UMA HISTÓRIA CRÍTICA
DO FOTOJORNALISMO OCIDENTAL

Jorge Pedro Sousa, Universidade Fernado Pessoa

Porto, 1998



 
 

INTRODUÇÃO

O presente livro resulta da ampliação e restruturação de um capítulo da nossa tese de doutoramento (1997) e pretende contribuir para eliminar uma lacuna no panorama editorial português na área das Ciências da Comunicação: a inexistência de livros sobre a história do fotojornalismo, apesar de este assunto ser crucial para a compreensão do actual momento fotojornalístico.

Neste trabalho, propomo-nos encarar as fotografias jornalísticas como artefactos de génese pessoal, social, cultural, ideológica e tecnológica. É um ponto de vista que parcialmente alarga o modelo com que Michael Schudson (1988) procurava explicar por que é que as notícias são como são e parcialmente se opõe à visão schudsodiana, uma vez que esse autor afirmou taxativamente que as notícias são cultura, não ideologia (Schudson, 1995, 31).

Por outro lado, estruturámos a nossa visão da história do fotojornalismo em função de momentos determinantes para a evolução da actividade. A esses momentos demos, à falta de melhor, o nome de "revoluções" e é com base neles que subdividimos o presente trabalho em capítulos. Em acréscimo, falamos também da evolução histórica do fotojornalismo em Portugal, capítulo para cuja elaboração muito contribuiu o livro Uma história de Fotografia, de António Sena, e referimos alguns dos trabalhos mais recentes no que respeita à investigação científica sobre fotojornalismo.

Estudar a evolução histórica do fotojornalismo é uma opção complexa. Nascida num ambiente positivista, a fotografia já foi encarada quase unicamente como o registo visual da verdade, tendo nessa condição sido adoptada pela imprensa. Com o passar do tempo, foram-se integrando determinadas práticas, tendo-se rotinizado e convencionalizado o ofício, um fenómeno agudizado pela irrupção do profissionalismo fotojornalístico. Chegaram, então, os géneros fotojornalísticos, nomeadamente os géneros realistas, e de um reino da verdade passou-se ao reinado do credível — como muito bem se pode ler na obra Give Us a Little Smile, Baby, de Harry Coleman, já no final do século passado se manipulavam as imagens em função de objectivos que em nada tinham a ver com a verdade, mas, de facto, unicamente com o credível. Ainda assim, na linha da não-manipulação, nasce o fotodocumentalismo, que, em pouco tempo, à vontade do registo vai sobrepor a beleza da arte. Chega-se então à ideia de fotógrafo autor e artista, criador, original. Deste ponto, rapidamente se incorporou no fotojornalismo, em consonância com a visão da época, a ideia da construção social da realidade, processo que em parte se nutre na acção dos media. Mas esta foi também a linha de partida para a interpretação fotojornalística do real, até porque as percepções que dele se têm são dissonantes da realidade em si e, neste sentido, são sempre uma espécie de ficção. Legitimam-se, assim, os criadores-fotógrafos, que olham para si mesmos como participantes num jogo que há muito deixou de ser um mero jogo de espelhos, para desembocar no jogo bem mais elaborado e complexo dos mundos de signos e de códigos, de linguagem e de cultura, de ideologia e de mitos, de história e tradições, de contradições e convenções.

Nesse âmbito, interessou-nos, neste livro, focalizar o aparecimento e a manutenção de rotinas produtivas e convenções profissionais fotojornalísticas, um assunto muito bem aprofundado na obra Seeing the Newspaper, de Kevin G. Barnhurst. No campo oposto, fizemos uma incursão pelos fotógrafos-autores, aqueles que procuram traçar percursos fotográficos pessoais ou redireccionar a evolução da fotografia. As obras de Margarita Ledo Andión, particularmente Foto-Xoc e Xornalismo de Crise e Documentalismo Fotográfico Contemporáneo, constituiram, neste ponto, uma pista preciosa.

É de referir que o traçado histórico-evolutivo do fotojornalismo que constitui o presente livro corresponde apenas a uma visão pessoal dessa evolução, pois não há uma história da fotografia, mas várias, apesar de os diversos compêndios sobre história da fotografia tenderem a reproduzir as mesmas imagens e a realçar os mesmos fotógrafos. Neste campo, a própria selecção de fotógrafos que fizemos, embora tanto quanto possível abrangente, não impede que muitos contributos históricos para o fotojornalismo se mantenham na sombra — a selecção de informações e personalidades, a este nível, será sempre problemática. De qualquer modo, não foi nossa intenção, com este livro, fazer história, mas tão só corresponder aos propósitos já definidos, tentando sobretudo provar a influência das pessoas, dos meios sociais, das ideologias, das culturas, das histórias e das tecnologias na evolução do fotojornalismo, de onde o relevo dado a vários fotógrafos de diferentes épocas, embora sem preocupações de exaustividade. Foi também nosso objectivo contribuir para a reunião de exemplos de temas, actuações e abordagens fotográficas que permitam ao fotojornalismo português enveredar por um fotojornalismo que, no nosso entender, será mais —e verdadeiramente— performativo, entendendo a performatividade como matéria associável à geração de conhecimento.

Realce-se que a própria passagem do tempo relativiza a percepção que se tem das fotografias e da evolução do medium. Aliás, nem sequer as fotografias que entusiasmaram os nossos pais ou avós são sempre aquelas que nos entusiasmam: a aventura do olhar é uma aventura evolutiva. Por exemplo, num estudo de 1980 sobre as mensagens fotográficas eventualmente patentes nas fotos de Russell Lee da era da depressão ("A study of the messages in depression-era photos"), Paul Hightower descobriu que pessoas que viveram a depressão não viam uma pobreza tão intensa nas fotos como aquela que perspectivavam os mais novos. No estudo, o autor coloca até a hipótese de a credibilidade das imagens diminuir com a passagem do tempo, já que uma das respostas que obteve sobre uma foto de uma cozinha foi que esta "não podia parecer assim!".

Vemos, assim, que a fotografia de imprensa foi percorrendo, ao longo da história, um caminho de encontros e desencontros, inter-relacionando-se com o ecossistema que a rodeava em cada momento e alargando o campo de visão dos seres humanos. Será esse caminho o motivo que procuraremos descrever neste livro, de forma cronologicamente ordenada, pois essa sistematização facilita a disposição e apreensão de dados e, consequentemente, as tarefas do autor e do leitor.

A fechar, gostaríamos de explicitar leve e brevemente do que falamos quando, neste livro, falamos de fotojornalismo.

A noção de fotojornalismo é cada vez mais difícil de precisar, devido à multiplicidade de fotógrafos que se reclamam do sector, mas que nem sempre apresentam unidade na expressão e convergências temáticas, técnicas, de abordagens e de pontos de vista. Mais: o fotojornalismo tem-se mesclado com a própria publicidade, como aconteceu nas campanhas da Benetton. E mesmo quando se fala do fotojornalismo como a actividade orientada para a produção de fotografias para a imprensa, repara-se que vários fotógrafos que se reclamam igualmente jornalistas apostam noutros suportes de difusão.

Devido à complexidade do assunto, julgamos que a melhor forma de abordar o conceito de fotojornalismo é fazê-lo em sentido lato e em sentido restrito, sendo que, em qualquer caso, para se abordar o fotojornalismo se tem de pensar numa combinação de palavras e imagens: as primeiras devem contextualizar e complementar as segundas.

Apesar da tentativa de destrinça, mesmo no sentido restrito o fotojornalismo continua a ser uma actividade larga e ambígua, já que inclui fotografias de notícia, foto-reportagens e até fotografias documentais. Apesar de tudo, parece-nos que, mesmo na actualidade, a sua ambição máxima corresponde à mais antiga vocação da fotografia: testemunhar, com um elevado número de cópias a preço acessível.



CAPÍTULO I

RUMO A UMA VISÃO HISTÓRICA DO FOTOJORNALISMO NO OCIDENTE(1)

A história do fotojornalismo é uma história de tensões e rupturas, uma história do aparecimento, superação e rompimento de rotinas e convenções profissionais, uma história de oposições entre a busca da objectividade e a assunção da subjectividade e do ponto de vista, entre o realismo e outras formas de expressão, entre o matizado e o contraste, entre o valor noticioso e a estética, entre o cultivo da pose e o privilégio concedido ao espontâneo e à acção, entre a foto única e as várias fotos, entre a estética do horror e outras formas de abordar temas potencialmente chocantes, entre variadíssimos outros factores. E é também uma história que assiste, gradualmente, ao aumento dos temas fotografáveis, o mesmo é dizer, a uma história que assiste à expansão do que merece ser olhado e fotografado.

Se na evolução histórica do fotojornalismo notamos essas tensões, também não é menos verdade que existem interpretações diferenciadas desse percurso. Por alguma razão demos o título "Uma visão…" ao presente capítulo deste livro e não o denominámos por "A história…". De qualquer modo, parece-nos que por detrás das diversas histórias do fotojornalismo se esconde a noção de que, pelo menos algumas fotografias jornalísticas, são poderosas — como a do suspeito vietcong morto à queima roupa pelo chefe da polícia de Saigão. Essas fotos, se bem que não sejam o dia a dia da profissão, permanecem como seus símbolos e correspondem às qualidades convencionalmente tidas por desejáveis nas fotografias de notícias, mostrando também que a cultura e as convenções profissionais são, em larga medida, transorganizacionais e transnacionais.

De facto, os historiadores, ao desvelarem a história, tendem, concomitantemente, a impor-lhe um sentido. Por esta razão, mas também pelo facto de o significado dos produtos fotojornalísticos derivar, em larga medida, dos propósitos e significados que às fotos foram encomendadas pelo devir da civilização, encontramos versões da história da fotografia e do fotojornalismo que constroem sentidos diferenciados para esse percurso.

Assim, histórias como a de Gernsheim e Gernsheim (1969), a de Geraci (1973) ou a de Hoy (1986) propõem, de algum modo, a ideia de que a evolução tecnológica (desde as primitivas câmaras escuras às actuais máquinas fotográficas) e estética (principalmente a partir da descoberta da perspectiva linear, que já vem da Renascença) permitiram a representação imagética da realidade de uma forma cada vez mais perfeita, alimentando, por consequência, a ideia de que a fotografia seria o espelho da realidade. Eles olham para a história do fotojornalismo como se fosse composta por fragmentos que levaram a actividade ao sítio onde hoje está, onde seria capaz de cumprir o ideal da reflexão dos acontecimentos actuais que ocorrem na realidade para um elevado número de pessoas. Os mais abordados desses fragmentos são os seguintes: as obras dos "grandes" fotógrafos, elevados, com frequência, a um estatuto quase mitológico (culto dos fotojornalistas); as gravuras pré-históricas; as câmaras escuras; a utilização de gravuras de madeira; o halftone; as primeiras coberturas de guerra; a emergência do fotojornalismo como profissão; as revistas ilustradas; o aparecimento das agências; o serviço de telefoto; as conquistas técnicas, que levaram à diminuição do peso e do tamanho das câmaras, à melhoria das lentes e dos filmes, à conquista do movimento (valorização do instantâneo e do espontâneo), ao aumento da definição das imagens e à fotografia em interiores sem iluminação artificial; o aparecimento do flash de magnésio, a que sucedeu o flash electrónico; o nascimento do fotojornalismo moderno na Alemanha; os fotógrafos do pós-guerra; a Life, etc. Os livros mais recentes (e.g., Kobre, 1991) falam também da fotografia digital e do tratamento electrónico das imagens fotográficas, salientando os perigos da sua manipulação. Outros focalizam-se na tecnologia, chamando a atenção para a "era do grande formato" ou para a "era do 35 milímetros" (por exemplo, Gernsheim e Gernsheim (1969)).

No campo oposto, as obras de vários académicos, como Mitchell (1992), Snyder (1980) ou Crary (1990), rejeitam a ideia de que a evolução da fotografia permitiu ao medium a reprodução da realidade. Pelo contrário, eles sugerem que a história da fotografia é uma história de substituição e imposição de convenções, uma história ideológica, uma história do domínio e abandono de determinadas ideias. E mostram também que a noção de que o que cada um de nós vê com os seus olhos é a realidade não passa de uma falácia, aliás como muitos teóricos —entre os quais os fenomenologistas— foram advertindo e provando ao longo da história.

Newhall (1982), Freund (1989) e outros abordam o contexto histórico, económico e social em que a fotografia se desenvolve. Newhall, mais esteta, descreve condições como as que suportaram a demanda social de fotografias; Freund, por seu turno, dá um grande destaque à fotografia documental e ao fotojornalismo enquanto interventores na sociedade.

Noutro prisma, Sontag (1986), Sekula (1984), Hall (1981) ou Benjamin (1986) situaram a fotografia no contexto da cultura, das ideologias, dos mitos e dos valores, questionaram o seu valor informativo, lançaram um olhar crítico para o papel político, ideológico e económico de fotógrafos, actantes nas fotografias e organizações fotográficas e abordaram temas como os direitos de autor, a estética, as técnicas e os usos sociais da fotografia. Na linha desses teóricos, Bolton (1989) e Guimond (1991), provavelmente influenciados pelos trabalhos de Barthes (1961, 1964, 1984, 1989) e pela ideia de Foucault (1973) segundo a qual a visão pode impor um controle social, exploram a construção de sentido da fotografia no seio da cultura.

Sociólogos e antropólogos, como Becker (1978) e Worth (1981), questionaram, por seu turno, até que ponto a fotografia estaria relacionada com a verdade, enquanto historiadores críticos, como Hardt (1991) e Brecheen-Kirkton (1991), duvidaram da relevância documental do fotojornalismo, embora este último tenha salientado que os fotojornalistas, mais especificamente os fotodocumentalistas, elegiam muitas vezes os grupos menos visíveis na cobertura jornalística dominante como tema do seu trabalho. Os editores podem até, por vezes, segundo Phelan (1991), escolher imagens que rompem estereótipos, padrões, rotinas e convenções.

As primeiras histórias especificamente devotadas ao fotojornalismo surgiram em livros de apoio destinados a socializar e aculturar neófitos no ofício e a permitir aos amadores uma aproximação às convenções profissionais (por exemplo, Kinkaid, 1936; Ezickson, 1938). Ainda hoje são publicados livros que cumprem a mesma função (Hoy, 1986; Kobre, 1980 e 1991; Keene, 1993). Outros livros, como os do World Press Photo, os da National Press Photographer's Association, o anuário Fotojornalismo (Portugal), o de Norback e Gray (1980) ou o de Faber (1978) enfatizam as fotografias premiadas em concursos, frequentemente em concursos internacionais, ou as fotografias mais "consideradas" pelo colectivo profissional, mostrando as qualidades convencionais que, em cada momento histórico-cultural, uma fotografia jornalística deve ter para ser considerada "boa", o que releva também a intensa profissionalização do campo. As colecções de imagens de nomes grandes do fotojornalismo, como Capa ou Smith, trabalham no mesmo sentido, bem como livros como o de Lacayo e Russell (1990) e as edições de agências, jornais e revistas.

Não são apenas as publicações impressas, porém, a marcar as qualidades tidas por desejáveis na fotografia jornalística. Exposições como a The Family of Man, e respectivos catálogos, já nos longínquos anos cinquenta, ajudaram e ainda ajudam (como as exposições da World Press Photo) a definir rumos para a fotografia, sejam eles no mesmo sentido das fotos inseridas nas exposições, seja em sentidos diferentes (por oposição).

Em alguns casos, todavia, é dada atenção a fotógrafos com uma produção alternativa, como Karen Korr ou Salgado. Estes, por vezes, trazem para o fotojornalismo (entendido numa forma vasta) a recuperação de antigas ideias ou novas concepções que superam as convenções existentes e redireccionam a história da actividade.

Os primeiros fotógrafos foram pintores, pelo que não é de admirar que, conforme Hicks sustenta, as grandes referências que os primeiros fotógrafos de imprensa tinham fossem as da pintura(2); por outro lado, diz o mesmo autor, imbuídos de uma mente literária, os editores resistiram durante bastante tempo a usar fotografias com texto, não só porque desvalorizavam a seriedade da informação fotográfica(3) mas também, julgamos nós, porque as fotografias não se enquadrariam nas convenções e na cultura jornalística dominante na época. Provavelmente, a associação da fotografia à pintura e, portanto, à arte, terá sido também uma das razões que levou ao enquadramento das imagens fotográficas publicadas na imprensa por filetes floreados e outros motivos, como se da representação de uma moldura se tratasse.

Baynes sugere que o aparecimento do primeiro tablóide fotográfico, em 1904, marca uma mudança conceptual: as fotografias teriam deixado de ser secundarizadas como ilustrações do texto para serem definidas como uma outra categoria de conteúdo tão importante como a componente escrita.(4) Hicks vai mais longe e considera que essas mudanças, ao promoverem a competição na imprensa e o aumento das tiragens e da circulação, com os consequentes acréscimos de publicidade e lucro, trouxeram consigo a competição fotojornalística e a necessidade de rapidez, que, por sua vez, originaram a cobertura baseada numa única foto —a doutrina do scoop— e o fomento da investigação técnica em fotografia.(5) A investigação teria levado ao aparecimento de máquinas menores e mais facilmente manuseáveis, lentes mais luminosas e filmes mais sensíveis e com maior grau de definição da imagem.(6)

Apesar das inovações técnicas, no início do século os fotojornalistas ainda operavam com flashes de magnésio e as máquinas menores continuavam enormes, quando comparadas às actuais. Segundo Hicks, o fumo do flash não só tendia também a impedir que se realizasse mais do que uma fotografia por assunto como também afastava as pessoas do fotógrafo, pois o cheiro do magnésio queimado era nauseabundo.(7) De qualquer modo, as diversas constrições terão levado, pela imitação e pela necessidade (competição), ao aparecimento de uma das convenções mais perenes no fotojornalismo: o cultivo da foto única(8). Esta convenção, segundo pensamos, levou os fotógrafos a procurar conjugar numa única imagem os diversos elementos significativos de um acontecimento (a fotografia como signo condensado) de forma a que fossem facilmente identificáveis e lidos (planos frontais, etc.). Para isso também terá contribuído o facto de no início do século as imagens serem valorizadas mais pela nitidez e pela reprodutibilidade do que pelo seu valor noticioso intrínseco.(9)

Conta-nos Hicks que, no início do século, quando o fotógrafo entrava num local para fotografar pessoas, estas paravam, arranjavam-se e olhavam para a câmara ou, em alternativa, levantavam objecções a serem fotografadas.(10) De algum modo, o fotógrafo dominava a cena, até devido à sua reputação de "mal-cheiroso". Hoje, recorrendo à nossa própria experiência profissional, parece-nos que as pessoas procuram mostrar que estão à vontade e naturais, o que demonstrará algum domínio por parte do público das actuais convenções profissionais fotojornalísticas (fotoliteracia), que valorizam o instantâneo e o espontâneo, tal como na viragem do século XIX para o XX as pessoas dominavam minimamente as convenções então vigentes, pelo que posavam. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma questão de inserção histórico-cultural.

O moderno fotojornalismo terá visto a luz do dia pelos anos vinte, devido a vários factores, entre os quais a modificação de atitudes e ideias sobre a imprensa. Barnhurst salienta que, após a I Guerra Mundial, se valorizou a eficiência e a comodidade.(11) Essa terá sido, em conjunto com o aparecimento de máquinas mais pequenas e providas de objectivas de boa luminosidade, como a Leica, uma das razões que levaram à obtenção de imagens sem a cooperação dos sujeitos fotografados e à "fotografia cândida" (candid photography).

Solomon, Man, Eisenstaedt e os seus companheiros na fundação do fotojornalismo moderno mudaram quer o modus operandi dos fotojornalistas quer o formato das imagens. Estas puderam tornar-se menos formais e mais vivas. O valor do espontâneo e o valor noticioso sobrepuseram-se, quanto a nós, à nitidez e à reprodutibilidade como convenções profissionais, embora não as substituindo totalmente (a história do fotojornalismo não é apenas uma história de rupturas, também é uma história de reformulações). Barnhurst releva ainda que se valorizavam também o pormenor e a emoção.(12) Szarkowski, na mesma linha, caracteriza o fotojornalismo moderno como sendo franco, favorecedor da emoção sobre o intelecto, enfatizador da subjectividade, redefinidor da privacidade e marcado pela publicitação da autoria.(13) E Hicks chama a atenção para as políticas editoriais da Life e da Time, revistas em que as fotografias eram tratadas como tendo a mesma importância que o texto e onde os editores recusavam o retoque modificador das imagens e a sua emolduração(14), o que trouxe respeitabilidade e reconhecimento aos fotojornalistas(15).

Szarkowski vê as fotografias de notícias como um fluxo de rostos particulares em papéis estruturais permanentes: participantes em cerimónias, os perdedores e os vencedores, as vítimas, o bizarro, os contestatários e os manifestantes, o jet-set e os heróis.(16) O autor observa ainda que em parte a forma de cobertura dos acontecimentos dita o formato das fotografias: por exemplo, na alvorada do século a maior parte das fotografias dizia respeito a cerimónias que ocorriam em estrados e a acontecimentos planeados que se desenvolviam a cerca de 3,5 metros do fotógrafo.(17) Aliás, sabemos também da teoria da notícia que a maneira como as organizações noticiosas organizam a produção afecta o formato do produto, conforme se repara em trabalhos como o de Gans (1980) ou os de Tuchman (1969, etc.).

Os livros que procuram integrar os neófitos no ofício de foto-repórter também nos dão pistas para analisarmos a evolução e as rupturas das convenções profissionais e das rotinas. Os primeiros desses manuais, como o de Price (1932), o de Pouncey (1946) e o de Kinkaid (1936), advertem os fotojornalistas contra a composição formal das imagens que, segundo eles, era da esfera da arte e dos académicos. Apesar disso, Kinkaid aconselha uma série de regras que, ao fim e ao cabo, são regras de composição: motivo centrado, selecção do "importante" em cenários amplos, manutenção de uma impressão de ordem no primeiro plano, correcção do efeito de inclinação dos edifícios mais altos (o autor era norte-americano, não o esqueçamos) e manutenção da composição simples.(18) Se exceptuarmos a ideia de que o motivo deve surgir sempre centrado, grande parte destas regras mantem-se na fotografia de notícias.

Apesar de alguns teóricos da fotografia sustentarem que no fotojornalismo ainda vigoram concepções anti-artísticas, como é o caso de Brecheen-Kirkton (1991), os actuais manuais (Kobre, 1980 e 1991; Hoy, 1986; Associated Press Style Book, etc.) preconizam o aproveitamento fotojornalístico de regras de iluminação e de composição, nomeadamente da regra dos terços. Estas ideias, que adviriam da fotografia publicitária e da fotografia artística, ter-se-iam infiltrado no fotojornalismo a partir dos anos sessenta.(19) Spencer, por exemplo, apela para a combinação de elementos da arte e do design, de maneira a que as fotografias fossem mais apelativas, contribuindo, assim, para a circulação e prestígio dos jornais e para bater a concorrência; esses elementos seriam a enfatização do grafismo visual e a exploração de expressões de dignidade, serenidade, conforto, prazer e semelhantes.(20)

A partir da inculcação destas últimas convenções, nos anos oitenta vemos já os manuais a insistir em códigos compositivos baseados na assimetria do motivo (exemplificando com o aproveitamento da regra dos terços), no enquadramento seleccionador do que o fotojornalista entende que é significativo numa cena vasta, na manutenção de uma composição simples, na escolha de um único centro de interesse em cada enquadramento, na não inclusão de espaços mortos entre os sujeitos eventualmente representados na fotografia, na exclusão de detalhes externos ao centro de interesse, na inclusão de algum espaço antes do motivo (inclusão de um primeiro plano, que deve dar uma impressão de ordem), na correcção do efeito de inclinação dos edifícios altos, na captação do motivo sem que o plano de fundo nele interfira (aconselhando, para tal, usar pequenas profundidades de campo, andar à volta do sujeito para que não haja elementos que pareçam sair-lhe do corpo nem fontes de luz indesejadas, etc.), no preenchimento do enquadramento (para o que aconselham técnicas como a aproximação ao sujeito ou o uso de objectivas zoom), na "agressividade" visual do close in, na inclusão no enquadramento de um espaço à frente de um objecto em movimento, na fotografia de pessoas a 45 graus em situações como as conferências de imprensa, etc. Desses manuais fazem parte, por exemplo, o de Hoy (1986), os de Kobre (1980; 1991), e o de Kerns (1980), embora todos eles, em consonância com Schwartz e Griffin, possam ter recebido influências da indústria fotográfica, que terá distribuído manuais e livros ensinando as actuais prescrições compositivas para a realização de boas fotografias.(21)

Em manuais como o de Kerns (1980) ou os de Kobre (1980; 1991) aconselha-se também os fotojornalistas a antecipar o que fotografar e quando fotografar. Esta pré-visualização (pre-visualizing), no entender de Barnhurst, ajuda a consolidar as rotinas fotojornalísticas.(22) Mas não é só esta sugestão que, para nós, promove a consolidação de rotinas de abordagem fotojornalística dos acontecimentos e a cristalização das convenções profissionais. Nos manuais atrás citados, tal como no Le Photojournalisme (1992), no Associated Press Photojournalism Style Book ou no Practical Photojournalism (Keene, 1993), apresentam-se também esquemas de abordagem de acontecimentos, passíveis de aplicação a incêndios, desastres de carros, conferências de imprensa, temas sociais e a uma vasta gama de outras ocorrências, que fomentam igualmente a manutenção de rotinas e convenções, mas que, por outro lado, asseguram também aos fotojornalistas, sob a pressão do tempo, a rápida transformação de um acontecimento em (foto)notícia e a manutenção de um fluxo regular e credível (em parte pela aplicação constante do mesmo esquema noticioso) de foto-informação. Nessa lógica, qualquer reportagem deveria apresentar um plano geral para localizar a acção, vários planos médios para mostrar a acção, um ou dois grandes planos para dramatizar e emocionar, etc.

É interessante notar que determinadas práticas de manipulação de imagem, nomeadamente as possibilitadas pelos processos digitais, já se vão inculcando nas convenções profissionais, nomeadamente quando se trata de imitações computacionais do que se fazia em laboratório e quando as fotografias são featuresphotos (fotografias de "situações encontradas", como a criança que beija outra) ou photo illustrations (fotografias que combinam desenho e imagem fotográfica ou que são eminentemente ilustrativas, como a fotografia de um prato culinário). A título exemplificativo, na obra colectiva Le Photojournalisme (1992) aconselha-se o recurso a processos como a acentuação digital do contraste figura-fundo, o reenquadramento e a combinação de diferentes fotos para gerar sentido (por exemplo, a integração de uma imagem fotográfica da mesa de uma conferência numa foto da plateia da mesma conferência). Porém, se excluíssemos os conselhos quanto ao reenquadramento, os autores passam, concomitantemente, duas outras noções: 1) em primeiro lugar, o público deve sempre perceber claramente que se trata de uma imagem manipulada ou, em alternativa, o público deve ser advertido do facto; 2) em segundo lugar, a manipulação só deve ser feita quando, em conformidade com a avaliação do fotógrafo ou com a interpretação que este faz da realidade, o acto resultar em benefício do público (lembremo-nos das fotomontagens de Heartfield).

Barnhurst afirma que, seguindo as abordagens estandardizadas, os fotojornalistas podem, sem intenção, reiterar uma série de crenças sobre as pessoas, dando o exemplo dos heróis, que actuam, e das vítimas, que se emocionam — "The narrative teaches that the world is not safe, that when things go wrong, what is needed is a hero to intervene and set them right. And the need for a hero presumes a victim, someone who waits passively for rescue."(23) Na verdade, isto significa que, num determinado contexto histórico-cultural, as narrativas convencionais no (foto)jornalismo contribuem para que seja dado significado social a determinados acontecimentos em detrimento de outros, promovendo, por consequência, determinados acontecimentos, e não outros, à categoria de noticías, concorrendo para dar uma aparência de ordem ao caos que é a irrupção aleatória de acontecimentos e dando inteligibilidade ao real, devido à taxonomização deste em determinadas categorias. Isto vem, aliás, ao encontro da função remitificadora que Adriano Duarte Rodrigues identifica nos meios de Comunicação Social: se antigamente as colectividades humanas recorriam ao mito para explicar as experiências do mundo e dar sentido à vida, hoje teriam transferido para os media a tarefa de organizar e integrar as experiências aleatórias de vida num todo racionalizado.(24) O fotojornalista não apenas reporta as notícias, como também as cria: as (foto)notícias são um artefacto construído por força de mecanismos pessoais, sociais (incluindo económicos), ideológicos, históricos, culturais e tecnológicos.



CAPÍTULO II

OS PRIMÓRDIOS DO FOTOJORNALISMO

A fotografia nasceu no ambiente positivista do século XIX(25), beneficiando de descobertas e inventos anteriores, como as câmaras escura e clara, e da vontade de se encontrar um meio que permitisse a reprodução mecânica da realidade visual. O aparecimento da fotografia, singularizadora e analógica, provocará, assim, uma crise de readaptação no universo da arte representacional, "privada" do realismo por um outro realismo.

Nos primeiros tempos, a utilização da fotografia prendeu-se, principalmente, com demonstrações técnicas, mas, pouco a pouco, por influência dos primeiros fotógrafos, em muitos casos também pintores, foram surgindo determinados cânones estético-expressivos para o medium. Estavam criadas as primeiras convenções profissionais, muito semelhantes às da pintura. O pictoralismo via, assim, a luz do dia como a primeira grande tendência a desenhar-se em torno da fotografia, constituindo-se como um movimento que visava a integração da fotografia nas artes plásticas, através de procedimentos mais ou menos forçados, inclusive em laboratório. Essa corrente vai influenciar o novo medium durante todo o século XIX.

Os pictoralistas consideravam que se a fotografia queria ser reconhecida como arte tinha de se fazer pintura, pelo que exploravam fotograficamente os efeitos da atmosfera, do clima (névoa, chuva, neve…) e da luz (crepúsculo, contra-luz…).

A fotografia de retrato, pelo seu lado, também vai copiar as poses forçadas e os cenários que a pintura usava. Mesmo ao nível técnico, o retoque e a pintura das fotos vão fazer escola. Tal constitui um indício da ideia então vigente de que a fotografia era como uma extensão da pintura que, eventualmente, substituiria esta última. Porém, não só a pintura não desapareceu como também a fotografia a poderá ter ajudado a libertar-se das amarras do realismo.

As primeiras manifestações do que viria a ser o fotojornalismo notam-se quando os primeiros entusiastas da fotografia apontaram a câmara para um acontecimento, tendo em vista fazer chegar essa imagem a um público, com intenção testemunhal. Também seria uma questão de tornar a espécie humana mais visível a ela própria(26) e essa preocupação "(…) has led them to confront hostile surroundins, censorship, fallible equipment, the conventional tastes of photo editors and readers, the distorting scrims of their own prejudices, the inherent limitations on what photograph can convey".(27)

Mais rigorosamente, a fotografia é usada como news medium, entrando na história da informação, desde, provavelmente, 1842, embora, com propriedade, não se possa falar da existência de fotojornalismo nessa altura. Aliás, o fotojornalismo necessita de processos de reprodução que só se desenvolvem a partir do final do século XIX — até meados do século passado, desenhadores, gravuristas e gravuras de madeira eram intermediários entre fotógrafos e fotografias e os leitores. (Fig. 1) De facto, a publicação directa de fotografias só se tornaria possível com as zincogravuras, que surgiriam ao virar do século. Até essa altura, a tecnologia usada envolvia papel, lápis, caneta, pincel e tinta para desenhar; depois, tornava-se necessário recorrer a madeira, cinzéis e serras para criar as gravuras.

Um exemplo eloquente é o registo do que aconteceu a uma das primeiras fotografias de acontecimentos, o daguerreótipo das consequências de um incêndio que destruiu um bairro de Hamburgo, em 1842, realizado por Carl Fiedrich Stelzner.(28) (Fig. 2) A The Illustrated London News, revista semanal que durante muito tempo esteve à frente das publicações ilustradas, grandes artífices da comunicação/informação visual, usou uma imagem, desenhada a partir desse original, para ilustrar o sucedido(29), pois a reprodução de fotografias constituía um problema com que se defrontavam os primeiros jornais e revistas desse tipo. De qualquer modo, também é de relevar que o gosto da época privilegiava o desenho.(30)

Nos Estados Unidos, a primeira fotografia de um acontecimento público foi realizada em 1844. Trata-se de um daguerreótipo da autoria de William e Fredecrik Langenheim, mostrando uma multidão reunida em Filadélfia por ocasião da eclosão de uma série de motins anti-imigração.(31)

A Guerra Americano-Mexicana de 1846-1848 foi, por seu turno, a primeira guerra para onde jornais enviaram correspondentes, tendo mesmo um daguerreotipista anónimo realizado uma série de fotos de oficiais e soldados.(32)

Em Abril de 1848, foi publicada no The Sunday Times uma reprodução sob a forma de gravura de madeira daquele que talvez se possa considerar como o primeiro daguerreótipo político "publicado" na imprensa: The Great Chartist Crowd.

Em 1849, um ou mais fotógrafos anónimos fotografaram os soldados e oficiais envolvidos no cerco de Roma, mais um prenúncio da atenção que o fotojornalismo iria devotar à guerra.

Em meados do século XIX, inicia-se a edição de publicações ilustradas. A The Ilustrated London News, a primeira revista ilustrada, nasceu em Maio de 1842. O seu fundador, Herbert Ingram, afirmou, no número um, que a revista daria aos seus leitores informação em contínuo dos acontecimentos mundiais e nacionais mais relevantes, da sociedade à política, com a ajuda de imagens caras, variadas e realistas.(33) Entre 1855 e 1860, a tiragem cresceu de 200 mil para 300 mil exemplares(34), o que indicia uma crescente apetência social pela imagem.

Em Paris, começa a ser publicada, em 1843, a Illustration, a segunda grande revista ilustrada a ver a luz do dia. É também durante esse ano que um funcionário fixa, em daguerreótipo, a cerimónia de assinatura de um tratado de paz entre a França e a China. Com ele, completa-se a figura do pré-foto-repórter.(35) As fotografias de um incêndio (o de Hamburgo) e de uma cerimónia protocolar ficam, assim, para a história, como indícios daquilo que, mais tarde, se conformaria como alguns dos temas configuradores de rotinas produtivas e convenções no fotojornalismo.

À época, os fotógrafos aventuram-se por vários caminhos. O gosto pelo exótico e a curiosidade pelo diferente, por exemplo, vão promover a produção e difusão de fotografias de intenção documental de locais distantes e de paisagens. Na Europa, a atenção vai para a África e o Oriente, facto a que não é alheia a mentalidade colonial. No entanto, se a "documentação" fotográfica africana é norteada por finalidades científicas, o "fotodocumentalismo" no Médio Oriente, sobretudo no Egipto, teve como fim principal a comercialização de postais ilustrados.

Nos Estados Unidos, especialmente após a Guerra da Secessão, os olhares dirigem-se para o Oeste, povoado por tribos índias, e para onde os colonos se deslocavam, indo provocar um dos maiores genocídios da história.

Os fotógrafos que empreendiam tais expedições eram autênticos "fotodocumentalistas"-viajantes, vergados sob o peso de um equipamento de grandes dimensões e obrigados a transportar consigo —literalmente— o laboratório. Visando dar testemunho do que viam, encobertos pela capa do realismo fotográfico, começavam a ambicionar substituir-se ao leitor, sob mandato, na leitura visual do mundo. É já uma retórica da "objectividade" a despontar, mas que correspondia, de facto, a um discurso fotográfico cujo fim residia na obtenção de imagens sem censura nem truncagens. De todo o modo, embora esses fotógrafos não carregassem ainda o peso de uma tradição histórico-cultural manipuladora e censória, não eram raras as ocasiões em que os gravuristas de madeira acrescentavam pormenores da sua lavra às imagens no momento em que elaboravam ilustrações a partir dos originais fotográficos.

Paralelamente, desenvolve-se, também, a fotografia de retrato e a fotografia arquitectónica. Evidencia-se ainda o naturalismo(36), a que sucede a fotografia pictoralista(37), onde as fotos assumiam, como se disse, uma condição de imitação da pintura. (Fig. 3) Algumas das tendências compositivas patentes na fotografia pictoralista ainda hoje se repercutem, por vezes, no campo fotojornalístico. (Fig. 4)

A necessidade aguça o engenho. Sentia-se a necessidade de novas invenções e estas, como as que "aprisionam o instante", gradualmente, foram surgindo. Mas as tecnologias não são neutras: emergem num determinado estado de coisas e configuram um novo estado de coisas. É pois notória a inter-relação entre as possibilidades técnicas e os conteúdos: nas guerras daquele tempo seria impossível obter spot news das batalhas. As imagens de Fenton, da Guerra da Crimeia, e de Brady, Gardner, O'Sullivan, Barnard e outros, da Guerra da Secessão Americana, por exemplo, concentram-se, por isso, mais na paisagem bélica do que nos processos de guerra em si. Assim, "Depictions of battle were sanitized by distance and time, leaving the viewing public outside the process of war itself."(38)

As exigências do público, dos profissionais e dos consumidores levam, consequentemente, a avanços tecnológicos, que permitirão ganhos para o conteúdo das fotografias. É desta forma que a evolução da temática fotográfica no século XIX é acompanhada por conquistas técnicas. Entre elas, avulta a diminuição dos tempos de exposição, ligada à melhoria da qualidade das lentes e à adopção de novos processos, como o do colódio húmido (cerca de 1851).

A técnica do colódio húmido contribuirá para destronar o daguerreótipo. Com o fim do reinado deste e com a disseminação dos processos negativo-positivo, vão produzir-se mudanças na cultura, nas rotinas e convenções profissionais. Na fotografia, vai abandonar-se a ideia da obra de arte única, chegando-se à noção de arte-obra múltipla.(39)

Para o fotojornalismo, a conquista do movimento revelou-se de importância vital, uma vez que permitiu "congelar" a acção, impressioná-la numa imagem quase em tempo real, capturar o imprevisto, chegar ao instantâneo e, com ele, acenar com a ideia de verdade: o que é assim capturado seria verdadeiro; a imagem não mentiria (note-se, todavia, que apesar de o instantâneo permitir representações fotográficas mais "sinceras" e espontâneas, as fotografias não deixam de ser representações). O mesmo se passa com a melhoria das lentes — uma maior luminosidade possibilitará até a obtenção de fotografias em interiores sem recurso à iluminação artificial, o que facilita, por exemplo, fotografar pessoas sem que elas se apercebam da presença do fotógrafo, com ganhos para a naturalidade e, assim também, para a verosimilhança.

Nadar (1820-1910), o célebre retratista francês, talvez o primeiro fotógrafo a atentar nas expressões características de cada pessoa, explorando as potencialidades expressivas do rosto humano através da máquina fotográfica(40), monta o seu estúdio em 1853. Será a ele que se deverá a primeira fotografia aérea, em 1858, as primeiras fotografias com iluminação artificial (esgotos de Paris) e as primeiras fotografias de uma entrevista (as fotos do filho de Nadar à entrevista que o seu pai fez ao químico Chevreul, por ocasião do centenário deste, em 1886, das quais 12 foram publicadas no Journal Illustré). (Fig. 5) Segundo Gisèle Freund:"A foto inaugura os mass media visuais cando o retrato individual fica substituido polo retrato colectivo. De vez, convertese nun poderoso medio de propaganda e manipulación."(41)

Com a abertura do estúdio de Disderi (1819-1889), também na capital francesa, por volta de 1854, opera-se uma mudança radical na evolução da fotografia — surge a fotografia "cartão de visita" e dá-se democratização do acesso à fotografia de retrato por via da diminuição dos preços. É dado o primeiro passo para a fotografia se tornar um mass medium. Julgamos mesmo, aliás, que foi através da popularização massiva da imagem fotográfica que se começou a delinear um mercado para o fotojornalismo.

Os pioneiros da "reportagem" fotográfica assistirão à cerimónia de abertura da reconstrução do Crystal Palace, em Sydenham, em 1854, e ao baptismo do príncipe imperial em Notre-Dame de Paris, em 1856.(42) Pelo meio, em 1855, Roger Fenton (1819-1869) parte para a Guerra da Crimeia, com quatro assistentes e uma enorme parafernália de equipamento, entre o qual uma carroça-laboratório, indispensável para a necessária revelação imediata das fotografias (usava-se a técnica do colódio húmido sobre vidro). Ele irá realizar a primeira reportagem extensa de guerra.

A década de cinquenta do século passado tornou-se uma época de oportunidades para a fotografia de paisagens, sobretudo no Mediterrâneo, onde fotógrafos britânicos e franceses eram particularmente activos. Algumas das fotos surgiam na imprensa sob a forma de gravuras, como as vistas de Constantinopla de James Robertson (?-1865?), publicadas na Illustrated London News.(43)

Também surgiam nos jornais e revistas da época algumas gravuras de fotos que documentavam o processo de industrialização em curso, como as de Robert Howlett da construção do maior navio a vapor da época, o Leviathan, publicadas, em 1858, na Illustrated Times.(44)

Entretanto, em 1852, realiza-se uma grande exposição fotográfica em Inglaterra. No Times escreve-se sobre o potencial "fotojornalístico" da câmara: "It secures precise and charming representaions of the most distant and the most evanescent scenes. It fixes, by almost instantaneous processes, the details and character of events and places, which otherwise the grear mass of mankind would never have brought home to them."(45)

1855 é o ano da grande exposição do Palácio da Indústria, em Paris, onde se inclui uma secção especial sobre fotografia. Por essa altura, nos meios intelectuais, animados pelo positivismo, e nos meios artísticos, onde pontifica paralelamente o realismo, alimenta-se uma polémica sobre a fotografia. O debate em curso "(…) exemplifica o ambiente de contradición creadora que pulaba polos seus protagonistas e que estimula o camiño da foto como testemuña, o grande perigo aparecerá vencellado coas correntes pictoralistas, de condición recuada, que pretenden identificar, forzar, foto igual a imitación da pintura."(46)

É na exposição parisiense de 1855 que, pela primeira vez, são exibidas provas retocadas de negativos, do fotógrafo Franz Hamfstangel, de Munique. Mas, se Hamfstangel inventou o retoque do negativo, também abriu as portas à manipulação da imagem fotográfica pela truncagem. Gisèle Freund afirma mesmo que: "O retoque constituiu um facto decisivo para o desenvolvimento ulterior da fotografia. É o começo da sua degradação pois, uma vez que o seu emprego inconsiderado e abusivo elimina todas as qualidades características de uma reprodução fiel, ele despojou a fotografia do seu valor essencial."(47)

Nessa mesma época, a fotografia estereoscópica (em três dimensões) vai popularizar-se, chegando quase ao estatuto que têm hoje os videos domésticos. Paisagens, fotos de guerra, fotos de acontecimentos (frequentemente também inseridas na imprensa), fotos do mundo industrial, fotos de viagem, todas contribuiam para os lucros das companhias que se dedicavam a esse produto, como a London Stereoscopic Company, que, no final da década de cinquenta do século passado, havia vendido 500 mil aparelhos em que podiam ser usadas quase 100 mil fotografias. A fotoestereoscopicomania durará até à I Guerra Mundial. A este fenómeno, provavelmente, não será estranho o facto de só a partir dos finais do século XIX os jornais e revistas começarem a editar fotografias e não gravuras obtidas a partir de fotografias.

