4,09

4,75

4,75

Reenquadrar, sem abandonar o formato, suprimindo objectos

2,82

3,3

3,61

4

Reenquadrar, sem abandonar o formato, suprimindo pessoas

1,5

2,6

3,07

3,63

Reenquadrar, alterando o formato (colocar ao alto uma foto ao baixo ou vice-versa), apenas suprimindo “ar”

2,8

2,83

3,55

4,38

Reenquadrar, alterando o formato, suprimindo objectos

2,07

2,71

2,88

3,86

Reenquadrar, alterando o formato, suprimindo pessoas

1,26

2,07

2,77

3,61

Combinar, numa única foto, pessoas e/ou objectos de fotografias distintas

1,72

1,77

2,14

3,44

“Embaciar” ou atenuar um fundo para destacar o motivo

1,61

1,7

2,11

3,61

Intensificar as cores para gerar maior intensidade gráfica

2,5

2,57

2,61

3,55

Ampliar uma parte da imagem transferindo objectos (por exemplo, transferir uma bola de futebol que se perderia ao reenquadrar-se uma foto para dentro do novo enquadramento)

 

1,37

 

1,7

 

1,77

 

3,33

Apagar o plano de fundo para realçar o motivo

1,3

1,57

1,87

3,35

Apagar ou tapar matrículas, rostos, etc., de maneira a proteger a identidade das pessoas representadas na imagem (exemplo: esbranquiçar a matrícula do carro do cliente de uma prostituta e tapar o rosto dela e dele)

 

4,77

 

4,8

 

4,8

 

4,8

Média dos valores médios

1,88

2,17

2,61

3,78

 

Tabela 12

Tolerância dos fotojornalistas à manipulação digital de fotografias jornalísticas

(Desvios-padrão arredondados das respostas em função das diferentes categorias de fotografias)

Spot news

Fotos “semi-planeáveis”

Feature photos

Fotografias

ilustrativas

Remover postes telefónicos, linhas, etc., que distraiam a atenção (exemplo: poste a “sair” da cabeça de uma pessoa)

1,05

0,93

0,78

0,24

Remover anúncios publicitários das camisolas dos jogadores

0,03

0,89

1,3

0,69

Remover objectos que possam passar por publicidade (exemplo: tirar uma lata de Coca Cola da imagem)

0,61

0,86

1,07

1,02

Remover objectos que dificultem a leitura da imagem ou estraguem a sua estética (exemplo: eliminar os carros estacionados  em frente a um monumento ou outro motivo)

 

0,32

 

0,32

 

1,27

 

0,21

Mudar ligeiramente as cores de objectos ou pessoas (por exemplo, por os dentes mais brancos)

0,29

0,29

1,25

1,32

Modificar as cores para dar um novo sentido à imagem (por exemplo, avermelhar a água para que esta passe por sangue ou avermelhar o céu para passar por um pôr do sol)

 

0

 

0

 

0,36

 

0,61

Remover objectos do plano de fundo que tiram relevo ao motivo

0,36

0,52

1,14

1,25

Mover objectos para a beira do motivo (exemplo: bola para a beira do jogador)

0,27

0,32

1,15

1,87

Remover pessoas do plano de fundo quando desviam a atenção do motivo

0,05

0,47

0,1

1,59

Remover pessoas do primeiro plano quando desviam a atenção do motivo

0,05

0,05

0,13

1,41

Reenquadrar, sem abandonar o formato (ao alto ou ao baixo), apenas suprimindo “ar”

0

0,05

0,44

0,42

Reenquadrar, sem abandonar o formato, suprimindo objectos

1,25

1,39

1,55

0

Reenquadrar, sem abandonar o formato, suprimindo pessoas

0,93

1,23

1,16

1,67

Reenquadrar, alterando o formato (colocar ao alto uma foto ao baixo ou vice-versa), apenas suprimindo “ar”

