MEDIDAS EXTREMAS: AS REPRESENTAÇÕES JORNALÍSTICAS DO PLANO ECONÓMICO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NA IMPRENSA DIÁRIA PORTUGUESA (OS CASOS DO PÚBLICO E DO JORNAL DE NOTÍCIAS)

Jorge Pedro Sousa, Universidade Fernando Pessoa
Roberta Dietrich, Telejornalista da RBS/Brasil e mestranda na URB/Brasil


 
 

A 27 de Outubro de 1998, o Presidente do Brasil anunciou uma série de medidas de combate à crise económica brasileira. Dada a presente relevância da conjuntura económica do Brasil para a economia mundial, este artigo estuda a forma como dois jornais diários portugueses (Público e Jornal de Notícias) cobriram o anúncio presidencial. Entre as principais conclusões, sobressai a ideia de que a cobertura realizada foi quantitativamente pouco relevante, embora tendencialmente analítica e antecipativa. Pode-se ainda concluir que o tom dos artigos em relação à prestação económica do Brasil foi tendencialmente mais positivo no Público do que no Jornal de Notícias e que o agendamento do tema se verificou imediatamente antes e imediatamente após o anúncio presidencial.

On the 27th of October of 1998, the President of Brazil announced several measures to fight the Brazilian economical crisis. As the economical Brazilian conjuncture is actually relevant for World economy, this article studies the way two Portuguese daily newspapers (Público and Jornal de Notícias) cover that presidential announcement. Among the main conclusions stands out the idea that the coverage was quantitatively somewhat irrelevant, although it was tendentially analytical. We also find that both journals tried to advance the measures announced by the President of Brazil before the presidential announcement. It may also be concluded that the news tone about the economical performance of Brazil was tendentially more positive in Público than in Jornal de Notícias and that the agenda-setting of the subject took place immediately before and immediately after the presidential announcement.
 
 

1. Introdução

Terça-feira, 27 de Outubro de 1998. Anoitece. Milhões de brasileiros colam-se aos ecrãs dos televisores. O Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, dirige-se ao País. As medidas que anunciou adivinhavam-se,1 mas nem por isso deixaram de ser preocupantes.

Era visível que a economia brasileira não atravessava um dos seus melhores momentos. Ela foi ferida pelo descalabro económico asiático que, em tempos de globalização, afectou toda a economia internacional. Assim, a fuga de capitais, iniciada em Agosto, não constituiu uma inteira surpresa. Mas a necessidade de manter no Brasil esse capital levou ao aumento dos juros da casa dos 20% para a casa dos 42%. O aumento dos juros fez diminuir o êxodo de dólares, embora o saldo cambial se tenha mantido negativo e as reservas brasileiras de dólares tivessem diminuído.

A aparente estratégia suicidária do Governo Federal do Brasil, que se parecia auto-prejudicar com a elevação das taxas de juro que ele mesmo arbitra, teve como principal ou mesmo único fim estancar a hemorragia cambial. Porém, se anteriormente os altos juros pretendiam conter a explosão do consumo que poderia advir do aumento do poder de compra, conquistado com a estabilização da inflação, através do Plano Real, implantado em 1994, a duplicação do valor das taxas de juro paralisou economicamente o país, que entrou numa espécie de hibernação, com consequências negativas ao nível da produção, do consumo e, consequentemente, do emprego. Face a esta situação, algumas empresas chegaram a paralisar a produção por um determinado período, como foi o caso da Fiat, que deu folga a todos os trabalhadores durante uma semana.

A conjuntura vivida em Outubro de 1998 era, de facto, anormal. A política económica assentava no pressuposto do aumento dos investimentos externos devido, entre outros factores, ao controle da inflação, a uma política de moeda forte, ao aumento do poder de compra da população num mercado em crescimento e aos baixos custos de produção, em parte decorrentes de uma política de contenção salarial. Todavia, a crise internacional obrigou a que essa perspectiva fosse reavaliada. Dois cenários tornaram-se, então, possíveis. Ou a economia brasileira, com as medidas implementadas pelo Governo de Fernando Henrique, dava um passo em terra firme - e o fio da estabilidade, em Novembro de 1998, parecia mais resistente do que no início da crise- ou então o Brasil assistiria ao fim da estabilidade e entraria outra vez em derrapagem económica.