Alguns fotógrafos, como o coronel Langlois (1789-1870), autor de Panoramas de la Guerre de Crimée, 1855) ou Gustave Le Gray (1820-1884), começaram também por essa época a realizar várias fotografias em sequência espacial, algumas das quais com interesse documental, para tentar compor panorâmicas. A ideia da panorâmica, hoje em dia, é representada pelas técnicas que permitem a sua realização, como o Advanced Photo System.
 
 

CAPÍTULO III

NASCE O FOTOJORNALISMO: A GUERRA COMO TEMA PRIVILEGIADO

Em meados da década de cinquenta do século XIX, a fotografia já havia beneficiado dos avanços técnicos, químicos e ópticos que lhe permitiram abandonar os estúdios e avançar para a documentação imagética do mundo com o "realismo" que a pintura não conseguia. A foto beneficiava também das noções de "prova", "testemunho" e "verdade", que à época lhe estavam profundamente associadas e que a credibilizavam como "espelho do real".

As guerras não puderam, assim, deixar de merecer a atenção dos "proto-fotojornalistas" e dos seus editores. Por um lado, a herança cultural consagrava-lhe atenção artística, pois a guerra sempre foi um tema sedutor e de sucesso junto das pessoas(48); por outro lado, na segunda metade do século passado ocorreram numerosos conflitos em que se viram envolvidas as potências mais industrializadas. Há ainda a acrescentar que se ia formando um público para a "reportagem ilustrada".

É assim que a participação britânica na Guerra da Crimeia (1854-55), com o consequente interesse popular, leva o editor Thomas Agnew a convidar o fotógrafo oficial do Museu Britânico, Roger Fenton, a deslocar-se à frente de batalha, para cobrir "fotojornalisticamente" o acontecimento.

Todavia, a rudimentaridade das tecnologias vai originar um caso paradigmático de desfavor do "proto-fotojornalismo". As fotografias da Guerra da Crimeia obtidas por Fenton, publicadas no The llustrated London News e no Il fotografo, de Milão, em 1855, foram inseridas na imprensa sob a forma de gravuras, apesar dessas fotos constituirem o primeiro indício do privilégio que o fotojornalismo vai conceder à cobertura de conflitos bélicos. De qualquer modo, e de acordo com Marie-Loup Sougez, Roger Fenton foi o primeiro repórter fotográfico.(49)

As fotografias que Fenton obtém na Crimeia não mostram o horror da dor e da morte. (Fig. 6) Os cerca de 300 negativos que restam são antes imagens de soldados e oficiais, por vezes sorridentes, posando para o fotógrafo, ou imagens dos campos de batalha, limpos de cadáveres, embora juncados de balas de canhão.

As fotos da Guerra da Crimeia realizadas por Roger Fenton possuem, de facto, um condicionalismo que ultrapassa o dos limites definidos pelas tecnologias. Sendo uma expedição encomendada pelo empresário Thomas Agnew, com a primeira cobertura "fotojornalística" de guerra nasce a censura prévia ao fotojornalismo.(50) Daí serem imagens que nada revelam da dureza dos combates. Em vez disso, mostram a "falsa guerra", os soldados bem instalados, longe da frente. É ainda a guerra vestida com a sua auréola de heroísmo e de epopeia, como tradicionalmente era representada pela pintura. Por outro lado, porém, há evidentemente que atentar nas limitações técnicas: a "reportagem" de guerra estava limitada ao "teatro das operações" e às consequências das actividades bélicas, pois o fotógrafo era incapaz de se posicionar "na acção".

É preciso que se note que as fases iniciais do conflito da Crimeia, que se desenrolaram nos Balcãs, podem ter sido registadas por Karl Baptist de Szathmari, um amador de Bucareste, mas as fotos não sobreviveram, pelo que se desconhece o seu conteúdo.

Durante a Guerra da Crimeia salientou-se ainda um outro fotógrafo, também britânico: James Robertson. Ele, provavelmente, foi o primeiro fotógrafo a fotografar mortos em combate, quando "reportou" a queda de Sebastopol, ampliando "o universo do mostrável", a "liberdade de ver".(51) Um outro "proto-fotojornalista" desses tempos foi um associado de Robertson, Felice Beato (c. 1830-1906). Juntos após 1850, depois do conflito da Crimeia foram para a Índia, onde Beato fotografará a rebelião dos Cipayos, em 1857.

Da Guerra da Crimeia em diante, todos os grandes acontecimentos serão reportados fotograficamente, como o conflito que opôs a Áustria à Sardenha (Luigi Sacchi, Berardy e Ferriers, pai e filho, 1859), a colonização da Argélia (Jacques Moulin, 1856/57), as rebeliões na Índia (Robertson e Beato, 1857-1858), a intervenção britânica na China, durante as Guerras do Ópio (Beato, 1860), o ataque da Prússia e da Áustria à Dinamarca (Friedrich Brandt, Adolph Halwas e Heinrich Grat, 1864), a Guerra da Secessão nos EUA (1861/65) e a Guerra Franco-Prussiana, onde Disdéri chegou a fotografar as ruínas de St. Claud (1870). De qualquer modo, acontecimentos mais pacíficos ou até mesmo agradáveis também mereceram reportagens: concursos agrícolas, festas, exposições universais, grandes construções.(52) A audiência crescia:

A exemplo do que aconteceu com as fotos da Crimeia, nos Estados Unidos levantam-se também problemas tecnológicos na hora de reproduzir em revistas ilustradas (como a Harper's Weekly, a New York Illustrated News ou a Frank Leslie's Illustrated Newspaper) fotografias como as da Guerra da Secessão — o primeiro evento a ser "massivamente" coberto por fotógrafos.

Na cobertura desse conflito pontificaram, entre outros, nomes importantes para a história do fotojornalismo, como Mathew Brady (1823-1896), um freelance que havia sido o fotógrafo oficial do candidato Lincoln, e os seus colaboradores mais importantes, Alexander Gardner (1821-1882), Timothy O'Sullivan (activo de 1840 a 1882) e George N. Barnard (1819-1902).

As práticas de construção imagética tiveram alguma influência durante a Guerra Civil Americana: Gardner chega a rearranjar um corpo de um sulista na célebre foto de um soldado morto intitulada "Home of a Rebel Sharpshooter".(54) (Fig. 7) Aliás, esse mesmo corpo pode ter sido usado não só para essa mas também para outra foto de um morto, desta feita de um soldado da União: "A Sharpshooter's Last Home".(55)

A associação de Brady (que raramente operava a câmara) com os seus colaboradores ruiu quando estes começaram a reclamar do facto de Brady assinar todas as fotos, incluindo as desses últimos, o que deixa adivinhar o despontar da ideia do direito de autoria e assinatura no fotojornalismo. Devido ao mau estar desencadeado pela actuação de Brady, Gardner, por exemplo, dissociar-se-á do seu contratante a meio da guerra, publicando, no final das hostilidades, o Gardner's Photographic Sketch Book of The War. Contudo, independentemente dos seus méritos e desméritos, Pollack assegura que foi Brady a ter a ideia inovadora de montar a primeira agência distribuidora de fotos de actualidade, embora se tenha arruinado no empreendimento.(56)

Ao contrário do que sucedeu a Fenton, durante a Guerra da Secessão, sem censura, começa a revelar-se uma certa estética do horror, que, mais actualmente, dominou obras como a de Don McCullin ou as de uma parte dos fotojornalistas de guerra, mas que já se adivinhava, por exemplo, nas fotos de Felice Beato durante as Guerras do Ópio, na China, em 1860. As imagens de Beato da captura de Tientsin pelas tropas franco-britânicas não teriam sido sujeitas aos condicionalismos com que Fenton se defrontou, mostrando os cadáveres, por vezes em decomposição, dos que tombaram na luta.

Pelo estudo de William Thomson, The Image of War, chega-se, todavia, à conclusão que a cobertura fotográfica da Guerra Civil Americana abrangeu também, especialmente no seu início, imagens idealizadas de oficiais garbosos a conduzir ordeira e heroicamente os seus soldados na frente.(57) O retrato duro e cruel das realidades (mortais) do conflito só aparece numa fase posterior, quando os editores perceberam que os leitores pretendiam notícias "factuais" sobre o que realmente acontecia aos combatentes.(58)

Brady e outros fotógrafos, por exemplo, devem ter influenciado a opinião dos públicos, ao dar a conhecer fotos do campo de prisioneiros de Andersonville, onde se dizia que morria um prisioneiro a cada onze minutos. As gravuras dos "esqueletos humanos" publicadas, em Junho de 1864, na Leslie's e na Harper's, a partir das fotos, escandalizaram o Norte: não traziam a emoção visceral, intensa e instantânea das fotos-choque, mas saber que eram desenhos executados a partir de fotografias potenciava a sua credibilidade e dramaticidade. (Fig. 8)

Os principais aspectos a reter sobre o desenvolvimento do fotojornalismo durante a cobertura da Guerra da Secessão talvez sejam:

A Guerra da Secessão foi também a primeira ocasião da história em que os "fotojornalistas" correram perigo de morte ao cobrirem a frente de batalha. Um perigo agravado pela enorme quantidade de equipamento que necessitavam de transportar consigo, incluindo uma carroça-laboratório (tal como na Crimeia, usava-se a técnica do colódio húmido, que exigia que as fotografias fossem reveladas mal fossem obtidas) e câmaras enormes com tripé.

Em 1866, foram publicados dois importantes livros fotográficos sobre a Guerra da Secessão, o primeiro exemplo de edições fotográficas organizadas pelos fotógrafos para serem tomadas em conta na hora de se fazer história: o já referenciado Photographic Sketch Book of the War (de Gardner, embora reunisse contribuições de outros fotógrafos) e Photographic Views of Sherman's Campaign (de Barnard). Este último talvez seja mais curioso, devido ao seu pendor ensaístico: trata-se de uma colecção quase obsessiva de fotografias "de paisagens" em que silhuetas de edifícios esventrados se alinham contra um céu claro. Era, afinal, o que restava da tal marcha do general Sherman.

Por outro lado, são realizadas várias exposições, nomeadamente por Brady. Livros e exposições iniciam, assim, um percurso indelevelmente ligado ao fotojornalismo, mostrando que os processos de difusão de imagem fotojornalística na actualidade têm raízes (também) histórico-culturais.

Depois da rendição, Brady conseguiu convencer o general Lee a deixar-se fotografar em casa, na cidade de Richmond. Pela última vez, o general vestiu o uniforme Confederado. O trabalho de cobertura fotográfica do conflito tinha terminado.

Segundo Karen Becker, além das imagens de guerra, a imprensa ilustrada da época privilegiava a inserção de imagens de eventos e cerimónias públicas importantes, encetando uma lógica que configura algumas das rotinas produtivas do fotojornalismo moderno.(66) Porém, mais importante do que a simples constatação de um facto é reflectir sobre as consequências da introdução das fotos traumáticas dos acontecimentos violentos nas tranquilas casas burguesas. Depois da fotografia, a guerra nunca mais seria a mesma. Com o medium emergente, o observador era projectado num mundo mais próximo, mais real, mas por vezes mais cruel. No mundo da imprensa, com as fotos, o conhecimento, o julgamento e a apreciação deixaram de ser monopolizados pela escrita.

É preciso notar-se que os fotógrafos que cobriram esses primeiros grandes acontecimentos não se viam a si mesmo como fotojornalistas, até porque não existia um corpo profissional autónomo. Foi apenas por volta da última década do século passado, graças à emergência da imprensa popular, de que resultou a contratação de fotojornalistas a tempo inteiro por Pulitzer e Hearst, que o profissionalismo fotojornalístico começou a vir ao de cima(67) — em definitivo, grande parte da produção fotográfica deslocou-se para a imprensa, abandonando o estúdio, e muitos fotógrafos deixaram, consequentemente, o seu estatuto de pequenos burgueses.

O estatuto de dependência económica que o fotojornalismo adquiriu com a profissionalização viria a conformar a actividade, tornando a sua produção algo "popular", uma tendência que adquiriu maior projecção nos dias que correm com o triunfo da foto-ilustração, do glamour e do show biz bem como com os fotógrafos paparazzi, que se movem ao faro do sensacional, do exótico, do escandaloso, e não do documento de valor socio-histórico, e cuja (má) fama foi relevada com a morte da Princesa Diana.



CAPÍTULO IV

UM LUGAR AO SOL: INVENÇÕES E INOVAÇÕES DESENHAM O ÊXITO DO FOTOJORNALISMO

A agenda fotojornalística na imprensa nos finais do século XIX e princípios do século XX vai configurando-se no ambiente tenso que resulta das pulsões de sinais contrários que animavam as discussões sobre fotografia e as práticas fotográficas.

Na mesma época, a procura da fotografia de actualidades aumenta. Encontra aqui, aliás, justificação o interesse que, em 1889, o British Journal of Photography mostra pela criação de um arquivo de fotos de actualidade(68), prenúncio do que, mais tarde, jornais, revistas e agências se veriam forçados a fazer. Hoje em dia, as novas tecnologias facilitam a arquivística fotográfica, permitindo, entre outros factores, uma melhor conservação (digitalização e armazenamento em banco de dados), a poupança de espaço, a rápida localização e a inclusão de várias informações em texto anexo. Porém, as novas tecnologias facilitam também a manipulação imagética, constituindo uma fonte de preocupação, embora também um desafio a que fotojornalistas, arquivistas e outros profissionais se rejam pelas pautas da honestidade, da ética e da deontologia.

Na Europa, os grandes acontecimentos que ocorreram no último terço do século passado mereceram cobertura fotográfica. É interessante referenciar as "reportagens" da guerra Franco-Prussiana, entre 1870 e 1871, onde se começa a detectar a introdução do conceito de velocidade na fotografia europeia. É também nesse conflito que são realizadas as primeiras fotos de soldados lutando no campo de batalha (despontar da estética da próximidade).

A cobertura da Comuna de Paris (1871) também se salienta na história da fotografia, pois, após o desenlace da revolta, as fotos foram, pela primeira vez, usadas com intuitos repressivos, para identificar pessoas com vista à instauração de processos criminais que levaram frequentemente a execuções. De facto, quando, nas barricadas, os revoltosos radicais posavam ingenuamente para os fotógrafos, certamente estavam longe de pensar nessa nova utilização da fotografia. Hoje, quem não quer ser reconhecido, tapa a cara — um gesto simples, embora denunciante de fotoliteracia, que poderia ter salvo vidas entre os revoltosos. Anos mais tarde, curiosamente, um álbum que reunia a memória fotográfica da Comuna não teve a aceitação do mercado. Tentativas de esquecimento, de lavar a memória nas seguras regiões da anestesia?

Vai ser também depois da Comuna que surge a informação gráfica truncada, com as primeiras montagens. O fotógrafo Liébert publicou no livro Crimes de la Commune fotos de pessoas retratadas sobre fotos de Paris.

Depois de várias experiências de diversos inventores, em Julho de 1871 o jornal sueco Nordisk Boktryckeri-Tidning publicou uma fotografia impressa conjuntamente com o texto, graças a uma impressão em halftone com uma trama de linhas. Carl Carleman, o inventor do processo (que será usado, depois, na imprensa de outros países, como na revista francesa Le Monde Illustré, a partir de 10 de Março de 1877), sublinhou que seria somente dessa forma que a fotografia poderia penetrar massivamente no público e tornar-se o meio mais poderoso para elevar culturalmente a humanidade.

A conquista da travagem do movimento também deu passos largos: beneficiando da cronofotografia do fisiologista francês Étienne-Jules Marey (1830-1904), que estudava sobretudo o movimento de pessoas e animais, mas também de alguns objectos, o fotógrafo norte-americano Edward Muybridge (1830-1904), já bastante conhecido pelas suas fotos de Yosemite Valley, conseguiu registar —travado— o movimento em trote e a galope do cavalo do governador da Califórnia, Lelan Stanford. Muybridge obteve uma sequência das fases sucessivas do movimento usando doze máquinas fotográficas dispostas sequentemente, em bateria, accionadas por obturadores eléctricos cujo disparo era, por sua vez, accionado pelo cavalo ao tocar em fios que atravessavam a pista nos locais onde as câmaras se posicionavam.

Nas duas últimas décadas do século XIX surgem revistas de fotografia em vários pontos do Globo, como a Illustrated American (Estados Unidos, 22 de Fevereiro de 1890), provavelmente a primeira revista ilustrada concebida deliberadamente para usar fotografias em exclusivo, a The Photographic News (Reino Unido) e a La Ilustración Española y Americana (Espanha).

No primeiro número da Illustrated American, que inseria 75 fotografias, o seu editor proclamava: "(…) o objectivo especial será desenvolver as possibilidades até aqui quase inexploradas da câmara e dos vários processos que reproduzem o seu trabalho."(69)

Aquelas revistas tiveram um relevante papel inovador: "Por razóns de periodicidade, de especialización temática ou de público será neste sector da prensa escrita —na revista— onde irá manifestarse o avance no uso da imaxe, mesmo as súas aplicacións vangardistas, sector que influirá e propiciará a súa introdución no xornal, no diario."(70)

Na mesma altura, porém, alguns títulos tradicionais, como a The Illustrated London News, chegam até a manifestar-se contra a substituição da gravura artesenal pelos novos procedimentos de impressão(71), nomeadamente o halftone, disponível em geral a partir de 1880. Por um lado, é provável que um público mais conservador continuasse a considerar o desenho como uma forma de arte, estatuto que não outorgaria à fotografia. Desta forma, o seu gosto privilegiaria o desenho da fotografia em detrimento da fotografia em si, fazendo-se eco da polémica que os detractores do novo medium alimentavam quase desde o seu nascimento. Por outro lado, esta postura é algo anacrónica, pois, ao fim e ao cabo, renegava os novos processos técnicos e invenções que concorriam para consolidar a fotografia como news medium (lentes anastigmáticas, emulsões sensíveis, película flexível, câmaras manuais e processos de impressão inovadores).

Não obstante, a informação fotovisual tinha um lugar assegurado na imprensa. Por isto, as aparições esporádicas da fotografia nas páginas dos jornais e revistas mais não fizeram do que abrir caminho para a informação fotojornalística sistemática e, assim, para uma informação mais directa.

De qualquer modo, com as conquistas técnicas e as inovações no uso da imagem, com o instantâneo e a conquista da acção, com a competição entre as cada vez mais numerosas revistas ilustradas ("fotojornalísticas"), nasce um novo discurso "fotojornalístico", ligado a uma retórica da velocidade. Aliás, em 1884, o Illustrierte Zeitung, de Leipzig, consubstancia o espírito renovador ao publicar dois instantâneos (fotografias que valem mais por existirem do que pela qualidade que apresentam) de Ottomar Anschütz, em halftone, sobre as manobras do exército alemão em Hamburgo. Justificando o acto, o director da publicação escreveu: "Pela primeira vez vemos duas fotografias instantâneas impressas conjuntamente com letra de imprensa (…). A fotografia abriu novos caminhos. A sua palavra de ordem é agora 'rapidez' em todos os aspectos, quer ao tirar a fotografia quer ao reproduzi-la. As velhas técnicas estão já ultrapassadas pelas de hoje (…)."(72) Estas ideias ainda hoje moldam algum fotojornalismo, como o fotojornalismo de agência noticiosa, o que releva as condicionantes histórico-culturais da evolução da actividade.

A utilização do halftone generaliza-se a partir de 4 de Março de 1880, dia em que o The New York Daily Graphic publica a sua primeira foto reproduzida através desse processo (Stephen Horgan, A Scene in Shanty Town, uma fotografia de um bairro de lata).

O halftone veio emprestar ao fotojornalismo a base tecnológica que lhe faltava para conquistar um lugar ao sol na imprensa. Ulteriormente, tornou-se mais fácil fazer acompanhar os textos de imagens fotográficas. Na Europa, por exemplo, são publicados dois halftones na Leipziger Illustriert, em 15 de Março de 1884.

Todavia, a introdução do halftone não originou, inicialmente, a mudança das rotinas produtivas anteriores. De facto: (a) os repórteres fotográficos ainda necessitavam de desenvolver as performances "intuitivas" que o seu trabalho implica; (b) nem todas as notícias são fotografáveis ou, pelo menos, "fotogénicas"(73); e (c) a adaptação tecnológica ao halftone era cara e poderia contrariar os gostos e expectativas do público.

Assim, os desenhos continuaram a ser a principal fonte de imagens dos jornais, com excepção dos domingos, em que os suplementos passaram a incluir fotos em grande número. Consequentemente, os gravuristas de madeira eram mais considerados do que os fotojornalistas, sendo vulgar que as fotografias fossem apenas usadas como modelo para os gravuristas de madeira, que chegavam a assinar as imagens nos jornais em detrimento de quem as obtinha. Conforme explica Karen Becker: "Despite these successes newspapers resisted the costly reorganization of production and hiring of outside printers to screen photographs. Their investment in engravers also satisfied standards of visual art and supplied more lively images than the slow photographic technology was capable of the time."(74)

As fotografias surgiam nos jornais do século XIX como um pouco menos do que intrusas. O design de imprensa era centrado na letra. Além disso, nos jornais do final do século passado, como o Boston Evening Trancript, por exemplo, as fotografias surgiam sobretudo para ilustrar features. Nas páginas de features, era inclusivamente comum a inclusão de fotos de casamentos, embora separadas do texto por enfeites sóbrios. Frequentemente suprimia-se o fundo para se destacarem as figuras.(75) O Daily News, o Herald and Examiner e o Post usavam a fotografia de maneira equivalente.(76)

A película fotográfica em forma de tira, um invento de George Eastman e W. Walker surge também em 1884, como se referiu, o ano de publicação pela Illustrirte Zeitung dos instantâneos de Ottomar Anschutz das manobras do exército alemão em Hamburgo (hoje em dia as manobras militares continuam a ser pretexto de foto-reportagens, devido não só ao seu carácter espectacular mas provavelmente também aos inteligentes serviços de relações públicas das Forças Armadas). Essa invenção, para além de ter contribuido para o uso da fotografia como self-medium, virá a facilitar a vida aos fotojornalistas, pois trata-se de um material extraordinariamente mais manipulável e de transporte mais fácil do que as chapas de vidro ou metal.

Quatro anos mais tarde, em 1888, Eastman inventa e fabrica a primeira câmara Kodak. Com ela, a fotografia promove-se definitivamente a medium de uso massivo e democratiza-se — "You press the bottom. We do the rest!" ("Você Carrega no Botão. Nós Fazemos o Resto!"), sustentava a campanha publicitária da Kodak. A partir deste momento, deixam de ser necessários conhecimentos relativamente aprofundados sobre os processos de revelação, impressão e composição imagética para se ser fotógrafo.

Em pouco tempo, a fotografia vai permitir o amadorismo das cabeças cortadas. E também disseminar as ideias compositivas estereotipadas da foto bonita, lisa e aplanada no sentido, bem centrada — para o senso comum, estas seriam, em exclusivo, as boas fotografias, inclusive no domínio do fotojornalismo. Mas, por outro lado, também permitirá ao amador tornar-se num criador e até mesmo num caçador de imagens, garantindo que os acontecimentos marcantes das histórias individuais e familiares ganhem uma memória. Baptismos, casamentos, férias, ganham uma dignidade fotográfica que, para a fotografia tradicional, actua não só como um agulhão espicaçador mas também como um boião de liberdade.

O caso do pintor Jacques-Henri Lartigue (1894-1986) é exemplificativo da anterior asserção. De facto, Lartigue veio a ser um dos amadores que usou abundantemente as máquinas portáteis. Ainda na sua juventude, realizou, a partir de 1904, diversos instantâneos de pessoas, cheios de graça e ternura, que contrastavam vivamente com a anémica estética pictoralista dominante, chegando mesmo, por vezes, a roçar a abstracção. Depois, continuou a fotografar a família, as crianças e as mulheres de estratos privilegiados da população francesa, até 1935, contemplando a elegância e a doçura de viver.

Na imprensa, a competição derivada da cobertura da Guerra Hispano-Americana (uma guerra em que os jornalistas não se limitaram a reportar as notícias: fizeram notícias(78)), a partir de 1898, vai incentivar as empresas jornalísticas dos EUA a uma política de investimentos que alarga a utilização do halftone e promove definitivamente a fotografia ao estatuto de news medium. Apesar dos excessos do yellow journalism e do jornalismo sensacionalista(79) praticados na ocasião, os jornais norte-americanos, com o sensacionalista World, de Joseph Pulitzer, e o "amarelo" New York Journal, de Randolph Hearst, à cabeça, faziam um "(…) lavish use of pictures, including faked and inaccurately labeled photographs, contributed to the war fever and increased circulation."(80) Porém, as associações da fotografia ao jornalismo amarelo terão levado os jornais e as revistas de elite (quality papers) mais conservadores a adiar a sua adesão ao jornalismo fotográfico.

Entre os repórteres fotográficos que cobriram a Guerra Hispano-Americana podem destacar-se James Henry Hare (Collier's e New York Journal), James Burton e F. Pagliuchi (Harper's), John C. Hemment (Leslie's) e William Randolph (World). Hare, provavelmente, foi o mais famoso de entre eles.

Freelance no Reino Unido, James Hare emigrou para os EUA onde trabalhou no mesmo regime para a Illustrated American e para a Collier's Weekly. Rapidamente se tornou uma estrela do fotojornalismo emergente. Contratado por William Hearst, serviu os propósitos deste barão da imprensa, que teve O Mundo a Seus Pés na Guerra Hispano-Americana, que ajudou a fazer irromper. Nas suas imagens, Hare visava obter efeitos dramáticos — fossem as lutas de rua ou o avanço do exército americano nas batalhas de San Juan ou Kettle Hills. Noutras circunstâncias, a mesma pretensão é visível, nem que fosse a "prova" de que o avião dos irmãos Wright podia voar.

Hare foi também um dos primeiros photoglobetrotters: além de Cuba, esteve no México a cobrir a revolução de Pancho Villa, na Coreia a fotografar o desembarque japonês durante a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905, em São Francisco após o terramoto. Em 1914, rompeu com a Collier's para poder cobrir a I Guerra Mundial na Europa para a Leslie's Weekly, tendo escolhido a frente dos Balcãs para fazer o seu trabalho. Antes de se retirar, fotografou os confrontos polaco-soviéticos pós-armistício. As suas fotos do conflito entre a Rússia e o Japão, tal como as de James Ricalcon, William Dinwiddic e Robert Dunn, reproduzidas largamente na imprensa americana, foram também vendidas aos jornais ilustrados europeus, estabelecendo as bases para a difusão internacional das imagens fotográficas.

Apesar do uso que a imprensa mucracker e amarela faziam das fotos (no New York Journal, de Hearst, os fotógrafos chegavam a alterar fotos de pessoas conhecidas para que estas passassem por desconhecidas; as fotos serviam, depois, para ilustrar narrativas diversas, como crimes(81)), nos anos 90 do século passado a introdução da rotativa e a alteração do conteúdo dos jornais e revistas, que começam a publicar artigos mais sérios e profundos, levam a uma integração crescente da fotografia jornalística, mesmo nos órgãos de comunicação social mais clássicos. Muitas vezes, contudo, as imagens são publicadas até três ou quatro semanas após o acontecimento. De qualquer modo, nesta mesma época, revistas como a Collier's ajudaram a estabelecer as convenções da reportagem fotográfica e do profissionalismo, ao usar a fotografia como news medium, combinada com texto, e ao organizar staffs próprios de fotógrafos, transformando o fotojornalismo em profissão e em carreira.

À medida que a fotografia começa a ser mais utilizada na imprensa, aparecem os primeiros repórteres fotográficos profissionais. Estes cedo começam a ser detestados pelas suas "vítimas" devido ao cheiro nauseabundo e à luz ofuscante dos flashes de magnésio, ao carácter grotesco com que as pessoas eram fotograficamente representadas e ao facto de os fotógrafos serem frequentemente pessoas rudes, escolhidas mais pela força física, devido ao peso das câmaras, do que às suas qualidades, o que até dificultava o seu acesso ao local dos acontecimentos. "O objectivo destes fotógrafos era (…) o de conseguir uma foto, o que na época queria dizer que a imagem devia ser nítida e utilizável para a reprodução.""(82)

A fundação da londrina Illustrated Journals Photographic Supply Company, a primeira agência fotográfica "de facto", em 1894, inaugura uma era de expansão do fotojornalismo. À Illustrated Journals, outras agências se seguem, como a Underwood & Underwood (EUA), em 1896, e a Montauk Photo Concern (EUA), estabelecida em 1898, que empregou a primeira fotógrafa americana a fazer nome — Frances Benjamin Johnson. Em 1899, surge em Londres a Illustrated Press Bureau, que concorre com a Illustrated Journals. Estas agências fornecem fotografias aos jornais e revistas, entregando-as, regra geral, em mão. Contudo, em 1907 a velocidade de transmissão das imagens fotográficas aumenta, com o estabelecimento da transmissão à distância. A partir desse mesmo ano, a National Geographic torna-se poneira do uso da cor na foto-reportagem.

A 8 de Março de 1890, é editada na Illustrated American a primeira reportagem fotográfica sobre a vida numa prisão (Fig. 9) —um tema que ainda hoje continua a ser abordado e que é, concomitantemente, um exemplo dos primeiros passos do fotojornalismo— realizada por S.W. Westmore. Em 1896, o The New York Times começa a publicar um suplemento semanal fotográfico(83), recorrendo ao halftone, e, em 1914, lançará o suplemento ilustrado Mid-Week Pictorial, com fotografias de actualidade da guerra na Europa. Também impresso em rotativa, o New York Tribune converte-se, em 1897, num utilizador regular da fotografia de actualidades.

Aquela que terá sido a primeira revista a usar a fotomontagem nasceu em França em 1898 — chamava-se La Vie au Grand Air (Fig. 10) e abordava essencialmente temas desportivos. Esta revista inovou profundamente no campo gráfico, não apenas através do recurso à fotomontagem como também recorrendo, por exemplo, a planos detalhados sobrepostos a planos gerais e ao rompimento da mancha gráfica habitual. Nesse ano, publicavam-se já regularmente doze revistas ilustradas nos EUA, dez no Reino Unido, nove em França, sete na Alemanha e Áustria e uma ou mais noutros países europeus, como Portugal. Tornavam-se conhecidos os rostos das figuras públicas e visualizavam-se os acontecimentos que, neste sentido, se tornavam mais familiares. Na Europa e nos EUA, a fotografia insinuava-se, ou talvez mesmo se impusesse, na imprensa.

Com a disseminação do fotojornalismo, e beneficiando das suas abordagens do quotidiano, no sentido inverso ao dos amadores, que persistiam, no início do século, numa via pictoralista, constroem-se novas formas de representação da realidade e novas grelhas —mais realistas— de leitura do mundo.(84) De facto, a introdução da fotografia na imprensa abre a primeira janela visual mediática para um mundo que se torna mais pequeno, caminhando para a familiaridade da "aldeia global".(85)

Vai ser em França que, a partir de 1910, a fotografia jornalística faz a sua verdadeira aparição nos jornais europeus, no Excelsior, de Pierre Lafitte. Neste jornal, quatro a doze páginas eram reservadas à reprodução de fotografias de actualidade usadas como meio de informação, e não de ilustração. No Velho Continente, isto era novidade. Com o britânico Daily Mirror, L'Excelsior torna-se um dos pioneiros europeus em matéria de foto-reportagem. A L'Illustration não compete directamente com o L'Éxcelsior, já que publicava menos fotografias, embora talvez de melhor qualidade, com os fotógrafos Gervais Comtellemont e Jean Clair-Guyot a pontificarem entre os colaboradores da revista.

Face aos dados expostos, pode concluir-se que, pelos finais do século XIX, a fotografia começou a impor-se na imprensa, pelo menos como meio de ilustração directa, graças (a) à difusão crescente da informação impressa, (b) à adaptação dos processos de impressão fotomecânicos e (c) ao aparecimento do instantâneo fotográfico, possibilitado pelas tecnologias emergentes. Todavia, como se verá, só nos anos vinte é que o medium se adaptará realmente à imprensa.

Até lá, devagar, o fotojornalismo vai encontrando os meios para cobrir com eficácia e em competição o mais difícil desafio, mas também talvez o mais aliciante: a guerra. É assim que a Guerra dos Boers, que ensanguentou a África do Sul entre 1899 e 1902, propiciou ao fotógrafo alemão Reinhold Thiele, entre outros, a obtenção de imagens que mostram a tensão de alguns momentos do conflito, como o bombardeamento da artilharia naval britânica a uma fortaleza boer, em Dezembro de 1899. As fotos de Thiele e de outro fotógrafo, Horace Nicholls, foram publicadas no The Daily Graphic de Londres, em Março de 1900, o jornal que encomendara o trabalho. Com um senão: nenhuma menção foi feita ao facto de o ataque britânico ter sido um desastre.

As guerras, mais especificamente as revoluções mexicanas, a partir de 1903 e com ponto alto em 1910, foram também um tema de trabalho de Augustin-Victor Casasola, que fundou a primeira agência fotográfica mexicana.

Noutra área, Arthur Genthe fotografou China Town, em São Francisco (1897), bem como a devastação causada pelo terramoto de 1900 na cidade. Dois anos antes, o Graphic tinha publicado fotografias de Ostanton no Sudão.

Paul Martin, por seu turno, pode considerar-se um dos precursores da candid photography dos anos vinte, com os seus instantâneos das ruas de Londres —onde também faz fotografia nocturna— nos anos noventa do século passado. Além das figuras típicas e das cenas do quotidiano londrino, Martin tem também fotografias de pessoas em férias, com o seu quê de erótico, como a foto de um casal prestes a abraçar-se na praia.

O fotojornalismo fazia o seu tour du monde.



CAPÍTULO V

INTENÇÕES DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS NO NASCIMENTO DO FOTODOCUMENTALISMO

A fotografia documental de compromisso social, cujos temas são referenciais, ainda hoje, para o fotojornalismo, não vai merecer o destaque consagrado pela imprensa da época à fotografia de guerra e de "pequenos eventos", pelo menos numa fase inicial. Fotógrafos como Thomson (1837-1921) publicaram as suas fotos em álbuns e Riis (1849-1914) teve dificuldades em levar os jornais a inserir as suas fotografias, que publicou também em álbuns.

De qualquer modo, porém, os processos de reprodução tipográfica de fotografias que recorriam à gravação em linha sobre madeira não eram os mais apropriados para a imprensa. Jornais e revistas teriam ainda de esperar alguns anos pela adaptação para a tipografia da gravação fotomecânica, pelos clichés de cobre e zinco e, especialmente, pelo halftone, procedimento capaz de decompor a fotografia numa trama de pontos que, depois de impressos, restituem à foto a sua identidade: os cinzentos são traduzidos em pontos negros e brancos que o olho humano mistura, restituindo a sensação do tom original.

Parece-nos que se podem encontrar-se alguns indícios do que viria a ser o fotodocumentalismo:

A intenção dos fotógrafos referenciados é visível: dar ao leitor um testemunho, mostrar a quem não está lá como é ou o que sucedeu e como sucedeu. Por vezes, exploram um determinado frame, isto é, um enquadramento contextualizador no processo de produção de sentidos, como é notório nos fotógrafos do "compromisso social", que tinham uma intenção denunciante e reformadora, que as fotos deviam consubstanciar, atingindo mesmo os que não queriam ou não sabiam ver. Se em Thomson esta tendência não é totalmente visível, com Riis, Hine e o Farm Security Administration já se evidencia essa preocupação denunciante, embora talvez um pouco constrangida no FSA.

Com o documentalismo estabelece-se uma das grandes motivações da fotografia no século XX: o desejo de conhecer o outro, de saber como o outro vive, o que pensa, como vê o mundo, com o que se importa. As palavras eram insuficientes.

É finalmente interessante notar que o documentalismo social na imprensa (americana) nasce nos tablóides e não nos jornais mais sérios nem nas revistas ilustradas. Mas, se é interessante, não é, de todo, surpreendente: afinal, as "cruzadas morais" sempre se enquadraram nas esferas de interesse do jornalismo "sensacionalista".



CAPÍTULO VI

A PRÉ-REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO — SÉCULO XX: ABREM-SE AS PORTAS À EXPERIMENTAÇÃO

Eis chegado o século XX. O aumento da consciência política, ligado à alfabetização e às revoluções industriais, ao aparecimento e difusão de novas ideologias, mas também à miséria relativa em que se encontrava o operariado um pouco por toda a parte, especialmente quando se compara a sua situação com a de uma burguesia comercial e industrial em ascenção, favorece a criação de expectativas. Fervilha-se. Por outro lado, o positivismo e a omnipresença da máquina fazem crescer o entusiasmo pela técnica e pela ciência.

Na fotografia, são "Anos de sobrevaloración da técnica —a máquina é a que fai ben ou mal o traballo"(90); no fotojornalismo, nota-se o "Aumento na demanda da foto pra prensa"(91). Nos EUA, as fotografias do assassinato do Presidente McKinley são destacadas na imprensa. Mas o aumento da produção, e consequente destaque das fotografias, leva injustamente muitos repórteres fotográficos ao anonimato, menos ao estrelato. Nos primeiros, pode incluir-se o autor da foto da sufragista Mrs. Pankhurst, quando se manifestava diante do Palácio de Buckingham pelo voto feminino. No últimos, Arthur Barret é um dos nomes de referência, inclusivamente na foto de oportunidade, obtida no "momento decisivo", como no instantâneo de outra sufragista que, em 1913, protestava contra a inexistência do direito ao voto das mulheres, colocando-se à frente do cavalo do Rei George.

De facto, no início do século XX, alguns acontecimentos inesperados foram fotograficamente registados por repórteres e fizeram crescer as expectativas do público face ao novo medium, ajudando a consolidar o mercado. Além dos referidos, são os casos das fotos do incêndio do dirigível Hindenburg, em New Jersey, e da tentativa de assassinato de William Gaynor, mayor de Nova Iorque, em 1910, esta última captada quase por acaso por William Warneke, do World. O seu scoop atingiu um sensacionalismo nunca conhecido até aí, mas bem ao gosto da imprensa sensacionalista e amarela: o World publicou a foto a quatro colunas. Nesse mesmo ano, usa-se pela primeira vez, no Freiburger Zeitung, o rotogravado, um processo de impressão que permite a tiragem de heliogravuras numa rotativa, como sistema de reprodução. Este sistema subsistirá até à implementação do offset, nos anos sessenta, que por sua vez dá lugar à infografia nos anos oitenta.

A 18 de Abril de 1912, o padre jesuíta Franck Browne torna-se famoso depois de as suas fotografias do Titanic, as últimas realizadas a bordo, alguns dias antes do naufrágio, terem sido publicadas na Europa e nos Estados Unidos. O Padre Browne, aliás, provavelmente só escapou à morte porque o seu superior o impediu de continuar a viagem. Depois disso, o seu nome mergulharia no esquecimento até 1986, mais de 25 anos após a morte do sacerdote, ano em que num colégio dos jesuítas se descobre uma mala com mais de 42 mil negativos seus sobre a vida social na Irlanda de 1897 aos anos Cinquenta. Este espólio dará origem a livros e exposições, entre as quais uma no Centre Georges Pompideu, em 1996.

Por outro lado, "A foto afástase do efecto verité único e unívoco. E entra no século XX coma eido de experiencias técnicas (…) ou compositivas"(92). De facto, se por volta de 1880 nascia o naturalismo e, uma década depois, o pictoralismo, rapidamente se chega ao futurismo(93) e ao expressionismo.(94) Ao surrealismo.(95) Ao construtivismo.(96) Ao dadaísmo.(97) À Bauhaus.(98) Todos estes movimentos artísticos tiveram influência sobre a fotografia e, consequentemente, sobre o fotojornalismo, tal como a teria, noutro plano, a fotomontagem (Fig. 16), que, rompendo com a tradição mimética da realidade, emprestou à imagem de imprensa o cariz interpretativo e expressivo que ainda lhe ia faltando.

O início do século na fotografia ficou ainda associado ao movimento da Photo Secession, que procurava abrir caminhos mais "realistas" e precisos para o medium, emancipando-o do pictoralismo, tornando-o numa arte autónoma. Esse movimento, fundado por Edward Steichen (1879-1973) e Alfred Stieglitz (1864-1946) (Fig. 17), a que se associará Paul Strand (1890-1976) (Fig. 18), promove, nomeadamente através da revista Camera Work, lançada em 1903, uma estética modernista e especificamente americana, consagrada ao elogio da cidade, da indústria, do progresso e dos costumes não pitorescos (o que, por exemplo, fez Benice Abbot, em Nova Iorque), que desagua na straight photography, a fotografia "pura" que recorria unicamente aos meios fotográficos (enquadramento, luz…) para gerar sentido, recusando os procedimentos "artísticos" —como os pictóricos—, avaliados como supérfluos. A straight photography é mesmo, talvez, a "invenção" mais original da fotografia americana.

Porém, a straight photography é uma fotografia percepcionada e registada em função do ponto de vista, em função da responsabilidade do fotógrafo: não se podendo renunciar à técnica, podia-se, contudo, tentar neutralizá-la. De uma certa forma, a straight photography retomou as intenções "realistas" dos primeiros tempos da fotografia, quando o medium se alimentava sobretudo de demonstrações técnicas, e as intenções da fotografia "documental" dos anos quarenta e cinquenta do século XIX. A straight photography é, em resumo, uma fotografia pura, mas criativa, apostada em que o processo de significação da imagem fotográfica se apoie nela mesma, isto é, na autonomia do medium enquanto sistema de representação visual do mundo.

Os fotógrafos do movimento consideravam também no que faziam os usos social e pessoal da fotografia, nomeadamente no capítulo dos sentimentos provocados, tendo procurado fazer com que as imagens fotográficas fossem um instrumento válido para manifestar os sentimentos humanos.

Alfred Stieglitz foi um precursor do instantâneo fotográfico e de novas formas de enquadrar (tirando partido, por exemplo, das formas geométricas existentes que permitissem realçar os elementos, como um edifício que se recorta num espaço entre a folhagem das árvores). Nos "instantâneos" ele explora uma estética da organização fotográfica e o equilíbrio de elementos compositivos. São particularmente brilhantes as suas dosagens de branco e negro, como no "instantâneo" do homem de chapéu branco no porto.

Edward Steichen foi um fotógrafo rigoroso e meticuloso que se tornou um importante retratista (retratou personalidades tão díspares como o financeiro J. P. Morgan e os actores Charlin Chaplin e Greta Garbo) e que colaborou com revistas como a Vanity Fair e a Vogue. Durante a Primeira Guerra Mundial, Steichen viria a comandar os serviços fotográficos do exército americano. Os fotógrafos sob o seu comando reuniram mais de um milhão de negativos, que se extraviaram posteriormente. Depois da Segunda Guerra Mundial, publicou A Veteran's Photographic Combat, uma representação fotográfica da América em guerra onde se evidencia a preocupação de mostrar quanto a guerra era estúpida. Desse livro venderam-se mais de seis milhões de exemplares. Nessa época, havia já um grande mercado para a fotografia, alimentado principalmente pelas revistas fotográficas, nas páginas das quais se inseriam sobretudo "estórias" de interesse humano.