0,55

0,6

1,04

0,93

Reenquadrar, alterando o formato, suprimindo objectos

1,02

1,39

1,59

1,25

Reenquadrar, alterando o formato, suprimindo pessoas

0,49

1,56

0,03

1,14

Combinar, numa única foto, pessoas e/ou objectos de fotografias distintas

0,51

0,52

1,23

1,41

“Embaciar” ou atenuar um fundo para destacar o motivo

0,36

0,58

1,1

1,22

Intensificar as cores para gerar maior intensidade gráfica

1,16

1,33

0,8

1,19

Ampliar uma parte da imagem transferindo objectos (por exemplo, transferir uma bola de futebol que se perderia ao reenquadrar-se uma foto para dentro do novo enquadramento)

 

0,85

 

0,59

 

0,6

 

1,59

Apagar o plano de fundo para realçar o motivo

0,82

0,43

0,19

1,61

Apagar ou tapar matrículas, rostos, etc., de maneira a proteger a identidade das pessoas representadas na imagem (exemplo: esbranquiçar a matrícula do carro do cliente de uma prostituta e tapar o rosto dela e dele)

 

0,35

 

0,21

 

0,21

 

0,21

Média dos desvios-padrão

0,51

0,66

0,86

1,03

 

 

 

6. Discussão dos resultados

 

Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que os resultados obtidos com o inquérito se referem, em última instância, aos fotojornalistas que responderam.  Porém, como já disse, estou convencido de que os resultados obtidos representam minimamente a realidade, já que uma amostra cujo tamanho deve corresponder a cerca de 34,7% de todos os profissionais (excluindo os que trabalham para revistas de sociedade e femininas) me parece minimamente representativa do universo dos fotojornalistas portugueses.  Ainda assim, conforme é visível pela tabela que discrimina as respostas pelo tipo de imprensa (tabela 1), a percentagem específica de respostas desvia-se em maior ou menor grau da percentagem que reflecte a dimensão relativa de cada “grupo” de fotojornalistas portugueses.  Portanto, as conclusões desta investigação poderão desviar-se ligeiramente do que acontece de facto na realidade.

No que respeita à amostra, os resultados obtidos revelam que o fotojornalismo em Portugal é uma profissão de pessoas novas (média de idades de 35,3 anos; 49,3% dos profissionais com idades até 35 anos) e um dos redutos jornalísticos conservados nas mãos do sexo masculino (90,5% dos fotojornalistas que responderam eram homens).  Neste último ponto, o fenómeno colide com a tendência de feminilização do jornalismo português que se vem notando com particular intensidade desde o início dos anos noventa[4].

A maioria dos fotojornalistas (70,3%) trabalha num único órgão de comunicação social, embora uma percentagem significativa busque receitas complementares exercendo a profissão em dois (16,2%) ou três, quatro e mesmo cinco (13,5%) organizações noticiosas.

Para 83,3% dos fotojornalistas, o Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses deveria definir as condições em que uma fotografia pode ser digitalmente manipulada.  O mesmo número de foto-repórteres responde positivamente quando confrontado com a ideia de o observador ser sempre informado quando está perante uma fotografia digitalmente manipulada.   Um número ligeiramente inferior de jornalistas fotográficos (80,5%) concordaria em colocar um pequeno símbolo identificativo nas fotografias que tivessem sido sujeitas a manipulação digital.

Os resultados demonstram também que, embora a captação digital de fotografias jornalísticas, devido ao custo dos equipamentos, ainda não esteja muito generalizada em Portugal (Sousa, 1997), o tratamento informático de imagens fotográficas já se incorporou nas rotinas de processamento de foto-informação no nosso país (70,2% dos fotojornalistas fazem-no sempre ou frequentemente e 10,8% pelo menos algumas vezes).  Percentagens tão elevadas permitem igualmente dizer que esta tendência se tem desenhado transorganizacionalmente, penetrando glocalmente[5] na cultura profissional.