Face à situação, Fernando Henrique Cardoso anunciou, a 27 de Outubro de 1998, a adopção de uma série de medidas de combate à crise económica, que estava a fazer desaparecer o capital injectado no Brasil após a implantação do Plano Real. Essas medidas, integradas num pacote de consolidação orçamental, visaram impedir a desvalorização do real e transformar um défice primário 2 de 11 mil milhões de reais num excedente primário de 16 mil milhões de reais. Quer-se atingir um superavit de 3% do Produto Interno Bruto nas contas primárias públicas em 2001, quando, em Novembro de 1998, o défice se situava em cerca de 7% do PIB. As principais medidas anunciadas pelo Presidente da República do Brasil foram as seguintes:

  1. Efectivação de cortes nos gastos públicos;
  2. Aumento das contribuições dos funcionários públicos no activo ou aposentados para a segurança social;
  3. Aumento da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras;
  4. Desvio de parte do montante arrecadado em impostos e taxas, que actualmente é todo gasto em despesas orçamentais, para abatimento da dívida pública.
Face à relevância de que a situação anteriormente exposta se reveste, quer para brasileiros, quer para a comunidade internacional, cuja economia pode sofrer bastante com uma crise económica no Brasil, parece-nos importante analisar a forma como a imprensa mundial representou jornalisticamente o momento em que Fernando Henrique Cardoso anunciou o seu pacote económico de combate à crise.

Este trabalho tem, assim, por objectivo avaliar a forma como a imprensa diária portuguesa representou o anúncio presidencial e as repercussões que ele teve. Escolhemos a imprensa portuguesa devido aos laços culturais, linguísticos, afectivos e também económicos 3 que ligam Portugal ao Brasil.

Entre os vários jornais diários portugueses, escolhemos dois dos três que são publicados simultaneamente em Lisboa e no Porto, embora beneficiando de edições diferenciadas, o Público e o Jornal de Notícias. Procurámos analisar dois jornais diferenciados entre si e direccionados para segmentos distintos do público. Para o estudo, usámos as edições "Porto".

A pesquisa incidiu sobre os números de ambos os jornais que se publicaram entre o dia 26 de Outubro, segunda-feira, véspera do anúncio de Fernando Henrique Cardoso, e 1 de Novembro, domingo. Abarcámos, assim, sete números sucessivos, o que corresponde a uma semana de análise. Começámos a análise pelos números de segunda-feira de ambos os jornais, apesar de o anúncio presidencial se ter unicamente processado na terça-feira, porque um dos trunfos do jornalismo actual, num ambiente de competição, é a antecipação dos assuntos. Tivemos, por isso, pelo menos de colocar por hipótese que os jornais pudessem procurar antever o que se poderia vir a passar no Brasil. Porém, as principais hipóteses que procurámos testar na elaboração deste trabalho foram as seguinte:

  1. Se a instabilidade actual da economia brasileira pode contagiar a economia mundial e se Portugal possui fortes laços culturais, linguísticos, afectivos e económicos com o Brasil, 4 então a imprensa portuguesa deverá ter devotado um espaço relevante ao anúncio das medidas económicas de excepção protagonizado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso;
  2. Se o jornalismo "de qualidade" se tem tornado crescentemente analítico,5 então a cobertura do tema em causa protagonizada pela imprensa diária portuguesa deverá ter sido mais analítica do que descritiva.
Como método enveredámos por uma análise do discurso, que se baseou, em concreto, numa análise morfológica dos jornais, quantitativa, na aferição dos tipos de peças inseridos sobre o tema em causa (textos predominantemente descritivos/reportativos, analíticos/interpretativos ou opinativos), na avaliação da presença das fontes de informação, na avaliação do tom das peças publicadas (tendencialmente positivo, neutro ou negativo) e na enunciação sintética das principais ideias transmitidas nas notícias. Para o estudo, não entrámos em consideração com suplementos e revistas, com excepção do suplemento semanal de economia do Público, publicado à segunda-feira.
 