Paul Strand, que fotografou dos anos dez aos sessenta, foi provavelmente um dos fotógrafos que mais impulsionou a entrada da fotografia na modernidade, tendo igualmente sido um influenciador das linhas histórico-evolutivas que permitiram o aparecimento de fotógrafos como Cartier-Bresson ou Brassaï.

A foto de Wall Street onde Strand fotografa peões, reduzidos face à imensidade da fachada de um banco —mas sem que os primeiros percam a sua individualidade—, condensa as tendências da sua fotografia, revelando também que o fotógrafo não se revia —estamos em crer— na impessoalidade estéril de uma vida rotineira e mecanizada.

Em 1925, um novo movimento não organizado entronca no universo fotográfico, em termos de objectivos, com os apologistas da straight photography. Este novo movimento nasce da exposição da Neue Sachlichkeit (Nova Objectividade), em Mannheim, que assinalou um retorno ao realismo na pintura, num mundo marcado pelo racionalismo, pela ciência e pelo positivismo. Preconiza-se, assim, a ordem fotográfica, isto é, a nitidez, a precisão, a recusa em mascarar as características técnicas da fotografia.

Entre as duas guerras, a Nova Objectividade e a straight photography marcaram todas as estéticas fotográficas, como a do grupo f/64, fundado em 1932, em torno das ideias de Edward Weston (1886-1958), de controle total da imagem óptica obtida com uma máquina fotográfica no momento do acto fotográfico, da obtenção do máximo detalhe descritivo do mundo físico com recurso à maior profundidade de campo possível e, portanto, à menor abertura possível do diafragma. Porém, é de salientar que a reprodução rigorosa dos objectos e sujeitos, recortados do plano de fundo, que essas tendências sustentavam, não evita a subjectividade da percepção e leitura de imagem do observador, mais ou menos independentemente das intenções do fotógrafo, cuja intervenção própria será sempre necessariamente subjectiva. É um pouco aquilo de que os surrealistas falavam quando se referiam ao "inconsciente do olhar".(99) Interessante é também salientar que foi Edward Weston que introduziu a ideia da pré-visualização: o fotógrafo deveria prever mentalmente o resultado final e o acidental deveria ser evitado.(100)

Na URSS, a abordagem "objectivante" e realista do real preconizada pela straight photography e pela Neue Sachlichkeit vai servir os objectivos do Estado e do Partido Comunista. Dá-se, aí, uma negação política do pictoralismo e induzem-se os fotógrafos "proletários" a glorificarem os "feitos" do Estado Soviético (sobretudo nos campos agrícola e industrial, mas também da electrificação), os desfiles e os heróis do trabalho, através do realismo socialista. O grande expoente da fotografia soviética desse período foi Alexander Rodchenko (1891-1956).

Como se sabe, também na URSS o inconveniente não foi mostrado. O realismo fotográfico soviético trata-se, assim, de um realismo decepado, que dissimula as contradições da sociedade, que não representa o outro lado da "pátria do socialismo": o gulag, as deportações de camponeses e populações inteiras, as colectivizações forçadas e todos os crimes contra a Humanidade cometidos, principalmente, durante o período estalinista. A fotografia é grandiosa, mas "vazia" em termos de conteúdos. O mesmo sucedeu, aliás, na Itália fascista, na Alemanha Nazi (com o destaque aos comícios esmagadores e outras manifestações colectivas impressionantes, muitas vezes fotografadas a cor, o que foi um incentivo ao seu uso) e na Península Ibérica de Franco e Salazar.

Pode dizer-se que a fotografia russo-soviética evoluiu para um instrumento de propaganda dos anos da Primeira Guerra Mundial (em que predominavam as fotos dos heróis) até ao auge da colectivização da agricultura, nos anos trinta. Sob a influência da ideologia e de Estaline, começou a manipular-se a imagem fotográfica com o intuito de refabricar a história: as personagens indesejáveis suprimem-se das fotografias oficiais, enquanto outras são acrescentadas. A revista Sovietskoe Foto inscreve-se, após 1927, nesse espírito manipulador, propagandístico e censório.
 
 

CAPÍTULO VII

A PRIMEIRA REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO: SURGE E DESENVOLVE-SE O FOTOJORNALISMO MODERNO

Pelos finais do século XIX, os diários encontravam-se atrasados na utilização da fotografia como news medium. De facto, ao contrário dos semanários e das revistas ilustradas, que começaram a publicar regularmente fotografias a partir de meados da década de Oitenta do século XIX, é, por exemplo, apenas em 1904 que surge o Daily Mirror, em Inglaterra, um jornal que ilustrava as suas páginas quase unicamente com fotografias, beneficiando dos autochromes, inventados e fabricados pelos irmãos Lumiére; nos EUA, só em 1919 é que surge o Illustrated Daily News, de Nova Iorque, que seguia as políticas do Mirror. Gisèle Freund explica:

A publicação de clichés pelo Daily Mirror, a partir de 1904, é sintomática da mudança cultural operada na imprensa: nas rotinas produtivas da alvorada do século insere-se o elemento fotográfico informativo, a informação "fotovisual", pese embora a redundância. O público pede. As empresas adaptam-se. A procura cresce. E, como "a necessidade aguça o engenho", a técnica avança. O fotojornalismo caminha ao encontro das condições empresariais, culturais e tecnológicas que lhe possibilitarão "(…) tentar converterse nun elemento informativo independente e activo, contemporáneo e múltiple, deixando o empirismo oitocentista e o seu recato de fidelidade ó obxecto real." (102)

Com o aumento da procura da fotografia pela imprensa aumenta o número dos que optam pelo fotojornalismo enquanto profissão. Em 1913, a Collier's proclamava mesmo que "It is the photographer that writes history these days. The journalist only labels the characters."(103) Contudo, o alvor do século é uma época de anonimato para os repórteres fotográficos, que só nos anos vinte, com a geração de Solomon (1896-1944), vão ver a sua actividade profissional mais reconhecida. Isto não significou, porém, um reconhecimento total e definitivo da profissão: ainda hoje, em Portugal, subsiste, por vezes, a ideia de que o fotojornalismo serve essencialmente para "encher o olho" e ilustrar(104), o que indicia a falta de cultura fotográfica e revela desconhecimento sobre as virtualidades informativas, interpretativas e contextualizadoras do fotojornalismo.

No século XIX, os habitantes dos países (mais ou menos) industrializados adoravam o progresso, bem como a ciência e a técnica que o permitiam. Daí o positivismo, que "substituiu" Deus.

De facto, o progresso era real, visível e globalmente benéfico, apesar das catástrofes, como a fome na Rússia, em 1910, fotografada pelo representante da Kodak em S. Petersburg, o amador Nahum Luboshez. Mas dá-se a Primeira Guerra Mundial, e a humanidade sentiu que, por vezes, o progresso a deixava ficar mal. E vai voltar-se, após o conflito, para a ideologia, surgindo as crenças no comunismo, nos fascismos e no nazismo, até no freudianismo.

A Primeira Guerra Mundial produziu pela primeira vez um fluxo constante de fotografias, que tendem a editar-se em suplementos ilustrados dos jornais. À época, alguns meios impressos dos EUA, Reino Unido, França e Alemanha possuiam já um staff de fotojornalistas, que cobrem os eventos de rotina e, por vezes, produzem um scoop, a "cácha" fotojornalística, a fotografia exclusiva, em primeira mão. No final da Grande Guerra, a maior parte dos grandes jornais já tinha ou estava em vias de ter a sua própria equipa de fotojornalistas. O The New York Times, por exemplo, instalou-a em 1922.

A The Illustrated London News foi uma das revistas que dedicou várias primeiras páginas e páginas interiores à informação gráfica sobre o conflito. Por exemplo, a 11 de Dezembro de 1915 publicou, na primeira página, a fotografia de um soldado britânico usando uma máscara de gás e fazendo guarda na primeira linha. No dia do armistício, publicou duas páginas cheias de fotografias da multidão que efusivamente celebrava o acontecimento. Mas não é ainda aqui que se pode falar de reportagem fotográfica no sentido actual do termo: as fotografias eram publicadas sem ter em conta o resultado global, tinham todas o mesmo tamanho (provocando a ausência de ritmo de leitura e não dando pistas para uma leitura mais hierarquizada da informação visual) e eram quase sempre planos gerais.

Durante o conflito, não raras vezes a fotografia serviu a manipulação e a propaganda, com o fito evidente de ajudar a controlar as populações e direccionar e estimular, os seus ódios e afectos. Os ministérios franceses da Guerra e das Belas Artes, por exemplo, criaram o Serviço Fotográfico do Exército, com os objectivos de registar os tempos de luta que se viviam e, sobretudo, de controlar a obtenção e difusão de imagens, impedindo a disseminação das fotos-choque, aquelas que retratavam a face odiosa da guerra (o organismo será ressuscitado na Segunda Guerra Mundial). Os fotógrafos de guerra tiveram ainda de lidar com a mão-pesada de censores e editores, que retocaram muitas imagens, impedindo o choque.

Em 1937, numa exposição do Register and Tribune, de Des Moines, sobre o uso propagandístico da fotografia na Primeira Guerra Mundial, exibiram-se fotografias usadas pelos Aliados em que alemães pareciam brutalizar crianças belgas e francesas, enquanto crianças e soldados aliados prisioneiros eram fotografados pelos alemães como se estivessem a receber bons tratos.

De qualquer modo, ao contrário do que viria a acontecer durante a Segunda Guerra, a cobertura fotojornalística do conflito de 1914-1918 não necessitou de grande organização e logística — tratava-se de um conflito centrado nas trincheiras e não na guerra-relâmpago ou em rápidas movimentações militares. Algumas fotografias sob fogo foram realizadas por fotógrafos integrados nos exércitos dos antagonistas, mas a sua maioria foi conservada em arquivo até ao início dos anos vinte.

Além disso, como escrevem Richard Lacayo e George Russell:

O primeiro grande conflito mundial ficará também ligado à utilização regular da fotografia como um método auxiliar de reconhecimento aéreo, um factor que poderá ter contribuído para a vitória aliada.

Após a Primeira Guerra, durante a República de Weimar (1918/1933), e beneficiando do seu clima liberal, floresceram na Alemanha as artes, as letras e as ciências.(106) Este ambiente repercute-se na imprensa e, assim, entre os anos vinte e os anos trinta, a Alemanha torna-se o país com mais revistas ilustradas e onde irão nascer verdadeiramente os fotojornalistas modernos. Estas tinham tiragens de mais de cinco milhões de exemplares para uma audiência estimada em 20 milhões de pessoas.(107) Posteriormente, influenciadas pelas ideias basilares das revistas ilustradas alemãs, fundar-se-iam a Vu, e a Regards, a Picture Post e a própria Life, entre várias outras publicações.

Formaram-se também, na mesma altura, agências fotográficas independentes (como a Deuphot) para sustentar as exigências das revistas. Entre estas relevam-se a Berliner Illustrirte Zeitung (fundada em 1890), a Munchner Illustriert Presse e a Arbeiter Illustrierte Zeitung (uma "correligionária" da USSR im Bild alemã e que, como esta última revista, começou a usar uma série de imagens para cobrir um tema). Com base nas ideias basilares das revistas ilustradas alemãs, fundar-se-iam a Vu (França, 1928) e a Regards (França, 1931), entre outras.

Os foto-repórteres "modernos" nasceram verdadeiramente nos anos vinte, sendo notáveis os nomes de Erich Solomon e Felix H. Man (1893-1985), bem como os de uma série de imigrantes húngaros na Europa que contribuiram para trazer aportações originais ao medium fotográfico: Lászlò Moholy-Nagy (1895-1946) tornava-se um dos mestres da Bahaus; Martin Munkacsi (1896-1963) chegava a Berlim, em 1927; André Kertész (1894-1985) e Brassaï (1899-1984) atingiram Paris, entre 1924 e 1925. Um pouco antes destes acontecimentos, em 1917, tinha-se dado a Revolução Bochevique (onde estiveram presentes vários fotógrafos ocidentais, especialmente de agências como a Underwood & Underwwod). Fundava-se, então, a URSS. As ondas de choque revolucionárias propagar-se-iam por todo o mundo.

A forma como se articulava o texto e a(s) imagem(ns) nas revistas ilustradas alemãs da "nova vaga" permite que se fale com propriedade em fotojornalismo. Já não é apenas a imagem isolada que interessa, mas sim o texto e todo o "mosaico" fotográfico com que se tenta contar a "estória", não raras vezes interpretando-se o acontecimento, assumindo-se um ponto de vista, esclarecendo-se ou clarificando-se, explorando-se a conotação, mesmo que disso se não se desse conta. As fotos na imprensa, enquanto elementos de mediatização visual, vão mudar.

Além disso, vários são os avanços técnicos que ocorrem no domínio da fotografia. Em 1925, é inventado por Paul Vierköter o flash de lâmpada. Em 1929, esse flash é aperfeiçoado por Ostermeier, que introduz um metal reflector na lâmpada. Os fotojornalistas em pouco tempo adoptaram o modelo, substituindo o flash de magnésio. O novo flash fez a sua estreia nos Estados Unidos, com a foto do Presidente Hoover assinando a Lei de Apoio aos Desempregados.

Em 1930, uma marca mítica de máquinas fotográficas, a Leica, comercializa pela primeira vez um modelo dotado de objectivas permutáveis, utilizando um filme de 36 exposições. Pese embora a resistência à mudança de algumas publicações, como a própria Life, que, em 1936, ainda insistia para que os fotojornalistas usassem câmaras de grande formato e não a Leica, esta marca afirma-se no mercado. O fotojornalista, com ela, ganha mobilidade, pode posicionar-se melhor face ao evento, explorando pontos de vista variados, passa mais facilmente despercebido, não necessita de usar constantemente flash para fotografar em interiores e tem à sua disposição uma gama de objectivas permutáveis que pode mudar consoante os objectivos do seu trabalho e a distância a que tem de se situar.

Se bem que desde a década de Oitenta do século XIX tenham sido comercializadas câmaras de pequeno formato [estas, por vezes, ficaram conhecidas por "câmaras detective" (spy cameras)], só em meados do presente século é que a qualidade das câmaras menores melhorou ao ponto de se tornar possível a sua utilização profissional. A facilidade de manuseamento das câmaras de pequeno formato encorajou a prática do foto-ensaio e a obtenção de sequências.

Dos vários factores que determinaram o desenvolvimento do moderno fotojornalismo na Alemanha dos anos vinte podem destacar-se cinco:

Devido aos factores expostos, a fotografia jornalística ganhou força, ultrapassando o carácter meramente ilustrativo-decorativo a que ainda era geralmente votada. O fotojornalismo de autor tornou-se referência obrigatória. Pela primeira vez, privilegia-se a imagem em detrimento do texto, que surge como um complemento, por vezes reduzido a pequenas legendas. Outras vezes, a imagem na imprensa vai mais longe. Chega a aliar-se a arte à autoria, a expressão à interpretação e à assunção da subjectividade de pontos de vista pessoais. É o que acontece, por exemplo, com as fotomontagens antinazis de John Heartfield (1891-1968). Assiste-se também a um direccionamento dos conteúdos para a pessoa individual.

Nos primeiros tempos do novo fotojornalismo, para se obter sucesso nas fotografias em interiores por vezes era necessário recorrer a placas de vidro, mais sensíveis, e proceder à revelação das placas em banhos especiais. A profundidade de campo também era muito limitada, pelo que o cálculo das distâncias tinha de ser feito com grande precisão, o que dificultava a vida ao fotógrafo. Também era preciso usar tripé, incómodo e difícil de esconder. Raramente se conseguiam obter várias fotos de um mesmo tema, pelo que a que se obtinha devia "falar por si". Assim, começa a insinuar-se, com força, no "fotojornalismo do instante", a noção do que, mais tarde, Cartier Bresson classificará como "momento decisivo".

R. E. Kuenzli diz, porém, que, tirando casos como o de Heartfield, que usava as foto-montagens como "arma anti-burguesa", o uso da inovadora foto-reportagem na Alemanha de Weimar serviu sobretudo os interesses das classes média e superior, pois as foto-reportagens não questionavam as estruturas políticas e sociais da República.(110) Para Kuenzli, confrontada com a poderosa e efectiva construção da realidade operada pelos mass media burgueses, a esquerda radical lançou as suas próprias publicações de grande tiragem, como a Arbeiter Illustrierte Zeitung, de forma a contestar as interpretações "burguesas" dos acontecimentos e problemáticas, apresentando os interesses dos trabalhadores e formando uma esfera pública proletária.(111)

Outro ponto de vista crítico sobre o fotojornalismo alemão da época de Weimar é o de Hundt. O autor sustenta que a "comercialização da vida" que teve lugar nesse contexto histórico criou condições para que as fotografias jornalísticas, mais do que os textos, funcionassem como sonhos substituidores da realidade e agentes fomentadores de sensações de um mundo vazio e alienado.(112) O fotojornalismo na República de Weimar seria um exemplo de ideologia em prática, reflectindo, consoante as revistas, ou as ideias de esquerda ou as ideias conservadoras (dominantes); destas ideias conservadoras fariam parte a celebração do conhecimento técnico como símbolo de progresso e o encerramento da foto nas noções tradicionais de cultura.(113) Consequentemente, as revistas ilustradas alemãs teriam principalmente desenvolvido, na óptica do autor, uma visualidade excitante, mas num estilo ostensivamente apolítico e incontroverso que teria falhado na preparação dos leitores para as consequências catastróficas das condições políticas prevalecentes então.(114)

Do nosso ponto de vista, esse facto pode ter ocorrido, mas é menos nítido que as revistas alemãs tenham reflectido dominantemente as ideias conservadoras, não só porque o ambiente social era agitado, tendo a esquerda comunista e social-democrata bastante força (logo não nos parece que se possa falar totalmente de uma hegemonia ideológica conservadora), mas também porque na esfera pública alemã pontificavam várias revistas de esquerda, como a Arbeiter Illustrierte Zeitung, e porque fotojornalistas como Felix Man não deixaram de expressar o seu ponto de vista negativo sobre o fascismo. Será, todavia, menos questionável afirmar que a articulação entre fotografias e textos nas foto-reportagens e foto-ensaios publicados nas revistas ilustradas alemãs contribuiu para apresentar e construir ficções e referências sobre as pessoas, a sociedade e o mundo.

Um outro exemplo da utilização político-ideológica do fotojornalismo como arma política por parte da esquerda é a revista Der Arbeiter-Fotograf. Herbert Hofreither mostra bem que a fotografia, nessa revista, possuía funções políticas militantes na luta de classes e na luta contra o fotojornalismo "artístico" e "civil" da grande imprensa ilustrada que o autor denomina de "imprensa civil", isto apesar de a Der Arbeiter-Fotograf descrever as suas fotos como "sociais".(115) Os temas principais das representações fotográficas da revista eram o trabalho, a habitação operária, a vida nas ruas, a vida rural, higiene e saúde, miséria e fome, desemprego, mulheres e crianças, vida quotidiana e tempos livres.(116) Os temas principais da fotografia "política" eram as greves, as manifestações, o fascismo e o nazismo e o terror policial.(117) Finalmente, segundo Hofreither, a esfera das possibilidades formais no fotojornalismo praticado na Der Arbeiter-Fotograf culminou —transitando da fotografia isolada para o foto-ensaio e a foto-sequência— na foto-"estória" socio-colectiva da classe operária.(118)

Dos vários fotojornalistas que seguem o caminho aberto pelo "pai" do fotojornalismo moderno, Erich Solomon, podem destacar-se, de imediato, Tim Gidal (um fotojornalista alemão que colaborou com a Münchner e a Berliner, mas que é mais importante como autor do primeiro livro de relevo sobre a história do fotojornalismo, pese embora as reportagens que realizou em todo o mundo), Felix H. Man (Hans Baumann) e Alfred Eisenstaedt (1898-1995), chefe da secção de fotografia da Associated Press em Berlim. Moholy-Nagy publicou também várias fotos na Münchner Illustrierte Presse, entre Fevereiro e Maio de 1929. Na maioria, porém, os fotógrafos são jovens que trabalham como freelances e redigem eles mesmos os textos e legendas que acompanham as suas fotografias, sempre assinadas. Outros trabalham para agências como a Dephot (Deutsche Photodienst), que tem as revistas como principais clientes. Entre estes últimos, figurava um húngaro de nascença, um tal de Andreas Friedmann, que tinha começado como fotógrafo nessa agência aos 17 anos. Alguns anos mais tarde, adoptará outro nome — Robert Capa (1913-1954). Todavia, o primeiro fotojornalista alemão da nova vaga a fazer nome foi Willi Ruge, com as suas fotos das milícias nazis, comunistas, monárquicas e fascistas em combates de rua.

Erich Solomon é, de algum modo, considerado o progenitor do actual fotojornalismo porque é principalmente com ele que nasce a candid photography (candid camera foi a expressão usada pelo director da revista londrina The Graphic para se referir ao novo estilo), a fotografia não posada, não protocolar, em que o fotografado não se consegue preparar para o ser. Uma fotografia viva, por vezes bem humorada (Solomon não desdenhava o público), que tenta surpreender as figuras (públicas) em instantes durante os quais abrandam a vigilância, deixando cair as máscaras e abandonando os rituais sociais, assumindo posições "naturais". Uma fotografia que procura retratar o quotidiano. São famosas as fotos informais de encontros diplomáticos realizadas por Solomon.

A par de Erich Solomon, que fazia questão em ser chamado "Herr Doktor", uma vez que era licenciado em Direito, toda uma nova raça de fotojornalistas rompe com a ideia de que o repórter fotográfico pouco mais era do que o simples servidor ao qual cabia obter uma fotografia muito nítida e agradavelmente composta para ilustrar (isto é, pouco mais que decorar) os textos. Os novos fotojornalistas eram pessoas educadas, muitas vezes aristocratas ou burgueses que, embora arruinados, mantinham um elevado estatuto social, forte presença e postura. Nalguns casos, isto facultava-lhes a entrada nos locais "interditos" onde se cozinhavam os negócios de estado, se fazia política ou até justiça, como aconteceu com Solomon, nas célebre fotografias que, apesar da proibição vigente de fotografar, realizou no tribunal onde se julgava um estudante acusado de matar dois companheiros (trabalho com que se estreia como fotógrafo), repetindo a ideia de Arthur Barret, que, em 1910, tinha também fotografado um tribunal, e aguçando, de certa forma, o voyeurismo do público.

Apesar do seu status, os fotojornalistas recorriam a expedientes: Solomon, por exemplo, usava um obturador especial que lhe permitia disparar sem ruído; além disso, não se coibia em usar subterfúgios, como esconder a máquina e o tripé na roupa (chegou a esconder a máquina numa bíblia para fotografar um cardeal falecido) ou, nas ocasiões de Estado, ocupar lugares de dignatários que não tinham aparecido. Aliás, no célebre prefácio ao seu livro Beruhmte zeitgenossen im unbewachten augenbliken (Contemporâneos Célebres Fotografados em Momentos Inesperados), publicado em 1931, ele enuncia as qualidades que, na sua óptica, um fotojornalista deveria ter:

Algumas das considerações de Solomon sobre o bom fotojornalista já estão, certamente, ultrapassadas, devido aos avanços técnicos. Mas as restantes são ainda hoje válidas e, entre elas, releva-se o factor tempo, uma das grandes condicionantes do jornalismo, mormente do jornalismo de agência noticiosa.

Solomon assinava as fotos. O fotógrafo perde, assim, o anonimato, obtendo justo reconhecimento pelo seu trabalho e, por vezes, atingindo o estatuto de estrela. Nalguns casos, porém, a luta pelas fotografias "secretas" originada pela competição entre as revistas leva a encenações, como nas fotos de Erich Solomon das salas de jogo do Casino de Monte-Carlo, publicadas em Abril de 1929. Nestas fotografias, encenadas, os empregados do casino posaram para as fotos como se fossem eles os habituais jogadores, as figuras públicas, antes mesmo de abrirem as salas. A administração do casino não tinha autorizado que se fotografassem os frequentadores durante o período de abertura. O público desconhecia-o. E as fotos passaram por aquilo que não eram.

A presença sistemática de Solomon nos acontecimentos públicos trouxe um maior respeito dos políticos pelos fotógrafos. Consta mesmo que o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, no início de uma reunião intergovernamental, terá perguntado, com um certo humor: "Onde está o Doutor Salomon? Não podemos começar sem ele, pois o público pensará que este encontro não teve importância." E o primeiro-ministro prussiano, Otto Braun, terá dito também que "Hoje pode ter-se uma conferência sem ministros, mas não sem o Doutor Solomon".

Pela mesma época em que vingava o "estilo" Solomon, Munkacsi fazia nome na Berliner Illustrierte, tal como Kertész, que também verá publicada, em 1929, no BIZ, aquela que se considera ser a primeira verdadeira photo story, um ensaio subjectivista sobre a vida monástica no mosteiro de Notre Dame de la Grande Trappe. Kertész, um dos fundadores da fotografia moderna, foi, de alguma forma, o mestre da chamada fotografia humanista francesa de Cartier-Bresson, Doisneau e Brassaï.

As políticas editoriais de Kurt Korff, na Berliner Illustrirte Keitung, e de Stefan Lorant, na Münchner Illustrierte Presse, foram também importantes para que o novo estilo vingasse. De alguma maneira, eles quebraram a antiga visão da fotografia como mera ilustração para lhe atribuir um papel determinante na informação, na interpretação, na contextualização e na explicação dos assuntos. Além disso, pela primeira vez as fotografias foram paginadas combinando-se complementar e dinamicamente texto e imagem, recorrendo-se substancialmente ao foto-ensaio para o efeito. Abalava-se, deste modo, a tradicional publicação de uma única fotografia meramente ilustrativa por assunto ou de sequências simples, com efeitos quer ao nível das rotinas produtivas, quer ao nível da obtenção das fotos (inclusão da foto-reportagem aprofundada e do foto-ensaio nos géneros fotojornalísticos praticados, por exemplo), quer da paginação. O fotojornalismo tornou-se a pedra angular de uma mudança qualitativa nos conteúdos informativos e nas relações conteúdo-forma, neste caso através das inovações gráficas que se vão implementando. Cada vez mais, com propriedade, se podia falar de verdadeira informação visual.

Embora Kurt Korff permitisse a publicação de fotografias encenadas, para corresponder ao conceito de fotografia "única" e "ultra-secreta" que ele próprio tinha inventado(119) e que os leitores esperavam, Stefan Lorant recusava a encenação fotográfica. Ele vai, ao invés, fomentar a foto-reportagem em profundidade sobre um único assunto. Nessas reportagens eram geralmente apresentadas, ao longo de várias páginas, fotografias detalhadas agrupadas em torno de uma foto central. Esta tinha por missão sintetizar os elementos da "estória" que Lorant pedia aos fotojornalistas que contassem em imagens. Para Lorant, "A 'foto-reportagem' devia ter [ainda] um começo e um fim definidos pelo lugar, o tempo e a acção (…).".(120)

Será também Lorant a incrementar a variedade temática das foto-reportagens. Estas deixam de privilegiar unicamente as figuras públicas e os acontecimentos que giravam na sua órbita, para estenderem esse privilégio aos vários assuntos que pudessem afectar o público ou com os quais este se identificava, como os que diziam respeito à sua vida quotidiana, algo que pode ser ilustrado pelas foto-reportagens de Felix Man sobre as piscinas populares, os combates de boxe, os restaurantes e parques de diversões ou até a primeira foto-reportagem nocturna. Esta ideia será, mais tarde, a base do sucesso da Life.

A metodologia de trabalho no fotojornalismo também foi influenciada por Lorant, em torno das seguintes linhas:

A chegada de Hitler ao poder, em 1933, provocou o colapso do novo fotojornalismo alemão. Muitos dos fotojornalistas e editores conotados com a esquerda tiveram de fugir para não serem presos e mortos, exportando as concepções do fotojornalismo alemão, que espalham por vários países, entre os quais a França (Vu, etc.), o Reino Unido (Picture Post, etc.) e os Estados Unidos (Life, etc.).

Kurt Hutton —Kurt Hübschmann, em alemão— é um dos exemplos desses refugiados. Ele estava na Dephot e fugiu para o Reino Unido, onde trabalhou para a Weekly Illustrated e para a Picture Post.

Outro caso exemplar é o do relativamente desconhecido Josef Breitenbach, um fotógrafo judeu alemão socialista que fugiu de Berlim para Paris, em 1933, e daí para os Estados Unidos, em 1942, tendo, neste último país, trabalhado para a Fortune. Em muitas das suas fotos, nomeadamente nas da série Dr. Riegler —onde este surge de fato ao lado de uma rapariga nua num ambiente doméstico—, não só se revê uma intenção surrealista exaltadora da incongruência como também se acentua um certo voyeurismo.

Ao refugiarem-se noutros países, os fotojornalistas alemães ou que trabalhavam na Alemanha exportaram também as concepções do fotojornalismo alemão, que espalham por vários países, entre os quais a França, o Reino Unido e os Estados Unidos.

Korff fugiu para a Áustria e depois para a América, onde viria a ser conselheiro de Henry Luce na fundação da Life. Stefan Lorant regressou à Hungria e refugia-se, depois, em Londres, onde, em 1934, fundou a revista Lilliput. Foi depois editor da Weekly Illustrated e, em 1938, funda a Picture Post, que veio a tornar-se a revista britânica mais significativa das que privilegiavam o fotojornalismo, tendo-se editado até 1958. Nas palavras de Margarita Ledo Andión (1988), a revista representa mesmo "a evolución da fórmula pioneira do Münchner Illustrierte Press e a continuidade de Vu e de Regards."

Na Post, Lorant continuou a publicar, entre outros, ensaios de Felix Man e de vários fotojornalistas fugidos ao avanço de Hitler, como Capa, que nessa revista e na Life veio a consagrar-se como repórter de guerra, com a cobertura que fez da Guerra Civil de Espanha até à queda de Barcelona, em 1939. Não obstante, em 1940, Lorant emigrou, também ele, para os EUA.

Já depois do conflito de 39-45, a Picture Post consagraria o seu editor fotográfico, Bert Hardy, cujas fotografias conseguem captar a atmosfera dos temas e eventos fotografados e a expressão das personalidades envolvidas, como ocorre numa foto dos vitivinicultores franceses numa cave de vinho ou nas fotos sobre os problemas racistas em Liverpool, em 1949. Sob esse prisma, Hardy apresenta algumas semelhanças com Erwitt e, principalmente, com Cartier-Bresson, cuja foto Piquenique de Domingo nas Margens do Marne, de 1938, integrada no seu livro Images à la sauvette (1952), é muito semelhante a algumas das imagens de Hardy.

Na linha das revistas ilustradas alemãs, a L'Illustrazione Italiana, de Milão, publicou, a partir de Junho de 1924, uma série de photo-stories, como a visita do Rei Humberto de Itália ao rei Afonso de Espanha ou as fotos do levantamento socialista de Viena, publicadas a 24 de Julho de 1924, nove dias depois dos acontecimentos terem ocorrido.

Durante este período dourado do fotojornalismo, as conquistas técnicas continuaram: em 1929 aparece o sistema reflex de duas objectivas, com a Rolleiflex; em 1933, surge o o sistema reflex de uma única objectiva, que é aquele que hoje é mais usado no campo fotojornalístico. O sistema de reflex directo permitirá enquadramentos mais exactos, facilitará a focagem e facultará ao fotógrafo uma maior concentração no tema. Em 1936, a Agfa consegue obter um filme de sensibilidade de 100 ASA (21 DIN).

Podemos dizer que, na Europa e, a partir do Velho Continente, no resto do mundo, com as revistas ilustradas, o fotojornalismo transformou-se definitivamente e tornou-se seguro de si. Doravante, não será só o fabrico rotineiro de um produto de rápido consumo a interessar. O "olha e deita fora", o "boneco" ilustrativo, praticado em grande número de jornais, revistas e agências, coexistirá, até aos nossos dias, com o fotojornalismo de autor da Life e de outros jornais, revistas e agências.(121) A picture story ou photo story, introduzida pelo fotojornalismo alemão dos anos vinte/trinta, não só concretiza as velhas ideias de narratividade que Paul Nadar e o seu pai, o "grande" Nadar, ensaiaram aquando da entrevista que este último efectuou a Chevreul, como também fez avançar o fotojornalismo para a liça pela interpretação da notícia e do acontecimento, pelo triunfo do ponto de vista.

Nessa época, a realidade não deixa de ser, na fotografia, identificada com o verosímil. Mesmo a escolha de um campo, a assunção de um ponto de vista, algo necessariamente subjectivo, que se nota, por exemplo, na fotografia de Man, não impede, porém, que o fotojornalismo dos anos vinte e trinta se baseie dominantemente na foto-descrição, na ilusão da verdade, na facticidade e na univocidade de sentido. Só a partir dos anos sessenta é que a fotografia evoluirá, com maior pujança, por um lado, para a polissemia e, por outro, embora não necessariamente dissociado, para a análise, o comentário, o que se consubstancia na tomada decidida de posição entre o "justo" e o "injusto", o "certo" e o "errado", o "mal" e o "bem", como é particularmente visível em McCullin. A honestidade começará, nos anos sessenta, a contrapor-se à objectividade. A foto "começará a ver".(122)

Os anos trinta viram também surgir um novo fenómeno: surgem várias publicações sobre fotografia, como a Popular Photography (a 1 de Maio de 1937).

Uma geração mítica

Por volta dos anos trinta, a fotografia destinada à imprensa havia já conquistado um certo respeito e os fotógrafos obtinham reconhecimento e honorabilidade, ao ponto de alguns deles se tornarem figuras conhecidas no mundo inteiro. As novas formas de ver o fotojornalismo, porém, não podem, na nossa opinião, desassociar-se da cultura da imagem que dava os primeiros passos para se tornar numa cultura dominante: em meados dos anos trinta já existiam sistemas de televisão em França, na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Provavelmente, o espaço conquistado pela fotografia na imprensa diária dever-se-á tanto ou mais a essa hipótese do que à intenção testemunhal e documental da fotografia jornalística da época.

Assim sendo, a respeitabilidade adquirida pelos fotojornalistas é, antes de mais, uma respeitabilidade mediática, conquistada pela própria força da fotografia como intermedium, como medium convergente noutro medium: a imprensa. Jornais e revistas aproveitavam as fotos para melhorar o aspecto gráfico ou informarem melhor, obrigando os fotojornalistas a pensarem nas fotografias, tornando comuns as sequências fotográficas, as foto-reportagens e os foto-ensaios. Alguns fotógrafos esforçavam-se mesmo por mostrar o quotidiano mais prosaico, como fez Kertész com os camponeses bretões.

O reconhecimento dos fotojornalistas reafirmou a fotografia de autor, que se vinha desenhando desde os anos vinte. Este fenómeno adquire maior relevância com as coberturas da Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, o mesmo acontecerá durante os conflitos da Coreia, e, especialmente, do Vietname. As fotos de todos esses fotógrafos demonstram, primeiramente, um contrato de associação, mesmo de interdependência, entre o fotógrafo e o medium: antes de qualquer opção mediática e da percepção e recepção da foto por parte do observador, a fotografia é um acto pessoal.

Na Europa dos anos trinta, "(…) proclamábanse opinións en defensa dunha lectura comunicativa da foto en conexión coa reserva de signos e coa forma, tirándolle o seu xogo de imitación do que se vé."(123) Obras sobre fotografia social, como a tese de Giséle Freund, Fotografia e Sociedade, animariam essa defesa.

Todavia, os anos trinta são também uma década em que os jornais populares europeus se agarram à foto, que deixará de ser um quase monopólio das revistas ilustradas. Tal como já faziam o Daily Mirror, o Daily Mail, o Sunday Graphic e o Sunday Pictorial, também jornais como o Paris-Soir (posteriormente denominado France-Soir) começaram a dar mais atenção ao fotojornalismo. O número de fotógrafos aumenta, a demanda de fotos também. E isto levou a uma certa rotinização e massificação da produção fotográfica. Assim, uma corrente paralela, mas de sentido oposto, à fotografia de autor (concentrada nas revistas), instala-se com relativo à vontade no campo da imprensa. É a corrente do sensacionalismo, do scoop, da velocidade e da exploração da verosimilitude. É dentro desta linha que Prouvost, editor do Paris-Soir, anuncia que os leitores do periódico vão encontrar fotos recentes (põe em evidência a velocidade) e raras (põe em evidência o scoop).(124)

Da geração de fotógrafos que, a partir dos anos trinta, conquistam relevância histórica fazem parte Carl Mydans, Capa e Cartier-Bresson (1908-), Margaret Bourke-White (1904-1971) e Kartész, Brassaï, o fotógrafo de Paris, Munkacsi (1896-1963), Doisneau (1912-1995), David Douglas Duncan (1916-), George Rodger (1908-1995) e David "Chim" Seymour (1911-1956), entre outros.

Concentrada predominantemente em Paris, essa geração vai cruzar-se com os fotógrafos que fugiam da Alemanha face ao avanço dos nazis: Man fica no Reino Unido, a trabalhar com Lorant. Eisenstaedt e Fritz Goro fixam-se nos EUA, tendo vindo a integrar os quadros da Life, a partir de 1936 (Eisenstaedt colaborará com esta revista durante cerca de quarenta anos, tendo publicado mais de mil feature stories). Capa, em 1933, dirige-se para Paris, depois de passar algum tempo em Viena e em Budapeste. Solomon não teve essa sorte: judeu, apesar de se refugiar na Holanda, é apanhado pela guerra e deportado, tendo morrido em Auschwitz, em 1944. Na Alemanha, Heinrich Hoffman, amigo de Hitler, torna-se o fotógrafo todo-poderoso do regime, um regime que estimula uma fotografia ideológica e algo uniforme.

Irrompendo em 1936 e durando até às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em 1939, a Guerra Civil de Espanha foi a primeira guerra moderna a ser amplamente fotografada e também um laboratório de ensaio, mesmo sob o ponto de vista fotojornalístico, para o conflito maior da II Guerra Mundial que se avizinhava. A maior parte dos grandes fotógrafos que se deslocaram para Espanha escolheu, sem hesitar, o lado dos Republicanos-lealistas, pois a sua causa atraía-os, no que tinha de romântico e desesperado, de utupia e solidariedade. Os casos de Capa, Cartier-Bresson ou david Seymour são paradigmáticos.

A escolha de um campo por parte dos fotógrafos, a acentuação de um ponto de vista e a "autocensura" motivada pelo empenho na causa e consequente postura perante o mundo vai levar a que na produção fotojornalística dessa guerra pouco se veja das atrocidades cometidas pelo campo em que os fotógrafos actuavam. Por exemplo, as chacinas perpetradas pelos Republicanos e mesmo as confrontações internas entre comunistas e anarquistas foram ignoradas pelos fotógrafos que cobriram o conflito desse lado, como Capa. "Pra 'significar' o mundo cúmpre sentirse implicado no que se encadra a través do visor", explica Cartier-Bresson.(125) Na Segunda Guerra Mundial, acontecerá algo semelhante e a foto-press será, mais uma vez, usada com fins propagandístico-manipulatórios. Na Guerra Civil de Espanha anunciam-se, assim:

Vários fotógrafos espenhóis distinguiram-se também durante o conflito que ensanguentou o seu país. Augustí Centelles, que colaborou com La Vanguardia, de Barcelona e fez uma cobertura exaustiva da frente de Aragão, e José Suárez —que mais tarde viria a colaborar com a Life e que realizou o documental Mariñeiros para o Governo republicano— são apenas dois dos mais conhecidos.

Num estudo curioso de 1992 sobre a cobertura fotojornalística das hostilidades em Espanha, C. Brothers chegou à conclusão de que as fotografias da vida dos civis espanhóis publicadas na imprensa francesa e britânica exibiam uma considerável correlação entre os temas seleccionados para representação. A autora sugere que as razões para estas correspondências foram predominantemente culturais e que as preocupações ideológicas lhes estavam necessariamente subordinadas. C. Brothers mantém ainda que a fotografia sobre a Guerra Civil de Espanha tinha notoriamente fins persuasivos, especialmente porque o conflito provocou intensa polarização política na Europa; para ela, todas as imagens desta natureza dependem de uma forma fundamental das crenças colectivas e das suposições da sociedade que as consome. Finalmente, a autora propõe que o historiador deverá recolocar as fotos nos seus contextos originais de publicação para compreender as manifestações da imaginação colectiva de uma sociedade particular num momento histórico determinado e para chegar às noções tão óbvias para essa sociedade que só escassamente são expressas em palavras.(127)

As aportações que, antes e depois do conflito espanhol, a "geração mítica" traz para o fotojornalismo são várias. Por exemplo, o pioneirismo de fotojornalistas como Capa na cobertura de guerra obriga a debater a questão: para informar deve "mostrar-se" ou "sugerir-se"? A resposta originou duas vias de actuação: Capa, por exemplo, sugere ameaças, como nas fotos dos civis alarmados pelos ruídos dos bombardeiros que sobrevoavam Bilbao durante o conflito espanhol. Anos depois, Don McCullin enquadrará a sua produção na estética do horror, que, aliás, o esgotará e o fará abandonar a fotografia de guerra (em 1988, fotografará as paisagens inglesas, talvez para exorcisar os fantasmas dos horrores que fotografou). Desse debate outro nascerá: é o conflito entre o apegamento à realidade, da fotografia entendida antes de mais como ícone, contraposto à expressividade criativa, à fotografia percebida sobretudo como símbolo.(128)

De Capa ficou ainda o exemplo e a máxima bem conhecida: "Se a tua fotografia não é boa, é porque tu não estavas suficicientemente perto!" Esta máxima orienta ainda hoje a produção dos fotojornalistas de guerra e havia de valer a vida Capa, quando, em 1954, após ter coberto acontecimentos tão relevantes como a fundação de Israel (1948) e as lutas travadas pela nova nação, bem como cinco guerras em dezoito anos, morre vitimado por uma mina na Indochina francesa, actual Vietname. Mas dele permanecem as suas fotos, onde, sem abdicar da escolha de um campo, o que se nota particularmente na Guerra Civil de Espanha, mostra a inumanidade do homem, os seus instintos de ferocidade animalesca e selvagem, a estupidez e a futilidade da guerra. George Rodger, tal como Capa, procurava também fotografar perto da acção, com humanismo e sentimento.

O humanismo, por vezes talvez até o humanitarismo, tornava-se o filão dos concerned photographers (Figs. 21, 22, 23 e 24), cuja produção não apenas era destinada à imprensa mas também a livros e exposições. Kertész, David Douglas Duncan, Bill Brandt, Capa, George Rodger, Cartier-Bresson, Munkacsi, Brassaï, Doisneau, Margaret Bourke-White são apenas alguns dos nomes, vários dos quais já referenciados, que animaram essa geração mítica dos anos trinta, cuja produção continuará a marcar o produto fotojornalístico ao ponto de ainda hoje se sentir a sua influência.

Na Guerra Civil de Espanha distinguiu-se também a fotógrafa Edith Tudor, que, em 1938, reporta a saga das crianças bascas refugiadas de guerra para o Christian Science Monitor. Um ano antes, a fotógrafa companheira de Capa, Gerda Taro, tinha morrido num acidente enquanto cobria o mesmo conflito.