Registe-se, igualmente, que, ao contrário do que eu esperava (devido aos novos contextos educacionais e civilizacionais), não houve um único fotojornalista com mais de dez anos de profissão que nunca tivesse tratado digitalmente fotografias; pelo contrário, foi no grupo de fotojornalistas com menos anos de profissão que se encontraram profissionais que nunca trataram informaticamente as suas imagens (tabela 7).  Os foto-repórteres mais calejados mostraram-se, assim, significativamente abertos à introdução de novas técnicas de processamento da foto-informação. 

Da mesma maneira, foi entre os foto-repórteres com idade igual ou superior a 36 anos que se encontraram menos fotojornalistas que referem nunca ter tratado digitalmente as suas imagens (dois, ou seja, 2,7%); inversamente, no conjunto de fotojornalistas com idade igual ou inferior a 35 anos, os números ascendem a doze fotojornalistas (16,2%).  Porém, conforme é indicado na nota da tabela 7, estes dados parecem estar inflacionados, pois, pela tabela 9, verifica-se que apenas quatro dos fotojornalistas que responderam ao inquérito nunca terão usado qualquer procedimento digital de tratamento de fotografias.  A explicação que me ocorre, conforme vinquei, é a de que os fotojornalistas não perspectivaram certas operações digitais, de que os reenquadramentos são exemplo, como uma forma de tratamento digital de imagens, já que estes procedimentos seriam semelhantes às técnicas usadas nos laboratórios tradicionais.

No geral, os editores fotográficos dos jornais, revistas e agências têm um peso determinante na decisão sobre se uma fotografia jornalística será digitalmente tratada, embora o peso dos foto-repórteres também seja significativo  (tabela 8).  De qualquer modo, este dado indicia uma transferência de soberania sobre a foto do fotógrafo-autor para outras entidades (editores, chefias, direcção, designers, etc.).  O peso dos designers neste processo decisório concorre para demonstrar o triunfo do design global que se foi configurando na imprensa a partir de meados dos anos oitenta (recorde-se o pioneiro USA Today), devido ao aparecimento e aproveitamento das novas tecnologias informáticas e multimédia de processamento gráfico da informação.

Entre as operações de processamento digital de fotografias que os fotojornalistas inquiridos já realizaram, as mais comuns são, por ordem decrescente, os reenquadramentos (feitos por 94,6% dos fotógrafos), a contrastação ou sharpening (86,5%), os ajustes de tonalidade (81,1%), os ajustamentos das cores e a “limpeza” da imagem devido a “lixos” do negativo (70,3%), a ampliação e redução de partes da fotografia (54,1%), o realce ou atenuação do motivo (52,7%) e os efeitos de máscara (44,6%).  Contrariamente às minhas expectativas, reforçadas pela minha convicção de que no campo fotojornalístico português ainda reina a ideologia da objectividade, sendo a foto vista como o espelho da realidade e não como um artefacto construído por acção pessoal, social, ideológica, cultural, física e tecnológica (Sousa, 1997), fotojornalistas em percentagem relativamente elevada realçaram que já apagaram objectos das imagens (28,4%) ou mesmo pessoas (6,8%) [parece existir um maior respeito pelas pessoas do que pelos objectos], que já sujeitaram as fotos a operações de rotação e reflexão (20,3%), que já misturaram elementos de várias fotografias numa única (13,5%), etc. (tabela 9).  Assim, e embora a informação exposta na tabela 10 pareça indiciar que os foto-repórteres portugueses dificilmente cederiam a enganar o observador com fotografias digitalmente manipuladas, várias fotografias truncadas já foram, certamente, publicadas na imprensa portuguesa, provavelmente, em alguns casos, sem qualquer atributo que as identificasse como tal. 

Se cruzarmos a informação exposta na tabela 9 com os dados constantes da tabela 11, podemos apresentar ainda a hipótese de que as fotografias que foram digitalmente alteradas pelos fotojornalistas (especialmente no que diz respeito ao apagamento de pessoas e objectos) teriam sido sobretudo fotografias ilustrativas ou, secundariamente, feature photos, pois as imagens destes tipos são aquelas que os foto-repórteres mais rapidamente consentiriam em alterar.