 

2. Resultados

Para comodidade de leitura e apreensão, os dados recolhidos na análise de conteúdo foram sistematizados em tabelas.
 
 

  1. Público

  2. Tabela 1 - Resultados da Análise Morfológica (I)

     

    Dias

     

    N.º de notícias

    N.º de notícias de

    economia e

    internacional

     

    N.º de notícias sobre o tema

     

    % de notícias sobre o tema no total de notícias

    % de notícias

    sobre o tema no total de notícias de economia e

    internacional

    26 Out.
    138
    27
    1*
    0,7%
    3,7%
    27 Out.
    106
    25
    0
    0%
    0%
    28 Out.
    127
    21
    0
    0%
    0%
    29 Out.
    133
    28
    3*
    2,3%
    10,7%
    30 Out.
    140
    26
    1*
    0,7%
    3,8%
    31 Out.
    120
    17
    0
    0%
    0%
    1 Nov.
    112
    16
    0
    0%
    0%
    TOTAIS
    876
    160
    5
    0,6%
    3,1%
    *Todas as notícias foram publicadas em páginas interiores, pares (duas notícias) ou ímpares (três notícias), na secção de Economia ou no espaço integrado The Wall Street Journal. Não se verificou qualquer chamada à primeira página.

    Tabela 2 - Resultados da Análise Morfológica (II)

     
     
     

    Dias

     

    Espaço redactorial

    aproximado

    (cm2)

    Espaço aproximado de

    informação económica e

    internacional

    (cm2)

     

    Espaço ocupado por

    notícias

    sobre o tema

    (cm2)

     

    % do espaço de

    notícias sobre o tema

    no espaço redactorial

    % do espaço de

    notícias sobre o tema no espaço de informação económica e internacional

    26 Out.
    53.260
    12.900
    1.700
    3,2%
    13,2%
    27 Out.
    38.400
    11.100
    0
    0%
    0%
    28 Out.
    38.990
    9.800
    0
    0%
    0%
    29 Out.
    32.490
    10.550
    1.160
    3,6%
    11%
    30 Out.
    30.700
    11.450
    290
    0,9%
    2,5%
    31 Out.
    37.200
    7.600
    0
    0%
    0%
    1 Nov.
    35.500
    8.100
    0
    0%
    0%
    TOTAIS
    266.540
    71.500
    3.150
    1,2%
    4,4%

     

    Tabela 3 - Tipos de Texto (Predominância)

     
    Número de notícias
    %
    Textos descritivos/reportativos
    0
    0%
    Textos analíticos/interpretativos
    5
    100%
    Textos opinativos
    0
    0%

     

    Tabela 4 - Tom Verbal dos Textos (em Relação ao Brasil)

     
    Número de notícias
    %
    Tendencialmente positivo
    2
    40%
    Tendencialmente equilibrado ou neutro
    1
    20%
    Tendencialmente negativo
    2
    40%

     

    Tabela 5 - Representatividade das Fontes na Notícia do Dia 26 de Outubro

    NOTÍCIA 1
    Número de Orações
    % de Orações
    Jornalista
    68
    93,1%
    Presidente Fernando Henrique Cardoso
    5
    6,9%

     