Tina Medotti é o nome de outra mulher-autora que no campo do fotojornalismo se distingue na guerra espanhola, embora tenha tido outros palcos de actuação: Hollywood, URSS e México, onde cobriu o movimento revolucionário.

Outro inovador —e introdutor de debates profícuos na fotografia— foi Henry Cartier-Bresson, que se tornou notado ainda nos alvores dos anos trinta, com as suas fotos sobre o México, incluindo as suas prostitutas (1934). O seu primeiro trabalho foi publicado pela Vu e, a partir daí, o fotógrafo francês colaborou assiduamente na Life, na Paris Match, na Harpeer's Bazar, na Picture Post, na Epoca, na Realités e muitas outras revistas. Publicou livros como Images a la sauvette (1952, talvez o mais importante, traduzido em inglês como The Decisive Moment), Les europeens (1955), Moscou (1955) e D'une Chine à l'autre (1955). Foi também um dos fundadores da agência Magnum.

A fotografia de Cartier-Bresson tornou-se um dos exemplos mais perfeitos da aliança entre a arte e o elemento informativo imagético baseado na autoria, iniciando também o que podemos considerar como uma tradição francesa da fotografia única. Conforme escreve Jose Manuel Susperregui (1988, 199-200):

O olhar fotográfico de Henri Cartier-Bresson é algo vago, subtil, talvez mesmo metafórico, mas ambiciosamente centrado no real. É um olhar que revela a responsabilidade de um fotógrafo consciente em relação à influência que as suas imagens podem adquirir. Na sua essência encontra-se uma brilhante selecção dos locais onde o fotógrafo se posiciona, uma atenção extrema ao enquadramento e à composição, bem como, evidentemente, a concentração em torno do momento da exposição, visando o "instante decisivo".

Nem sempre é fácil extrair sentidos inteligíveis das fotografias de Bresson. Ao jogar com os elementos, que fazia convergir no enquadramento em composições geométricas, ele conseguia eternizar numa foto o transitório e o contingente, isto é, os instantes onde as representações da vida se condensam. O mundo é único —parece transmitir a sua fotografia— as vozes é que são múltiplas.

Após 1974, Cartier-Bresson consagrar-se-á ao desenho, regressando às origens. A pintura seria, afinal, a verdadeira libertação do artista.

Por seu turno, Munkacsi exprimiu na sua fotografia de reportagem alguns dos cânones estéticos do modernismo, como a utilização do contra-luz e a captação de sujeitos em movimento, bem visível naquela que é, porventura, a mais conhecida das suas fotos: os rapazes congoleses brincando na praia (tirada por volta de 1930). A partir de 1934, Munkacsi converte-se, porém, à fotografia de moda, trabalhando para a Harper's Bazar, o que fez dele um dos grandes fotógrafos de moda do seu tempo. As suas fotos de moda mostram a vitalidade dos sujeitos e são com frequência extremamente plásticas, como acontecia nas suas fotografias jornalísticas. Foi um dos inspiradores de fotógrafos como Richard Avedon.

Outros criadores-introdutores do novo dessa geração foram Kertész, com o seu experimentalismo fotográfico (distorções, movimentos em composições abstractas em que por vezes se notam atitudes que roçam o surrealismo…), e Brassaï, com as suas imagens intrigantes e permissivas da noite parisiense (editadas no livro Paris de nuit, de 1932). Nestas últimas fotos, por vezes notava-se a acentuação dos reflexos de uma calçada com o flash; noutras ocasiões, o fotógrafo usava a névoa e a chuva como filtros que imprimem determinadas atmosferas às fotografias, tal como o tinham feito os pictoralistas. Em alguns casos, a cidade é fotografada em si mesma, sem os seus habitantes, como anteriormente o tinha feito Atget. Noutros casos, o motivo é a "fauna nocturna", os habitantes da escuridão na cidade-luz: as prostitutas, os pequenos marginais, os rufias, os namorados que se beijam "clandestinamente". Para o fazer, teve de lhes ganhar a confiança.

Como outros fotógrafos, Brassaï realiza fotografias de prostitutas que nos tornam autênticos voyeurs. Mas, provavelmente para evitar precisamente esse mesmo voyeurismo indiscreto, só em 1977 é que edita Le Paris secret des anées 30. De qualquer modo, ao contrário, por exemplo, do que fará Weegee, o que Brassaï fotografa é um mundo agradável, um mundo de prazer, em que as vítimas do pequeno e grande crime são mais ou menos ignoradas.

Também sobre Paris, a partir de meados dos anos trinta, debruça-se Willy Ronis, um fotógrafo esquerdista que colaborou na Regards, na Vu e na Vie Ouvrière. A sua obra, que em certos aspectos se assemelha à de Doisneau, constitui um testemunho importante para a história social do mundo reivindicativo do trabalho: as greves, os desfiles da Frente Popular, as manifestações ou até as ocupações dos operários nas primeiras férias pagas.

Kertész é um caso ímpar da fotografia. Influenciado pelo movimento da Nova Objectividade, ele vai recorrer com frequência a uma prática fotográfica conceptual, na qual joga com as formas, as linhas, os contrastes de sombra e de volume. As suas fotos parecem transmitir-nos que o mundo pode representar-se fotograficamente através do rigor do enquadramento, da precisão dessas linhas e desses contornos, desses contrastes e das distorções. O visível transforma-se em lisível através da imagem fotográfica, o mundo sofre uma metamorfose que o torna um conjunto de signos exploráveis através da fotografia, ou seja, da linguagem fotográfica. Na fotografia de Kertész, o concreto caminha para o abstracto.

Doisneau, pelo contrário, pode não ter sido propriamente um inovador, mas é um dos protagonistas do fotojornalismo francês à francesa que caracteriza alguma produção do pós-guerra, sobretudo na Agência Rapho. Esse tipo de fotojornalismo dava uma atenção bem humorada às pequenas historietas quotidianas e comportamentos vulgares da gente comum.

Baiser de l'Hôtel de Ville (Paris, 1950) é, provavelmente, a foto mais conhecida de Doisneau. Resultando de uma encenação, não deixa, por isso, de sintetizar o essencial da sua obra, mormente o humor e a graça com que ele abordava os motivos do dia a dia.

Nesse panorama, Bill Brandt (1904-1983) é um caso particular. Tornar-se-ia conhecido e influente no pós-guerra, mas o seu projecto fotográfico The English at Home —na nossa opinião— já em 1936 indiciava algumas das características do documentalismo fotográfico contemporâneo.

Em 1937, Brandt, um dos fotógrafos da geração da Picture Post, fotografará as consequências da revolução industrial, os mineiros desempregados, os trabalhadores nos dias difíceis, as fábricas e as minas em crise. Durante a guerra, cobrirá os bombardeamentos de Londres. No pós-guerra, a sua obra fotográfica abrir-se-á a formas expressivas renovadoras no campo fotográfico, mas que já entram, sobretudo, no domínio da arte: jogos de sombra e luz acentuados por revelações e impressões contrastadas, fotos de praias e falésias em que se visualizam fragmentos do corpo humano. Estas últimas, principalmente, são fotografias que apelam ao fora de campo, obrigando o observador a completar activamente a imagem durante a sua leitura (função de reintegração), para o que terá de activar a sua reserva sígnica.

Margaret Bourke-White começou a sua carreira pela fotografia de arquitectura e estendeu-a à fotografia da sociedade industrial, que capta de forma dramática, por vezes esmagadora, como a foto de uma barragem em Fort Peck Dam que fez a capa do primeiro número da Life, a 23 de Novembro de 1936. Na revista de Henry Luce tornar-se-á uma fotógrafa conceituadíssima e uma das introdutoras, se não a introdutora, do foto-ensaio nos Estados Unidos, precisamente com o trabalho sobre a vida em Fort Peck Dam, também publicado no número um da revista.

Tendo ganho uma forte consciência social a partir de meados da sua carreira, Margaret viajava frequentemente à URSS, testemunhando o primeiro raide alemão sobre Moscovo, na Segunda Guerra Mundial. Na América, tinha publicado, em 1937, com o seu futuro marido, o escritor Erskine Caldwell, You Have Seen Their Faces, um poderoso documento social sobre os pobres dos estados do Sul e as suas deploráveis condições de vida. Como correspondente da Life na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, Margaret será também a primeira fotógrafa a participar num raide aéreo da Força Aérea Americana, em 1943, e estava com os fotógrafos que descobriram os horrores do campo de concentração de Buchenwald, em 1945. Fotografará a campanha de resistência pacífica de Gandhi e, em 1948, o próprio Gandhi, seis horas antes de o líder indiano ser assassinado. Fará, posteriormente, a cobertura da Guerra da Coreia. Outra Margaret, Margaret Monk, socialista, distinguir-se-á como fotógrafa na Picture Post.

David Douglas Duncan foi sobretudo um fotógrafo de guerra. A sua carreira iniciou-se quando, como amador, fotografou acidentalmente o gangster John Dillinger, em 1934. Mas foi sobretudo a partir do momento em que se juntou aos Marines, em 1943, que a sua produção fotográfica começou a notar-se. Fotografou as missões aéreas e os avanços das tropas, evidenciando tanta coragem e sangue-frio que acabou por ser condecorado com a Purple Heart. Após a Segunda Guerra, fotografou a Guerra da Coreia, em 1950, com as tropas norte-americanas em retirada, tendo editado o livro This Is War, que condensa a frustração do conflito. Foi talvez na Coreia que ele realizou as suas imagens mais memoráveis, representando a dureza, a exaustão e a luta.

Perfeccionista, desgostoso com a forma como a fotografia era tratada pelos editores, Duncan demite-se da Life, onde trabalhava, em 1955, tornando-se um freelance e orientando grande parte do seu trabalho para a produção de livros, onde podia fazer o que almejava: controlar o seu trabalho. Com isto, ajudou a definir as direcções que a fotografia do pós-guerra iria tomar.

A produção de guerra de David Douglas Duncan, a seu modo um outro Capa, recomeça no Vietname (Indochina), onde fotografa o envolvimento francês em ordem a evitar a independência da sua colónia. Publica, nessa altura, na Life, The Year of the Snake, um foto-ensaio sobre esse tema. Alguns anos passados e fotografará o polémico e desastroso envolvimento americano no mesmo local.

A Vu

Alguns anos antes da Guerra de Espanha, em 1928, o francês Lucien Vogel tinha criado a revista Vu, seguindo uma fórmula similar àquela que estava a ser praticada com êxito na Alemanha, baseada na inter-relação de complementaridade foto(s)-texto(s) e, decorrendo do privilégio outorgado à imagem, em novas receitas gráficas. Todavia, desde o início da Vu que Vogel associava fotografias de qualidade a textos de qualidade, tendo chamado para a revista não só óptimos fotojornalistas como também escritores de renome, como Philipe Soupault.

Alguns dos fotojornalistas que vieram a integrar o staff da Vu eram alemães ou imigrados na Alemanha fugidos às perseguições nazis: Man e Capa estavam entre eles. Vieram juntar-se a Kertész e Germaine Krull (1897-1985), entre outros. Com a guerra, alguns deles, como o próprio Kertész, mudar-se-iam para os Estados Unidos. Krull prosseguiu a sua carreira como repórter de guerra para a França Livre.

A filosofia da Vu colide com a das anteriores revistas francesas ilustradas, como a L'Illustration. De facto, com a Vu inicia-se um processo de utilização massiva e até espectacular das fotografias (como a dupla página que ocupou uma fotografia de Margaret Bourke-White de uma metalurgia de Ohio, em 1931), de tal modo que, no final do primeiro ano de vida da revista, Lucien Vogel mostra-se orgulhoso de um feito, à época, ímpar: a Vu tinha publicado 3 324 fotos.(129) Sem a Vu, como mais tarde reconhecerá o fundador da Life, Henry Luce, esta última revista não teria existido (pelo menos, não teria sido o que foi). "Notre culture est devenue visuel", chega a declarar o redactor-chefe da Vu, Carlos Rim.(130)

Em 1933, é publicado um número especial sobre a Itália, "O Ano XI do Fascismo", e, em 1934, um outro sobre a China. Em 1936, porém, Vogel é obrigado a demitir-se da direcção da Vu pelos patrocinadores da grande indústria, agastados pelas simpatias esquerdistas do editor. A gota de água é a publicação, nesse ano, de um número especial sobre a Guerra Civil de Espanha vista pelo lado dos republicanos… e da mais célebre fotografia de Capa, a polémica foto da "morte de um soldado republicano", que é ainda hoje a "foto de marca" do fotojornalismo de guerra, bem reveladora da máxima do seu autor — uma boa fotografia é uma fotografia de proximidade; quando a foto sai mal, é porque não se está suficientemente perto. Mas a foto da morte do soldado republicano não é só a imagem da morte, é sobretudo "(…) a morte como verosímel", como disse Margarita Ledo Andión (1988).

Sem Vogel e com o interesse diminuído, a revista só durará mais dois anos.



A USSR Im Bild e a emergência de um fotojornalismo soviético

Na União Soviética, inicia-se, em 1930, a publicação da revista USSR im Bild, que será editada, até à eclosão da Segunda Guerra Mundial, por Maxim Gorki, Michael Kolzow e outros. Esta revista dota-se de um grafismo avant-garde, quase transportando para o doravante importantíssimo mise-en-page as tensões dialéticas das teses marxistas, como Sergei Eisenstein tinha feito no cinema.

A USSR im Bild era publicada em Moscovo em inglês, francês, alemão e espanhol e registava, com sabor a propaganda, as realizações da indústria, da agricultura e da construção civil soviéticas. Particularmente interessantes no que respeita ao layout e à fotografia são os números editados por El Lissitzky e Alexander Rodchenko (1891-1956), entre 1933 e 1936. Lissitzky e Rodchenko usaram fotos a cores, fotomontagens, e, em termos gráficos, páginas cut-out e fold-out, de maneira a imprimir maior dinamismo à revista.

Os fotógrafos soviéticos preocupavam-se, sobretudo, em representar, de forma simultaneamente realista e grandiosa, as realizações relevantes do novo modelo de sociedade que a URSS se propunha fazer nascer. Boris Ignatovich é o seu precursor, procurando, com as suas fotos, surtir um grande efeito no público. Depois há o caso ímpar de Rodtchenko. Podemos citar também Petrusov, Dimitri Baltermans e Anatol Garanin, entre outros. Mais tarde, durante a Segunda Guerra, tornar-se-á notado outro grande fotógrafo soviético: Evgueni Khadeï.
 
 

CAPÍTULO VIII

O DESENVOLVIMENTO DO FOTOJORNALISMO AMERICANO ENTRE GUERRAS

Nos anos vinte, a Europa recuperava da guerra e os Estados Unidos viam a sua economia crescer, até à crise de 1929. Porém, a década de trinta voltará a ser uma era de crescimento económico, só interrompido, pelo menos na Europa, pela Segunda Guerra Mundial. É nessas duas décadas —a dos anos vinte e a dos anos trinta— que o fotojornalismo se afirmará como vector integrante da imprensa moderna. Além disso, continuarão as conquistas técnicas, predominantemente nos domínios da cor (a Kodak comercializará o filme Kodacolor, a partir de 1942) e da sensibilidade.

Enquanto no Velho Continente o fio condutor do fotojornalismo envereda pela fotografia de autor e pelo foto-ensaio nas revistas ilustradas (nos jornais isso não se passa tanto), nos Estados Unidos é principalmente nos jornais diários que se dão mudanças importantes para o futuro da actividade. Estas mudanças, à semelhança do caso europeu, afectarão todo o mundo. Acrescente-se, todavia, que na América surgem também fotojornalistas que cultivam abordagens próprias do real, como Weegee (1899-1968). E que é também na América que se desenvolve um projecto exemplar da fotografia documental: o Farm Security Administration, altura em que o fotodocumentalismo inicia o seu afastamento da ideia de que serve apenas para testemunhar, quebrando amarras, rotinas e convenções.

A industrialização crescente da imprensa e a ânsia do lucro fizeram estender ao fotojornalismo o ideal da objectividade face a um mundo em que os factos eram merecedores de desconfiança (a actuação dos serviços de propaganda durante a Primeira Guerra Mundial comprovava-o). Não é pois de estranhar que a intenção dominante dos fotógrafos da foto-press nos jornais americanos e europeus é fazê-la posicionar-se, antes de mais, como documento. Era assim que eles a consideravam. Mas também desejavam que o público assim a considerasse, "(…) na idea de verosimilitude como máis terríbel que a verdade mesma."(131)

É na década de trinta que o fotojornalismo vai integrar-se, de forma completa, nos jornais diários norte-americanos, de tal modo que, no fim da década, e em comparação com o seu início, o número de fotografias nos diários tinha aumentado dois terços, atingindo a média de quase 38% da superfície em cada número.(132) Alguns jornais, como o New York Evening Graphic, usavam, nos tempos de crise, para vender, fotomontagens obscenas.

Julgamos que é possível estabelecer conexões entre factores de desenvolvimento pessoais, sociais e culturais do fotojornalismo e a mutação que o jornalismo diário dos EUA teve e exportou:

De qualquer modo, as mudanças culturais, mesmo ao nível das culturas profissional e organizacional, tendem a gerar tensão, devido à resistência à mudança. A tensão pode ser tão forte que tem repercussões. Repare-se, por isso, no que escreve Barbie Zelizer a respeito da introdução dos sistemas de telefoto de agência e, ao mesmo tempo, naquilo que se pode aprender com a história na interpretação de acontecimentos actuais, como a introdução das novas tecnologias digitais de manipulação e geração de imagens: A introdução da telefoto, em 1935, pela Associated Press, servindo cerca de 40 dos 1340 associados, tornou possível a utilização de fotografias como um eficaz meio de informação. O serviço de telefoto desta agência foi inaugurado com a distribuição de uma imagem da queda de um avião nas montanhas de Adirondack, no estado de Nova Iorque. Um ano passado, e a AP tinha de competir com a Soundphoto, do grupo Hearst, que fornecia o The New York Times, e com a Scripps-Howard's NEA — Acme Telephoto. Mas, os serviços de telefotos levaram a uma maior repetição de imagens nos diversos jornais e revistas. Na década de quarenta, as agências noticiosas eram já uma das principais fontes de fotografias para a imprensa. Karen Becker explica que os clientes dos serviços fotográficos das agências noticiosas exigiam sobretudo apenas uma fotografia nítida e clara por assunto. Os temas mais solicitados eram essencialmente crimes, conflitos, desastres, acidentes, actos das figuras públicas, cerimónias e desporto.(143) Ainda hoje, as rotinas produtivas de agências noticiosas como a Lusa orientam a sua produção fotográfica neste mesmo sentido.

Apesar da crescente utilização das telefotos, não foi feita sobre elas uma avaliação suficiente: "In the case of wirephoto, journalists' interpretive strategies accomplished little in the way of recognizing photojournalism as an interface between photography and journalism; journalists' discourse of resistance prejudiced a full understanding of photography and its practitioners."(144)

Práticas de construção imagética foram mais uma vez utilizadas devido às imperfeições das telefotos. Estas, quando chegavam às redacções, passavam para as mãos de um retocador.(145) Na actualidade, em agências como a Lusa, a distribuição de telefotos provenientes da European Press Photo Association e destinadas aos clientes são também tratadas antes de serem disponibilizadas on line.

A mudança que ocorreu entre os anos vinte/trinta não foi simples nem linear, mas "(…) extremely complicated, with considerable meandering and much doubling back on a course full of conflict and contraditions."(146) De um jornalismo que no século XIX e nos alvores do presente século se centrava no texto impresso, assumindo as fotografias um papel de intrusas, passa-se, nos anos trinta, ao aproveitamento do seu conteúdo: as fotos eram mais aproveitadas enquanto informação e adquiriam maiores dimensões nas páginas, "(…) portraying action and detail."(147). As fotografias começam também a usar-se profusamente. Estes desenvolvimentos ajudaram a transformar o fotojornalismo de um instrumento do yellow journalism ou do assunto principal de features num meio privilegiado para o registo dos acontecimentos públicos.(148)

Na Europa e nos Estados Unidos, a nova percepção das potencialidades do fotojornalismo origina modificações na conformação no design da imprensa, nos processos produtivos fotojornalísticos e no aproveitamento das fotos. É assim que, após o advento do fotojornalismo moderno, se inicia a publicação de sequências dramáticas, como a de um bombardeamento aéreo a um navio (editada pelo New York Daily News, em 1937), beneficiando-se das câmaras de pequeno formato. Não obstante, a inserção de sequências imagéticas dramáticas não era desconhecida: em 1922, por exemplo, o Daily Post aproveitou uma série de imagens de um filme para reproduzir uma sequência. Verifica-se, desta maneira, que não foram, em exclusivo, as câmaras de pequeno formato a permitirem o desenvolvimento deste tipo de inserção imagética.

Imagem dramática e eticamente duvidosa, mas única, e, então, foto-prova, representação do nunca visto, é a da execução de Ruth Brown Snyder, na cadeira eléctrica, em Sing Sing, pelo assassinato do marido. Foi também publicada pelo sensacionalista New York Daily News, inicialmente denominado Illustrated Daily News. Essa foto mostra bem, aliás, como a foto-choque se insinuava nas páginas dos jornais.

Kevin Barnhurst e John Nerone dão alguns exemplos das mutações que o fotojornalismo norte-americano dos anos trinta atravessou, em relação com as mudanças gráficas dos jornais:

A maturação do fotojornalismo não evita totalmente a exploração da pose, tal como era comum no "fotojornalismo vitoriano". Sucediam-se os retratos de casamento, de grupo e de desportistas famosos, apesar da aparição de algumas fotos de significado histórico.(150)

Porém, em meados dos anos trinta, emerge uma tendência que nos dias de hoje é dominante e conforma o fotojornalismo de agência: a imprensa norte-americana começa a preferir a publicação de fotos de acção isoladas, não posadas, mesmo nas páginas de informação noticiosa ou até na primeira página, algo que até aí apenas se encontrava nas páginas de features, e que em parte se pode explicar pela insuficiente velocidade de transmissão de telefotos, o que tornava complicado o envio de mais de uma foto por assunto. Além disso, com a publicação de fotografias de maior formato e mais detalhadas (beneficiando da aparição no mercado de teleobjectivas de grande distância focal), com a diminuição do número de fotografias posadas e com o destaque dado à fotografia em detrimento dos enrolados enfeites que constituíam os seus caixilhos (e a sua prisão), a imprensa pode apresentar mais-valias de emoção.

Pelos finais dos anos trinta, a proliferação de fotos, maiores e mostrando mais acção, emoção e detalhe (que substituem as sequências de imagens), não evitou, contudo, que, já na altura, e mais ainda com o tempo, parte dessas imagens fossem o que designamos por pseudo-fotografias-jornalísticas, isto é, fotografias encenadas, fabricadas especificamente para serem objecto de discurso fotojornalístico, especialmente por políticos e seus promotores de notícias (news promoters), ou fotografias-mediáticas, fotos do mesmo tipo das anteriores mas que retratam situações que ocorreriam mesmo sem a presença de (foto)jornalistas.(151) São exemplos típicos as photo opportunities nas ocasiões de Estado (como os apertos de mão encenados e frequentemente repetidos para os repórteres de imagem) ou algumas das fotos que alimentam o mito do herói nas sociedades modernas.

Nos anos trinta, recorria-se também, por vezes, à montagem de cartoons e outras imagens com fotografias. Nos jornais norte-americanos, tal como nos europeus (especialmente nas revistas ilustradas), começam ainda a aparecer, com relativa frequência, fotos humorísticas, como as que apanham gaffes dos políticos.(152) A obtenção deste tipo de imagens é ainda hoje uma ambição de muitos fotojornalistas, inclusive em agências como a Lusa, pois jornais e revistas costumam publicá-las. (Fig. 26) Na imprensa mais sensacionalista, o poder subjectivo destas fotografias compensa a falta de autoridade e credibilidade dos jornais e revistas.(153)

Em 1933, a Vogue publicou a sua primeira foto a cores, e virá a ser uma das pioneiras no caminho que conduzirá, nos dias de hoje, ao domínio da cor nas revistas. Nos anos trinta, as revistas começaram também a contratar retratistas, num indício dos processos de estrelização das figuras públicas que os news media promoverão.

Julgamos ter demonstrado que se as mutações na imprensa europeia e na prática fotográfica orientaram o desenvolvimento do fotojornalismo, não é menos verdade que as configurações que o produto jornalístico adquire nos anos trinta nos EUA moldam ainda hoje o jornal moderno (basta pensar no privilégio outorgado às fotos de acção únicas, às spot news). Similarmente ao que aconteceu há 55/75 anos, a imprensa actual confronta-se por sua vez com transformações. Mas estas transformações são já de carácter pós-moderno, num certo sentido, "pós-televisivo".(154) Elas geram tensão, suscitam resistência, modificam e estimulam discursividades. Por isso, é muito útil aprender-se com a história.

Agências

Noutro campo, de meados dos anos trinta aos anos quarenta, como se referiu, as agências fotográficas e os serviços de fotonotícia das agências noticiosas sofrem grandes impulsos.

A agência fotográfica Black Star foi fundada em Nova Iorque, em 1935. No mesmo ano, iniciou-se o serviço fotográfico da Associated Press (AP's Wirephoto Service), servindo cerca de 40 dos 1340 associados. O serviço de telefoto desta agência foi inaugurado com a distribuição de uma imagem da queda de um avião nas montanhas de Adirondack, no estado de Nova Iorque. Na década de Quarenta, as agências noticiosas (news agencies) eram já uma das principais fontes de fotografias para a imprensa.

Os clientes dos serviços fotográficos das agências noticiosas exigiam sobretudo apenas uma fotografia nítida e clara por assunto. Os temas mais solicitados eram essencialmente crimes, conflitos, desastres, acidentes, actos das figuras públicas, cerimónias e desporto.

Um salto para a "Vida"

Em 1937, ano em que os principais jornais de Nova Iorque trazem, pela primeira vez, fotografias de um grande desastre, o incêndio do dirigível Hindenburg, em Lakehust, New Jersey, surge a revista Look, que dura até 1972, e que, com a Life, fundada um ano antes por Henry Luce, forma o duo de ouro do fotojornalismo americano.

A fundação da Life, em 1936, por Henry Luce, seguida pela fundação da Look, deu início à difusão massiva de revistas fotojornalísticas nos Estados Unidos. Depois de Berlim e de Paris, é Nova Iorque que se torna a Meca do fotojornalismo.

De entre os fotojornalistas da Life, logo nessa fase inicial incluem-se Margaret Bourke-White, Eisenstaedt, Peter Stackpole (cujas fotografias da Golden Gate Bridge, em São Francisco, atrairam a atenção de Luce) e Thomas D. McAvoy (um pioneiro da fotografia de interiores sem iluminação artificial). Outros se lhes juntariam, como Carl Mydans (cujas fotos mais conhecidas são, provavelmente, as da Segunda Guerra Mundial, na Europa e no Pacífico), George Silk ou até Pierre Boulat, que colaborava com a revista a partir de Paris.

A Life pode ter sido uma grande escola de fotojornalismo. Apesar disto, nem sempre a Life "acertava": Fritz Henle, um freelance que trabalhou para a revista, com a percepção correcta dos tempos que se viviam empreendeu um projecto sobre a vida em Paris, em 1938, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. A Life recusou a publicação do trabalho, que só veria a luz do dia no The New York Times Magazine, já depois da libertação da capital francesa.

A Life, tal como a Look, preferia usar fotografias de grande nitidez e grande profundidade de campo. Assim, os fotógrafos costumavam usar câmaras de grande formato e, para fotografar em interiores, nomeadamente para fotografias cândidas, recorriam ao synchroflash, um flash que podia ser sincronizado com o disparador. Numa fase seguinte, recorriam ao multiple flash, mais sofisticado e que permitia efeitos de luz menos duros. Mas esta forma de fotografar brevemente veria o seu fim, por força das políticas de fotografia em interiores sem flash que Lorant tinha implementado na Weekly Illustrated (que fundou em 1934) e na bem mais famosa Picture Post. A naturalidade que emanava destas fotos levou a Life a adoptar o estilo, tendo mesmo, em 1945, contratado um fotógrafo da Picture Post, Leonard McCombe, tendo-o contratualmente proibido de fotografar com flash.

O primeiro número da Life, que saiu a 23 de Novembro de 1936, teve uma tiragem de 466 mil exemplares. Um ano mais tarde, a tiragem da revista ascendia já a um milhão e, em 72, chegou a mais de oito milhões. Com a audiência que conquistou, foi possível à Life assegurar confortáveis receitas publicitárias. Até à altura em que a inflação cresceu e as receitas se tornaram insuficientes para manter a revista, em muitos casos distribuída por assinatura…

A Life adaptou os temas e as técnicas das suas predecessoras alemãs e consagrou o foto-ensaio como o género mais prestigiante de fotojornalismo. Além disso, consagrou o projecto ao nível das rotinas produtivas fotojornalísticas nas revistas ilustradas — os foto-ensaios, as grandes foto-reportagens, podiam dar atenção aos detalhes porque antes de os reporteres partirem para o terreno era empreendido um trabalho aprofundado de pesquisa e documentação.

A redacção da Life, chefiada por um editor-chefe, dividia-se em 17 secções principais, agrupadas em divisões chefiadas por um editor e um documentalista. Destes dependiam vice-editores e vice-documentalistas (os documentalistas eram todos mulheres). Os redactores foram escolhidos sobretudo entre diplomados universitários, principalmente de Yale.

Todas as semanas as secções apresentavam projectos de reportagem ao editor. Estas podiam ser imediatamente realizadas, ficar a aguardar nova oportunidade ou nunca ser executados. O mesmo se passava com as reportagens já elaboradas: algumas eram publicadas imediatamente, outras nunca viram a luz do dia.

O director do departamento de fotografia coordenava a acção de todos os fotojornalistas. A sua posição na revista dependia do rendimento que conseguia obter dos foto-repórteres, que podia contratar e despedir.

Surgida no ambiente do New Deal, com a América em crise de crescimento, para ser comprada a Life precisava de interessar ao consumidor e dar-lhe, mesmo que ilusoriamente, a esperança num futuro melhor. O lucro era vital. Uma das facetas do sucesso da Life, que chegou a ter cerca de 40 milhões de leitores, foi, assim, a atenção que deu aos assuntos que afectavam diariamente as pessoas comuns, que suscitavam a sua curiosidade, espicaçavam os sonhos e faziam aspirar a uma vida melhor, tudo embrulhado num invólucro capitalista e patriótico. Todavia, a Life também promoveu a divulgação da ciência e da arte. Era, sobretudo, uma revista familiar, que não editava temas chocantes. Luis Gutiérrez Espada identifica-a com os seguintes factores ideológicos: ética cristã, democracia paternalista, esperança num futuro melhor com o esforço de todos, trabalho e talento recompensados, apologia da ciência, exotismo, sensacionalismo e emotividade temperada por um "falso humanismo".(155)

A estrutura da revista originou uma certa necessidade de especialização dos fotojornalistas (Munkacsi, por exemplo, especializou-se em moda e Goro em ciência). A revista também não dava aos repórteres controlo sobre a edição do seu trabalho, algo que ainda hoje preocupa muitos repórteres fotográficos e que, na Life, suscitou críticas de fotógrafos como o "poeta" da imagem e perfeccionista Eugene Smith (1918-1978), cuja obra se desenrola sobretudo dos anos quarenta aos anos setenta. A Life recorreu também substancialmente a agências como a Magnum e a freelances.

A finalidade da Life, segundo o fundador, era fazer ver. É o efeito-verdade a funcionar, a ilusão de que a fotografia não pode fazer outra coisa senão reproduzir fielmente o real, sem que se atente no ponto de vista ou noutros suportes de conotação, como Barthes referenciou, como o texto que com a foto pode jogar, a truncagem ou a sintaxe. Mas é também uma outra escrita —a fotojornalística— a realizar-se e a advogar-se. Repare-se nas palavras com que Henry Luce apresentou a revista:

Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhavam para a Life 670 pessoas em 320 escritórios em todo o mundo e a revista dominava o mercado publicitário norte-americano. Porém, a partir dos anos sessenta não só o mercado publicitário americano foi sendo dominado pela televisão como também subiram os preços do correio (recorde-se que a Life era muito vendida por assinaturas), o que levou à suspensão da publicação semanal, em 1972. Ainda assim, em 1965, dois anos antes da morte de Luce (um acontecimento que também poderá estar associado à queda da revista), a Life venceu claramente a TV na cobertura das exéquias de Churchill e, nos anos finais, para captar leitores, enveredou mesmo, em certos momentos, por alguns rasgos de yellow journalism, ou, pelo menos, de jornalismo sensacionalista, fazendo reportagens sobre a Mafia e a corrupção. Estas, porém, foram do desagrado dos leitores, que protestaram, pois afastavam-se dos conteúdos familiares, estereotipados e imbuídos da moral dominante que sempre caracterizaram a revista.

Quando, em 1978, a Life iniciou a publicação mensal, fê-lo já sem possuir um staff de fotojornalistas, passando a recorrer unicamente aos freelances. Como o número de revistas especializadas cresceu, o free-lancing surgiu como uma opção atraente de carreira para os fotojornalistas. De qualquer modo, com o encerramento da Life, em 1972, morreu uma época de ouro do fotojornalismo.

Na Europa, os tempos não correram melhor. A Paris-Match, fundada em 1949, tirava, em 1957, cerca de 1,8 milhões de exemplares; dez anos mais tarde, situava-se em quase 1,4 milhões; em Abril de 1972, restringia-se a 810 722 exemplares.

O fotojornalismo foi muito afectado pelas modificações na imprensa ilustrada. Após a crise dos finais dos anos sessenta/princípios dos setenta, um certo número de foto-repórteres começou a enveredar por alternativas no mercado de trabalho, como as revistas e relatórios de grandes empresas, jornais e editoras.



O Farm Security Administration

Na América da depressão dos anos trinta, o presidente Roosevelt, um presidente que controlou substancialmente os fotojornalistas, começa o seu primeiro mandato em 1933. Iniciou, então, o programa do New Deal, no âmbito do qual se desenvolve um plano de ajuda aos agricultores em crise, desencadeado pela Resettlement Adminsitration (uma espécie de secretaria de Estado que lidava com as reformas rurais), dirigida por Rexford Tugwell. Em 1935, este organismo vai tomar outro nome, pelo qual também ficaria conhecido um vasto projecto fotodocumental que se desenvolve no seu âmbito: Farm Security Administration. Este projecto fotográfico, realizado pelo Farm Security Administration Photographic Corps, tornou-se uma arma importante para despertar as consciências sociais, devido a algum sentido crítico e denunciante que, independentemente dos constrangimentos governamentais, alguns fotógrafos, como Evans ou Lange, lhe deram.

Tugwell tinha consciência do interesse dos documentos fotográficos, tanto como ilustração como suporte de argumentos e análises económicas. De facto, ele próprio tinha produzido obras que faziam abundante uso da fotografia como ilustração e como suporte de argumentos e de análises económicas, como a American Economic Life, escrita em 1925 (nesta obra, um terço das fotos eram de Hine). Por isso, nomeou o seu antigo aluno e colega Roy Stryker para o cargo de director da Secção Histórica do organismo, com a missão de dirigir um vasto projecto fotográfico, documentando, com visão histórica, as actividades do plano de apoio aos agricultores e a vida rural americana.

Assim, a partir de 1935, e até 1942, desenvolveu-se o projecto fotodocumental conhecido por Farm Security Administration (FSA). Este projecto procurou, especificamente, retratar os resultados das políticas do New Deal do Presidente Roosevelt: empréstimos a baixo juro para compra de terra, desenvolvimento de estudos sobre preservação dos solos e criação de quintas experimentais e de explorações comunitárias, que visavam dar emprego aos trabalhadores errantes. Em grande medida, assenta na tradição de documentalismo social americano de Riis, Hine e de outros fotógrafos mais ou menos conhecidos, como James Van Der Zee, que fotografou a subcultura dos negos ricos na Nova Iorque dos anos vinte, projecto que Aaron Siskind (1903-) irá continuar, alargando a documentação a todos os estratos sociais, de 1932 a 1950. O projecto FSA teve uma grande repercussão porque as fotografias foram amplamente divulgadas na imprensa, em livros e em exposições.

Na altura, a Administração dos Estados Unidos necessitava de distribuir ajudas financeiras aos milhares de trabalhadores rurais afastados dos seus campos de cultivo, quer pela esterelidade da "bacia do pó" dos estados centrais, quer devido à competição desencadeada pela introdução em larga escala de práticas agrículas mecânicas. Além disso, muitos agricultores trabalhavam uma terra que não lhes pertencia, descurando a conservação dos solos, o que implicou reduções graduais do rendimento dos proprietários e consequentes despedimentos.

Com efeito, ao longo dos anos vinte, numerosos agricultores, principalmente pequenos exploradores, tinham sido reduzidos à mais extrema pobreza. Quando se dá o colapso do stock exchange dos EUA, em 1929, a que se sucede uma crise económica mundial, cerca de oito milhões de trabalhadores da terra já estavam perto da fome.

Os efeitos da depressão obrigaram muitos pequenos agricultores a deixar para trás a pequena quinta e a deslocarem-se à procura de trabalho temporário. Esses novos nómadas disseminaram-se como uma nuvem, especialmente pelos estados do Sul e do Sudoeste, evidenciando à "outra" América a amplitude da tragédia.

A intenção predominante do Farm Security Administration foi, sem dúvida, registar a vida na América profunda e rural, apesar da delicadeza da missão, que dependia de critérios políticos. De qualquer modo, os fotógrafos do projecto souberam, de uma maneira geral, usar expressivamente a fotografia, por vezes acentuando pontos de vista, abordagemn que se mostrou importante para que a fotografia se tornasse de tal forma mobilizadora que conquistasse o receptor. Em conformidade com Keim, são fotos possuidoras de um conteúdo social que ultrapassa a descrição individual.(156)

Os primeiros fotógrafos a ingressar no projecto, e talvez os melhores, foram Walker Evans (1903-1975) (Fig. 27), Dorothea Lange (1895-1965) (Fig. 28), Russell Lee (1903-1986), Ben Shahn (1898-1969), Carl Mydans (1907-) (que rapidamente sairia para a Life) e Arthur Rothsthein (1915-1985). Depois ingressaram Marion Post Wolcott, Jack Delano, John Vachon, John Collier Jr. e Gordon Parks (1949-), um afro-americano que esteve no FSA como estagiário e que fotografará a vida dos negros na sociedade americana. Há ainda a considerar os casos de Theo Jung e Paul Carter, que estiveram pouquíssimo tempo no FSA, no seu início. Em parte, a imagem que possuímos dos "anos negros" da América é a imagem transmitida por essa mão cheia de fotógrafos.

Stryker conhecia bem a vida rural e a fotografia documental norte-americana, especialmente as obras de Riis e de Hine (o mesmo que ele acabou por não contratar). Para tratar dos problemas técnicos e de instalação do laboratório, contratou o fotógrafo Arthur Rothstein. Seguidamente, contratou outro fotógrafo, Carl Mydans, que pertencia, na altura, a um diferente departamento governamental. Só depois se lhes juntou Walker Evans.

O frequentemente autoritário Striker definia os objectivos e o âmbito de cada "missão". Dava também a conhecer aos fotógrafos o enquadramento socio-económico das mesmas. Mas deixava-os escolher o equipamento, a técnica e a forma de abordagem. Plasticidade, arte e autoria (estilo) deveriam conciliar-se com uma profunda ambição documental. Era assim traduzida a qualidade. E eram assim construídos sentidos, pela pose, pela disposição e simbologia dos objectos e do vestuário, pelo contraste figura-fundo, pelas texturas, pelos contrastes claro-escuro, pela utilização expressiva da luz, pelo texto que acompanhava as fotos e pelos suporte de difusão.

Era com base num projecto que os fotógrafos partiam para o seu trabalho, por vezes durante meses, após estudarem profundamente a documentação disponível e de discutirem a missão a executar. Dispunham de listas de temas a cobrir em regiões previamente determinadas (ouvir rádio à noite, ir à Igreja, ir a clubes e salas de jogo, fotografar encontros em determinados espaços das ruas, etc.; curiosamente, apenas uma rúbrica do documento fazia referência ao principal problema da época: "Ver os efeitos da depressão nas pequenas cidades dos Estados Unidos"). Por vezes, pedia-se-lhes também, com fins publicitários, que fotografassem os projectos de recuperação e reforma agrícolas financiados pelo Estado. Outras vezes, era-lhes solicitada a cobertura de uma região devastada por uma calamidade natural ou os efeitos do clima sobre a agricultura. Também não era raro Stryker enviar aos fotógrafos cartas redifinidoras de objectivos ou que avaliavam o interesse de documentos e fotografias já enviados para Washington. Para Dorothea Lange, que raramente ia à capital e desenvolvia o seu trabalho no Leste dos EUA, essas cartas eram vitais. Só nos últimos anos do projecto é que os fotógrafos ganhariam maior liberdade.

Se Evans e Lange foram, provavelmente, os principais expoentes do FSA, enveredando por uma fotografia com um ponto de vista algo denunciante que lhes acarretou alguns problemas com Striker, Russell Lee (1903-1986) foi talvez o principal "documentador" do FSA e o que teve menos problemas com o coordenador. Profissional face a um objectivo preciso —documentar sem estados de ânimo—, ele assume, desta maneira, uma perspectiva do fotodocumentalismo que ainda hoje é, no campo fotojornalístico, a dominante. Por vezes, porém, parece-nos detectar uma certa exploração das situações pelo lado positivo.

Lee organizou uma documentação escrupulosa e detalhada de um amplo leque de aspectos da vida social na empobrecida América profunda. A sua atenção não se concentra exclusivamente nos sujeitos e menos ainda na dramaticidade de uma expressão particular, mas na decoração, nas habitações (exterior e interior), na arquitectura, nos móveis e nos acessórios (como o rádio), aspectos mais acidentais nas obras de Evans e, principalmente, Lange.

Outro fotógrafo, Shahn, produzirá imagens com alguma vitalidade, mesmo em assuntos estáticos.

Apesar da qualidade fotográfica do projecto, este cedo foi vítima de problemas internos e pressões políticas. Por exemplo, em 1936 houve enorme controvérsia sobre a veracidade dos documentos fotográficos do FSA, uma vez que tinha havido lugar a práticas de reconstrução ficcional da cena captada — Arthur Rothstein fotografou, nesse ano, um crâneo de boi embranquecido pelo sol no local estéril e seco onde o tinha encontrado; depois, colocou o mesmo crâneo três metros ao lado, sobre terra coberta de relva, e fotografou-o novamente. Os problemas surgiram quando um jornal de província apresentou, lado a lado, as duas fotografias, tendo o debate alargado-se rapidamente à imprensa nacional. O problema —se é que existe— é que Rothstein fotografava com elevado sentido simbólico: algumas das suas fotografias de famílias, por exemplo, funcionam quase como alegorias de todas elas.