Os dados expostos na tabela 11 confirmam as duas principais hipóteses levantadas quando esta pesquisa foi configurada[6].  Embora as elevadas tolerâncias aos reenquadramentos em que apenas se suprime “ar” e às técnicas digitais de protecção da identidade de pessoas fotografadas tenham empolado os resultados, pode-se dizer que os fotojornalistas portugueses são relativamente intolerantes à manipulação digital das spot news (média das respostas de 1,88), minimamente mais tolerantes à manipulação digital das fotos planeáveis (média das respostas de 2,17), ainda algo mais tolerantes à manipulação digital das feature photos (média das respostas de 2,61) e relativamente abertos à manipulação digital de fotografias ilustrativas (média de 3,78).  Contudo, no geral podemos afirmar que os níveis de tolerância à manipulação digital são baixos, pelo que os diversos tipos de fotografias jornalísticas correm poucos riscos de ser digitalmente alteradas, especialmente se excluirmos o caso das fotografias ilustrativas.

As diferenças assinaladas nas médias dos índices de tolerância permitem também afirmar que o sistema classificativo proposto é válido e que os fotojornalistas, de facto, mesmo não conscientemente, categorizam as fotos de uma forma aproximada do modelo que aqui propus (ou, pelo menos, teriam reparado, com o inquérito, de que se poderiam taxionomizar as fotos).  Esse modelo, como disse, baseia-se num continuum simbólico que se estenderia das spot news às fotografias ilustrativas, passando pelas fotografias semi-planeáveis e pelas feature photos.  As spot news seriam vistas pelos jornalistas fotográficos como essencialmente denotativas e as fotografias ilustrativas seriam perspectivadas como essencialmente conotativas.  Pelo meio ficariam as duas categorias restantes, respectivamente fotografias semi-planeáveis e feature photos.  Sendo este sistema classificativo válido e logicamente articulado, então é possível prever o comportamento dos fotojornalistas portugueses: eles serão mais tolerantes em relação à manipulação digital das fotografias ilustrativas e sequencial e progressivamente menos tolerantes em relação à manipulação digital de feature photos, de fotos semi-planeáveis e, finalmente, de spot news.

Em três dos casos propostos, os foto-repórteres não distinguiram as fotografias semi-planeáveis das spot news.  Em seis outros casos, as diferenças da pontuação média não ultrapassam algumas centésimas.  Em termos médios, apenas 0,29 pontos separam as duas médias gerais de classificação.  Assim, spot news e fotografias semi-planeáveis seriam as duas categorias taxionómicas que os fotojornalistas menos categorizariam separadamente.

Os desvios-padrão (tabela 12) demonstram que, no geral, os fotojornalistas foram consistentes nas suas repostas, isto é, os graus de tolerância à manipulação digital de imagens são partilhados pelos fotojornalistas: há um relativo consenso entre a classe dos fotojornalistas portugueses sobre até que ponto pode uma fotografia jornalística ser submetida a determinado número de operações de manipulação digital.  A génese desse consenso poderá hipoteticamente encontrar-se num determinado substrato comum de cultura profissional.  O acordo geral seria maior para as spot news (média dos desvios-padrão de 0,51), decrescendo posteriormente quanto mais a fotografia caminhasse no sentido da conotação, isto é, quando se tratava, respectivamente, de fotografias semi-planeáveis (0,66), de features (0,86) e de fotografias ilustrativas (1,03).  Neste último caso, é provável que alguns fotojornalistas não encarem essas imagens como fotografias jornalísticas “puras”, ao contrário de outros que as vêem como imagens tão fotojornalísticas como as restantes.  Os primeiros seriam, consequentemente, mais abertos à sua manipulação digital do que os segundos.  Diferentes classificações provocaram, então, desvios-padrão relativamente altos em relação às médias.