    Tabela 6 - Representatividade das Fontes nas Notícias do Dia 29 de Outubro

    NOTÍCIA 2
    Número de Orações
    % de Orações
    Jornalista
    9
    50%
    Ministro da Fazenda
    3
    16,7%
    Presidente do Senado do Brasil
    2
    11,1%
    Presidente da Câmara dos Deputados
    1
    5,5%
    Líder do PSDB
    3
    16,7%
    -------------------------------------------------
    ---------------------------------------------------
    --------------------------------------------------
    NOTÍCIA 3
    Número de Orações
    % de Orações
    Jornalista
    11
    57,9%
    Presidente Fernando Henrique Cardoso
    4
    21,05%
    Ministro da Fazenda
    4
    21,05%
    -------------------------------------------------
    ---------------------------------------------------
    ----------------------------------------------------
    NOTÍCIA 4
    Número de Orações
    % de Orações
    Jornalista
    24
    100%

     

    Tabela 7 - Representatividade das Fontes na Notícia do Dia 30 de Outubro

    NOTÍCIA 5
    Número de Orações
    % de Orações
    Jornalista
    15
    100%

     

    Tabela 9 - Principais Ideias Transmitidas nas Notícias

     
     
     
     
     
     
     
     
     

    NOTÍCIA 1

    (26 Out.)

    Neste artigo, a economia brasileira é analisada em detalhe, com menção dos principais indicadores económicos, sendo salientado o baixo índice de crescimento económico esperado para este ano e o aumento do desemprego. A principal ideia defendida pelo jornalista é, porém, a de que a economia brasileira ainda pode aterrar em terra firme, já que, uma vez efectuada a segunda volta das eleições, o Governo brasileiro se prepara para anunciar um conjunto de medidas de combate à fuga de capitais e de relançamento da economia, que, desde Agosto, atravessa um período convulsivo, estagnante e asfixiante, provocado pela crise económica internacional. As medidas a anunciar, administrativas e fiscais, passariam, principalmente, por novos impostos e taxas ou aumento dos mesmos, juros elevados, cortes nas despesas públicas, aumento das contribuições para a segurança social, manutenção da estabilidade cambial, diminuição da dívida pública, respeito pelos tectos orçamentais e relançamento do consumo e da produção controlando a inflação. Implementando estas medidas o Brasil poderia beneficiar de nova ajuda da comunidade financeira internacional, através do FMI, do BID, do Banco Mundial e do Tesouro dos EUA.
     
     
     
     
     
     
     

    NOTÍCIA 2

    (29 Out.)

    Segundo a notícia, o Governo brasileiro anunciou o esperado pacote de combate à crise económica e à fuga de capitais. As medidas são apresentadas minuciosamente e é revelada a posição de apoiantes e opositores às mesmas. É igualmente dito que as medidas permitem a ajuda financeira internacional, mas que será o Governo brasileiro e não as instituições estrangeiras financiadoras a fixar as metas económicas e administrativas e as formas de as atingir. O jornalista é de opinião de que as acções que o Governo Federal vai empreender penalizarão, principalmente, os funcionários públicos no activo ou aposentados, já que estes vão ver aumentar os seus impostos e contribuições. Além disso, o jornalista não exclui a hipótese de se virem a verificar despedimentos entre os funcionários públicos, já que os estados funcionaram muito tempo como "cabides de emprego" e agora possuem um excesso de funcionários cujos salários absorvem a maior parte das despesas orçamentais, impedindo o investimento estatal. Para ele, é inevitável que o Brasil combata a cultura de liberdade nos gastos públicos que tem imperado até aqui.
     
     
     

    NOTÍCIA 3

    (29 Out.)

    Lê-se nesta notícia que os mercados accionistas mundiais têm baixado devido às incertezas sobre o comportamento da economia brasileira. Para o jornalista, os mercados duvidam do efectivo alcance das medidas que o Governo Federal vai implementar, já que estas deveriam ser mais profundas e abarcar, por exemplo, a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Económica Federal, de forma a gerar receitas susceptíveis de reduzir a dívida pública e o défice público. No entanto, na notícia evidencia-se que o Governo brasileiro tem o apoio da maioria dos governadores e autarcas. Extrai-se ainda a sugestão de que as medidas tomadas permitirão e suavizarão a ajuda internacional.
     