Segundo William Scott (1973), a atitude documental da década de trinta, bem patente no FSA, influenciou numerosos aspectos da vida cultural norte-americana. Para ele, essa atitude traduzia-se em apresentar ou representar factos verídicos de forma atraente e credível. Ora, o que acontece é que se por um lado um número enorme de obras da década fazia apelo à apresentação directa de factos aparentemente irrefutáveis, ansiedade satisfeita pela fotografia, por outro lado a fotografia servia para reivindicar reformas sociais, acentuando pontos de vista e subjectivdades, como já o tinha feito Riis e ainda o fazia Hine, o que não deixa de ser um pouco paradoxal.

No Farm Security Administration notam-se alguns dos primeiros indícios do que viria a ser o documentalismo fotográfico algumas décadas depois, nomeadamente o afastamento da foto-registo animada pela verosimilitude que alguns fotógrafos, como Evans e Lange, por vezes apresentam. De facto, independentemente do seu estatuto de fotógrafos-funcionários, os fotodocumentalistas do FSA conseguiram fazer do projecto uma escola de foto-livre que influenciará grandes revistas. Contudo, os significados que os fotógrafos procuravam dar à fotografia tendiam a só minoritariamente coincidir com os que os observadores lhes davam.(157)

Apesar de tudo, o que se revela nas fotografias do FSA é, julgamos, um retrato algo estereotipado e simplificador da América profunda e dos seus habitantes. Nas fotos, estes aparentam quase sempre tranquilidade, esperança, calma, resolução, nobreza e heroicidade. Mas sabe-se que houve muitos momentos de cólera e desespero na América dos anos trinta. Onde estão, pois, os suicídios? Os conflitos? No FSA não aparecem, porque, afinal, o Farm Security Administration foi essencialmente um projecto propagandístico e político, talvez até visionário, e que, por isso, pretendeu divulgar uma versão estereotipada e positiva do homem rural: herói patriota e puro, que luta nobre e resolutamente contra as adversidades, solidário com os seus compatriotas e temente a Deus. É um pouco o retrato do "herói rural" enquanto um estereótipo que perdura na sociedade americana.(158) Por isso, o FSA não satizfaz totalmente a nossa ideia de "testemunho", porque, a sê-lo, o projecto será sempre um testemunho incompleto e direccionado.

É interessante notar que, embora por outras razões, Dorothea Lange também pôs o assento tónico nos problemas da visão estereotipada da América que o Farm Security Administration poderia promover. Ela chegou a queixar-se que a sua foto "Mãe Migrante", provavelmente a mais difundida do FSA e a que, de algum modo, é a imagem do projecto, se havia transformado num estereótipo, num elemento de elevado valor simbólico, capaz de ofuscar o resto do seu trabalho. Ela própria acentuava que procurava representar o que fotografava como parte do seu ambiente.(159)

De qualquer modo, muitas das fotos do projecto surgiram em revistas como a Life e a Look, tal como em publicações socio-reformistas, como a Survey Graphic. Outras foram reunidas em livros colectivos ou consagrados a um determinado fotógrafo. Mas a maioria acabou por ser publicada nos jornais, já que se tratava de uma fotografia humanista mas feita para grandes audiências, para a difusão mediática, acompanhada de textos cuja elaboração se inscrevia também no projecto. Tal dá uma ideia mais exacta da importância que o FSA teve para o desenvolvimento da fotografia e, mais precisamente, do fotodocumentalismo. Pode dizer-se que, por exemplo, na Life o trabalho de projecto foi influenciado pelas rotinas praticadas no Farm Security Administration e que importantes projectos fotodocumentais da actualidade, como os de Salgado, ainda vão beber ao estilo, à abordagem e à forma de trabalho do FSA.

A resolução de muitos dos problemas do FSA, devido à criação de emprego resultante da abertura de fábricas de armamento com o despoletar da Segunda Guerra Mundial, as dotações orçamentais insignificantes e os problemas internos graves levaram à demissão de Stryker, em 1942, e ao fim do departamento. Os arquivos do FSA, que se encontram na Biblioteca do Congresso, são constituídos por cerca de 70 mil tiragens e 170 mil negativos, notáveis pela sua unidade. Cem mil outras fotografias foram censuradas por Striker, que perfurou os negativos, no que acabou por ser, quanto a nós, o factor mais negativo do projecto. Elas eram, provavelmente, as fotos do desespero, mas, mesmo na sua falta, as que sobraram revelaram suficientemente à América as duras condições de vida de muitos dos seus cidadãos.
 
 

Na linha do FSA: outros documentalismos

Dentro da linha documental do FSA, mas sem censura, a Liga Fotográfica Independente de Nova Iorque desenvolveu um projecto fotográfico com o fim de mostrar o "verdadeiro" aspecto dos Estados Unidos. Entre os seus fotógrafos salientou-se Sid Grossman.

Aaron Siskind, por seu turno, foi, como já se referiu, um fotógrafo documental, pelo menos na primeira fase da sua carreira. Tal como os fotógrafos do FSA, embora numa dimensão diferente, representa o que poderíamos considerar como a corrente documental que se opunha à veia fotojornalística protagonizada por Weegee e a generalidade dos fotojornalistas.

Siskind conhecia a fotografia documental americana dos anos trinta e deixou-se seduzir pelo trabalho não censurado da Liga Fotográfica, tematicamente semelhante ao do FSA. O seu objectivo principal foi, assim, contribuir para consciencializar os americanos para as condições de vida de alguns dos seus concidadãos. Quando organizou o Feature Group, uma espécie de escola fotodocumental, acedeu à ideia de um repórter negro e empreendeu, a partir de 1932, um vasto projecto fotodocumental sobre as diferentes facetas das relações sociais em Harlem, de que resultou o livro Harlem Document.

A fotografia social de Siskind, polarizada quase toda ela em torno de Manhattan, tecia-se em torno de três vectores: 1) projecto; 2) conhecimento do terreno e do meio socio-cultural e conquista da confiança dos sujeitos a fotografar, de maneira a permitir tanto quanto possível a anulação da presença do fotógrafo e a captação das expressões espontâneas e mais representativas dos fotografados; e 3) monopolização do conteúdo fotográfico pelos sujeitos fotograficamente representados. Depois, seguia-se a elaboração de artigos, tendo em consideração a informação fotográfica que os acompanhava.



CAPÍTULO IX

O MUNDO EM GUERRA

Se entre 1920 e 1940 a evolução do fotojornalismo diferiu, nalguns aspectos, da Europa para os Estados Unidos, a partir dos anos quarenta as culturas fotojornalísticas europeia e americana convergem mais. Este fenómeno deve-se a factores como (a) o advento da telefoto, em 1935, (b) a emigração de fotojornalistas e editores europeus, fugidos a Hitler, para os EUA, (c) a cobertura "conjunta" da Segunda Guerra Mundial e dos conflitos posteriores por fotojornalistas de todo o mundo, (d) a crescente transnacionalização das culturas e da economia e (e) o poderio das agências mundiais, que, mesmo no domínio do fotojornalismo, vão predominar no mercado e abastecê-lo, pelo menos até meados dos anos setenta, em que se dá a reacção dos Países Não Alinhados.(160)

Nas vésperas do conflito, Roman Vishniac fotografou os bairros judeus na Polónia, elaborando um documento que viria a ter uma mais-valia histórica acumulada devido ao genocídio dos judeus pelos nazis.

No campo técnico, a invenção mais significativa foi a do fotómetro, logo no início dos anos quarenta.

A cobertura da Segunda Guerra Mundial, apesar da força que o fotojornalismo tinha já adquirido, não deixou de ser problemática. De facto, tal como aconteceu com as imagens da Guerra da Crimeia obtidas por Fenton ou com as fotografias da Grande Guerra, a fotografia "jornalística" da Segunda Guerra Mundial foi usada com intuitos manipulatórios, desinformativos, contra-informativos e propagandísticos, mas mais eficazmente: a censura impediu a publicação da verdadeira face do conflito (os mortos e os mutilados) e encorajou a publicação as fotografias que apoiavam o esforço de guerra, como os "heróicos" raides aéreos diurnos aliados ou o ambiente simultaneamente "épico" e cavalheiresco das casernas dos aviadores ingleses.(161) Ou ainda a fotografia de Cecil Beaton de uma menina ferida num bombardeamento que no hospital se agarra à sua boneca, "(…) pra que os receptores se sintan culpables —a transferencia de culpa é un dos tópicos da propaganda (…)."(162)

Logo no início da guerra se adivinhou o controle que os governos das entidades beligerantes pretenderam fazer sobre a fotografia de combate. Nos Estados Unidos, por exemplo, várias agências noticiosas, como a International News Photos, a Acme News Pictures e a Associated Press, tinham planos para cobrir a previsível guerra na Europa.(163) Mas quando a guerra começou, na Polónia, o Governo alemão impediu que correspondentes estrangeiros visitassem a frente. O fornecimento de fotografias para a imprensa norte-americana foi, na generalidade, feito pela Propaganda Kompagnie do Exército alemão ou então censurado pelos alemães. Do lado aliado, os franceses e britânicos implementaram também um serviço de censura nesta fase da guerra, mas a guerra da fotopropaganda, em 1939, foi claramente vencida pelos alemães.

Assim, a imagem fotográfica que da campanha na Polónia transpareceu da imprensa norte-americana foi principalmente a de uma formidável força militar alemã que varria literalmente a resistência polaca, sendo capaz de acções rápidas e decisivas. Os leitores podiam observar fotografias de tropas alemãs marchando ao longo das estradas, atravessando rios, construindo pontes, transportando equipamento militar, esquivando-se aos snipers, bombardeando as posições polacas, arrasando ninhos de metrelhadoras e —mais raramente— conduzindo prisioneiros polacos sem os maltratar; esporadicamente, observaram também fotografias (censuradas) de baixas alemãs. O segundo tema mais tratado foi o de Hitler e o seu estado-maior e só em terceiro lugar surgia a cobertura de guerra vista do lado polaco, em que se mostram, por exemplo, as caras de contentamento dos polacos após a notícia da declaração de guerra da França e do Reino Unido à Alemanha, crianças no meio das ruínas com um olhar confuso e angustiado, mulheres e crianças polacas transportando equipamento militar para a frente e soldados polacos avançando para a batalha. (Ver, por exemplo: Sherer, 1984) Aliás, num artigo publicado pouco tempo após o início das hostilidades, a Life assegurava que o objectivo principal das fotografias censuradas pelos alemães era não conquistar simpatias mas sim criar a ideia de poderio militar alemão. Num estudo por nós elaborado pode constatar-se, porém, que em Portugal a cobertura da imprensa, pelo menos da imprensa diária portuense, foi claramente pró-aliada, designadamente pró-britânica, tendo a mobilização sido o tema mais tratado.

Todavia, nem sempre se tornou necessário para os Governos o recurso à propaganda literal. "O endoutrinamento dos próprios fotógrafos era tão forte que eles próprios estavam persuadidos de estarem a lutar por uma causa justa ao censurarem-se a si mesmos, fotografando apenas cenas que não pareciam desfavoráveis aos países que representavam."(164) É de novo, em muitos casos (como nas revistas da "guerra ilustrada"), o retrato de um combate heróico, limpo, aventureiro, épico, como já Fenton havia feito na Crimeia. A fotografia era, pois, um factor importante para animar a "moral". Em alguns casos, chegou-se mesmo a programar a altura de divulgação das fotos de forma a concorrer para um envolvimento pré-definido dos receptores.(165) As fotos que testemunhavam o preço caro e as atrocidades da guerra, regra geral, apenas foram vistas no fim do conflito, mesmo que os fotógrafos —como os do Government Issue— as tivessem obtido em acção. Depois das hostilidades, finalmente, as fotos difundidas dos prisioneiros que regressavam a casa comoveram e impressionaram.

Conforme salientou John Morris, frequentemente os fotógrafos Aliados de combate apresentaram uma imagem selectiva da guerra que glorificava a luta do bem contra o mal(166), identificando-se o fotógrafo com uma causa justa colectiva ("a união faz a força") que o levava a auto-censurar-se a a auto-impor-se um ponto de vista.

Ao contrário do conflito de 1914-1918, a Segunda Guerra Mundial acarretou problemas logísticos para os fotojornalistas, uma vez que não se tratava de uma guerra concentrada, pondo problemas de transporte, alimentação, alojamento e comunicação.

Mesmo assim, a Segunda Guerra Mundial serviu para a imprensa se aperceber completamente do poder das fotografias, em certas ocasiões maior do que o do texto. Os "(…) journalists at first avoided the technological adaptation (…) until the events of Second World War forced them to reconsider their opposition." (167)

Dessa forma, "Photographers —earlier called 'newspaper illustrators' or 'pictorial reporters'— had become 'photojournalists".(168) Foi também devido à guerra que os fotojornalistas se tornaram num "(…) experienced, highly organized body of recognized status"(169), tendo mesmo formado, nos EUA, a sua própria organização profissional, em 1945. Por esta altura, os fotojornalistas já possuiam "(…) a status equal to that of any reporter".(170)

A telefoto, por seu turno, deu ainda à cobertura fotojornalística da II Guerra novas possibilidades. Com ela, "Ábrese prá foto-xornalismo o período do seu batismo de lume, do seu paso a cabaleiro da espada, na procura da sua patente de imprescindible. Ábrese, prá foto, a guerra ó vivo."(171)

Para as agências, era, portanto, imperioso organizar a cobertura de guerra de forma a que para todas as frentes fossem enviados fotojornalistas. A telefoto permitia a rapidez de transmissão, embora também levasse à repetição de imagens entre os jornais e revistas clientes.(172)

Durante o conflito, foram apontadas alegadas práticas de construção imagética. Por exemplo, foi dito que a premiada fotografia de Rosenthal dos marines içando a bandeira americana em Iwo Jima teria sido encenada.(173) Para Goldberg, este tipo de questões só mostra que os padrões de fidelidade são diferentes e que "(…) truthfulness was as much a question of showing people how war could look as of reproducing what chance puts in the lens's way".(174)

Como já se referiu, muitos foram os fotógrafos que cobriram a guerra. Entre eles pode destacar-se Capa, principalmente pelo seu trabalho durante a invasão da Normandia, em 1944 (que viria a ser estragado em laboratório, mas não, ao contrário do que se diz, por Larry Burrows, outro grande fotógrafo de guerra, que se revelará no Vietname), e pela cobertura do avanço das tropas aliadas rumo à Alemanha; mas também Margaret Bourke-White (frente de Moscovo, raides aéreos, libertação dos campos de concentração); George Rodger (home front); Cecil Beaton (repórter oficial da RAF, que fotografa o soldado só, alimentando o mito do herói, mas também evidenciando, pela solidão, a desgraça da guerra, capaz de apagar existências); Edward Steichen (que cobre funcionalmente a guerra nas frentes Ocidental e do Pacífico, de forma "limpa" e distanciada); Eugene Smith (cujas fotografias bélicas da frente do Pacífico são eivadas de um lirismo que sensibiliza e engrandece o esforço pessoal mas também a solidariedade humana na desgraça, como na foto em que um marine pega num bebé ferido e abandonado, depois de um ataque); Ernest Haas (que se concentra nos resultados da guerra, como nas fotos das mulheres aguardando, apreensivas, transporte em Viena); Werner Bischof (que fotografa a Alemanha e o Leste europeu em ruínas); Yevgeny Chaldey (o Capa soviético, que acompanha a "Grande Guerra Patriótica" desde o seu início, coroando o seu trabalho com uma das mais memoráveis fotos da guerra: soldados russos no Reichstag, com a bandeira vermelha em primeiro plano); e Erich Lessing (que abandonará o Plano Marshall e a fotografia documental para se dedicar à reportagem). Estes são, de facto, alguns dos nomes —alguns já referenciados, outros dos quais ainda se irá falar— que se podem citar enquanto referências na cobertura de um conflito tão alargado quanto a Segunda Guerra. Cartier-Bresson, internado num campo de concentração alemão durante três anos, terá direito a uma "exposição póstuma" no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, mas foi libertado a tempo de cobrir o regresso dos prisioneiros de guerra a casa.

Tal como na Guerra Civil de Espanha, na Segunda Guerra Mundial os fotojornalistas, integrados ou não em organismos governamentais, alinharam por um lado e contribuiram —pode-se dizê-lo— para o triunfo ideológico dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, conotado com a liberdade e a democracia política e também com a instauração de uma nova ordem internacional.
 
 

CAPÍTULO X

O PÓS-GUERRA

Após a Segunda Guerra Mundial, cedo se começaram a adivinhar os contornos da Guerra Fria. A Cortina-de-Ferro, como lhe chamou Churchill, erguia-se na Europa, e as duas superpotências começavam a disputar o domínio do mundo, como se viria a verificar nas guerras da Coreia (onde os militares começaram a olhar a imprensa como um mal necessário(175)) e do Vietname. Pelo meio, dava-se a descolonização, mais ou menos violenta, como nos casos das colónias portuguesas. Finalmente, os anos setenta assistiram à queda das ditaduras ibéricas e ao desenvolvimento económico asiático.

As tendências que actualmente são visíveis na fotografia têm origem, como veremos, em três grandes movimentos que se estabeleceram durante os anos cinquenta: (1) a fotografia humanista; (2) a fotografia de "livre expressão"; e (3) a fotografia como "verdade interior" do fotógrafo. Em torno deste último movimento vai debater-se, a partir dos finais dos anos sessenta, em inter-relação com o Novo Jornalismo, a oposição entre a "foto-testemunho" e a "foto-subjectiva" assumida.

A fotografia humanista e universal(ista), em certa medida "testemunhal", encontrará o seu expoente na exposição The Family of Man (1955), da qual adiante falaremos mais pormenorizadamente.

A fotografia de "livre expressão", que já encontrávamos na Bauhaus (Moholy-Nagy) ou em Man Ray, será coroada nos trabalhos experimentais de, entre outros, Aaron Siskind ou Bill Brandt, na sua fase abstracta. O dinamismo libertador deste movimento conduzirá a uma hierarquia de valores entre a foto como espelho do real, a foto como interpretação pessoal da realidade e a foto como pura criação, sendo esta última a que animava os fotógrafos da "livre expressão". Mas esta hierarquização ignora, de algum modo, as contribuições da Photo Secession, que já havia demonstrado que a realidade primeira da fotografia era a submissão ao real: o objecto é, em última análise, a causa da fotografia.

Finalmente, na corrente que perspectivava a fotografia como "verdade interior" do fotógrafo, pode-se inscrever Minor White (1908-1976), que, em 1952, fundou, com Walter Chappell e outros, a revista Aperture, dedicada ao problema da comunicação em fotografia. A grande contribuição deste último movimento para o entendimento que temos hoje da fotografia é, talvez, o de que ela é sempre, num certo sentido, uma testemunha da vida interior do fotógrafo (dos seus gostos, das suas inclinações, etc.). Walker Evans traduziu bem esta perspectiva no livro que deu à estampa em 1966, que se chamava precisamente Messages From the Interior. Se bem que não se possam estabelecer fronteiras rígidas entre esses movimentos ou até entre as ideias da "foto-testemunha" e da "foto-subjectiva", todos eles, pelo debate que trouxeram, foram proveitosos para o fotojornalismo (incluindo, como é lógico, o documentalismo).

No campo específico do fotojornalismo (em sentido restrito), os conflitos do pós-guerra representaram um terreno fecundo, sobretudo no que respeita às agências. As agências fotográficas, a par dos serviços fotográficos das agências de notícias, foram crescendo em importância após a Segunda Guerra Mundial. E se por um lado a fotografia jornalística e documental vai encontar novas e mais profundas formas de expressão, devido aos debates em curso e a novos autores, por outro lado a rotinização e convencionalização do trabalho fotojornalístico dentro do contexto da indústria cultural, de que as agências de notícias se tornaram expoentes, também originou uma certa banalização do produto fotojornalístico e a produção "em série" de fotos de fait-divers, que pouco mais permitem ao observador do que ver e surpreender-se.(177) Estas duas linhas de evolução contraditórias virão a coexistir até aos nossos dias, mas após a junção de uma terceira: a "foto-ilustração", nomeadamente a foto-glamour, a foto-beautiful people, e a foto-institucional, mas também a foto-tipo passe, que ganha relevo na imprensa, sobretudo após os anos oitenta e noventa, época que marca o triunfo do design global, por vezes sobre o conteúdo, principalmente sobre o conteúdo contextual.(178)

As interferências político-ideológicas no campo fotojornalístico agudizaram-se durante a Guerra Fria. Susan Sontag, em On Photography, chega a dizer que as fotografias da Guerra da Coreia que mostravam o rosto humano do inimigo não foram publicadas pelos jornais americanos. Podemos mesmo afirmar que as fotos foram usadas frequentemente de forma manipulatória, contra-informativa e desinformativa, indo buscar força ao mito do espelho.

O final da década de quarenta e a década de cinquenta foi uma época de ruptura das fronteiras temáticas e de desenvolvimento da foto-reportagem, na qual, com um conjunto de fotos, se procura fazer um discurso mais ou menos desenvolvido e compreensivo do assunto. Mas dar-se uma carga predominantemente informativa, interpretativa e contextualizadora à imagem não significa que um valor estético não lhe possa conferir uma mais valia: a partir de meados dos anos cinquenta, aliás, nota-se uma importante evolução estética em alguns fotógrafos "da imprensa" —documentalistas ou fotojornalistas tout court— que cada vez mais fazem confundir a sua obra com a arte e a expressão. A nível técnico, é de salientar a disseminação do uso das máquinas de reflex directo.

Apesar das tentativas de ultrapassar as rotinas e convenções e, assim, do que é entendido, mesmo sem reflexão, como o correcto e o primeiro passo do profissionalismo, o pós-guerra é, principalmente, um período em que se assiste a uma crescente industrialização e massificação da produção fotojornalística. A Reuter, por exemplo, inclui a foto nos seus serviços em 1946, juntando-se a agências como a Associated Press. O fotojornalismo de autor, criativo, como o da opção Magnum, protagoniza uma existência algo marginal. A exemplificá-lo, Eugene Smith, em 1955, abandonará a Life, descontente pela utilização descontextualizada que, segundo ele, a revista fazia das suas fotografias, mais precisamente, desagradado com as alegadas alterações de sentido impostas às suas fotografias durante a edição (embora, claro, se possa dizer que a compaginação pressupõe inevitavelmente a alteração de sentido). Cartier-Bresson, consubstanciando o espírito Magnum do direito do fotógrafo a ver respeitada a integridade da sua obra, carimba no verso das fotos que estas não poderiam ser reproduzidas se não respeitassem o espírito da legenda por ele escrita. E são os fotógrafos-autores que se tornam conhecidos: na lista ideológica e culturalmente bem americana dos "dez melhores do mundo" de 1958, quatro fotógrafos adquirem estatuto de vedetas: Cartier-Bresson, Ernst Haas (1921-1986), Eugene Smith e Alfred Eisenstaedt.

A fundação de agências fotográficas ou a inauguração de serviços fotográficos nas agências noticiosas é um dos factores que, estamos em crer, promoveu a transnacionalização/transaculturação da foto-press e o esbatimento das suas diferenças intrínsecas. Em alguns tipos de documentalismo e mesmo de fotojornalismo, porém, permanecerão vivas as ideias dos fotógrafos-autores. Mas o fotojornalismo de agência noticiosa, que se especializará na satisfação das necessidades dos diários, acentua o fotojornalismo de velocidade. Eco histórico desta asserção é a declaração do France-Soir, segundo a qual pretendia obter fotografias de acontecimentos em vias de se concretizarem e não depois de terem ocorrido. A velocidade/actualidade, nas agências e nos jornais, vai tornando-se, cada vez mais, um critério de valor-notícia.

O número de fotógrafos, a força que representavam, o estatuto que tinham adquirido e a dinâmica da produção fotojornalística leva, por outro lado, a que a Convenção de Berna-Bruxelas, no seu artigo 6, bis, alínea 1, reconhecesse formalmente os direitos de autor dos fotógrafos, ao estabelecer que a fotografia não deveria ser deformada, mutilada ou objecto de outra qualquer modificação que atentasse contra a honra e reputação do fotógrafo. Era, ao fim e ao cabo, o reconhecimento de uma velha reivindicação que fotógrafos como os que fundaram a Magnum insistiam em manter viva.

Pelo final dos anos cinquenta, começaram a notar-se os primeiros sinais de crise nas revistas ilustradas, provavelmente, como frequentemente é apontado, não só devido aos investimentos feitos no mercado publicitário televisivo em prejuízo das revistas como também à acção e emoção superiores do espectáculo televisivo. A Collier's encerra em 1957; a Picture Post no ano seguinte. Quinze anos passarão e será a vez das gigantes Look e Life.

A emigração para os Estados Unidos dos fotógrafos que haviam feito nome na Europa, a criação da Life, o sucesso da Vogue, introduzem elementos de originalidade e concorrência no fotojornalismo, cujas práticas e culturas se vão miscigenando. No final dos anos quarenta, a imprensa ilustrada começa a publicar regularmente fotografias a cores, obrigando as agências a adaptar-se a esta nova exigência do mercado. O movimento prosseguirá nos anos cinquenta e sessenta, com o surgimento e/ou evolução de revistas como a Picture Post, a Paris-Match, a Fortune, a Look, a Réalités e a Der Spiegel. A concorrência aumenta, mas, de qualquer modo, e como sempre, a favor da obtenção do scoop fotojornalístico joga a sorte e a arte do procedimento: estar no momento certo, o tempo certo no sítio certo: é assim que a erupção vulcânica na Ilha Terceira, nos Açores, é fotografada apenas por um fotógrafo da Paris-Match, Guerard Gèry, em meia hora, a frequência de actividade do vulcão. Um caso nada abonatório para o fotojornalismo português.

Por outro lado, a partir do meio do século alguns fotógrafos começaram a abrir, com os seus trabalhos, novos espaços para a liberdade criativa em fotografia. Basta salientar Les Américains, de Robert Frank (1958). O estatuto económico e social dos fotojornalistas começa também a melhorar no pós-guerra. E, após a fundação da Magnum, em 1947, os fotógrafos começam a revivindicar a propriedade dos negativos e um maior controle sobre a edição do seu trabalho.

As ideias de emancipação correspondem, de alguma forma, ao estatuto de independencia que os fotógrafos já tinham possuído no século XIX. As agências de fotógrafos como a Magnum e o estatuto de freelances que alguns vão preferir possibilitarão também uma maior liberdade de criação e actuação. Tal permitirá, por seu turno, alguma projecção do projecto fotográfico independente a médio e longo prazo. O caso de Eugene Smith, que, com grande prejuízo económico, abandonou a Life, em 1954, e viria a abandonar a própria Magnum, é sintomático e inscreve-se nessa "cruzada" pela busca de formas de expressão fotográfica mais profundas que alguns fotógrafos iniciaram (Smith veio a passar quase vinte anos na obscuridade, trabalhando sobre a cidade de Pittsburgh, até à realização de Minamata). David Douglas Duncan também romperá com a Life, em 1955, para se tornar freelance, publicar livros e desenvolver um projecto intimista sobre a vida de Picasso, na casa do pintor, em Vauvenargus. A isto acresce o impacto do livro de Cartier-Bresson The Decisive Moment (1952). Ele é tal que contribui para elevar um certo fotojornalismo à categoria de arte. A actividade irá, assim, expor-se mais e ser estudada com maior rigor e sistematicidade, tendo chamado a atenção dos críticos e dos académicos.

Na mesma altura em que o efeito Robert Frank alastrava, minando a noção de acontecimento de interesse fotojornalístico e desviando o foco de atenção das pessoas (Fig. 29), algum fotojornalismo desvia a atenção para as organizações, as lutas cívicas americanas, as empresas e os subúrbios das grandes cidades. A Fortune e o trabalho paradigmático que Dan Weiner realizou para essa revista até ao ano da sua morte, em 1959, são exemplares: Weiner, dentro do espírito da candid photography, consegue representar no espaço fotográfico o que ele parece considerar como contradições do consumismo, através de fotos de discordâncias e ambiguidades, como um desfile de moda num comboio suburbano ou um vendedor de detergentes agitando as prateleiras de um supermercado.

Entre as agências noticiosas com serviço de fotonotícia inicia-se, nos anos cinquenta, uma era de intensa competição: a United Press International (UPI), por exemplo, surgiu como um competidor de importância significativa da Associated Press, como resultado da participação da Hearst's International News Service e da ACME Photo Agency. Começa então uma era de intensa competição na tecnologia fotográfica entre a AP e a UPI.

Durante a Guerra Fria, os news media foram também palco das lutas político-ideológicas, mas igualmente surgiram como o "quarto do poder"(179), isto é, como o local onde se joga grande parte das guerras políticas, mesmo ao nível interno. No Leste, as fotografias dos líderes são reproduzidas muito ampliadas enquanto os dirigentes caídos em desgraça são apagados das fotografias oficiais. Noutros casos, colocam-se pessoas nas fotos, como Estaline a falar com Lenine, pouco antes da morte deste. No Ocidente, entre vários casos conhecidos, em 1951 o senador Millard Tydings perde o lugar provavelmente devido à difusão de uma fotografia truncada em que se via Tydings a conversar com o líder comunista americano, Earl Brownder (é a ideia da objectividade, veracidade e realismo da imagem fotográfica a funcionar para o senso comum); e um jornal tão "insuspeito" como o The New York Times não se coibiu, a 5 de Outubro de 1969, de seleccionar de um álbum de David Douglas Duncan as fotografias em que Nixon surgia com as piores expressões para minar a campanha republicana à presidência dos EUA. Do mesmo modo, o Paris Match publicou, em Junho de 1966, uma foto-reportagem com fotografias encenadas sobre o alegado regresso do nazismo à antiga República Federal da Alemanha.(180) Pelo que se vê, a fotografia influencia e propicia crenças, por vezes substituindo mesmo o consumo das crenças tradicionais.(181)

Há outros pontos interessantes no que respeita aos cenários de desenvolvimento do fotojornalismo no pós-guerra e anos posteriores. Trata-se da expansão (a) da imprensa cor-de-rosa, que faz sonhar, (b) das revistas eróticas "de qualidade", que exploram simultaneamente o desejo sexual e a promoção social, como a Playboy (1953), de Hugh Hefner, (c) das revistas ilustradas especializadas em moda, decoração, electrónica e fotografia, entre outros temas (que, em muitos casos, sobreviverão, apesar da concorrência da televisão, como a Photo, apesar de se notar uma mudança de conteúdos e de grafismo) e (d) da imprensa de escândalos, através da qual se exerce uma certa vendetta social. A imprensa de escândalos e a imprensa cor-de-rosa vão fazer surgir, nos anos cinquenta, os paparazzi, fotógrafos especialistas na "caça às estrelas", tornados tristemente célebres após a morte da Princesa Diana, que se servem dos mais variados expedientes para obter fotografias tão sensacionais quanto possível de gente famosa.

Por outro lado, estamos convencidos que a aparição de todos esses tipos de imprensa constituiu um dos motivos para (a) a disseminação e banalização da foto-ilustração (sobretudo a nível do glamour e do star system, entendido de forma alargada, isto é, incluindo os políticos e o institiucional), que veio a contaminar os jornais e revistas "de qualidade", bem como para (b) o fomento do uso da teleobjectiva (que permite ao fotojornalista um maior afastamento —descontextualizante?— da acção) e para (c) o recurso a técnicas de estúdio, mesmo no campo do que de uma forma muito vasta poderíamos designar por fotojornalismo.

O World Press Photo é criado em 1956, mostrando não só a importância que os fotojornalistas e, de uma forma geral, o meio jornalístico, votavam à profissão de foto-repórter, mas também que havia a necessidade de espaços que propiciassem a reflexão em torno da foto-press. As categorias premiadas, além da foto do ano (repare-se no valor do instantâneo, da fotografia única), são: Quotidiano, Retrato, Desporto, Natureza, Artes, Ciências, Instantâneos, Reportagens e Features.

Apesar do renome desse grande concurso, por uma observação breve deduz-se que grande parte das fotografias premiadas com o título de "foto do ano" se relacionam com a violência bélica, mas que outros tipos de representações da violência estão ausentes: os crimes comuns, os suicídios, a pobreza ou a violência nos subúrbios. Parece verificar-se que há uma violência que colhe frutos editoriais e outra que não. Assim, podemos concluir que as políticas editoriais e de empresa (lucrativa) conformam a produção fotojornalística e que os concursos internacionais, como o WPP, em parte, podem reflectir uma certa interiorização cultural-profissional desses padrões editoriais e dessas políticas de empresa, privilegiando-os. Além disso, a similiaridade das "fotos do ano", pelo menos temática, mas também nos conteúdos (veja-se, por exemplo, a valorização das expressões significativas dos rostos), poderá ser um traço da transnacionalização do fotojornalismo e da sua transculturalização, até porque as fotos são realizadas por fotógrafos de vários países.

Concretizando, numa breve visualização global é notória —nas "fotos do ano" do World Press Photo— alguma similitude nos enquadramentos, nos pontos de vista e nas abordagens, na submissão da informação ao terror, na exploração do tabú da morte como instrumento da luta concorrencial, o que poderiamos classificar de fotonecrofilia (noutras categorias a concurso as coisas já não são assim). O sexo, tabú que alguma imprensa tem começado a explorar de há alguns anos para cá como factor susceptível de elevar as audiências —sobretudo por escrito, mas, por vezes, com imagens—, também está estranhamente ausente do World Press Photo. É, aliás, um pouco estranho que o sexo seja tratado nas sociedades ocidentais com maior pudor do que a violência. A abordagem do sexo é, inclusivamente, centrada nos escândalos sexuais e similares e na vida sexual de algumas figuras públicas, mas as perversões são ainda um tema proibido.

A edição de livros fotográficos anima-se também no pós-guerra. Mas, na linha dos livros anteriores, as novas edições que sustentam verdadeiramente uma visão inovadora e criadora no campo da fotografia tratam-se de trabalhos voluntaristas sobre um tema ou um objectivo preciso. Neste contexto, dos anos vinte aos anos setenta pode estabelecer-se uma relação entre Sander, que publicou Antlitz der Zeit, em 1929, Germaine Krull (Cent fois Paris, 1929), Erich Solomon (Beruhmte zeitgenossen im unbewachten augenbliken, 1931), Brassaï, (Paris de nuit, 1933), Weegee (Naked City, 1936), Evans e Agee (Let Us Now Praise Famous Men, 1941), Henri Cartier-Bresson (Images à la sauvette — The Decisive Moment, na versão anglo-americana, 1952), William Klein (New York, 1956), Robert Frank (Les Américans, 1958) e Lee Friedlander (Self-Portait, 1970).

Em 1967, é apresentada em Nova Iorque a exposição Concerned Photographers, na linha da The Family of Man. Esse termo apareceu, em 1966, sob impulso do irmão de Robert Capa, Cornell Capa (1918-), também ele da Magnum. Cornell Capa fundará, um ano depois, o International Center of Photography, que organizou o referido certame. Pela primeira vez, Bishof, Kertész, Capa, Leonard Freed, Dan Weiner e David "Chim" Seymour foram reagrupados numa tradição que, na fotografia de notícias, prolonga um certo humanismo. Em 1973, o Centro apresentou a segunda exposição, em Jerusalém, reunindo fotografias de Don McCullin, Gordon Parks, Eugene Smith, Hiroshi Hamaya, Marc Riboud, Ernst Haas, Bruce Davidson e Roman Vishniac. Estes nomes reuniram-se aos primeiros enquanto nomes relevantes da tradição fotográfica humanística.

A emergência de várias agências fotográficas, que, em alguns casos, também se dedicam à distribuição dos produtos de outras agências, contribuiu para a despersonalização estilística e para a aquisição de um estatuto de natureza informativa que se nota em grande parte da fotografia de imprensa contemporânea (e que, devido à credibilidade de que esta goza, facilita a manipulação através, por exemplo, de fotos truncadas). Todavia, a esta linha evolutiva há que contrapor a reacção das agências e outros órgãos de comunicação social que cultivam o fotojornalismo de autor, de que a Magnum é exemplo.



Os fotógrafos

Além de fotógrafos como Capa e Cartier-Bresson, activos já antes da Segunda Guerra Mundial, uma mão-cheia de fotógrafos de grande valor revelou-se nos tempos conturbados da guerra e do pós-guerra, até que, por alturas da eclosão do conflito no Vietname, se pode falar de uma nova revolução no fotojornalismo. Entre estes fotógrafos avultam, por exemplo, os nomes de Eugene Smith (Fig. 30), Werner Bichof (1916-1954) (Fig. 31), Bruce Davidson (1933-), Tony Ray-Jones (1941-1972), William Klein (1928-), Elliott Erwitt (1928-) (Fig. 32), Marc Riboud (1923-) (Fig. 33) ou Garry Winogrand (1928-1984). E, num campo que se situa entre o fotodocumentalismo —apontando já para o moderno documentalismo fotográfico— e a criação artística encontram-se os trabalhos das retratistas Lisette Model (1906-1983) e Diane Arbus (1923-1971).

Eugene Smith começou a fotografar em 1938, ano em que ingressa na agência Black Star, onde permaneceu até 1943. Nos anos da Segunda Guerra Mundial, fotografou as operações no Pacífio para as revistas Flying e Life, sendo ferido com gravidade. Optando pelo que podemos considerar uma fotografia moral, ele tornou-se depois num dos grandes expoentes do foto-ensaio, que usou como um género capaz de dar expressão significativa à experiência humana.

Realmente, a vida e a obra de Eugene Smith são tão indissociáveis como modelares para o fotojornalismo moderno. A sua educação católica fê-lo fazer da fotografia uma arma para a remissão dos pecados do mundo, enquanto despertadora das "boas consciências", mesmo na sua produção de guerra. Chegou a ingressar na Magnum, em 1955, uma agência conhecida pela exigência que põe no controle dos fotógrafos sobre a edição dos seus trabalhos, mas demitiu-se da mesma três anos mais tarde para se tornar fotógrafo colaborador da cooperativa. Preferiu trabalhar como freelance.

Íntegro, moralista, profundamente humanista, Smith fundiu estes traços do seu carácter em fotografias cheias de força expressiva e rigorosismo formal, que roçam o lirismo, a poesia, o drama, e que evidenciam o perfeccionismo técnico do seu autor. Cada um dos seus trabalhos enquadra-se no género do foto-ensaio, combinando imagens, texto e grafismo em abordagens dramáticas, mas multifacetadas, dos temas, tentando sempre colocar o ser humano no centro do (seu) universo, representando a diversidade e a complexidade das experiências humanas dentro dos seus contextos. A grande força da sua fotografia talvez tenha mesmo a ver com a presença forte e com a dignidade com que conseguia representar os seres humanos, mesmo em situações de sofrimento, ocasiões em que "aprisionava" a emoção e a atmosfera dos acontecimentos.

Foi na Life —onde se manteve até 1954— que Smith se tornou notado. A vida do dr. Ceriani ganha credibilidade no foto-ensaio "Médico de Província" (1948). Em "Enfermeira-parteira" (Nurse Midwife), de 1951, manifestou-se contra os preconceitos racistas na Carolina do Sul e o seu trabalho possibilitou a construção de um dispensário para a enfermeira retratada, Maude Callen. Para realizar "Aldeia Espanhola" (Spanish Village), em 1950, viveu durante um ano na povoação de Deleitosa. Neste trabalho, apesar de privilegiar a beleza clássica, consegue erigir uma crítica demolidora do franquismo. Spanish Village, porém, é interessante por outro motivo: recentemente, alguns dos habitantes da aldeia revelaram que Smith teria pago a alguns deles para posarem, encenando situações habituais da vida da localidade. Um dos eventos que Smith fotografou foi o velório de um homem que, apesar de extremamente doente, ainda estaria vivo quando foi "velado". A foto seleccionada do velório para o foto-ensaio, não obstante a sua beleza, devida aos fortes, mas equilibrados, contrastes tonais, desencadeou um processo que demonstra a força da imagem fotográfica: uma das raparigas presentes, de elevada beleza, veio a receber pedidos de casamento de todo o mundo, tendo de tal modo a sua vida simples sido afectada que há dois ou três anos atrás vivia ainda solteira.

Em 1955, Smith começou um grande projecto sobre Pittsburgh, na Pensilvânia, que o esgotou e lhe trouxe graves problemas financeiros. Em 1957, instala-se num atelier próximo do Mercado das Flores, em Manhattan, fotografando o que observa da janela. Finalmente, depois de vários outros trabalhos, entre 1971 e 1975 Eugene Smith desenvolveu o seu último grande projecto, que permanece como um dos marcos de sempre do fotojornalismo e fotodocumentalismo mundiais: Minamata. As suas fotografias da vida de uma aldeia piscatória japonesa vítima da poluição criminosa por mercúrio, entre as quais a impressionante Tomoko [uma menina deficiente devido às alterações genéticas motivadas pela acumulação de mercúrio] Banhada Pela Sua Mãe (1972), transformaram-se num dos manifestos ecológios e humanistas que mais difundido foi no planeta, funcionando como lições sobre o que são a justiça e a injustiça.

Smith vivia frequentemente com as pessoas e como as pessoas que fotografava, para delas melhor se poder aproximar, para haver menos reacções à sua presença e para conseguir perceber a sua cultura e a sua história, e, assim, também as suas mundivivências e mundividências. Este método de "anulação" do fotógrafo é, aliás, frequente nos documentalistas. Salgado, por exemplo, tenta praticá-lo, tendo já sido visto, em Portugal, a fazer uma peregrinação a pé a Fátima para melhor fotografar os peregrinos. As expressivas fotografias de Eugene Smith, tal como as de Salgado, anos mais tarde, mostram as pequenas epopeias do quotidiano dos desconhecidos de uma forma tal que estimulam a compreensão.

O suíço Werner Bischof, que envereda pelo fotojornalismo em 1945, altura em que faz um grande trabalho de reportagem pelos países destruídos pela guerra, foi um explorador do contexto e da beleza: através do belo e do culto da luz fez compreender o sofrimento do outro de forma pouco brutal. Humanista, a sua fotografia tem o condão de colocar o observador ao lado dos deserdados do mundo. O seu trabalho foi interrompido muito cedo, com uma morte "em serviço", nos Andes peruanos, em 1954, quando se dedicava a fotografar a América do Sul, após ter fotografado a guerra na Indochina francesa para o Paris Match, em 1952.

Entre 1951 e 1952 Bischof realizou aquela que é provavelmente a sua reportagem mais célebre: Fome na Índia. Como Smith e, mais tarde, como Salgado fará, Bischof conseguia embelezar o horrível, tornando-o suportável. Recusando a estética do horror, a força da fotografia de Werner Bischof reside, em grande medida, na clareza e na sensibilidade que enformam o seu olhar analítico e atento sobre o mundo.

Já Bruce Davidson, activo a partir de 1956, orientou a sua produção para o fotojornalismo social, ou, talvez mais precisamente, para o documentalismo social, em projectos de longa duração, nos quais a efemeridade dos instantes se atenua face à perenidade da vida representada nas várias imagens de uma foto-reportagem. Os instantes "apreendidos" nas suas foto, porém, traduzem uma atenção selectiva, uma grande capacidade de análise do real social, que desemboca no detalhe significativo: as mãos, o palhaço que dá uma passa no seu cigarro, os namorados num banco. Sem chocar, Davidson colocava-se ao lado dos desprotegidos ou marginalizados, como os negros americanos (Black Americans, 1962-63), tratando os seus sujeitos com grande rigor moral.