 

 

7. Para além da discussão dos resultados: algumas ideias

 

Penso que no fotojornalismo não se pode usar a tecnologia da imagem digital para se contarem mentiras nem para se desrealizarem arbitrariamente as representações fotográficas do mundo.  Mas podem-se e devem-se usar todas as ferramentas que permitam, fotograficamente falando, interpretar melhor a realidade, contextualizar os assuntos e gerar um tipo de conhecimento que ultrapasse a dimensão mais simples, embora igualmente importante, da informação visual.  Em meu entender, o que é imprescindível é que o consumidor das fotografias jornalísticas saiba quando está e quando não está perante uma imagem digitalmente manipulada, nomeadamente quando a manipulação ultrapassa o reenquadramento legítimo e realizado pelo fotojornalista, a acentuação do contraste, o realçamento de detalhes ou outros procedimentos que não afectem o conteúdo manifesto da representação fotográfica em causa.  Portanto, e pensando na eventual inserção de normas relativas à utilização jornalística da fotografia digital no Código Deontológico, e atendendo a que o uso não deve ser confundido com abuso, julgo que o primeiro princípio a reconhecer deverá ser sempre este: o observador deve saber que tipo de imagem está a consumir.  Isso poderia ser feito, como propôs a Associação de Jornalistas da Noruega, através da inclusão de um pequeno símbolo nas fotografias jornalísticas digitalmente manipuladas.  Por outro lado, os diferentes observatórios da comunicação já existentes ou em vias de criação deveriam integrar na sua agenda uma certa preocupação com os conteúdos das fotografias publicadas na imprensa ou difundidas pelas agências, procurando listar os casos de abuso na utilização das tecnologias digitais de manipulação de imagem, como já sucede noutros países, e desses abusos dar conhecimento público.  Finalmente, mas não menos importante, haverá que esclarecer a questão da propriedade intelectual, já que, não existindo negativos, quando uma imagem sofre várias pequenas alterações em série feitas por várias pessoas não só se pode ir degradando como também se torna difícil definir a sua autoria.

 

 

Bibliografia

 

BARTHES, Roland (1984) – O Óbvio e o Obtuso.  Lisboa: Edições 70.

KELLY, James e NACE, Diona (1993) – Credibility of digital news photos.  Comunicação apresentada à conferência anual da Association for Education in Journalism and Mass Communication.

MITCHELL, William J. (1992) – The Reconfigured Eye.  Visual Truth in the Post-Photographic Era.  Cambridge: The MIT Press.

REAVES, Shiela (1995) – The vulnerable image: Categories of photos as predictor of digital manipulation.  Journalism Quarterly, 72 (3): 706-715.

SOUSA, Jorge Pedro (1997) - Fotojornalismo Performativo.  O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação (tese de doutoramento).  Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela (edição em CD-ROM).

TUCHMAN, Gaye (1978) – Making News.  A Study in the Construction of Reality.  New York: The Free Press.

WORTH, Sol e GROSS, Larry (1974) – Symbolic strategies.  Journal of Communication, 24 (1): 27-39.



[1] Doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Santiago de Compostela; professor auxiliar da Universidade Fernando Pessoa - Porto.

[2] Inclui jornais semi-especializados/semi-de informação geral, como o Diário Económico, e jornais diários de expansão regional, como O Primeiro de Janeiro, Diário do Alentejo, Diário de Notícias (Funchal), etc.

[3] Considero, para o presente estudo, como “amostra” o conjunto de fotojornalistas que responderam ao inquérito.  Não lhe dou, portanto, o seu significado estatístico.

[4] Ver: Segundo Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, coordenado por José Luís Garcia e apresentado ao III Congresso Nacional dos Jornalistas Portugueses (1998).

[5] Glocalmente: globalmente a nível local, isto é, em Portugal.

[6] Ver o ponto 3 deste artigo, intitulado “Hipóteses”.