    NOTÍCIA 4

    (29 Out.)

    Segundo a notícia, as medidas económicas do Governo Federal provocaram instabilidade no dólar. Os mercados recearão que mesmo as medidas adoptadas pelo Governo do Brasil e a ajuda financeira internacional ao país não travem a desvalorização do real, sendo possível que uma crise grave na economia brasileira, em recessão, contagie directamente a América Latina e indirectamente os Estados Unidos e o mundo.
     

    NOTÍCIA 5

    (30 Out.)

    Fica-se a saber por esta notícia que a Reserva Federal dos Estados Unidos está a ajudar a travar os efeitos recessivos da crise no Brasil, desvalorizando o dólar, de forma a prevenir um possível contágio da crise brasileira à América Latina (de que o Brasil é motor económico) e, a partir daí, aos Estados Unidos e ao mundo. Recorda-se que um quinto das exportações norte-americanas se dirige à América Latina.

     
     
     
  3. Jornal de Notícias
Tabela 1 - Resultados da Análise Morfológica (I)
 

Dias

 

N.º de notícias

N.º de notícias de

economia e

internacional

 

N.º de notícias sobre o tema

 

% de notícias sobre o tema no total de notícias

% de notícias

sobre o tema no total de notícias de economia e

internacional

26 Out.
146
16
0
0%
0%
27 Out.
160
14
0
0%
0%
28 Out.
182
15
0
0%
0%
29 Out.
123
16
2*
1,6%
12,5%
30 Out.
150
18
0
0%
0%
31 Out.
191
19
1*
0,5%
5,3%
1 Nov.
186
17
0
0%
0%
TOTAIS
1.138
115
3
0,3%
2,6%

*Todas as notícias foram publicadas em páginas interiores, pares (duas notícias) ou ímpares (uma notícia) e sempre na secção de Economia.



Tabela 2 - Resultados da Análise Morfológica (II)

 

Dias

Espaço redactorial
aproximado
(cm2
Espaço aproximado de
informação económica e
internacional
(cm2)
Espaço ocupado por
notícias 
sobre o tema
(cm2)
 

% do espaço de
notícias sobre o tema no espaço redactorial

% do espaço de 
notícias sobre o tema no espaço de informação económica e internacional
26 Out.
42.880
7.580
0
0%
0%
27 Out.
41.900
7.400
0
0%
0%
28 Out.
45.050
9.750
0
0%
0%
29 Out.
48.500
9.200
1.080
2,2%
11,7%
30 Out.
51.300
7.850
0
0%
0%
31 Out.
48.700
8.660
370
0,7%
4,3%
1 Nov.
52.100
7.960
0
0%
0%
TOTAIS
330.430
58.400
1.450
0,4%
2,5%

 

Tabela 3 - Tipos de Texto (Predominância)

 
Número de notícias
%
Textos descritivos/reportativos
1
33,3%
Textos analíticos/interpretativos
2
66,7%
Textos opinativos
0
0%

 

Tabela 4 - Tom Verbal dos Textos (em Relação ao Brasil)

 
Número de notícias
%
Tendencialmente positivo
0
0%
Tendencialmente equilibrado ou neutro
1
33,3%
Tendencialmente negativo
2
66,7%

 

Tabela 6 - Representatividade das Fontes nas Notícias do Dia 29 de Outubro

NOTÍCIA 1
Número de Orações
% de Orações
Jornalista
16
100%
----------------------------------------------------
---------------------------------------------------
----------------------------------------------------
NOTÍCIA 2
Número de Orações
% de Orações
Jornalista
14
66,6%
Presidente Fernando Henrique Cardoso
4
19%
Ministro da Fazenda
1
4,8%
Presidente do PT
1
4,8%
Governador do Mato Grosso do Sul
1
4,8%

 