Como Doisneau para os franceses, Tony Ray-Jones foi um fotojornalista inglês à inglesa. Na sua breve obra, desenvolvida nos anos sessenta, e por vezes carregada de ironia e de humor britânico, ele representa o espírito e a mentalidade dos ingleses pela atenção que dá aos seus comportamentos individuais e colectivos, bem como aos gestos dos sujeitos fotografados, que parecem teatrais ou excêntricos. Num estilo onde se mesclam influências de Frank e Brandt, Ray Jones fotografa com humor, por vezes recorrendo à encenação, as pessoas empenhadas nas tarefas diárias, tarefas estas que, por força da acção do fotógrafo, surgem como estranhas, sem sentido ou até absurdas ao olhar do observador. O conteúdo torna-se, assim, mais importante do que a forma, sem que esta seja negligenciada.

Um fotojornalista que se tornou notado como perseguidor de uma estética individual foi William Klein. Grandes-angulares, flashs brutais, filmes hipersensíveis, grandes planos à queima-roupa fazendo o enquadramento cortar os sujeitos, de tudo usou Klein ao propor, nos anos cinquenta, um estilo dominantemente figurativo que rompia com todos os modelos do seu tempo, incluindo a reportagem. Frequentemente, nota-se na fotografia dos anos cinquenta de Klein uma tentativa de fixar o traço das formas geométricas em movimento. As suas fotos desta época são, na maioria, fotos dinâmicas de certos momentos, mesmo parados. Outras vezes, evidencia-se nelas uma certa rugusidade. As aportações brutais dos instantâneos fotográficos de Klein traduzem, ao fim e ao cabo, uma aproximação possível ao mundo violento em que vivemos.

Klein trabalhava frequentemente na rua, tentando passar despercebido. A partir de 1955, passou a trabalhar para a Vogue, dedicando-se à fotografia de moda e publicitária. É, porém, importante considerar que muitos dos fotógrafos de moda podem ter influenciado o fotojornalismo, e vice-versa, até porque muitos fotojornalistas fizeram ou fazem também fotografia de moda e publicitária: Richard Avedon (com as suas fotos de moda em ambientes da vida mundana ou quotidiana), Helmut Newton (que apresenta a mulher em situações que frequentemente roçam a pornografia) e Irving Penn (a naturalidade do gesto) foram alguns deles. Avedon mostrou-se também um hábil retratista que busca a identidade dos fotografados colocando-os em atitudes de oposição ao fotógrafo sob fundos neutros. Estes obrigam o observador a concentrar-se no sujeito representado e na descoberta da sua personalidade, desvelada camada a camada pela constância na observação. Outras vezes, retrata os sujeitos captando-lhes expressões caricaturais.

Entre os fotojornalistas-retratistas cujos trabalhos se tornam conhecidos sobretudo no pós-guerra avulta igualmente Philippe Halsman (1906-1979), um especialista do retrato psicológico, que nos presenteou com fotos de expressões inesquecíveis de Churchill, Einstein, John F. Kennedy ou Marilyn Monroe. A sua especialidade, porém, foram retratos dos sujeitos a saltar — o desequilíbrio do salto despojaria-os das suas posturas mais artificiais, funcionando como um tempo de libertação.

Um outro nome a reter no "fotojornalismo" de retrato é Arnold Newman (1918). Newman explora a personalidade do retratado pela natureza do ambiente em que esse se insere e pelo uso expressivo de objectos identificativos, que não raramente se sobrepõem ao sujeito.

Na fotografia documental do pós-guerra, é justo referir os trabalhos de Garry Winogrand. Este fotógrafo foi um dos aderentes à revolução que Robert Frank protagonizou na fotografia, quando lançou The Americans. Assim, entre os anos sessenta e oitenta, Garry Winogrand tentou realizar snapshots, instantâneos de momentos inconsequentes que simbolizam a sua visão da sociedade, por vezes com humor e ironia, como acontece nas fotos que realizou em cemitérios e em jardins zoológicos e que insere em The Animals. Neste caso, Winogrand explorou, por exemplo, as semelhanças aberrantes, mais inquietantes que humorísticas, entre vários animais e certos seres humanos, que surgem juntos nas fotos de forma a poderem ser comparados. Noutra série, Women are Beautiful, o fotógrafo explora o tema "mulheres", fazendo, ocasionalmente, sobressair as suas contradições e a oposição entre a sua beleza e a miséria. Em ambos os projectos, Winogrand revela-se um experimentalista, testando novas composições e recorrendo à grande angular.

Nos anos sessenta, Leonard Freed, da Magnum, publica Black in White America (1969), reunindo um conjunto de fotos que impressionam pela efemeridade das expressões dos rostos e pelas composições que os corpos estruturam no espaço. Em 1980, editará Police Work. A cobertura da guerra do Kippour, do lado israelita, veio a constituir outro ponto central do seu trabalho.

Apesar de não ser um documentalista puro, Elliott Erwitt viria, com humor, a fazer algo parecido ao que fez Winogrand, mostrando a similitude entre muitos comportamentos e gestos dos animais (representados, assim, de forma algo antropomórfica) e dos humanos, com uma ironia doce, como se o mundo não passasse de um palco para a comédia da vida. De facto, as suas fotografias mais famosas são, provavelmente, aquelas em que cães e pessoas se misturam de forma quase incongruente, mostrando que ninguém está a salvo do ridículo, mas também estimulando uma inquietude orientada, porém, para o humor.

As fotos de Erwitt, pessoalizadas e emotivas, apelam ao divertimento, através do riso ou sorriso que o inesperado ou as coincidências suscitam. Frequentemente, explora a inocência das atitudes ou regista com humor os tiques da civilização de uma forma tal que nos faz duvidar das nossas próprias convicções.

Marc Riboud é um fotógrafo filiado simultaneamente na tradição de Capa e de Cartier-Bresson. A Capa foi buscar a noção de que seria necessário a um bom fotojornalista estar no momento certo no local certo, que é sempre perto do acontecimento. A Cartier-Bresson foi buscar o conceito do "instante decisivo". Desta forma, Riboud não só procurou estar "lá", "em cima do acontecimento", como nas suas fotos do Maio de 68, em Paris, mas também (re)encontrar na realidade geometrias significantes, captar os instantes em que a ordem irrompe no caos, como se torna saliente nas suas famosas séries sobre a China (1957, 1971 e 1994-95) e na que é provavelmente a mais famosa das suas fotografias: o poder das armas contra o poder da flor. Ao fim e ao cabo, Riboud, como René Burri, o mais antigo fotógrafo da Magnum em actividade, procurou encontar equilíbrios entre a forma e o sentido, na grande tradição da fotografia documental. Outro traço interessante da sua obra é que, a par James Cameron, Riboud foi um dos fotógrafos ocidentais que cobriram a guerra do Vietname do lado do Norte.

Lisette Model (1906-1983) fixa-se sobretudo nos "tipos" humanos excessivos, transbordantes, rompendo o enquadramento (que parece não chegar para eles), rumo ao fora de campo. Diane Arbus (1923-1971), por seu turno, realiza um "álbum" de retratos psicológicos, sem artifícios, em que é representada uma grande panóplia de pessoas representativas da cultura suburbana americana e das culturas marginais: nudistas, toxicodependentes, prostitutas, deficientes mentais encerrados em asilos, frequentadores de hóteis sórdidos, famílias da classe média, prostitutas e travestis, entre muitos outros exemplos, alinham-se na "montra" da "galeria" de Arbus, geralmente em planos frontais, por vezes posados, e iluminados por frechadas imoderadas do flash. Paradoxalmente, na fotografia de Diane Arbus os "instalados" são representados de forma algo ridícula, nem que seja por um trejeito no semblante, enquanto os deserdados do sistema, "a outra metade", são-no numa perspectiva dignificadora. Arbus foi uma das influenciadoras do actual momento fotográfico documental. Algumas das suas ideias, pelo menos temáticas, notam-se, por exemplo, em Mary Ellen Mark, Bruce Davidson ou Eugene Richards.

Ainda nos anos sessenta, o japonês Shomei Tomatsu fotografa, no seu país, os traços de uma cultura tradicional confrontada e ameaçada pela cultura dominante, de cariz americano.

Laura Gilpin (1891-1979) começa, em 1946, um levantamento documental dos índios Navajos, que prolongará até 1968.

Na URSS, emergem também uma série de fotógrafos de renome no pós-guerra, como Semen Fridland e Dmitrij Baltermane.

Em 1956, Mario de Biasi, com algum perigo, fotografou a sublevação húngara e a resistência dos húngaros, em camisa, aos tanques e tropas do Pacto de Varsóvia.

Bill Owens (1938-) guarda na sua obra a tradição da reportagem clássica, mas viva. Em Suburbia, um trabalho de 1973, ele conseguiu mostrar a ambiguidade humana dos pequenos burgueses dos subúrbios das grandes cidades.



A Magnum

Durante dezenas de anos, a questão da propriedade dos negativos foi dominantemente percepcionada de forma a remetê-la para o contratante do fotógrafo. Entre outros casos, no grande projecto Farm Security Administration, por exemplo, os negativos pertenciam ao Estado contratante, apesar dos protestos e atitudes de Langue ou Evans. Só em 1947 é que, pela primeira vez, um grupo de autores-fotógrafos exigiu não apenas a propriedade dos negativos mas também o direito à assinatura, o direito ao controle da edição do seu trabalho à escala internacional e "ter tempo" para trabalhar nos projectos fotográficos que frequentemente seriam propostos por eles próprios. Nesse ano, em torno destes pontos de vista, um núcleo duro de uma geração de ouro do fotojornalismo —Robert Capa, David Seymour (Chim), Henri Cartier-Bresson, George Rodger— fundou a Agência Magnum Photos. O significado do acto torna-se claro: o fotógrafo afirma-se como um mediador consciente e não mais um ser resignado.

A Magnum surge também como uma reacção à subalternização dos fotojornalistas num quadro de jornalismo subjugado ao poder e de desenvolvimento de relações de interesse entre os poderes e os news media. A fundação da agência é um dos indícios que permitem notar a evolução do jornalismo para um modelo de tipo cão-vigia. Não obstante, 1947 foi também o ano em que o secretário da Justiça dos Estados Unidos classificou a Liga Fotográfica Americana, que nascera nos anos vinte, como organização subversiva. Aliás, em 1951, a Liga morrerá, com o Macarthismo.

Reunir personalidades tão diferentes, mas tão vincadas, como a dos fundadores da Magnum foi difícil. Provavelmente, tal só foi possível devido à sintonização que o judeu polaco fascinado pelo Vaticano, Chim, e o britânico humanista, Rodger (que abandonou momentaneamente a fotografia depois de se ter descoberto a fazer composições com os cadáveres no campo de concentração libertado de Bergen-Belsen), conseguiam fazer entre o audacioso caçador de imagens Robert Capa e o rigoroso Cartier-Bresson(182). De qualquer modo, vai ser às fortes personalidades e à diversidade de autoria que a agência, quanto a nós, vai buscar força e riqueza. Estamos convencidos que, ao contrário do que alguns argumentam, se a Magnum de hoje enfrenta problemas, provavelmente isso deve-se mais ao aspecto económico do que às personalidades expressas quer na fotografia quer na afirmação de posições sobre o rumo que a cooperativa deve tomar.

A agência Magnum foi organizada como uma cooperativa de fotógrafos. No início dos anos setenta, a Magnum surgia, com a Gamma, a Sygma e a Contact, no topo das agências especializadas ou que possuiam serviços especializados em fotojornalismo. Por essa década, cada uma tinha já cerca de um milhão de negativos em arquivo.

A Magnum é, talvez, a mais mítica das agências fotográficas, pela qualidade fotográfica, pela fotografia de autor, pela integridade moral e humanista dos seus fotógrafos e fotografias e pelo espírito que roça a anarquia. Além dos fundadores, por lá passaram também outros fotógrafos importantes: Werner Bischof, Ernst Haas e Gisèle Freund (uma excelente fotógrafa mas também uma das mais importantes estudiosas da fotografia, doutorada em Sociologia com a tese La Photographie en France au Siécle XIX) juntaram-se à agência em 1949. Entre 1951 e 1958, ingressaram na agência, entre outros, Eve Arnold, Erich Hartmann, Erich Lessing, Dennis Stock, Kryn Taconis, Jean Marquis, Burton Glinn, Elliott Erwitt, Inge Morath, Marc Ribould, Wayne Miller, Brian Brake, René Burri (o fotógrafo que está há mais tempo na agência), Bruce Davidson e Cornell Capa, o irmão de Robert Capa, e que, anos mais tarde, fundaria o International Center of Photography, organismo devotado ao estudo, à divulgação e à premiação na área da fotografia. Cornell Capa, porém, sem deixar de ter como referente o interesse humano, não trabalha nos ambientes bélicos em que o irmão se distinguiu.

Depois dessas vagas, muitos outros fotógrafos se associaram à agência: Don McCullin (que viria a demitir-se da agência), Philip Jones Griffiths, Larry Towell, James Nachtwey, Eugene Richards, Abbas, Guy Le Querrec, Mary Ellen Mark (que abandonaria a agência em 1981, para fundar a Archive Pictures), Susan Meiselas, Raymond Depardon, Bruno Barbey, Carl de Keyser e Sebastião Salgado são alguns dos que o fizeram. Com o indiano Raghu Raï (1942-), o japonês Hiroshi Hamaya (1915-) ou o americano Leonard Freed (1929-), mantêm viva a tradição da reportagem e do ensaio de projecto. As reportagens de Freed sobre a polícia em Nova Iorque são um dos exemplos que poderiamos citar.

Pelos meados dos anos cinquenta, a Magnum atravessou períodos difíceis, devido à morte em serviço de fotógrafos como Bischof, nos Andes, Capa, na Indochina, e David Seymour ("Chim"), na campanha pelo controle do Suez, em 1956… O mesmo Seymour que, anos antes, tinha realizado uma série de fotografias de crianças, reveladoras de ternura e compaixão.

Para a "elite Magnum", o fotojornalismo não é apenas uma forma de ganhar dinheiro. Querem controlar o uso que é dado às suas fotos, sem, com elas, se escusarem a interpretar o mundo como o percepcionam. São partidários, pois, de uma certa qualidade fotográfica e da fotografia (humanista) de autor. Da possibilidade de o fotógrafo escrever com imagens que acentuem o seu ponto de vista. Do nosso conhecimento, há até um caso recente que se passou em Portugal de controle dos fotógrafos da Magnum sobre a edição do seu trabalho: o Expresso, em 1991, iniciou a publicação de uma série de portfolios destacáveis do projecto Trabalho, de Sebastião Salgado. A paginação foi feita com a introdução de publicidade pelo meio das fotos e textos. Salgado obrigou a modificar a paginação, de forma a que a publicidade não se introduzisse no ensaio. A solução encontrada foi introduzir a publicidade entre dois portfolios. Tal dá também a ideia do poder que têm fotógrafos da dimensão de Salgado que se associam determinados em controlar a edição das suas obras.

Nos dias que correm, a Magnum, porém, enfrenta alguns desafios: há fotógrafos que ganham mais do que outros, fotógrafos que aceitam encargos comerciais e publicitários (de qualidade e originais) enquanto outros criticam tal prática, e há discussões sobre a selecção fotográfica para a edição de livros colectivos e individuais e para uma das actividades em que a agência actualmente investe indisfarçadamente — as exposições. A Magnum talvez já não seja a "família" que pretendia ser aquando da sua fundação, apesar da anarquia "familiar" numa agência em que quarenta personalidades fortes de ideias muito definidas querem "mandar". Além disso, como a agência vive, principalmente, da riqueza da fotografia de autor e dos projectos individualmente apresentados, e como cerca de 50% dos ganhos dos fotógrafos são para a agência e há fotógrafos que ganham pequenas fortunas e outros ganham pouco, alguns podem abandonar a agência por motivos económicos. O economista Salgado já o fez, em 1995, para fundar a sua própria agência e gerir os seus negócios.

Actualmente, a Magnum tem cerca de 40 sócios, quatro candidatos associados, dois nomeados, dez colaboradores e quatro correspondentes. A agência tem escritórios em Nova Iorque, Paris, Londres e Tóquio. Para se ingressar na agência e se ir progredindo até se atingir a qualidade de membro vitalício, é necessário apresentarem-se vários portfolios de elevada qualidade e ser-se reconhecido pelo trabalho desenvolvido. Quer a adesão quer a progressão na "carreira" são votadas pelos fotógrafos sócios, e em certas votações é necessário assegurar maiorias de dois terços.

Algumas das fotografias mais notáveis do século são de fotógrafos da Magnum e fizeram história: o Dia D, de Capa; a foto de Jackie Kennedy no funeral do marido, de Elliott Erwitt; as margens do Marne, de Cartier-Bresson; o levantamento do Islão e do Catolicismo no mundo, de Abbas; a foto de James Dean, de Dennis Stock; a Primavera de Praga, de Koudelka; o Vietname, de Griffiths; as minas da Serra Pelada, de Salgado; a home front britânica na II Guerra Mundial e a tribo africana dos Nubas, de George Rodger (que, por se julgar insensível à morte, procurou realizar, após a Segunda Guerra, estudos fotográficos sobre civilizações da África Ocidental); as fotos intimistas e exploradoras da personalidade de Marilyn Monroe durante a rodagem de Os Inadaptados, de Eve Arnold; a fome na Índia, de Bishof; ou as fotos de Ingrid Bergman em Difamação, de Robert Capa. Entre inúmeras outras imagens da Magnum, estas são fotos que contribuiram mundialmente para a construção de determinadas imagens mentais da história. O outro lado do cinema que os fotógrafos da Magnum mostraram ao mundo com a abordagem que fizeram da rodagem de Os Inadaptados é um exemplo eloquente: representa, um pouco, o canto do cisne por vedetas míticas. Foi o último filme de Marilyn e de Clark Gable, que morreram pouco tempo após as filmagens, durante as quais Montgomery Clift atravessou uma fase difícil.

Pese embora os prémios de "foto do ano" no World Press Photo de Larry Towell e James Nachtwey, desde meados dos anos oitenta talvez a Magnum tenha abandonado um pouco a cobertura da "actualidade", dedicando-se às exposições, à edição de livros e aos trabalhos para as empresas. Mesmo assim, a Magnum foi a agência em que Salgado empreendeu Fome no Sahel e Trabalho e Abbas se debruçou sobre a revolução iraniana e a África do Sul, o mesmo país onde Ian Berry denunciou o apartheid; foi a agência onde Susan Meiselas realizou uma invulgar reportagem sobre a revolução sandinista na Nicarágua, onde Bruno Barbey trabalhou sobre a Polónia do Solidariedade, onde Eugene Richards fez sentir os dramas humanos —como o da sua mulher— nos hospitais.

Como a Magnum, existem outras agências cujo objetivo principal é assegurar uma certa qualidade fotográfica, como a Network Photographers (Londres) e a Bildeberg (Hamburgo). A norte-americana Black Star orienta a sua produção num sentido mais comercial, mas sem perda de qualidade.

A Magnum pode parecer démodé, mas o que fez e faz é importante.
 
 

The Family of Man

Em 1955, Edward Steichen organizou a exposição itinerante The Family of Man, celebrando a fotografia humanista universal(ista) dos concerned photographers. Tendo estado inicialmente patente no Museum of Modern Art, de Nova Iorque, veio a percorrer "todo o Mundo", causando um forte impacto e, nalguns casos, críticas sobre a alegada "estreiteza" de pontos de vista e o carácter ideológico da exposição. Roland Barthes foi um dos que as fez. Vincou mesmo, no seu livro Mythologies, lançado em 1957, que a exposição era, na sua essência, um sistema de reprodução de ideias-feitas e gerais, simples e estereotipadas, sobre a natureza humana.

Em qualquer caso, The Family of Man não deixa de corresponder à coroa de glória do fotojornalismo e do idealismo na fotografia humanista, que, na década de cinquenta, viviam anos de esplendor. Foi uma exposição cuja influência se nota, mesmo hoje, em fotógrafos como Salgado ou Richards, que recuperaram a tradição dos concerned photographers. E foi também uma exposição que concentrou as atenções e que, portanto, de um certo modo, prefigura a revitalização e o relançamento do fotojornalismo que ocorreu durante a Guerra do Vietname.

A exibição apresentava 503 fotografias dos dois milhões de fotos reunidas, de 68 países, sobre a vida do homem à superfície do planeta, desde o nascimento à morte, passando pela juventude, pela idade adulta e pela terceira idade, pelo amor e pelo trabalho, como num álbum de família. O objectivo de Steichen era mostrar que, ao fim e ao cabo, todos os seres humanos são iguais e devem auferir da mesma dignidade, que a vida era semelhante em toda a Terra e que os seres humanos eram uma grande família.

Para que a grande mensagem humanista da exposição produzisse efeito e se tornasse clara, as imagens, seleccionadas pelo seu valor simbólico (como acontece na foto de um menino dormindo numa clareira de um bosque, de Wynn Bullock, que simbolizava a criação) foram agrupadas num circuito sintáctico que fazia o observador percorrer as etapas da vida. Além disto, por vezes, repetiam-se ritmadamente algumas imagens-chave e, com frequência, as fotografias foram mais ou menos ampliadas em função, respectivamente, do seu valor épico ou, ao invés, intimista. De qualquer modo, no sistema significativo da exibição as fotografias foram complementadas com texto, o que demonstra bem as incapacidades ontogénicas das primeiras.

A exposição começava com uma foto de água e céu a que foram apensos textos religiosos relativos à criação do mundo: não havendo fotografias de grande parte dos tempos em que a vida decorre na Terra, as imagens evocadas teriam de ser as literárias. Depois, sucedia-se-lhe uma foto de um nascimento, seguida de fotos de mães de vários pontos do Planeta com os seus filhos e de fotos de crianças mais crescidas, de vários locais, jogando e aprendendo. Várias famílias de diferentes nacionalidades eram mostradas no sector seguinte da exposição, com os retratados fotografados com expressões suaves. Seguidamente, era a vez do trabalho e da alimentação no mundo. A seguir vinham as fotos dedicadas à educação e à ciência, cuja série terminava com uma foto inquietante, mas esperançosa, de uma cidade alemã destruída, onde uma criança, dirigindo-se para a escola, mostrava que, apesar da estupidez assassina do Homem, nunca é tarde para recomeçar. A secção posterior dizia respeito à solidão humana, nos seus variados aspectos, e depois surgiam as fotos representativas dos tempos difíceis que a humanidade vivia (e vive) um pouco por todo o lado: fome, tirania política, etc. As duas secções seguintes contrastavam, já que a primeira respeitava ao sufrágio universal e a segunda à guerra. Nesta última eram apresentadas uma foto de um soldado morto numa trincheira durante a Segunda Guerra e uma foto da explosão de uma bomba de hidrogénio — a mensagem era clara. Nesta altura, o observador já estava perto do final, que atingiria após percorrer os sectores dedicados à vida em comum e às Nações Unidas. A penúltima imagem tratava-se de um retrato de Lewis Carroll da Alice da Alice no País das Maravilhas e a última era uma bela fotografia de Eugene Smith na qual duas crianças passeavam por um caminho frondoso, protegendo-se do sol.

As reacções ao tipo de documentalismo social evidenciado em The Family of Man levaram o fotojornalismo a abrir-se a novos temas (droga, ambiente, família…) e cânones estéticos mais "artísticos". De facto, a realidade social situa-se muito para além de um nascimento ou de uma morte geral e abstracta, e tem a ver com a justiça e as injustiças, com a desumanidade e humanidade, com o desenvolvimento e o subdesenvolvimento e com outros factores inumeráveis. As fotografias "belas" e habilmente dotadas de uma carga significativa, como as da exposição, e tal como Barthes faz notar na sua afirmação, correm o risco de bloquear a nossa imaginação, como a foto-choque faria à significação.

Face ao que foi dito, o uso da cor, no campo da renovação fotográfica pós -Family of Man, não é, assim, inocente, parecendo até que se procura encontrar para a fotografia uma linguagem específica da cor.

Outra das reacções à exposição foi a de Otto Steinert, que celebra uma fotografia subjectiva. Robert Frank começará, por seu turno, as suas deambulações pela América, promovendo a fotografia de viagem ao estatuto de autobiografia e de local onde se expressam mundividências, cruzando a visão pessoal com o documento e, de certa forma, emprestando às imagens fotográficas fixas uma narratividade cinematográfica.

No entanto, um livro com uma selecção de fotógrafos representados na exposição foi publicado e reeditado várias vezes. Alguns fotógrafos deram-se assim a conhecer, como William Klein, com um trabalho sobre Moscovo.

Por outro lado, na linha da tradição crítica desencadeada por Roland Barthes a propósito da The Family of Man, Victor Burgin, debruçando-se sobre as relações entre a arte e a linguagem, viria a demonstrar, como o faria Barthes na revista Communications, que existiam uma série de mecanismos que dariam sentido à imagem; e Susan Sontag, em On Photography (Ensaios Sobre Fotografia), tornou explícito o que se intuía: a recorrência a esses mecanismos está longe de ser inocente. Aliás, depreende-se das palavras de Sontag que toda a foto é um pouco surrealista: mesmo a fotografia de família comum, ingenuamente espontânea, mas presa a convenções estreitas, seria uma entidade bizarra.
 
 

1958: Frank e Les Américans

Robert Frank (1924-), um suíço, foi para os Estados Unidos em 1947. Colaborou com a Harper's Bazar até 1948, ano em que, como freelance, alarga as suas colaborações à Fortune, à Look, à Life, à Junior Bazaar, à McCall's e ao TheNew York Times.

Com a recomendação de Walker Evans, em 1955 Frank ganhou a bolsa Guggenheim, tendo sido o primeiro fotógrafo europeu a recebê-la. Do trabalho subvencionado pela bolsa iria nascer Les Américains, editado em Paris, em 1958. Este fotolivro tornar-se-ia um dos livros de culto da fotografia do século XX.

Les Américains trata-se de uma obra quase mítica que causou grandes sensações, discussões e influências no amplo universo da fotografia e nos mais pequenos mundos do fotojornalismo e fotodocumentalismo. A influência do seu autor após os anos sessenta será determinante na evolução do medium e do próprio jornalismo: fazendo com que o real fosse a mesa onde se servia a sua imaginação, Frank renuncia à objectividade do olhar, revoluciona a reportagem e, assim, pode até considerar-se um precursor do Novo Jornalismo dos anos sessenta.

Les Américains não era uma reportagem clássica, uma vez que não se debruçava sobre acontecimentos. Era até uma "reportagem" sem acontecimento(s), que tornou Frank num arquétipo do fotojornalismo não centrado em acontecimentos. Também não se podia considerar um foto-ensaio nem sequer uma história em imagens. Longe de procurar registar momentos convencionalmente significativos, Frank realizou, isso sim, um conjunto de imagens fotográficas que registam instantes que roçam o absurdo e que quase não têm em si um sentido que não seja aquele que o observador lhes possa dar. Um conjunto de imagens muito pessoais, subjectivas, introspectivas, instintivas, entrecortadas, enigmáticas, sensíveis, fluídas, evocativas de deambulações quotidianas de um europeu pelos Estados Unidos, quase como Sting canta na canção do englishman que é um alien em Nova Iorque. Muitas das suas fotos eram enquadradas de través, enquanto noutras Frank nem sequer olhava pelo visor. Talvez por isso, a edição da versão emericana de Les Américains foi acolhida com críticas ferozes e algum sarcasmo. Aliás, excluindo a comunidade académica e artística, um estudo de 1984 de Alexander Nesterenko e de C. Zoe Smith revelava que nos Estados Unidos continuava a não existir grande aceitação da obra de Frank e menor ainda era a identificação dos americanos que faziam parte da amostra com as fotos de Les Américains.

Les Americains simboliza a tentativa de superação entre o acto de criação e o seu autor e o acto de observação do observador. A expressão fotográfica de Frank não visa ascender à universalidade. É antes uma expressão fotográfica humilde, interna ao fotógrafo ou ao observador, intimista. Com Robert Frank, começou a perder força a herança ideológica da objectividade que se havia introduzido nos discursos fotodocumental e (foto)jornalístico. A polissemia fotográfica de Frank impede a construção de sentidos propositadamente únivoca do documentalismo social anterior, assente na verosimilitude. Antes dá força a uma corrente mais próxima do documentalismo fotográfico contemporâneo que já se vinha desenhando desde o projecto Farm Security Administration: é preciso recordar as fotografias do FSA dos painéis publicitários, sem pessoas, e algumas fotografias só de casas e haveres.

O que Frank tentou fazer, como afirma Jean Claude Lemagny (1986), foi evidenciar que não é da natureza da fotografia transmitir significações pré-estabelecidas. Pessoalmente, não concordamos inteiramente com a alegada visão de Frank. Pelo contrário, julgamos que, por vezes, a significação "primeira" que o fotógrafo dá à imagem é a significação que passa para o observador, embora concordemos que o significado das fotos é, em grande medida, outorgado pelo observador.

Em síntese, Robert Frank operou uma autêntica revolução do sentido na fotografia, captando, enquanto viajante, instantes intensamente poéticos, mas imprevisíveis, em cenas banais, que brotam descontinuamente do real e aparentam ausência de outro significado que não seja este mesmo: o da ausência de significado.

Mais do que a presença, nas fotos de Frank o que está em causa é o fluído que ele capta, a ausência, o fora de campo, para onde o observador é constantemente remetido na tentativa de encontrar um sentido tranquilizador para imagens de onde este mesmo sentido é eclipsado. Ao observador quase não é permitido "ver", ficar indiferente, antes é obrigado a avaliar, julgar, gerar sentido: mais vale que falem mal de mim do que não falem de todo, diríamos, evocando o ditado popular português. Os temas parecem aparentemente sem importância, subtemas, sub-acontecimentos representados em sub-fotos: os bares de cowboys, os desfiles por ocasião das festas em algumas cidades, etc. A fotografia de Frank não mostra ideias gerais, mas as particularidades e a banalidade de cada situação. Robert Frank explora uma estética do aleatório, do banal, seguindo as insinuações que William Klein apontava em New York.

Até Frank —explica Victor Burgin (1982)— o fotógrafo via-se a si mesmo como um caçador de instantes significativos; depois de Frank, o fotógrafo sabe que o significado da foto é, em grande medida, outorgado pelo observador. Assim, e também em conformidade com Burgin, a uma prática fotográfica que Robert Doisneau denominou de "fechada" sucede uma voltada para a polissemia [como é visível no actual documentalismo fotográfico], voltada para todos os sentidos possíveis, pelo que o importante deixaria de ser o "momento decisivo", mas o interior do fotógrafo.

Robert Frank chegou a dizer que com o seu trabalho tinha procurado produzir imagens que tornassem todas as explicassões desnecessárias. Talvez por isso, as suas fotos indireccionadas e não compostas são, mais do que o motivo que as anima, o principal tema da sua obra: o centro de interesse transfere-se do conteúdo para o formato; melhor dizendo, em Frank o formato torna-se conteúdo.

Robert Frank foi um inspirador de fotógrafos tão diversificados como Lee Friedlander, Garry Winogrand, Diane Arbus, William Klein ou o também suíço René Burri, da Magnum, que publicará Les Alemands quatro anos depois.

Depois dos anos sessenta, na senda do Novo Jornalismo e das inovações trazidas por fotógrafos como Frank, vários autores tentaram mostrar que, no campo da semiótica e da epistemologia, uma imagem fotográfica seria sempre subjectiva por natureza, como foi o caso de Susan Sontag. Esta americana, em 1973, publicou a sua colectânia de ensaios On Photography (traduzido em Portugal com o título Ensaios Sobre a Fotografia). No livro, a autora chama a atenção para que a escolha de variáveis como o ângulo e o plano de abordagem já implicam escolhas subjectivas que, neste sentido, tornam a fotografia num instrumento de interpretação do mundo.
 
 

CAPÍTULO XI

A SEGUNDA REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO E A EVOLUÇÃO DA ACTIVIDADE DOS ANOS SESSENTA AOS ANOS OITENTA

É pelos anos sessenta que o mundo começa, realmente, a tornar-se a "aldeia planetária" de que McLuhan falava, pelo menos no sentido de uma maior familiaridade das pessoas com as ocorrências que agitam o Planeta. A televisão inicia o seu reinado enquanto medium dominante na Europa, anos após os EUA. Na rádio, é a revolução do transistor que agita as águas, com a consequente miniaturização e embaratecimento do equipamento que proporciona. Novos meios de comunicação, de mais fácil acesso e mais baratos do que nunca, começam a surgir ou a ser investigados.

Os Golden Sixties são também uma década de crescimento económico, mas que viram surgir muitos movimentos alternativos, de que os hippies são o exemplo mais conhecido. Atinge-se um nível de vida nunca visto, embora frequentemente à custa do ambiente. Cresce também a mestiçagem cultural, de dominante americana. O processo de descolonização torna-se imparável e novos estados tomam lugar na cena internacional. Algumas potências coloniziadoras, porém, resistem, como é o caso de Portugal (até 1974/75). Na antiga Rodésia e na África do Sul, os brancos não partilham o poder com os negros. Na América do Sul, guerrilhas, golpes de estado e ditaduras são o pão nosso de cada dia. Mas a América Latina é também uma incubadora de mitos, como o de Che Guevara, que morreu na Bolívia, a 8 de Outubro de 1967. A foto do seu cadáver, cercado de militares e polícias que o exibiam, deu, na ocasião, a volta ao mundo.

Foi também nos anos sessenta que se solidificou nas sociedades europeias a pluraridade política, de que, nos anos setenta, a Península Ibérica e a Grécia vieram a beneficiar, com o fim dos regimes de Salazar e Caetano (Portugal), de Franco (Espanha) e da "Ditadura dos Coroneis" (Grécia).

Porém, pouco tempo depois, com o choque petrolífero, a crise económica começa e, com ela, o desemprego e a crise social que ainda hoje afecta os nossos países, agravada, esta última, pelas novas tecnologias. Estas, mercê das suas potencialidades de rentabilização dos recursos humanos, contribuem para o desemprego (estrutural) em várias áreas, a ponto de se falar da necessidade de emergência de um novo "grupo" social: os "inactivos pagos".

Na Comunicação Social, a concorrência aumentou, acentuando os aspectos negativos das concepções do jornalismo sensacionalista de que ainda se notavam indícios. Tal terá provocado, gradualmente, o abandono da função socio-integradora que os media historicamente possuiam, em privilégio da espectacularização e dramatização da informação a que hoje se assiste. No fotojornalismo, esta mudança incrustou-se mais no privilégio dado à "captura do acontecimento sensacional" e na "industrialização" da actividade do que na reflexão sobre os temas, as novas tecnologias, as pessoas, os fotógrafos e os sujeitos representados.

Se nos anos cinquenta irrompeu a Guerra da Coreia, nos sessenta os EUA envolvem-se no Vietname. Nestes conflitos, o fotojornalismo vai ter um papel oposto ao que teve nos grandes conflitos anteriores. Com menos (auto-)censura, algumas das fotos publicadas na imprensa ocidental, mormente na norte-americana, em conjunto com a TV, serviram para criar no Ocidente correntes de opinião contrárias à guerra.(183) O mesmo se passa na guerra civil em Chipre, no Biafra e em vários outros pontos do globo. Recordem-se, por exemplo, os trabalhos de Don McCullin, um esteta do horror, ávido de denunciar o mal, que ele afirmava distinguir claramente por trás do visor.(184) Nessas guerras, tal como em acidentes e em ocasiões dramáticas, o fotojornalismo tende a explorar os caminhos da sensibilidade, dirigindo-se frequentemente à emoção e utilizando, amiúde, a foto-choque.(185)

É precisamente por alturas da guerra do Vietname, há vinte/trinta anos, que se opera a que designamos como segunda revolução no fotojornalismo. Os traços mais relevantes dessa revolução e da evolução que desencadeou são, a nosso ver, os seguintes:

Algo que também é indissociável deste período são, a partir dos anos sessenta, as relações que se adivinham mais pronunciadas entre as revistas ilustradas e a televisão (no Velho Continente, vai ser nessa década que a televisão vai conquistar o estatuto de medium dominante, uma década depois dos EUA). Essas relações podem ter sido desvantajosas para revistas como a Life, que acabaram por desaparecer. Mas, noutros casos, televisão e revistas tiveram relações que nos parecem quase simbióticas. É o que aconteceu, por exemplo, com a Sports Illustrated, revista fundada por Henry Luce, em 1954.

A Sports Illustrated mostrou que se a televisão pode matar o fotojornalismo também pode criar interesse por ele, já que, para além de razões já referenciadas, como a de ser o observador a determinar o tempo de observação, as fotografias são mais definidas, talvez mesmo mais dramáticas, até pela definição com que captam o pormenor. Mas, para tal, os fotógrafos tiveram, em muitos casos, de se adaptar ao mundo colorido da TV, passando, por exemplo, a usar rotineiramente filmes coloridos de alta velocidade (que possibilitam um maior leque de aplicações). Mas a televisão também pode ajudar a fotografia a quebrar amarras, levando o fotojornalismo à descoberta de formas específicas de abordagem da realidade. Harry Gruyaert, da Magnum, aproveitou até a televisão para realizar um novo tipo de fotografia: fotografou os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, pela televisão, obtendo imagens de forte colorido mas de estranha granulusidade.

Temos algumas dúvidas no que respeita à superação pelo fotojornalismo das amarras da normalidade realística, já que hoje a actividade é dominada por uma produção rotineira que continua a perseguir o realismo e que pouco ou nada engloba o criativo, a arte. Mas julgamos que a inter-relação entre a fotografia e a televisão que nos parece existir prestará um bom serviço ao fotojornalismo se contribuir para que ele vença as amarras da rotina para mergulhar na autoria.

Não é em forçar o fotojornalismo a ser igual à arte que está a receita para o jornalismo fotográfico de hoje. Isto é, não deve perder-se o norte da intenção informativa do fotojornalismo — entendendo-se aqui o conceito de informação de uma forma ampla, no sentido de gerar conhecimento, contextualizar, ajudar a perceber e fomentar a sensibilidade dignificadora para com o ser humano e os seus problemas, bem como para os problemas globais da Terra. Mas estamos convictos de que representará uma mais valia para o fotojornalismo e para o público que a actividade se abra a orientações criativas, originais, que podem passar pela insinuação da arte na fotografia jornalística e pela fuga ao realismo. E que devem passar pela autoria consciente e responsável, mesmo que esta autoria encontre abrigo no realismo.

Nos anos sessenta, fotógrafos como Larry Burrows, da Life, encarregaram-se de provar que se podia fazer bom fotojornalismo usando a cor. E, apesar do debate estético e até estético-moral (como representar fotograficamente a miséria, por exemplo, com algo "bonito" como a fotografia a cores?), a cor passa a dominar as revistas e a imiscuir-se com força nos jornais, sobretudo nas primeiras páginas, a partir da década de oitenta. De qualquer modo, a televisão tinha influenciado o fotojornalismo, e isso parece ser inegável.

Os fotógrafos foram aprendendo a usar a cor, o que evidencia já um certo domínio de uma linguagem específica da fotografia colorida, mais icónica do que a fotografia a preto-e-branco: basta ver as fotos de James Nachtwey (1948-), talvez o melhor fotógrafo de guerra da actualidade, na Irlanda do Norte (como aquela que mostra um cocktail Molotov a arder nas mãos de um manifestante católico, 1981) ou na Nicarágua (como aquela em que se vê uma criança de calças vermelhas brincando acrobaticamente no canhão de um carro de combate abandonado, 1983) para se perceber como, através da cor, o observador pode ser levado a concentrar a sua atenção em pormenores significativos da imagem.

Se fizermos uma cronologia de acontecimentos, a 11 de Julho de 1962 dá-se a primeira experiência de envio de uma telefoto por satélite (o Telstar), da América para a Europa. A foto representava os quadros directivos da American Telephon and Telegraph, o que releva, já aí, que a telefoto por satélite não iria trazer grandes novidades ao fotojornalismo, antes favoreceria a rotinização. Provavelmente, a telefoto não terá tido sequer a mesma influência que a televisão teve sobre a produção fotojornalística: basta pensar que a primeira guerra televisionada, a do Vietname, foi também a última grande ocasião em que os fotojornalistas brilharam, ao ponto de as suas imagens serem mais recordadas do que as televisivas.

Em 1968, Len Franklin, editor fotográfico de The People, publicou as fotografias de tranques soviéticos nas ruas de Praga três semanas depois da revolta checoslovaca ter ocorrido. Uma greve tinha impossibilitado a publicação dessas imagens no Reino Unido, apesar de toda a Europa Ocidental as ter já visto. Isso mostra que, por vezes, a actualidade é um critério de valor-notícia menos importante que o "segredo desvelado".(197)

Devido à seca e à guerra em África, o tema marginal da fome regressa aos jornais e às revistas pelos finais dos anos setenta, após uma década de quase desaparecimento. Anteriormente, tinham ocorrido já algumas abordagens do tema, entre outros casos por Margaret Bourke-White (na Índia dos anos quarenta), Nahum Luboshez (na Rússia dos anos dez) ou Werner Bischof (na Índia dos princípios dos cinquenta).

Pelos anos oitenta, a dominação das câmaras é planetária. Levantam-se, com mais acutilância, os problemas do direito à privacidade. Cresce ainda mais a dificuldade de definição das fronteiras do fotojornalismo, dada, por um lado, a qualidade da fotografia amadora de interesse jornalístico que por vezes os jornais e revistas adquirem, face à produção massiva e —sobretudo— rotineira e convencionalizada de grande número de profissionais; e, por outro lado, dada a variadade temática, estilística e de ponto de vista das imagens fotográficas com interesse jornalístico que são produzidas actualmente, como as fotos do homem na lua, as fotos dos planetas do confim do sistema solar, as fotos do vírus da SIDA muitíssimo ampliado ou mesmo as fotos-ilustração do "institucional", por exemplo.

A década de oitenta assistiu também a um renovado interesse das revistas pela imagem fotográfica. Não só aumenta o espaço consagrado à fotografia, mas também o espaço dedicado a cada fotografia. E, se grande parte do mercado se orienta para o retrato de celebridades, para o institucional e para as glamour shots (muito mais, até, do que para a foto-choque), outra fatia, pelo menos, outorga espaço ao autor e ao projecto fotográfico, ao foto-ensaio complexo e ao documentalismo social. Isto passa-se sobretudo nos quality papers: veja-se, a título exemplificativo, os casos portugueses do Expresso, do Público e da revista Visão e o espaço que atribuiram a Trabalho e Migrações, de Sebastião Salgado, aos ensaios sobre os americanos marginalizados de Mary Ellen Mark (1940-), na tradição fotográfica social e documental, ou às fotos de Eugene Richards (1944-) sobre as urgências hospitalares e os viciados em crack de Nova Iorque. Quer o Expresso quer o Público consagram também espaços regulares a portfolios dos seus fotógrafos. Mas o documentalismo fotográfico "preocupado" pode também gerar fenómenos censórios que interessa denunciar.