Tabela 7 - Representatividade das Fontes na Notícia do Dia 31 de Outubro

NOTÍCIA 3
Número de Orações
% de Orações
Jornalista
3
17,6%
"Investidores estrangeiros"*
2
11,8%
"Analistas internacionais"*
1
5,9%
Banco Goldman e Sachs*
6
35,2%
"Banca alemã"*
1
5,9%
Prof. Doutor Riordan Roett, professor de política económica na Universidade John Hopkins (EUA)*
 

1

 

5,9%

"Governo do Brasil"
1
5,9%
ING Barings
2
11,8%
*A notícia respeita a uma conferência telefónica sobre o estado da economia brasileira e as medidas anunciadas pelo Governo do Brasil. A conferência foi organizada pelo Banco Goldman e Sachs e reuniu 300 investidores e analistas da Europa e dos Estados Unidos.
 
 

Tabela 9 - Principais Ideias Transmitidas nas Notícias

NOTÍCIA 1

(29 Out.)

Pela notícia fica a saber-se que os mercados bolsistas europeus estão a ser penalizados pela possibilidade de o pacote económico brasileiro poder levar à desvalorização do real.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

NOTÍCIA 2

(29 Out.)

Segundo a notícia, para enfrentar a crise, recuperar a credibilidade como devedor, atrair investimento estrangeiro e ajuda financeira internacional, o Governo brasileiro impôs um plano de austeridade, com corte nas despesas públicas e aumento dos impostos e dos descontos para a Previdência. As medidas principais são enunciadas e são recolhidas afirmações de apoiantes e opositores. O jornalista manifesta a opinião de que as medidas são vitais para que o Brasil estimule a sua economia, que estaria a entrar em recessão, apesar de essas medidas poderem vir a provocar o despedimento de funcionários públicos e a criar tensões e antagonismos nas relações entre Brasília e os Estados, pouco habituados à disciplina orçamental. O jornalista salienta igualmente que o actual estado de coisas é insustentável, pois o Governo Federal não está a conseguir reduzir a dívida pública, mesmo não fazendo grandes investimentos, devido às despesas administrativas e aos juros elevados. Todavia, para o jornalista os juros elevados foram indispensáveis para controlar o aumento do consumo resultante da aplicação do Plano Real, em 1994. Porém, se num primeiro momento os elevados juros permitiram também atrair capital especulativo, no momento actual eles não estariam a conseguir evitar uma sangria desse mesmo capital para o exterior.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

NOTÍCIA 3

(31 Out.)

Lê-se na notícia que os mercados mundiais não estão confiantes nas medidas do Governo do Brasil, pois estas, segundo "investidores estrangeiros", não são suficientes para corrigir o desequilíbrio das despesas governamentais, controlar a crise e fazer o País ganhar credibilidade junto de credores e investidores. As fontes citadas desconfiam da capacidade de o Brasil cortar nas despesas e aumentar os impostos. Para essas fontes, o único mérito das medidas agora tomadas estaria no reconhecimento por parte do Governo do Brasil de que existem problemas económicos graves a resolver. Na opinião das fontes, o Brasil necessita de fazer e divulgar exteriormente um plano credível de desenvolvimento a longo prazo. As privatizações são vistas como essenciais ou mesmo inevitáveis no âmbito desse plano, sendo apontados os casos da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Económica Federal. Porém, apesar de o Governo brasileiro necessitar de encaixar 24 mil milhões de dólares com essas privatizações, sobretudo para reduzir a dívida interna, que açambarca 41,9% do PIB, os "investidores estrangeiros" citados temem que as receitas delas decorrentes se fiquem pelos 16 mil milhões de dólares. Os credores referenciados na notícia temem ainda pelo facto de 70% do défice brasileiro estar indexado ao dólar. Daí que um súbito aumento do valor da moeda norte-americana possa tornar impraticável o reembolso dos credores, o que levaria o Brasil a declarar uma moratória, afastando empréstimos e investimentos estrangeiros.

 

3. Discussão dos resultados e conclusões

Face aos resultados expostos, podemos dizer que a cobertura que a imprensa portuguesa realizou ficou quantitativamente aquém do esperado. Ou seja, a primeira hipótese que colocámos não foi confirmada: a proximidade afectiva, linguística, cultural e até económica entre Portugal e o Brasil não contribuiu para dar uma ênfase especial a um assunto tão vital para os brasileiros e talvez até para o mundo como é a prestação económica Brasil à luz das medidas anunciadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Se bem que a primeira das nossas hipóteses não se tenha confirmado, a segunda hipótese confirmou-se, pois não só dominaram os textos analíticos/interpretativos como também o número de orações que os jornalistas produziram é significativamente mais elevado do que o número de orações que resultaram da simples reportação do discurso das fontes. Este facto é um sintoma de que o jornalista, especialmente o jornalista especializado, funciona principalmente como um especialista capaz de inserir contextualmente as afirmações e os dados que recolhe das fontes e de usar essas afirmações e esses dados como matéria-prima de uma análise que transcende a mera descrição-reportação.

Também confirmámos a hipótese de que pelo menos os "melhores" jornais, numa atmosfera competitiva e de luta cerrada pelas audiências, necessitam, por vezes, de "antecipar" as notícias. Não foi assim com surpresa, pelo contrário, que constatámos que o Público dedicou, na segunda-feira, dia 26 de Outubro, duas páginas à situação económica brasileira, tendo antecipado várias das medidas que o Governo Federal do Brasil se preparava para anunciar.

O facto de o maior número de notícias sobre o tema ter sido inserido logo após o anúncio das medidas económicas pelo Governo brasileiro destaca o carácter periódico e rapidamente perecível da informação jornalística (a ideia da "notícia do dia" que deixa de o ser no dia seguinte) e deixa antever que o agendamento do tema junto da comunicação social (agenda-building como modalidade de agenda-setting) funcionou sobretudo logo após o acontecimento ter sido despoletado. O espaço ocupado credibiliza também essas ideias, verificando-se, inclusivamente, que o tema mereceu algum destaque no âmbito da informação económica e internacional, quer imediatamente antes do anúncio presidencial (13,2% do espaço de informação económica e internacional no Público de 26 de Outubro), quer imediatamente depois (11% do espaço de informação económica e internacional no Público de 29 de Outubro e 11,7% no Jornal de Notícias da mesma data). Pode-se, assim, dizer que, apesar dos reduzidos espaço e número de notícias votados ao acontecimento, o tema em causa mereceu alguma relevância entre a informação económica e internacional do dia 29.

No global, conforme se esperaria de um jornal de "qualidade" e referência, parece-nos que o Público esteve "melhor" do que o Jornal de Notícias na cobertura do anúncio das medidas destinadas a combater a recessão económica brasileira. Não só lhe dedicou mais notícias e mais espaço como também fez uma cobertura mais analítica e equilibrada, na qual surgiram duas peças que, num tom relativamente mais positivo do que neutro ou negativo, manifestavam algum optimismo quanto às capacidades do Brasil em vencer a crise; inversamente, a cobertura do Jornal de Notícias, menos analítica do que a do Público (vê-se pelo número de orações reservadas aos jornalistas e às fontes em ambos os jornais), foi orientada pela negatividade na análise da mesma questão. Em consequência, enquanto o Público procurou mostrar mais equilibrada e contrastadamente as potencialidades e os problemas da economia brasileira e os prós e os contras das medidas anunciadas pelo Presidente do Brasil, o Jornal de Notícias realizou a sua cobertura insistindo nos problemas económicos e nos contras das medidas anunciadas por Fernando Henrique Cardoso.