Outro exemplo da fotografia de qualidade na imprensa diária foi o da política de imagem de Christian Caujolle, durante os anos oitenta, no Libération. Assim, na eleição presidencial francesa de 1981, o Libé publicou um suplemento de dezasseis páginas elaborado pelos fotógrafos da Magnum, entre as quais fotos de Cartier-Bresson sobre a instalação de Miterrand no Eliseu: pela primeira vez depois de muitos anos, um diário encomendava "actualidade quente" à mítica agência. Mas o Libé não se ficou por aqui: enviou William Klein para cobrir a peregrinação de João Paulo II em Londres, Salgado para reportar a fome no Sahel, realizou cadernos especiais sobre a África do Sul e sobre o sindicato Solidariedade, na Polónia, fez Reza e Manoocher fotografarem a guerra Irão-Iraque e publicou a correspondência nova-iorquina de Depardon.

A inflação visual patente desde há vários anos pode, por seu turno, trazer problemas — "Now that every kind of grief has been presented to the camera, which has recorded it from every angle, pictures of misery only seem to recall to us pictures of misery. (…) It becomes hard to determinate whether the moral sense is sharpened or coarsened by repeated exposure to calamity."(198) Para nós, a solução passa pelo contexto e pela criação, enquanto capacidade de introduzir o novo no acto fotográfico. A tradição dos concerned photographers, por exemplo, parece reviver, sem se esgotar, na obra de Sebastião Salgado, na de Richards ou na de Mary Ellen Mark.

Na nossa época, há também sinais contraditórios sobre os limites espaciais do fotojornalismo. Banidos ou exarcebadamente controlados no Afeganistão, em Granada (de cuja invasão não houve nos media imagens negativas(199)), no Panamá, no Golfo, na Palestina ocupada, nas townships negras da África do Sul ou em Tiananmen, os fotojornalistas podem agora, inversamente, fotografar legalmente em alguns tribunais.

A fotografia do manifestante pró-democracia chinês isolado frente à coluna de tanques que se preparava para tomar de assalto as posições dos que protestavam em Tiananmen é um dos indícios que aponta para que parte da foto-informação passa por vezes à categoria de símbolo após a sua difusão profusa posterior. Aliás, "Un dos aspectos remarcables na definición da década [de oitenta] é (…) o paso do descritpivo ó simbólico prá foto fixa."(200)

Na União Soviética, a proliferação das máquinas fotográficas leva a que a fotografia abandone o papel de "olho do regime" (201), algo que é agudizado com a glasnot de Gorbatchev. A política de transparência vai promover o alargamento das fronteiras do fotografável e o incremento da importância do fotojornalismo numa altura em que os soviéticos paravam para redescobrir o seu país após décadas em que as rédeas da curiosidade tinham sido mantidas muito curtas.

É justo também destacar que a manipulação permaneceu associada ao medium. A 6 de Fevereiro de 1982, por exemplo, a Le Figaro Magazine publicou uma foto de Matthew Naython de cadáveres a serem incinerados pela Cruz Vermelha, na Nicarágua. Na legenda escrevia-se, porém, que se tratava de "Le massacre des indiens Mosquitos, farouchement anticastristes, par les 'barbudos' socialo-marxistes du Nicaragua" ("O massacre dos índios Mosquitos, ferozmente anticastristas, pelos 'barbudos' sociais-marxistas da Nicarágua"). O então secretário de Estado dos EUA, Alexander Haig, chegou a brandir o jornal como prova do vergonhoso regime sandinista. Mas a verdade foi trazida à tona e a Le Figaro Magazine acabou por ser condenada em tribunal.

As agências noticiosas France Presse e Reuter inauguraram o seu serviço fotográfico internacional no mesmo ano em que a agência Vu viu a luz do dia: 1985. Se até 1970 as agências UPI e Associated Press repartiam a cena internacional (a AP tem um serviço fotográfico internacional a funcionar desde 1960), pelos anos oitenta o cenário altera-se, pois a crise da United Press International obrigou esta agência a concentrar-se nos Estados Unidos, sendo o seu território no estrangeiro ocupado mais pela France Press e pela Reuter (que, a partir de 1984, começou a distribuir as fotos da UPI sobre os EUA) do que pela AP. A Associated Press mantém-se, contudo, no mercado, que domina, quer perante as restantes agências noticiosas, quer perante as agências fotográficas e fotojornalísticas.

A concorrência entre as grandes agências noticiosas —AFP, AP e Reuter— deu um novo sentido à batalha tecnológica que iria permitir a melhoria significativa das condições de transmissão e edição de imagem, especialmente devido às tenologias digitais. Todavia, não se notou —pensamos— uma alteração substancial dos padrões de qualidade do acto fotográfico, pois o fotojornalismo tradicional das agências noticiosas não mudou tão fortemente como isso com a concorrência, permanecendo um fotojornalismo pouco criativo, em que os fotojornalistas pouco mais são do que "funcionários da imagem", escravos da "actualidade a quente", que não escolhem os seus temas e aos quais, regra geral, apenas é encomendada uma foto —frequentemente de qualidade geral pouco primorosa— por assunto.

No campo técnico, em 1972 a UPI lançou o sistema Unifax. O sistema usava um processo de registo electrostático para transmitir e receber fotografias com maior qualidade. No final da década de setenta, os computadores aumentaram as capacidades destas máquinas.

Em 1972, a Pentax lançou o modelo ES com fotómetro incorporado. Em 1977, a Konica começou a fabricar a C35AF, com autofoco. Surgem, na mesma altura, as objetivas olho de peixe, os flashs estraboscópicos e os conversores.

Entretanto, em 1974, a Associated Press substituiu a tecnologia wirephoto pela tecnologia laserphoto, proporcionando maior definição nas imagens transmitidas à distância.

As still-video cameras dos anos oitenta representam uma nova evolução. Elas asseguram uma maior rapidez da transmissão, já que, não funcionando com filme, mas com um chip que armazena imagens que podem ser transmitidas para um disco de computador, evitam o processamento da película tradicional. Mas também apareceram digitalizadores de imagem a partir dos negativos, o que acelerou o processo de edição e transmissão a partir do tradicional suporte filme. Por outro lado, a proliferação de computadores portáteis permite uma rápida edição da imagem. O fotojornalista, para a transmitir, só precisa de chegar ao telefone mais próximo ou, mais recentemente, de a enviar através dos aparelhos digitais de telecomunicações por satélite.

É ainda pelos anos oitenta que os fotógrafos vão começar a usar generalizadamente o computador para reenquadrar as fotos, escurecê-las ou clareá-las, mudar-lhes a relação tonal e até retocá-las. A imagem totalmente ficcional torna-se mais fácil e rápida de criar. Por aqui se vê que as tecnologias não são neutras: nascidas da necessidade de facilitar a vida aos fotógrafos e editores, as novas tecnologias de manipulação de imagem potenciam a ficção fotográfica a níveis nunca antes alcançados.

Os diversos pontos que aqui referimos foram também focados por Karin Becker. Este autor levou a efeito um estudo exaustivo das mudanças enfrentadas pelos fotojornalistas devido à introdução de novas tecnologias na década de oitenta, baseando-se na análise do discurso da revista oficial da National Press Photographers Association, a News Photographer, entre 1980 e 1988. Para ele, quatro áreas de inovação no fotojornalismo podem ser desenhadas a partir do discurso das revistas, todas elas desafiando os limites do território de trabalho dos fotojornalistas: 1) introdução da fotografia a cor na imprensa diária; 2) digitalização da imagem fotográfica; 3) introdução das still video cameras; e 4) novas tecnologias da transmissão de imagem. Os fotojornalistas tentariam usar estratégias de controle em relação às quatro áreas de inovação para controlar os parâmetros do seu trabalho.(202) Vejamos, em síntese, o que o estudo sustenta em relação a cada área:

Na conclusão, Karin Becker afirma que a ambivalência moldou o discurso dos fotojornalistas às quatro grandes inovações tecnológicas referenciadas: elas tanto foram consideradas como uma oportunidade de libertação como uma ameaça ao estatuto profissional, dependendo do sentido de controle que os fotojornalistas possuiam sobre as tecnologias. De qualquer modo, já não haveria lugar a retrocessos, pois, na versão de Becker, uma vez introduzidas novas tecnologias, o contínuo desenvolvimento destas e as pressões da concorrência impedem-no. Por isso, restou aos fotojornalistas acentuarem um discurso em que o controle do fotojornalista sobre o seu trabalho passou a ser visto como um imperativo ético.(203)



O pontificado francês no fotojornalismo mundial:

dos anos cinquenta aos anos setenta

A partir de meados da década de cinquenta, a criação de quatro agências fotográficas em França constitui, provavelmente, o primeiro passo para que a capital do fotojornalismo transitasse de Nova Iorque para Paris, mas também um passo importante para redinamizar e alterar o fotojornalismo praticado nas grandes agências noticiosas. Essas agências foram a Europress, a Apis e a Reporters Associés, que desaparecerão sucessivamente em 1970, 1971 e 1973, e a Dalmas. Os fotógrafos desta última foram, talvez, os mais audaciosos, mas os da Reporters Associés nem sempre lhes ficavam atrás, como o provou a "competição" entre Hubert le Campion (Reporters) e Philippe Letellier (Dalmas), durante a Gurra da Independência da Argélia.

A Dalmas e a Reporters viveram sempre um pouco à sombra dos seus mentores: Vladimir Rychkoff (Lova de Vaysse), filho de um príncipe russo imigrado em Paris, criou, com Renaud Martinie e André Sonine, a Reporters Associés, em 1954, e tornou-se o seu principal mentor; Louis Dalmas, Príncipe de Polignac e primo do Príncipe Rainier, um playboy que pertencia à alta sociedade e que vivia a vida em velocidade (pilotava, até, aviões nas horas vagas) criou a agência que tem o seu nome em 1958, com o fito de ser sempre o primeiro na caça ao scoop. O mercado, aliás, absorvia a produção: só em França era preciso contar com a concorrência entre a Paris Match, a Jours de France, a Radar e a Point de Vue - Images du Monde.

O funcionamento da Dalmas não podia deixar de reflectir a personalidade do seu fundador. Os meios postos em acção para a cobertura de actualidade eram enormes, em termos humanos e materiais. Quando a actualidade não era quente, Dalmas não hesitava em mandar os seus fotógrafos para locais onde pudessem fazer imagens rentáveis. É assim que, em 1960, envia um jovem repórter ao Sahara. Chamava-se Raymond Depardon (1942-) e foi dar de caras com dois soldados franceses desaparecidos no deserto, quase a morrer. As fotos de Depardon surgiram depois no Paris Match, dando início ao caminho do fotógrafo em direção à fama.

Foi também a Dalmas que conseguiu um dos exclusivos mundiais de maior interesse para Portugal, num exemplo que é igualmente a demonstração dos métodos incomuns que a agência usava para bater a concorrência: por alturas do sequestro do paquete Santa Maria pelos anti-salazaristas comandados por Henrique Galvão, Louis Dalmas pensou em fazer descer em paraquedas Gil Delamare sobre o navio.

As novas agências francesas dos anos cinquenta foram também um viveiro de fotojornalistas. O caso de Raymond Depardon é paradigmático. Mas o fotógrafo teve, porém, de demonstrar uma grande capacidade de adaptação às diversas situações: chegou a ter, por exemplo, de fotografar as starlettes de 1960, como um paparazzi. Tal demonstra, todavia, a polivalência funcional e a versatilidade que a agência exigia aos seus fotógrafos.

Na Dalmas, os fotógrafos não assinavam nem escolhiam as fotos, não escolhiam as reportagens e os negativos não eram deles. De alguma forma, apesar dos tempos aventurosos que Louis Dalmas proporcionou, a agência foi asfixiada pelo seu fundador. O mesmo aconteceu às restantes agências, que até acabaram por desaparecer, dando lugar a uma segunda geração de agências francesas, dirigida por um outro tipo de empresários, que subsistiriam até aos nossos dias com um êxito tal que, pelo final dos anos oitenta, ocupavam, em produção e volume de negócios, os três primeiros lugares do ranking das agências fotográficas: a Gamma, a Sygma e a Sypa.

A Gamma foi, das três, a primeira a ver a luz do dia. Hubert Henrotte, do Figaro, Hugues Vassal, do France Dimanche, um especialista em show business, Leonard de Raemy, um especialista em cinema, e Raymond Depardon, o já famoso fotógrafo da Dalmas, juntaram-se para fundar essa agência. Ainda em Janeiro de 1967, junta-se-lhes Gilles Caron (1939-1970), um dos fotógrafos que mais se destacou por seguir a máxima de Capa: estar lá, antes dos outros. Por lá passaram também, Jean Gaumy, Michel Laurent, Sebastião Salgado, Abbas e David Burnett, entre outros.

As reportagens de Caron, um fotógrafo que acabaria por desaparecer no Cambodja, em 1970, são um exemplo de virtuosismo e empenho. Cobriu o Maio de 68, em Paris, e o conflito do Biafra, no mesmo ano, dando a conhecer à Europa esta guerra civil nigeriana. Esteve no Tchad, em 1970, e passou também pelo Vietname e por Israel, em 1967. Raymond Depardon, no livro póstumo que consagrou Caron, disse dele que era um fotógrafo bem informado, engagé e anti-violência. E Cartier-Bresson sentenciou que Caron era digno de lhe suceder E, como é raro Cartier-Bresson emitir opiniões tão cáusticas, isto talvez se deva ao facto de, tal como refere Margarita Ledo (1988), Gilles Caron ter introduzido a foto-símbolo na informação pontual, como acontece na foto em que polícias de cassetete na mão perseguem manifestantes, durante o Maio de 1968, em Paris. Uma foto que funciona também como testemunho, como prova, como foto-verdade.

Ao contrário do que acontecia na Dalmas e na Reporters, na Gamma respeitava-se a autonomia dos fotógrafos quer ao nível da escolha temática (com adiantamento de verbas) quer ao nível do respeito pelos direitos de propriedade, especialmente no que respeita ao direito de assinatura e à propriedade dos negativos. De facto, nos objectivos da Gamma inscreve-se, desde a sua fundação, a dignificação profissional do foto-repórter.

Em 1970, a Gamma era a maior agência fotojornalística do mundo em termos de produção diária e de volume de negócios. Porém, em 1973 estala uma crise entre o pessoal da agência, que se revolta contra Hubert Henrotte e a sua direcção essencialmente economicista. Este sai, acompanhado pelos fotógrafos Leonard de Raemy, Henri Bureau, Alain Dejean, Christian Simon Pictri, Jean Pierre Bornotte (que regressaria à Gamma), James Andanson e Alain Noguès, e fundará aquela que, pelo final dos anos oitenta, se tornará a maior agência fotográfica do mundo em volume de negócios, arquivos, produção e número de fotógrafos, a Sygma. No entanto, ainda em 1973 a Gamma renasce da crise, como o comprova a cobertura do golpe de Pinochet, no Chile, realizada por Chas Gerretson. Em 1976, Françoise Demulder, também da Gamma, faz, no Líbano, uma foto que ganha o prémio da "foto do ano" do World Press Photo. As nuvens tinham passado, pelo menos por uns tempos.

Na Sygma, a orientação será dada pelo mercado. A agência veio, desta forma, a distinguir-se pela atenção dada ao sector do beautiful people, que, em certa medida, dominará a sua produção. É, afinal, o que vende: os astros do cinema, os nobres, o jet set, as modelos, os empresários de sucesso, em suma, algumas figuras públicas. Podemos mesmo dizer que enquanto agências como a Magnum são agências ao serviço dos fotógrafos, em agências como a Sygma são os fotógrafos que estão ao serviço da agência.

A produção eminentemente fotojornalística da Sygma não é, no entanto, negligenciável: em 1974, por exemplo, Henri Bureau fotografou a captura de um agente da PIDE em Portugal, e, com ela, ganhou um prémio do World Press Photo na categoria das melhores imagens de actualidade do ano.

A Sygma, atentíssima às oportunidades de negócio, foi também pioneira na implementação das tecnologias da imagem digital e no tratamento de imagem para a televisão.

Já a Sipa deu os primeiros passos em 1969, por força de Goskin Sipahioglu, um "talentoso descobridor de talentos". De facto, foi com Sipahioglu que se iniciaram quer futuros proprietários de agências, como Annie Boulat (Cosmos), Jocelyne Benzakin (JB Pictures) ou Daniel Roebuck (Onyx, uma agência fotográfica de show business), quer fotojornalistas referenciais, como Abbas. Em algumas ocasiões os seus fotógrafos distinguiram-se pelos scoops que realizaram, como a foto de Nick Wheler que, em 1975, permitiu, pela primeira vez, que se visse a cara do terrorista Carlos.

Guy Le Querrec, Hervé Gloaguen, François Hers, Claude Raymond-Dityvou, Martine Franck, Richard Kalvar e Alain Dagbert fundaram, a 6 de Janeiro de 1972, a agência fotográfica Viva. Entre estes fotógrafos, Le Querrec é, talvez, o mais importante, apresentando, à semelhança de Erwitt, uma fotografia viva, centrada nos comportamentos humanos em sociedade, por vezes bem estranhos. Porém, Kalvar, Martine Frank e Le Querrec sairam da agência, em 1970, para ingressarem na Magnum.

A Viva tornou-se notada por, ocasionalmente, os seus fotógrafos tratarem todos um único tema durante um período determinado de tempo. Assim, em 1973 desenvolveram o projecto documental Families en France, não publicado nesse país, mas que alcançou algum sucesso em exposições no Reino Unido, no Canadá, em Itália e nos Estados Unidos.

Em 1977, uma exposição sobre a última década no fotojornalismo integrou quase somente imagens violentas, à semelhança, aliás, do que ocorreria se fizéssemos, hoje, uma retrospectiva das fotos premiadas com o prémio da "foto do ano" do World Press Photo ou do prémio Pulitzer.

Em Dezembro de 1985, Christian Caujolle fundou a agência Vu, depois de ter passado váarios anos a dirigir a secção de fotografia do Libération, onde, como se disse, levou a cabo uma política fotojornalística que o fez aproximar qualitativamente dos anos de ouro do fotojornalismo.

A Vu orienta-se por uma filosofia da linha da Magnum: não interessa a corrida à produção, a caça ao scoop, tudo cobrir, estar em todo o lado, mas sim diversificar as actividades, respeitar os estilos e pontos de vista de cada fotógrafo, abordar mesmo o que poderá ser dificilmente vendável, com rigor e exactidão. Tal como a Magnum faz ou, pelo menos, tal como alguns fotógrafos da Magnum fazem a nível individual, a Vu não trabalha exclusivamente para a imprensa, embora esta seja a sua principal razão de existência — a sua actividade é alargada às exposições, aos livros, à publicidade e à moda. Todavia, há pontos onde a Vu difere da Magnum. Por um lado, é pouco nítido que a Magnum continue, hoje, a orientar a sua produção preferencialmente para a imprensa. Por outro lado, embora a afirmação nos pareça limitadora, especialmente no que diz respeito ao número de fotógrafos identificados, segundo Caujolle, a Magnum sofre de outro problema: os fotógrafos passaram a olhar-se a si mesmos e não ao mundo.

Os fotógrafos franceses que mais marcaram o fotojornalismo francês dos anos sessenta em diante foram, provavelmente, Le Querrec, Caron, com os seus instantâneos obtidos no coração do evento, e Depardon. Em matéria de livros, Raymond Depardon publicou Tchad, em 1978, e Notes, em 1979, com fotos do Líbano e do Afeganistão. Por eles se nota que Depardon prefere a globalidade de uma história à foto única, o que foi talvez, além da discordância com a linha de mercado que a Gamma seguia, a razão que o levou à Magnum, o enclave do fotojornalismo de autor, em 1978.

Pode dizer-se que também Gilles Peress (1946-), ao editar o livro Telex Persan sobre a revolução iraniana, se juntou a esse pequeno grupo de foto-repórteres influentes. As suas fotos concretizam a assunção da sua subjectividade, por vezes roçam mesmo a ambiguidade, tal a polissemia que apresentam. São, assim, fotografias que impedem leituras estereotipadas, preconceituosas. Mas também que favorecem leituras quase "aleatórias", "desconexas", como os blips informacionais de que falava Alvin Toffler, em A Terceira Vaga.



Vietname

Embora talvez não tanto como é comum dizer-se, a fotografia jornalística teve algum papel na construção de correntes de opinião sobre a Guerra do Vietname(204), conflito acerca do qual se descobriu que a televisão nem em tudo dava o mesmo que a fotografia poderia dar: a TV não se demorava sobre os acontecimentos tanto quanto um fotógrafo poderia fazer; consequentemente, a contextualização pela multiplicação de pontos de vista que a fotografia permite tornava-se difícil para a televisão (envolveria mais meios técnicos e humanos e mais dinheiro; envolveria a multiplicação de equipamentos significativamente menos dotados de potencial de mobilidade do que uma máquina fotográfica; implicaria correr o risco de se enfadar o telespectador). Além disso, a observação de uma fotografia é (pode ser) determinada pelo observador, enquanto a observação de um documental de comentário televisivo é determinada pelo "emissor", podendo acarretar problemas ao nível da geração de sentidos por parte do observador.

Podemos dizer ainda que, durante a guerra, se recuperou o papel activo e mobilizador da foto-press(205), pois vários fotógrafos empenharam-se em mostrar o que queriam modificar, tornando notórias as suas intenções pessoais ao fotografar e promovendo a fotografia de autor no campo fotojornalístico. Por outro lado, porém, degradaram-se substancialmente as relações entre a imprensa e os militares e políticos.(206)

A guerra "aberta" do Vietname, eventualmente devido à influência da televisão, levou a uma grande procura de imagens, acentuada pela concorrência. A UPI, a AP, jornais, revistas, rádios e televisões, todos enviavam correspondentes para o país, que se juntaram a dezenas de freelances. Os editores pediam cada vez mais mortos.(207) Por isso, a utilização das foto-choque foi frequente, até porque se tratava de um conflito relativamente pouco censurado durante os cerca de trinta anos em que decorreu, especialmente quando comparado com o que sucedeu no Golfo, no Panamá ou nas Falkland, locais onde se assistiu a uma autêntica imposição do segredo, a uma imposição de regula(menta)ção fotojornalística, por parte dos poderes, que reagiam ao que se havia passado em guerras como a do Vietname.

Muitas das fotos tiradas no Vietname obrigam o observador atento a inquirir-se sobre se imagens como essas simbolizam o conflito porque resumem e condensam uma característica representativa, mesmo emblemática, do acontecimento e da sua cobertura, ou se adquiriram a sua proeminênia simbólica devido a representarem uma faceta da guerra que é única e sensacional.(208) Dentro deste espírito, Graham Greene chegou a protestar contra fotografias de torturas obtidas no Vietname do Sul com a permissão dos torturadores, numa carta publicada, a 6 de Outubro de 1964, no Daily Telegraph. A banalização da violência, do choque, que, na fotografia, remete unicamente para o campo fotográfico, pode promover a neutralização afectiva, pode insensibilizar, pode passivisar, independentemente do efeito profundo, visceral, que, num instante passageiro, uma foto-choque pode ter.

A fotografia no Vietname adquiriu um certo grau de autoridade, uma vez que propiciou reflexão sobre a insanidade e a insensatez da devastação. Isto passa-se quer através de algumas spot news quer de algumas foto-reportagens, incluindo foto-ensaios. No dizer de Les Barry, a Guerra do Vietname teria sido mesmo a escola dos New War Photographers, à semelhança do Novo Jornalismo.(209) Todavia, como é evidente, os trabalhos dos fotógrafos nem sempre dão imagens similares da guerra. Thompson, Clarke e Dintz fizeram notar, comparando dois fotógrafos que cobriram o conflito, que enquanto um se centrou nos aspectos não militares e nas consequências humanas das hostilidades o outro focalizou-se na performance dos soldados americanos em ambiente de combate.(210)

Entre os autores que estudaram a cobertura de guerra, Edward Epstein afirma que antes da ofensiva do Tet, em Fevereiro de 1968, as fotos que o público (americano) observou representavam principalmente uma guerra tecnológica limpa, com ênfase nas operações de combate americanas e no equipamento militar; depois do Tet, o foco de atenção dos news media americanos desviou-se para "estórias" que representavam o caos e a confusão perto do colapso.(211) Expressando dúvidas de que a guerra poderia ser ganha, a cobertura mediática centrou-se também nas conversações de paz, na retirada americana do conflito e no que poderia considerar-se como a "vietnamização" do confronto: começaram a ser cobertas acções das forças armadas do Vietname do Sul.(212) Susan Sontag especula até que as fotografias do conflito que mostravam a tragédia, a dor e o sofrimento não foram realizadas até haver manifestações públicas contra a guerra.(213) Gans aponta a competição como principal razão para que os órgãos de comunicação social norte-americanos abordassem o mesmo tipo de "estórias": a partir do momento em que começaram a dramatizar a guerra, ficaram encerrados num sistema do qual nenhum pretendia dar o primeiro passo para sair.(214)

Patterson intui que as fotografias da Guerra do Vietname foram mais fortes e deixaram impressões mais profundas e duradouras do que a televisão, já que as imagens do conflito que subsistem na memória das pessoas seriam essencialmente construídas através das fotografias mais notórias do confronto.(215) Idêntica conclusão assume Jose Manuel Susperregui.(216)

No estudo "Vietnam War Photos and Public Opinion", Michael Sherer conclui que, nas revistas Time, Life e Newsweek, a cobertura fotojornalística da guerra foi-se modificando em consonância com as mudanças nas correntes de opinião do público americano: enquanto existiu apoio público à guerra, as três revistas publicavam principalmente fotos das forças americanas e do seu equipamento operando em situações relacionadas com combate ou em situações de não combate, raramente surgindo fotos de situações reais de combate; pelo contrário, quando a opinião do público se tornou dominantemente anti-guerra, as três revistas começaram a inserir imagens de situações de combate em tomadas próximas dos eventos.(217)

Michael Sherer efectuou também um estudo comparativo entre a cobertura das guerras do Vietname e da Coreia na Time, na Newsweek e a Life, que publicou em 1988. Neste trabalho, o autor constatou que em situações de combate similares, isto é, soldados americanos enfrentando uma grande ofensiva inimiga, as imagens da guerra diferiam num aspecto substancial: no Vietname, o público americano pôde observar regularmente imagens que revelavam a face brutal do conflito (cenas de combate próximas, mortos, feridos, destruição, pessoas enfrentando ameaças imediatas à vida, etc.); na Coreia, talvez devido à censura imposta pelo general McArthur, a 21 de Dezembro de 1950, o público americano foi poupado à brutalidade dos combates, em favor de uma visão mais contemplativa de pessoas simultaneamente chocadas e algo desesperadas mas a salvo das experiências de combate (fotos realizadas antes ou depois de situações de combate); contudo, não se registaram grandes diferenças entre quem era fotografado (militares, sobretudo) e as perspectivas em que o era.(218)

Num estudo de 1984 sobre a cobertura fotojornalística da Guerra do Vietname entre 1968 e 1973 na Time, na Newsweek e na Life, Oscar Patterson III concluiu, aliás como Epstein, que essas revistas não se concentraram nas fotos de tropas americanas em combate, reportando também outras ocorências, como as conversações de paz; concluiu ainda que a cobertura da guerra não se tornou mais sangrenta durante esse período e que apenas cerca de 7% de todas as news stories das mesmas revistas eram dedicadas ao Vietname; finalmente, afirmou que a percepção selectiva que o público em geral tem sobre os eventos altamente dramáticos reportados pelos news media leva à projecção pública desses eventos como representativa de toda a cobertura mediática: as fotos mais traumáticas do Vietname ter-se-iam, assim, imposto de tal modo que toda a cobertura fotojornalística da guerra foi com elas identificada, o que seria abusivo.(219)

No fim da guerra, tinham morrido 39 repórteres em missão, o dobro dos que tombaram durante a Segunda Guerra Mundial. Um fotógrafo da Gamma, Michel Laurens, é, já em 1975, a última vítima.

Depois do Vietname, os conflitos foram, regra geral, fotograficamente representados em termos de violência sensacional. Os grandes temas contemporâneos tenderam a ser desprezados para que aumentasse o charco de sangue, a fotonecrofilia(220), ou, no ponto oposto, o glamour, as fotos da beautiful people e o institucional (devido, neste caso, ao peso das conferências de imprensa e à asfixiação da liberdade de movimentação dos fotojornalistas nos "corredores do poder"). Paradoxalmente, porém, mesmo da actualidade quente e violenta quase só o scoop se vende(221) e mesmo este por vezes sem grandes resultados: a fotografia do General Belgrano a afundar-se durante a Guerra das Falkland, adquirida a um oficial argentino corrupto e difundida pela Gamma, não fez com que revistas como a Paris Match vendessem mais. O que focaliza mais as atenções parece serem as caras, os corpos e os ambientes belos. As fotografias das stars e das starlettes pesam mais do que as news photos e muito mais do que assuntos como as transformações sociais ou os problemas profundos de um país ou até da humanidade na competição pela definição do que é publicável. O terriotório do fotojornalismo tende a desviar-se para as pessoas, para o show business, para o star sistem, dando um peso acrescido aos paparazzi.

A exemplo do que sucedeu na Segunda Guerra Mundial, com a geração mítica de Capa e Cartier-Bresson, o Vietname viu também nascer grandes nomes do fotojornalismo, como Don McCullin (1935-) (Fig. 35), Larry Burrows (1926-1971) (Fig. 36), Gilles Caron, Catherine Leroy ou Philip Jones Griffiths (1936-). Noutros locais, revelaram-se fotógrafos como Koudelka (1938-) (Fig. 37), Susan Meiselas (1948-) (Fig. 38), James Nachtwey (Fig. 39) ou Yves-Guy Berges.
 
 

O documentalismo fotográfico contemporâneo

A fotografia documental dos nossos dias é a herdeira do documentalismo social dos finais do século passado e princípios do actual, embora não existam sempre similiaridades evidentes entre as formas de expressão que usam os documentalistas na actualidade e aquelas a que recorriam os pioneiros do género. Com efeito, hoje os fotógrafos documentais estão provavelmente mais interessados em conhecer e compreender do que em mudar o mundo. Assim, o fotodocumentalismo actual, sem abandonar, por vezes, a acção consciente no meio social, o ponto de vista ou o realismo fotográfico (que, nalguns casos, estamos em crer, é a melhor opção), promove diferentes linhas de actuação, leituras diferenciadas do real, enquanto a grande tradição humanista do documentalismo tende menos para a polissemia no que toca a processos de geração de sentido.

Parte dos documentalistas actuais não perseguem, portanto, a ilusão de uma verdade universal no processo de atribuição de sentido, antes promovem no observador a necessidade de, questionando, chegar à "sua verdade", a uma "verdade subjectiva", o mesmo é dizer, a uma visão do mundo, independentemente das intersubjectividades que, a posteriori, se possam construir. A compreensão contextual dos acontecimentos e das problemáticas afigura-se aos olhos desses fotógrafos como essencial para a sua apreensão e para a apreensão do seu significado.

Na contemporaneidade, o documentalismo fotográfico exemplifica o respeito pela diversidade cultural e pela polifonia enriquecedora, ao fazer proliferar os pontos de vista, ao ser feito de cumplicidades entre criador e receptor(222), ao estimular as questões, as inquietações, as incertezas. Neste sentido, é um género fotográfico problematizador das certezas feitas, refutador de estereótipos e de visões maniqueístas e simplificadoras. A ligação à problematização do real, bem como as restantes características referenciadas, nomeadamente a reivindicação do direito à subjectividade no olhar e à ficção assumida (legitimada até porque as próprias percepções que se têm da realidade já são mediadas e, deste modo, são também uma ficção sobre a realidade), situam o documentalismo fotográfico contemporâneo numa órbita associada à irrupção do Novo Jornalismo nos anos sessenta. As revistas que, actualmente, mais espaço consagram ao documentalismo fotográfico contemporâneo são, provavelmente, a Aperture, a Creative Camera e a Perspektief. A Afterimage, órgão do Visual Studies Center de Rochester, é importante pelo rigor dos estudos que publica: aqui os textos têm uma importância tão grande como a imagem.

A nova fotografia documental combina um estudo atento das temáticas com um largo espectro de estilos e formas de expressão que usualmente se associam à arte, perseguindo mais o simbólico que o analógico, a subjectividade do que a objectividade, perseguindo mesmo, por vezes, a invenção, a ficção construída sobre o real, a encenação interpretativa (Fig. 40). Aqui, a prova de verdade e credibilidade não tem lugar, não o tendo também a inocência.(223) A fronteira entre o documento, no sentido originário do termo, e a arte estreita-se e esbate-se nesses casos. Os novos documentalistas desenvolvem mais comentários visuais sobre o mundo do que geram notícias visuais sobre esse mesmo mundo. Consequentemente, as linhas de trabalho dos fotógrafos apresentam frequentemente diferenças assinaláveis, acentuadas pela aposta na autoria. Porém, entre outros autores, como Salgado (1944-) (Fig. 41), Eugene Richards e Mary Ellen Mark, nota-se uma identificação estilística e temática com os concerned photographers, na tradição da fotografia documental a preto e branco.

Apesar da diferenciação que identifica hoje o documentalismo fotográfico, ocasionalmente há também pontos de confluência entre as obras dos fotógrafos documentais. Exemplificando, a nova fotografia inglesa, saída do thatcherismo, mistura, numa nova estética documental, o realismo e o inexpressionismo retórico, o que se nota, por exemplo, em Anna Fox e Martin Parr. Contudo, paradoxalmente mistura-se nessa estética uma subjectividade quase intuitiva que impele a conotação e o contexto. É como um realismo pós-moderno a despontar em imagens que parecem espontâneas, mas que nem sempre o são, em imagens que procuram representar contextualizadamente um pouco da realidade de uma civilização presa ao seu próprio desenvolvimento. No documentalismo fotográfico contemporâneo subsiste também alguma coincidência temática.

Verifica-se, pelo que foi exposto, que, tal como qualquer outro tipo de fotografia, o documentalismo não pode evitar a influência da história, do meio social, da cultura e do momento civilizacional em que a cultura se reflecte. No actual momento, parece-nos precisa e válida a sistematização das características do documentalismo fotográfico contemporâneo feita por Margarita Ledo Andión (1993) no seu livro com o mesmo nome:

Assim, as práticas mais representativas do documentalismo fotográfico contemporâneo inovador seriam, e ainda subscrevendo Margarita Ledo (1993): A produção dos documentalistas contemporâneos não se esgota no ensaio nem num ponto de vista interpretativo ou opinativo. Vai, de facto, mais longe, jogando nos terrenos da representação, da ficção e da hiper-significação, sendo o contexto e a historicidade encarados como os factores determinantes para a compreensão.

Se do debate sobre o fotojornalismo após a Segunda Guerra surgiu a Magnum, as questões que hoje se levantam a alguns fotógrafos estiveram na origem da fundação da organização Droit de Regard, em França, em 1990. Nesse ano, a organização, animada, entre outros, por Patrick Zackmann, da Magnum, lançou o Manifesto dos Fotógrafos-Autores, o seu texto fundador, que em grande medida sintetiza o que vai na alma dos documentalistas actuais. Entre outros pontos, os fotógrafos-autores reivindicam o direito à subjectividade, a promoção da noção de autoria na foto, o controle sobre a edição e o mise-en-page (ou o mise-en-scéne nas exposições), o direito à assunção da personalidade e do ponto de vista particular de cada fotógrafo no acto fotográfico, o direito do fotógrafo a implicar-se no fotografado. Ao fim e ao cabo, reivindicam o direito do fotógrafo a controlar a imagem e a mensagem que ela possa reflectir.(224)

Apesar da diversidade de suportes de difusão procurada pelos fotógrafos documentalistas, a imprensa de qualidade, especialmente a europeia, parece estar a abrir espaços para o documentalismo, como provam as séries de Trabalho, de Sebastião Salgado, publicadas pelo Expresso, pelo El Pais, pelo Grama ou pelo Frankfuerter Allgemeine, ou as séries de Migrações, do mesmo fotógrafo, publicadas pela Visão, em 1995; ou como o provam as políticas que Caujolle desenvolveu quando esteve no Libération (talvez um dos principais impulsionadores destas alterações no campo dos media impressos de qualidade), as políticas de Giovanna Calvenzi, no Sette, ou de Colin Jaobson, no The Independent. Como se vê, novos editores retomam políticas editoriais em favor da fotografia de autor, da foto-reportagem, do ensaio fotográfico, do projecto. São ainda casos um pouco isolados, mas representam um novo pioneirismo editorial, como o que animou Stefan Lorant ou Karl Korff nos anos vinte e trinta. Além disso, contra o predomínio da infografia e do design visual do jornal pós-televisivo, assiste-se, nos quality papers, a um certo retorno às fórmulas clássicas do fotojornalismo na imprensa, como nos casos portugueses do Público (principalmente) e do Expresso.

Provavelmente, os quality papers sentem a necessidade de oferecer ao comprador um produto que se distinga dos restantes, razão pela qual surgem estas pedradas de profundidade, subjectividade, conotação e até ambiguidade no charco do superficial, da espectacularidade, do glamour-beleza, do institucional, enfim, da "ilustração"; no charco da denotação e da univocidade.
 
 

Alguns fotógrafos dos Anos Frios

Nos anos da Guerra Fria, se vários fotógrafos reinventaram o fotojornalismo de guerra durante o Vietname, outros distinguiram-se em áreas diferentes.

Don McCullin revelou-se um perfeccionista formal, mesmo quando trabalhava na primeira linha dos campos de batalha do Congo, do Cambodja, do Biafra, do Vietname ou do Chipre. Ou quando fotografava as vítimas da fome no Sahel ou a construção do muro da vergonha, o de Berlim, em 1961. Mas o interesse da sua obra reside na utilização desse formalismo: destinou-se, antes de mais, a mostrar, meticulosa e cruamente, o horror, o martiricídio das vítimas de uma série de calamidades, em imagens que expressam conceitos, obtidas em sítios tão diferentes e tão iguais como o Congo, o Biafra, o Líbano, Chipre ou a Irlanda do Norte.

Fotógrafo do Sunday Times, McCullin jogou ao lado dos concerned photographers, moralistas e humanistas. A sua particularidade residiu na forma como jogava com a estética do horror para fazer campanha a favor da paz e da solidariedade na Terra.

Phillip Jones Griffiths, da Magnum, esteve no Vietname de 1966 a 1968 e em 1970. Distinguiu-se pela discrição que colocou no seu trabalho fotográfico, um método cuja intencionalidade só se percebeu quando publicou uma das críticas mais devastadoras que se fizeram fotograficamente contra a Guerra do Vietname, o fotolivro Vietname Inc., editado em 1971. As suas fotos, entre as quais uma de prisioneiros vietcongs ligados por uma corda ao pescoço como se fossem animais, foram, julgamos, das que mais inculcadas ficaram na memória das pessoas e das que, provavelmente, mais colocaram o público norte-americano contra a guerra.

Depois da guerra, foi a Àsia que mais seduziu Griffith. A maior parte das fotos do seu livro Dark Odyssey, editado em 1997 pela Aperture, são desse continente. Mas o álbum também integra fotos de África, Inglaterra, França, Granada e do Sudão, onde, em 1988, observou a guerra movida pelos muçulmanos integristas de Cartum aos cristãos e animistas do Sul do país. Neste país, são particularmente chocantes as graficamente intensas fotografias que realizou num campo vigiado onde foram internadas crianças que desenvolveram deficiências psíquicas devido à violência. Essas fotos são, de algum modo, um protesto visual eloquente contra a violência política.

Também no Vietname distinguiu-se o fotógrafo Horst Faas, principalmente pela ambição e empenho com que desenvolvia a sua caça ao scoop. Fotógrafo da Associated Press em Saigão, Faas organizou uma rede de informadores e de fotógrafos, mesmo amadores, que contactava através de cinco telefones instalados no seu gabinete. Os informadores rapidamente o punham ao corrente das novidades ou enviavam-lhe fotografias, que Faas distribuía.

O inglês Larry Burrows, de quem —erradamente— se conta ter estragado, ao revelá-lo, o filme de Robert Capa da invasão da Normandia, era um fotógrafo de grande sensibilidade, que aliava a uma capacidade estético-compositiva uma técnica fora do comum. Era também formalmente rigoroso: chegava quer a desenhar previamente esboços das fotografias que contava obter durante as reportagens quer a usar um termocolorímetro na cobertura de guerra. Para uma reportagem sobre a guerra aérea no Vietname, por exemplo, chegou a fazer doze desenhos para outras tantas composições fotográficas que ele previa realizar e publicar. Uma dessas estava concebida para que numa só fotografia se pudessem contemplar o capacete do piloto, os comandos do avião, a explosão da bomba e a paisagem (a fotografia a funcionar como um signo condensado). Para conseguir essa imagem singular, provou vários tipos de aviões das forças americanas e participou em onze incursões aéreas fotografando. Noutra reportagem, colocou uma câmara no exterior da carlinga do helicóptero para poder captar o soldado com a metralhadora a partir de fora.

Larry Burrows foi um fotógrafo que, não obstante ter-se colocado numa postura de observador externo da guerra (chegou a recusar trocar a nacionalidade britânica pela americana), esteve frequentemente perto do sofrimento das populações. Uma das suas reportagens mais conhecidas reporta o sofrimento de um menino vietnamita ao qual foi amputada uma perna durante um bombardeamento, enquanto outra narra fotograficamente a saga da readaptação de um menino vietnamita que tinha estado bastante tempo nos Estados Unidos para ser operado e que havia esquecido a língua materna, pelo que não conseguia comunicar com os seus familiares. Além disso, o fosso cultural que separava o menino da sua família era enorme.

Burrows estava em Da Nang a trabalhar para a Life, em 1959, quando os americanos desembarcam. Na primeira fase da guerra, ele terá sido mesmo o fotógrafo mais inovador, mantendo sobre a realidade um ponto de vista assumidamente crítico. Viria a ser um dos 39 repórteres mortos em serviço na Guerra do Vietname, quando, em 1971, ao fotografar a invasão sul-vietnamita do Laos, o helicóptero em que seguia foi abatido por cima dos desvios laosianos da rota de Ho Chi Minh.

Outros grandes fotógrafos destacaram-se na mesma época, embora por outras abordagens temáticas e diferentes conceptualizações da fotografia, estilos e pontos de vista. Por exemplo, as fotografias mais famosas de outro importante fotógrafo, Josef Koudelka (1938-), são, porventura, as do esmagamento da Primavera de Praga pelas tropas soviéticas e dos seus aliados do Pacto de Varsóvia, em 1968. Sem recorrer à estética do horror, e estando "em cima do acontecimento", conforme a máxima de Capa, Koudelka conseguiu representar magistralmente um povo que se erguia contra a opressão, em imagens que partilham o sentido do heroísmo e a tensão.

Koudelka partiu para o exílio em 1970. Um ano antes as suas fotos tinham sido difundidas em todo o mundo, sem menção do autor, e Koudelka, como anónimo, recebeu a medalha de ouro do Robert Capa Overseas Press Club. Será apenas em 1984, após a morte do seu pai, que tinha ficado na Checoslováquia, que Koudelka reconhecerá a autoria das fotografias. Entretanto, em 1971, aderiu à Magnum.