Dois assuntos, um pelo que se disse e outro porque foi ignorado, merecem-nos comentários. Em primeiro lugar não encontrámos qualquer artigo que se referisse às consequências que o agravamento da crise económica brasileira pode trazer a Portugal e aos interesses e investimentos portugueses no Brasil, o que nos parece um "erro"6 na avaliação do que é notícia. Em segundo lugar, estranhámos a insistente coincidência de nos dois jornais, e apenas com um dia de intervalo, surgirem insinuações sobre a hipotética necessidade de o Governo Federal nacionalizar empresas como a Petrobras, a Caixa Económica Federal e o Banco do Brasil. Dada a relevância actual dos agentes de comunicação e relações públicas, há, pelo menos, que colocar por hipótese que essas referências sejam o resultado de acções direccionadas de comunicação em favor do interesse de determinados agentes económicos ou políticos, que conseguiram agendar o assunto nos news media e no espaço público (na "arena" pública), provavelmente para testar a receptividade da ideia e o comportamento do público.

Finalmente, ambos os jornais insistem - e parece-nos que acertadamente- 7 na ideia de que o mundo está com os olhos postos no Brasil, pois o agravamento da crise económica brasileira pode incendiar a economia latino-americana, onde o Brasil funciona como catalisador, e agravar a crise económica mundial.
 
 

Notas:

1. Os meios jornalísticos de comunicação funcionam frequentemente como tubos de ensaio para medidas que os governos e outros agentes de poder pretendem tomar, ao abrigo do vasto leque das "fontes anónimas e bem informadas" (Ver, por exemplo: Traquina, 1988; Traquina, 1993; Sousa, 1997). No caso concreto, várias das notícias vindas a público antes do anúncio presidencial desenharam com exactidão as medidas que efectivamente foram tomadas (ver a descrição do conteúdo das notícias inserida neste estudo), razão pela qual podemos colocar por hipótese que os órgãos jornalísticos brasileiros e portugueses tenham efectivamente funcionado como tubos de ensaio.

2. Representa o défice global com exclusão dos juros da dívida pública.

3. Recordem-se, por exemplo, os recentes investimentos do Grupo SONAE no sector brasileiro da distribuição ou o investimento da Portugal Telecom na privatização da Telebras.

4. Falo aqui, obviamente, do critério de noticiabilidade ou de valor-notícia da proximidade. Nas palavras de Jorge Pedro Sousa (1997), os critérios de noticiabilidade são os critérios usados conscientemente ou não conscientemente pelos jornalistas para avaliar o que tem valor como notícia. A ideia da existência destes critérios, frequentemente esquivos, opacos e intra-contraditórios, foi proposta, como se sabe, por Galtung e Ruge (1965), que já então assinalaram a relevância da proximidade como critério de gatekeeping.

5. A título meramente exemplificativo entre os múltiplos trabalhos que se têm debruçado sobre o tema cito, por ser recente, o de Barnhurst e Mutz (1997). A análise posicionar-se-á entre a descrição e a opinião. Analisar implica que na base estejam dados concretos, implica jogar com esses dados e integrá-los num enunciado contextual; opinar, não. Pode-se opinar sem mencionar qualquer dado.

6. Em função da teoria do acerto-erro, desenvolvida por Gomis (1991).

7. Em função da teoria do acerto-erro, desenvolvida por Gomis (1991).

Bibliografia:

BARNHURST, Kevin G. e MUTZ, Diana. "American journalism and the decline in event-centered reporting". Journal of Communication, vol. 47, n.º 1 (1997): pp. 27-55.

GALTUNG, Johan e RUGE, Marie Holmboe. "The structure of foreign news". Journal of International Peace Research, n.º 1 (1965).

GOMIS, Lorenzo. Teoria del Periodismo. Como se forma el presente. Barcelona: Paidós, 1991.

SOUSA, Jorge Pedro - Fotojornalismo Performativo - O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação. Porto: Universidade Fernando Pessoa, 1998.

TRAQUINA, Nelson - "As notícias". Revista de Comunicação e Linguagens, n.º 8 (1988): 29-40.

TRAQUINA, Nelson, org. Jornalismo - Questões, Teorias e "Estórias". Lisboa: Vega, 1993.