Antes da série sobre a Primavera de Praga, Koudelka trabalhou num outro projecto, desde meados dos anos sessenta: a vida dos ciganos. Constituiu um espólio testemunhal que coloca questões ao observador sobre a vida e o destino desses nómadas, através do equilíbrio de formas conjugado com as indecisões gestuais dos sujeitos representados. É nesse equilíbrio formal, cuja harmonia é quebrada pela estranheza singular de motivos insólitos (como na foto de uma ave pendurada numa corda pelas patas — Irlanda, 1978), que se joga o sentido de algumas das suas imagens.

Na área do fotodocumentalismo inovador pode salientar-se Lee Friedlander (1934-).

Posicionado no campo do fotografia de "paisagem social" (Social Landscape foi o nome de uma exposição colectiva em Rochester, em 1966), Friedlander concentra-se nos espaços urbanos, mas representando-os como uma associação simbólica criptográfica. Mesmo os ambientes familiares tornam-se, pela sua abordagem, em coisas estranhas, artificiais. Assim, obriga o observador a conotar, a interpretar, mesmo que essa interpretação seja frequentemente difícil devido aos signos que, sob a marca da efemeridade, são postos no campo fotográfico: reflexos nas vitrines das lojas, arranjos artificiais, letreiros ou televisões difundindo imagens que se tornam quase fantasmagóricas.

Em 1975, um grupo de fotógrafos fotografou os subúrbios de Paris, por incumbência do governo francês. Com o seu trabalho, procuraram documentar os graves problemas vividos pela população dessas áreas, constituindo um exemplo recente do fotodocumentalismo europeu.

Pelo final dos anos setenta, a revolução sandinista na Nicarágua permitiu a Susan Meiselas (1948-) —que, mais tarde, veio a dirigir a Magnum USA— evidenciar-se como fotógrafa. Sem temer a proximidade da acção, Meiselas realizou, na Nicarágua, uma foto-reportagem recheada de acção que se distingue pelo uso simbólico da cor. Todavia, na sua reportagem, Meiselas também representa o dia a dia do homem comum e dos soldados num ambiente de guerra: ela aposta não apenas no choque, mas também na conotação e no contexto. A ambição é a de testemunhar, mas de testemunhar com profundidade: é preciso entender para fotografar bem, parece ser a conotação última que se pode extrair do conjunto da sua obra. O fotojornalista tem de estar informado, tem de conhecer, tem de se formar e educar, não apenas sobre o seu ofício, mas sobre os problemas que afectam o mundo e os seres que nele habitam.

O primeiro grande trabalho de Meiselas foi a realização de um projecto documental sobre as road strippers norte-americanas, que virá a originar o livro Carnival Strippers. Ela partilhou com as strippers três anos de vida, percorrendo o Nordeste americano durante o Verão, observando como, por alguns dólares, essas jovens mulheres se despiam, permitindo que as olhassem, tocassem ou até lambessem. Alojou-se com elas nos hotéis baratos, lavou a roupa com elas, preparou os espectáculos com elas. Passando despercebida, conseguiu realizar fotografias de valor inestimável, raramente posadas, que geram fortes empatias entre o observador e as personagens representadas.

Susan Meiselas esteve também na Argentina, em Moçambique, no Curdistão e em El Salvador. Neste último país faz uma das suas fotos mais simbólicas: fotografa as sombras de prisioneiros das forças de segurança, com as mãos na nuca. Foi em El Salvador, mas poderia ter sido em qualquer outro local do mundo.

Na década de oitenta o mundo começa a ouvir falar de um dos grandes fotojornalistas da actualidade — James Nachtwey, da Magnum, um dos raros fotojornalistas premiados quatro vezes com o prémio Robert Capa e duas vezes com a foto do ano do World Press Photo (1992 — foto de uma mulher somali que coloca na terra o seu filho morto pela fome, embrulhado num lençol; 1994 — Hutu ruandês com a cabeça mutilada). [Outros premiados duas vezes foram David C. Turnley, da Black Star (1988 — um arménio chora o seu filho morto no tremor de terra que ensanguentou a Arménia; 1991 — um sargento americano faz um esgar de dor ao saber que o corpo que repousava junto dele era de um seu amigo, vítima de tiros aliados no último dia da Guerra do Golfo), e Kyoichi Sawada, da UPI/Bettmann News Photos (1965 e 1966, com fotos da guerra do Vietname).]

Nachtwey partilha com Capa a proximidade da acção e o facto de ser sobretudo um fotógrafo de guerra. Na década de Noventa, cobriu os massacres do Ruanda e a intervenção humanitária na Somália. Em 1989, tinha reunido no livro Deads of War as suas fotos da guerra na Nicarágua, da luta fraticida na Irlanda do Norte, da acção dos esquadrões da morte na América Central e da Guerra Civil do Líbano. Trata-se maioritariamente de spot news, geralmente sem grande atenção à composição, mas brutais e terríficas. Aliás, um esteticismo exagerado pode ser contraprudecente quanto se trata de representar a brutalidade dos conflitos, embora também possa funcionar, como o provou Larry Burrows.

Yves-Guy Berges tornou-se conhecido quando fotografou a guerra da independência argelina, país onde regressou em 1992, para abordar a problemática do terrorismo fundamentalista. Esteve também no Congo, no Vietname e no Cambodja. Tem ainda fotografias fora do vulgar da Amazónia. Aqui, ele tentou combinar o humor e a acção numa fórmula pessoal de fotojornalismo. Todavia, as suas fotos mais conhecidas são, provavelmente, as da sexta-feira negra da revolução iraniana: foi o único fotojornalista que fotografou os massacres perpetrados pelas forças da ordem do lado dos manifestantes que pediam a partida do Xá. Nesse dia, morreram 30 iranianos.

Guy Berges é também um dos paradigmas da mobilidade dos fotojornalistas, pois já esteve na Gamma, na Sygma, no France-Soir e no Le Figaro.
 
 

Exemplos de diversidade:

Alguns fotógrafos documentalistas contemporâneos

O conceito de documentalismo fotográfico na contemporaneidade é tão abrangente que permite a inclusão no género de uma grande multiplicidade de fotógrafos. Três grandes agências com nome feito congregam alguns desses fotógrafos, a Magnum, a Vu e a Contact, mas muitos, por opção ou necessidade, trabalham independentemente das agências.

Martin Parr, da Magnum, hoje aposentado, foi talvez um dos fotógrafos mais inovadores dos últimos tempos. No seu trabalho, nota-se a procura dos padrões culturais da "classe média" (mais em termos educacionais que económicos) e a busca dos esquemas de consumo dessa "classe" — nos lares, nas lojas, nas actividades turísticas. Para gerar significação —especialmente para representar o consumismo, por ele entendido como exagerado—, Parr usa imagens minimalistas, cheias de cores fortes (com Paul Graham, Paul Reas e outros, Parr é um dos fotógrafos do movimento new color), quase atingindo a saturação cromática. O kitsch e a ironia são acentuados pelas representações patéticas das personagens que surgem nas fotos do autor. A obra de Parr é também um manifesto em favor de uma emancipação social, de abertura em desfavor de um artritismo social de que enfermaria a sociedade britânica. Nesta linha, ele aproxima-se dos concerned photographers. No Ano Santo (1993), colaborou no projecto Sobre Santiago: Tres de Magnum.

Karen Knorr desenvolveu um projecto semelhante ao de Parr, retratando ironicamente o universo dos gentlemen britânicos e da "nata da sociedade" nos seus ambientes, que fez acompanhar de frases corrosivas. A sua abordagem das temáticas sociais concretiza-se, assim, numa crítica ao capitalismo. Uma das suas fotos mais emblemáticas —mas, porventura, também mais estereotipadas— é, inclusivamente, aquela em que um corvo pousa sobre uma caveira —a morte— pousada no limbo das moedas (o capitalismo) e das misérias em que este alegadamente assenta, estas figuradas por um pano negro sobre o chão. Por trás, adivinha-se o peso das instituições capitalistas devido ao sólido e pesado edifício que surge no plano de fundo. Esta foto é também, evidentemente, um dos exemplos mais perfeitos da insinuação da arte, do complexo e da ficção discursiva no campo documental, coisa até há alguns anos atrás impensável.

Na Grã-Bretanha, Nick Waplington, que tal como Parr usa significativamente a cor, publicou Living Room, na Aperture. É um álbum de imagens, realizadas ao longo de quatro anos, da vida familiar, das pequenas situações do quotidiano, dos operários londrinos que viviam ao lado do avô de Waplington num programa de habitação social. Em várias fotos, o humor está subjacente, mas o observador tende mais a rir-se com as personagens representadas do que a rir-se delas. Waplington joga frequentemente com a estranha organização das pessoas nos espaços domésticos e com uma grande intensidade cromática para atingir os efeitos desejados.

Uma fotógrafa documental da actualidade que usa a cor, na linha de Martin Parr, é Nan Goldin. A sua fotografia é ultra-intimista, uma vez que, com as suas fotos, apenas olha para a sua vida e a dos seus amigos, que são os únicos sujeitos representados nas imagens, um pouco à semelhança do que Larry Towell fez com a sua família e Eugene Richards com a sua mulher. A Aperture já publicou um livro de Nan Goldin, com fotografias realizadas em Nova Iorque, abordando o sexo, a droga, as despedidas, a violência e a tensão permanente das relações passionais. São imagens com flash, directas, sem maneirismos, em enquadramentos que aproximam o observador dos sujeitos fotografados, concretizando, desta forma, um ténue voyeurismo.

O Reino Unido pós-industrial de Chris Killip e In Umbra Res, de Paul Graham, uma abordagem da martirizada cidade de Belfast, são dois outros trabalhos documentais recentes e emblemáticos. Graham concentra a atenção no que está perto de si, no lugar onde se desenvolvem os acontecimentos e onde se despoletam problemáticas, em fotografias intensamente conotativas, usualmente difundidas em suporte livro.

Jane Evelyn Atwood é outra das fotógrafas que elege temas que vão contra as rotinas e os news values dominantes na imprensa: os cegos, a prostituição, a SIDA. Jane Atwood não se preocupa tanto com o número de temas, mas sim com o seu tratamento, feito ao longo de projectos que duram muito tempo. A fase final do trabalho, a edição, é algo que a fotógrafa não abdica de controlar, desde o texto ao design e à editoria.

Numa abordagem não estereotipada, Jane Evelyn Atwood representou, por exemplo, a dor dos doentes e idosos nas camas "da morte", agarrando-se, por vezes, a móveis, tentando levantar-se, erguer-se para a última centelha de vida, angustiados pela eminência da morte, que, porventura, não vêem como libertação mas como liquidação. São imagens chocantes, as que a fotógrafa nos oferece. São imagens que mexem com a consciência tranquila dos bem instalados, que não querem ver e preferem a ignorância. Para estes, ver talvez não seja apenas um direito, mas um dever.

Patrick Zackmann é, por seu turno, um incondicional defensor da subjectividade do olhar fotográfico, o que se demonstra pelo empenho que colocou na fundação da Droit de Regard.

A fotografia de Zackmann oscila entre a exploração dos espaços de intimidade dos fotografados, partilhados com o fotógrafo, e a atenção aos objectos significativos, como ocorre numa foto em que o relógio de parede está implantado na escultura do tronco e cabeça de um culturista musculado.

Patrick Zachmann elegeu a diáspora chinesa no mundo como tema do seu trabalho após 1986. A sua visão, sendo pessoal e subjectiva, tem, contudo, mais preocupações documentais do que de intervenção social.

Em Espanha, os casos de Miguel Trillo e do galego Manuel Sendón são expressivos do documentalismo fotográfico contemporâneo ibérico.

Miguel Trillo debruça-se sobre a cultura urbana, incluindo as culturas juvenis, usando planos frontais, retratando com contexto, lutando pelos seus frames. Manuel Sendón também representa a cultura urbana, mas em Paixases faz sentir não só o desejo de natureza que apresentam os citadinos como também o absurdo que é procurar satisfazer esse desejo através de cartazes afixados em paredes. Todavia, a representação fotogáfica é, aí, enganosa, pois parece, de facto, que as pessoas se movem em cenários naturais e em espaços abertos: é a vida na natureza como uma ficção resultante dos desejos urbanos; é mesmo o mundo estranho das selvas de betão em que a própria natureza é mostrada pelas suas representações. Trata-se de uma das expressões mais visíveis de recodificação de modelos visuais pré-existentes.

A exemplo dos outros dois fotógrafos espanhóis, o galego Xurxo Lobato, chefe de fotografia do Voz de Galicia, atenta no kitsch, nos contrastes entre o urbano e o rural, o beato e o pagão, na sua pátria. O suporte livro é o seu preferido para a difusão do seu trabalho de projecto, tendo já editado Retratos e El camiño de Santiago.

Anna Fox também partilha dessa quase obsessão pelo meio urbano, pela vida encerrada, encaixada, em paredes de betão, mas em que se nota a vontade de sair daí, preferencialmente a grande velocidade, como nos parece que sugerem algumas fotografias de Work Stations, nas quais o movimento dos sujeitos é acentuado pela utilização de velocidades lentas (efeito de arrastamento).

A ficção documental segue adiante com a fotomontagem de Martha Rosler, onde a cientista norte-americana Ethel Rosenberg, executada com o marido na cadeira eléctrica, em 1953, por alegada espionagem, figura numa cena doméstica.

Entre o americano Eugene Richards, o brasileiro Sebastião Salgado e a também americana Mary Ellen Mark nota-se uma identificação estilística e temática. Não só é o ser humano o centro da abordagem fotográfica como também, nas obras de todos eles, se revela um certo humanismo, que talvez chegue ao humanitarismo. Trata-se, afinal, de uma revivência do concerned photojournalism.

Richards usa preferencialmente o preto-e-branco nos foto-ensaios que realiza, entre os quais avultam um trabalho sobre as emergências hospitalares e outro sobre os viciados em crack de Nova Iorque. Mas o seu trabalho mais emblemático continua a ser o que fez sobre o sofrimento da sua mulher, que tinha um cancro num seio. Richards acompanhou-a nas suas visitas ao hospital e durante os tratamentos, até que, ao fazer uma mastectomia, Dorothea morreu. Juntos tinham realizado um dos mais belos fotolivros do mundo: Exploding Into Life.

O trabalho de Eugene Richards, da Magnum, tem mais semelhanças com o de Hine do que com o de Riis, já que a abordagem é manifestamente interventora mas predominantemente não estereotipada: as pessoas não são categorizadas, não é apenas o negro do subúrbio que é viciado ou vítima da violência. Não é apenas nos bairros pobres, mas em toda a cidade, que se vêem pedintes. Não se distinguem arquétipos raciais e de classe nas imagens. E emana também das suas fotografias uma naturalidade e uma graça cândida que resulta da ausência aparente de efeitos compositivos: o fotógrafo parece que se anula para deixar que a foto conte a "estória" das pessoas representadas. Todavia, ao contrário de Ellen Mark, os sujeitos das fotos de Richards aparecem frequentemente como vítimas, o que, nessas situações, e de certa forma, tende a transformá-los em arquétipos. O contexto é sugerido pela série global de imagens e pela atenção dada ao ambiente.

A fotografia de Mary Ellen Mark, que possui um master em fotojornalismo, cobre o mesmo território temático da de Richards, que já tinha sido também o de Riis e Hine: os marginalizados. Nos anos sessenta, Ellen Mark foi uma das primeiras fotógrafas a cobrir as lutas pelos direitos cívicos, nos EUA. Contudo, como se referiu, os marginalizados que fotograficamente representa não surgem dominantemente como vítimas: pensam, agem, e frequentemente agem mal e pensam mal. Ou bem. O foto-ensaio da fotógrafa sobre os meninos da rua em Seattle é paradigmático: os meninos têm armas e podem usá-las. Ou não. Na cultura de rua, possuir uma arma é ter poder, um poder que pode transformar outros em vítimas, um poder ameaçador e irresponsável de meninos que não fizeram uma socialização integradora e cuja personalidade ainda está em formação. Tendo problemas, eles também se podem transformar num problema para os outros.

Num foto-ensaio posterior sobre a Florida, Mary Ellen Mark usa a cor. E é a cor local convidativa ao descanso e à simplicidade —o céu azul, o pôr-do-sol avermelhado— que vai contrastar com as figuras dos residentes locais que se pavoneiam empertigaitados pelas ruas, pelas praias e pela vegetação subtropical. Trata-se, afinal, de mais uma representação da comédia da vida.

Sebastião Salgado (1944-) é um autor humanista, na linha da boa consciência de Eugene Smith e dos fotógrafos do compromisso social, sobretudo de Hine. E é também um dos nomes mais marcantes e conhecidos da fotografia documental na actualidade, pois, pela forma como aborda os fenómenos sociais, as transformações históricas ou simplesmente a vida quotidiana, obriga o observador a olhar para as suas imagens. A receita de Salgado ainda combina a intenção testemunhal e a perfeição técnica com o integral respeito pelo tema fotografado.

Os primeiros trabalhos fotojornalísticos de Sebastião Salgado foram realizados em Portugal, em 1975, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), uma época em que Portugal fazia primeiras páginas nos jornais de todo o mundo, especialmente nos europeus. Já aí se adivinham a perfeição formal, a estética e a beleza deliberada que tenta dar às suas fotos, inclusivamente como forma de dignificar os sujeitos representados. Notar-se-á menos a atenção ao mediato, em vez de ao imediato. Só mais tarde, em Fome no Sahel, é que se destrinça essa preocupação pela perenidade, pela mudança dos conceitos de temporalidade dos media.

As opções estéticas de Sebastião Salgado também são mais ou menos marginais. Usando o preto-e-branco, como é tradicional no humanismo fotográfico, Salgado investe na qualidade dos contrastes tonais, na textura da imagem (predomínio do grão), na utilização frequente de planos gerais abertos (raros em fotojornalismo, mais polissémicos, mais contextualizadores e menos "agressivos"). Nestes planos ele espalha composições clássicas, equilibradas e lumínicas (por vezes a lembrar a pintura religiosa e mística), frequentemente horizontais. Daqui resulta não só uma certa calma mas também uma certa doçura no olhar, que corresponde a uma intenção humanitária — a de intervir em prol dos sujeitos fotografados. Se as suas intenções são informar e testemunhar, também são fazer compreender e consciencializar.

Salgado recusa a estética do horror, mesmo em situações limite. A sua produção também pouco tem a ver com as dominantes actuais da fotografia de imprensa: o glamour, a foto-ilustração, o institucional, a foto-choque, as imagens que cheiram a sexo, sucesso, violência e espectáculo, numa sociedade democrática alegadamente preparada para ver e onde tudo seria mostrável. Ao invés, ele situa-se sobretudo no que é de importância mediata, no que é profundo e complexo nas sociedades humanas, sem o reduzir (pelo menos, propositadamente) a versões estereotipadas — o Trabalho, as Migrações, a Fome no Sahel. Ele consegue sintetizar o âmago de uma certa parte da sociedade humana, e a foto dispensa a tradução. E é interessante notar que alguns quality papers abrem as portas à edição dos seus projectos fotográficos. Neste sentido, ele, de alguma forma, rompe com os critérios dominantes de noticiabilidade, rompe com as rotinas que nivelam por baixo a edição fotográfica na imprensa.

Em Trabalho, o seu projecto mais ambicioso até agora executado, Salgado aborda o domínio do trabalho social, a ordem que emerge do caos, as relações entre os trabalhadores e o trabalho, entre os trabalhadores em si e entre os trabalhadores e a natureza. Neste último caso, o fotógrafo põe em evidencia quer as relações de domínio quer as de subordinação, embora raramente as de compreensão (repare-se nos danos irreparáveis dos garimpeiros da Serra Pelada à floresta amazónica). Trabalho é uma narrativa, uma epopeia, sobre a sobrevivência do trabalho manual num mundo que avança para a pós-modernidade.

Os aspectos formais adquirem grande importância na fotografia de Sebastião Salgado. É através deles que o fotógrafo consegue que as suas imagens tenham sentido, pois é através da forma que Sebastião Salgado explora o real como um signo, usando para o efeito, também signicamente, a linguagem fotográfica, com base num código gramatical reconhecível. Como resultado, propõe uma leitura do mundo.

Possuidoras, assim, de uma força plástica arrebatadora e envolvente, simbólicas, deixando o observador entre a serenidade e o desassossego, as imagens que nasceram do olhar de Sebastião Salgado sobre o mundo questionam esse mesmo mundo. Deixam o observador entre a serenidade e a inquietude, impõem-lhe respeito pela eminente dignidade da pessoa humana, despertam a compaixão e a boa consciência. A opção pelo preto-e-branco, usualmente simbólica e, por vezes, lírica e poética, reforça o impacto das imagens.

Contrariando as opções de Capa ou, nomeadamente, de Cartier-Bresson, Salgado afirma que para ele não há momentos decisivos, apenas "vidas decisivas, com toda a sua cultura e toda a sua ideologia".

Pode dizer-se que Salgado concilia a estética com a informação e esta com o envolvimento subjectivo do fotógrafo e do observador, procurando ainda dar a entender que a complexidade de um problema profundo raramente pode ser abordada através de uma só imagem. Tal como algumas das suas fotografias se transformaram em símbolos, também Sebastião Salgado se transformou num símbolo de uma fotografia humanista, por vezes mesmo humanitária. E, mesmo sendo um documentalista, Salgado afirma que os seus livros são um subproduto, uma vez que em primeiro lugar trabalha para a edição na imprensa. (Do nosso ponto de vista, Salgado tem razão. As fotos que representam a humanidade não podem ser apenas para os livros ou para as exposições, já que assim não só jogam a favor da não democratização da cultura e do conhecimento como também o seu impacto é menor. Elas têm de regressar às páginas dos jornais e das revistas, têm que estar disponíveis nos ecrãs dos computadores, seja em home pages na Internet ou inseridas em jornais electrónicos. De facto, é isto: elas têm que regressar.)

A grande tradição documental dos concerned photographers produziu, como se vê, uma brilhante geração de fotógrafos humanistas, entre os quais também podemos incluir Lam Duc. O projecto mais conhecido deste fotógrafo é, julgamos, o trabalho da organização Equilibres com as crianças da Roménia — se a fotografia não consegue mudar o mundo, pode contribuir para mobilizar a opinião pública, como o provou Lewis Hine, com o seu relevante contributo fotográfico para a publicação de legislação contra o trabalho infantil nos Estados Unidos.

Sobre o trabalho debruçou-se também Michel Vanden Eeckhoudt, que publicou, em 1996, Les travaux et les jours. Neste álbum, reúne fotografias a preto-e-branco, simbólicas, por vezes alegóricas, sobre o trabalho, cheias de força poética e calor humano, por vezes mesmo cheias de humor. Quer temática quer formalmente, Eeckoudt aproxima-se de Salgado.

Pierre Josse e Bernard Pouchèle, que publicaram, em 1996, o álbum La nostalgie est derrière le comptoir, fizeram uma volta ao mundo, com paragens pelos pontos de encontro que são os cafés, os bares e os pubs, que fotografaram a preto-e-branco e nos fazem sentir saudades por algo que não vivemos.

A espanhola Cristina García Rodero é das documentalistas que mais profundamente prepara os seus trabalhos. Durante duas décadas, Cristina Rodero fotografou os rituais e as festas religiosas católicas e "pagãs" da Espanha profunda, buscando o autêntico entre o visível. Ela é um exemplo do fotodocumentalismo europeu actual, que persegue a autoria e não hesita em recorrer a formas artísticas de expressão para atingir os níveis de significação pretendidos. No documentalismo fotográfico emergente, o fotógrafo observa o que o rodeia, mas assumindo um olhar questionador sobre o mundo. O significado das fotos pode, porém, escapar ao observador numa observação menos atenta ou conhecedora.

O alemão Eberhard Grames, que chegou a ser exibido no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, preocupou-se, logo após a reunificação alemã, em registar as paisagens da Alemanha Oriental, que pareciam estar paradas nos anos cinquenta, antes que desaparecessem ao ritmo imparável do processo. Em França, Yann Arthus-Bertrand empreendeu um vasto projecto documental sobre animais e os seus donos, visando explorar as relações que entre eles se estabeleciam.

O brasileiro Claudio Edinger, que trabalha para a Gamma e está radicado nos Estados Unidos, foi uma das revelações do Visa Pour l'Image de 1991, com o testemunho implacável que deu ao mundo sobre as condições de vida dos deficientes mentais no Brasil. O polaco Witold Krassowski notabilizou-se pela documentação que reuniu sobre o povo polaco —os seus comportamentos, as suas atitudes, as suas acções de rua— nos anos das lutas antiditatoriais e do pós-comunismo, que condensou no livro Visages de l'Est, editado também em 1991. No ano seguinte, Carl de Keyser, da Magnum, iniciou um projecto documental sobre os grupos religiosos americanos, enquanto um ano antes o seu companheiro de agência Guy Le Querrec acompanhou uma tribo Sioux no gelado inverno norte-americano.

Também da Magnum, o fotógrafo e agricultor canadiano Larry Towell iniciou, em 1993, um projecto na mesma temática de Keyser: a vida dos Menonitas. É um documento pleno de serenitude, que indicia o amor de Towell pela Terra. O mesmo sentimento detecta-se, aliás, ainda no seu "álbum de família", um projecto intimista que revaloriza a célula base da sociedade, que está tão próxima de nós mas em que tantas vezes não reparamos ou até esquecemos.

Entre os novos documentalistas, os jovens Eric Vazzoler, Ute Mahler, Jitka Hanslova e Thomas Sanders tornaram-se notados a partir do momento em que expuseram na Galeria Poirel, em Paris, um trabalho sobre a juventude da capital francesa, de Berlim e de Moscovo. Tratava-se de um conjunto de imagens mais interpretativas e interpelativas que voyeuristas, um conjunto de imagens que despoletava mais a vontade de agir sobre o mundo do que debater esse mundo. As fotografias violentas que faziam parte do conjunto pareciam contribuir para exorcizar os fantasmas e medos das sociedades urbanas. Ou talvez não…

Em 1994, foi apresentado num dos maiores festivais de fotojornalismo do mundo, o Visa Pour l'Image, um trabalho inovador desenvolvido por Peter Ginter, Peter Menzel, Alexandra Boulat e Louis Psihoyos, da agência Cosmos. Trata-se de Material World, um projecto colectivo em que famílias "típicas" (isto é, consideradas "típicas" pelos fotógrafos) dos Estados Unidos, Argentina, Mali, Japão, Bósnia e Rússia, entre outros países, foram fotografadas em frente às suas casas, em pose, rodeadas dos seus bens. Uma forma de salientar diferenças e convergências na visão do mundo e nos estilos de vida de cada povo.

As famílias motivam também o projecto que Uwe Ommer pretende realizar até ao ano 2000. Este documentalista tem por objectivo fotografar mil famílias de 150 países, nos seus diferentes ambientes e expressões, para abordar as questões da tradição e da coabitação mundial à viragem do milénio.

Stephen Dupont, um australiano da agência EPG, realizou, entre Junho de 1994 e Abril de 1995, um trabalho documental sobre os últimos comboios a vapor na Índia, que nos mergulha num tempo passado que teimosamente se perpetua no presente devido aos problemas económicos do país. A Índia surge, assim, aos olhos do observador como um país adiado no tempo, uma perspectiva que também parece emergir de um foto-ensaio anterior sobre as escolas indianas e filipinas.

Outro fotógrafo, Philip-Lorca di Corcia tenta desdramatizar a realidade —ou, pelo menos, lançar uma maior compreensão sobre ela—, conjugando um olhar positivo sobre temas incómodos com a encenação e o hiper-realismo quase absurdo de figuras estereotipadas em cenários que não o são. Nas fotos encenadas da série Strangers, por exemplo, ele faz posar prostitutas e prostitutos pagos num cenário em que a sua actividade marginal adquire um estatuto de insignificância, perto, talvez mesmo, do zero absoluto. Assim, di Corcia obriga à implicação do observador na contextualização da imagem, de forma a que este chegue às relações fenoménicas para as quais pretende chamar a atenção: 1) a prostituição é uma chaga social, mas os profissionais têm direito à dignidade e compreensão; e 2) é preciso ter em atenção até que ponto a prostituição desempenha um papel relevante na disseminação de doenças perigosas ou mesmo mortais, como a SIDA ou a Hepatite B.

Viviane Moos, com as suas fotos das prostitutas do Recife, no Brasil, o indiano Raghubir Singh, que fotografa as gentes do seu país, desde 1966, o italiano Dario Mitidieri, que, ao serviço do The Independent e do The Sunday Telegraph, fotografou as crianças das ruas de Bombaim, com um toque de poesia, e Colin Gray (1956-), com a série Parents, uma reflexão sobre os laços familiares e ao que ocorre na sua órbita, são a prova de que os temas sociais continuam presentes, porque são pertinentes, no campo fotojornalístico (documentalístico). Mitidieri, inclusivamente, prepara já um trabalho documental sobre a religião no mundo.

A Índia, seu país natal, é o grande tema orientador do trabalho de Raghubir Singh. Este fotógrafo trabalha principalmente em cor, e os seus dois grandes projectos executados até ao momento, ambos extraordinariamente rigorosos e reveladores de um realismo assumido, já foram reunidos em livro: The Grand Trunk Road, um fotolivro pretende olhar com atenção para a rota mítica com o mesmo nome, que atravessa o Norte do país, Bombaim, o Este e o Oeste, fazendo a ponte entre o moderno e o antigo; e Bombay, uma obra onde Singh tenta revelar ao mundo as realidades dessa metrópole caleidoscópica.

Gaijin Story, o projecto vencedor do Prémio Niepce em 1996, revelou mais um documentalista "tradicional", que, sem abdicar da autoria, se insere na linha dos concerned photographers: Xavier Lambours. O livro evidencia a integralidade do trabalho do fotógrafo, que se traduz na protagonização de um olhar arrogadamente estrangeiro sobre o Japão. As representações fotográficas revelam, assim, um país algo estranho, embora fascinante.

Paolo Pellegrin, um italiano da agência Vu, que trabalha na linha dos concerned photographers, é outro fotógrafo documentalista referencial: fotografou os transexuais em Roma e abordou as migrações na Europa e os problemas da SIDA na Europa e no Uganda, onde seguiu uma equipa de médicos tradicionais.

Não obstante ter enveredado pelo freelancing fotodocumental, o francês Alexis Cordesse tem sido bastante divulgado, talvez porque se pode alinhar, em certa medida, com os concerned photographers, o que, hipoteticamente, vai ao encontro das expectativas da generalidade dos leitores de jornais e revistas "de qualidade" ou "sérios". A sua primeira reportagem foi realizada em 1991, quando acompanhou uma equipa dos Médicos Sem fronteiras nos campos de refugiados curdos do Iraque. Está agora a trabalhar num projecto sobre a SIDA. Todavia, por vezes a linha de trabalho de Cordesse é essencialmente fotojornalística (em sentido estrito), como na ocasião em que fotografou a guerra civil na Somália, onde testemunhou a fome, e na altura em que fez uma reportagem sobre Kabul sob as bombas, em Janeiro de 1995.

O afro-americano Roy DeCarava (1919-) era um conhecido quase somente dos especialistas até 1996, ano em que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque organizou uma exposição sobre a sua obra que, até 1999, percorrerá os EUA, a partir da Big Apple, e o mundo. No entanto, as suas fotografias, que se inscrevem na tradição documental humanista, sempre foram vendidas a preços superiores à média. De facto, ao contrário de outros grandes fotógrafos afro-americanos, como James van DerZee (o fotógrafo de casamentos que regista para a posteridade o renascimento burguês do Harlem, e cuja originalidade apenas foi reconhecida no fim da sua vida), De Carava, um autodidacta em fotografia, atingiu, para os especialistas, o estatuto de mestre relativamente cedo, tal como outro americano negro, Gordon Parks, o paradigma do sucesso fotográfico entre os afro-americanos.

A obra de Roy DeCarava impressiona mais pelo negrume sombrio do que pela temática (a condição dos negros americanos, especialmente em Nova Iorque, particularmente em Harlem). As imagens finais da exposição revelam, além disso, uma dedicação dificilmente superável ao trabalho em laboratório, visível na saturação dos negros, nos contrastes e no grão finíssimo.

Em algumas fotografias de DeCarava, a figura humana está ausente e a sua presença anterior (e, provavelmente, posterior) nos locais adivinha-se pelos objectos observáveis dentro do campo fotográfico. São fotos que remetem, assim, para o fora de campo, para a exploração do contexto. Noutras fotos, alguns rostos são amputados pela metade, o que gera o mesmo efeito exploratório, pois, pelo menos, o observador é obrigado a reintegrar a imagem. Noutras fotos ainda, revela-se a composição geométrica, assente em linhas fortes, o que o aproximam de Kertész ou Cartier-Bresson.

Os seus livros, de que controlou decididamente a edição, revelam-nos, no conjunto, a figura do autor-artista, que, sem fugir à grande tradição fotográfica documental, não abdica de um olhar próprio sobre o mundo — mais do que um ponto de vista interventor, é apenas a subjectividade da vidência e a compreensão do mundo que lhe aparentam interessar. Não publicou muito, mas o que publicou tem qualidade: The Sweet Flypaper of Life (1955), Roy DeCarava: Photographs (1981) e The Sound I: The Jazz Photographs of Roy DeCarava (1983). Este último reunia fotos realizadas vinte anos antes.

Tal como Evans ou Lange, DeCarava trabalha frequentemente com arquétipos, principalmente com as figuras de rua, concentrando a atenção na pessoa como ser social. Não são, deste modo, as figuras públicas que lhe interessam, mas a gente comum, próxima dele, mesmo quando fotografou a marcha pelos direitos cívicos em Washington, a 28 de Agosto de 1963.

Michel Huet, o fundador da agência Hoa-Qui (especializada no documental, embora também na fotografia de viagens e de lazer), reuniu uma impressionante documentação fotográfica sobre a vida em África no período historicamente importante da pré-descolonização, os anos Cinquenta e Sessenta. São fotos acentuadamente "realistas", cuja intenção é, principalmente, testemunhar, como o fizeram Vroman ou Curtis, e cuja temática incide principalmente nas manifestações da cultura tradicional.

Em 1995, o prémio W. Eugene Smith em Fotografia Humanista foi atribuído a mais um documentalista revelado ao mundo, o russo Vladimir Syomin. Syoman realizou um projecto revelador da sua visão sobre a alma russa, focando a gente comum, que labuta, sofre e alegra-se longe da ribalta dos políticos russos.

Fotógrafos conhecidos noutras áreas da fotografia que não o documental enveredaram, em certas ocasiões, por este campo. O fotógrafo publicitário e de moda Jean Larivière, por exemplo, empreendeu, em 1996, um vasto projecto pessoal sobre a Birmânia. O resultado é uma série de fotos que o colocam na linha da grande tradição do humanismo fotográfico a preto e branco: planos gerais, composições equilibradas e lumínicas, contrastes cuidados, grão que tanto pode ser fino ou grosso, consoante o efeito pretendido, presença do elemento humano, mesmo que seja preciso descobri-lo na grande paisagem, nos grandes cenários naturais ou urbanos. A fotografia de Lariviére é, pois, uma fotografia lírica, poética, que, embora sem preocupações de intervenção, sensibiliza e, assim, cria empatias entre os cidadãos do mundo.



CAPÍTULO XII

A TERCEIRA REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO

1989 é o ano de referência no que respeita às mudanças socio-civilizacionais registadas no Mundo a partir dos inícios dos anos oitenta. É o ano da queda do Muro de Berlim, que simboliza, talvez, o fim da era das ideologias políticas. Esta, nos escombros da Primeira Guerra Mundial, havia substituído a era do progresso e do positivismo em que a fotografia nasceu (século XIX). Por sua vez, as crenças que virão a substituir a era das ideologias políticas ainda se estão a desenhar, mas talvez tenham a ver com os valores do individualismo, com a visão da economia como praxologia, com a formulação da comunicação como nova ideologia, e com a "ressureição" de Deus, isto é, com o Sagrado a invadir, de novo, o Profano, como tão bem soube expressar fotodocumentalisticamente Cristina García Rodero.

A terceira revolução do fotojornalismo tem, assim, por cenário, o ambiente conturbado dos anos oitenta e noventa. Nesta época, entre outros fenómenos, dá-se: a) a queda da Cortina de Ferro, simbolizada na queda do Muro de Berlim e na desagregação da União Soviética, e a derrocada do poder soviético, visível na retirada do Afeganistão; b) o aumento do turismo, mas também das migrações (tema do mais recente projecto fotodocumental de Salgado); c) a irrupção em força das novas tecnologias da comunicação e informação, como as redes globais, e a emergência de uma certa ideologização da comunicação; a comunicação transnacionaliza-se, internacionaliza-se; d) o conflito das Falkland, o raide aéreo norte-americano sobre Tripoli, a Guerra do Golfo, a invasão do Panamá, a invasão de Granada, as guerras na ex-Juguslávia, na Libéria, no Ruanda, e na Tchéchénia, entre muitas outras, sobretudo locais, étnicas (mesmo se com base política de luta pelo poder) e fronteiriças; e) a transnacionalização e integração dos mercados e o crescimento em flecha das economias dos Tigres do Pacífico e da China continental; f) a expansão da democracia e do respeito (pelo menos teórico) pelos direitos humanos; g) o fim de conflitos locais como o de El Salvador e o da Nicarágua; h) a redefinição do quadro político-administrativo e militar no Médio Oriente e nas antigas repúblicas soviéticas; i) o surgimento do direito de intervenção armada "humanitária", com o caso da Somália; j) a multipolaridade e a emergência dos EUA como a única superpotência; k) a globalização dos modos de vida; l) a irrupção de nacionalismos e fundamentalismos, frequentemente de cariz agressivo; e m) o (re)advento dos Estados Unidos e da sua cultura-miscelânia de vocação planetária, o que, associado à potência da sua economia e das suas convicções culturais e ideológicas triunfantes (mercado, democracia, direitos humanos…), faz prognosticar que o próximo século poderá ser americano. Mesmo assim, desde os finais dos anos oitenta que os olhares do mundo estão concentrados na Europa, devido a acontecimentos como (a) a queda dos regimes socialistas do Leste e a sua transição para democracias representativas e economias de mercado, (b) as adesões à União Europeia, antecedidas de referendos, (c) a refundação política italiana, (d) os conflitos na ex-Juguslávia, (e) o alargamento da NATO e (f) a morte da Princesa Diana e os respectivos funerais, num acidente alegadamente provocado por paparazzi, que, inclusivamente, colocou perante a opinião do público aspectos éticos e deontológicos do fotojornalismo (isto é, se entendermos o fotojornalismo num sentido vasto, de tal forma que inclua a actividade dos paparazzi).

Neste universo, a terceira revolução fotojornalística liga-se sobretudo aos seguintes factores:

Estes factores levam a que, a nosso ver, na actualidade os debates sobre ética e deontologia do fotojornalismo e, concomitantemente, pelo menos em parte, do design na imprensa, são os que mais agitem a profissão, especialmente em torno de quatro pontos: 1) direitos de autor e reserva de soberania da autoria, o que passa pelo direito à criatividade, à inovação e à originalidade, pelo direito à assinatura e pelo direito e imperativo ético-deontológico do controle dos autores sobre a edição de imagens fotojornalísticas (o fotógrafo californiano Brett Weston passou o seu 80º aniversário a queimar os seus negativos, preocupado com a utilização que lhes poderia ser dada após a sua morte); 2) conduta (o fotojornalismo pode invadir a privacidade, especialmente em ocasiões em que os assuntos se relacionam com tragédias humanas, escândalos, figuras públicas e casos de justiça —incluindo fotografia jornalística em tribunais); 3) problemas da implementação de tecnologias de manipulação (e geração) computacional de imagens bem como de novas tecnologias para a sua transmissão e difusão, que obrigam os fotojornalistas a um treino constante sob stress; e 4) problemas relacionados com a hipotética influência da televisão sobre o fotojornalismo (lisibilidade e legibilidade, acção, ritmo, standardização, "grafismo", etc.).

No entanto, fotógrafos como Sebastião Salgado estão a salientar-se devido à sua presença no campo oposto ao do reino da photo vulgaris. Da mesma maneira, desde os anos setenta e oitenta que pequenas agências de fotógrafos, mais do que de fotografias, isto é, agências que consagram o fotojornalismo de autor e de projecto de duração indefinida, têm seguido o modelo aberto pela Magnum, agência a que Salgado já pertenceu. São os casos das americanas Contact e JB Pictures e da francesa Vu. Elas contribuem, junto com jornais e revistas "de qualidade", para ampliar o mundo da fotografia jornalística e para romper as rotinas e os critérios de noticiabilidade dominantes no fotojornalismo, como a velocidade, a actualidade ou a acção.

Algumas revistas e jornais "de qualidade", os órgãos de comunicação social que se pautam sobretudo pelo rigor informativo e analítico, também têm recorrido a esse modelo, o que provocará, estamos convencidos, mesmo no campo das agências noticiosas com secção fotojornalística, a necessidade de corresponder a estas antigas/actuais exigências do mercado. É que, se as dominantes actuais do fotojornalismo na imprensa são o glamour, o institucional, o desporto e a violência, violência esta entendida numa formulação global, urge encontrar outros caminhos. E que violência global é essa que encontramos nos órgãos de Comunicação Social? Eis o que escreveu, em 1988, Margarita Ledo Andión, no seu livro Foto-Xoc e Xornalismo de Crise:

O mercado tem-se tornado também num importante factor de conformação do fotojornalismo. Reportando-se à situação nos Estados Unidos, Lindekugel argumenta que os repórteres de imagem em mercados mais vastos e em organizações de maior dimensão orientam geralmente a sua actividade pela especialização e por vezes perdem controlo sobre o seu trabalho.(228) Os que trabalham em mercados menores e em organizações de menor dimensão exercem, usualmente, um maior controlo sobre o seu trabalho, que tende a ser generalista.(229) Eles desdenham as imagens "rudimentares"(230) e "pseudo-artísticas"(231) e reconhecem que "ter olho" para a informação visual separaria os "verdadeiros" profissionais das restantes pessoas que se dedicam à actividade.(232)

Por via de todos os factores reportados, pode falar-se da existência de uma certa crise no fotojornalismo, mas, por outro lado, essa hipotética crise pode apenas corresponder a uma adaptação. Mesmo que tal venha a significar um empobrecimento dos conteúdos, a tendência do mercado é transformar o fotojornalismo numa indústria.

O que se passou na agência Gamma inscreve-se neste universo de tensões que o fotojornalismo sofre na actualidade. Entre 1973 e 1978, a agência francesa já tinha atravessado um período de crise, ligada a uma restruturação que teve de ser levada a efeito devido à saída de Depardon e à entrada de outros fotógrafos, como Salgado e Abbas, que aí permaneceram até ingressarem na Magnum. Mas depressa recuperou, e, de 1980 a 1992, atravessou uma fase de bons negócios e inegável qualidade fotográfica.(233) Em 1992, porém, a agência perdeu dinheiro pela primeira vez em 15 anos, devido à diminuição do volume de negócios. O que aconteceu foi que os jornais e revistas clientes da agência tiveram de implementar políticas de austeridade devido ao desvio da publicidade para as televisões.(234) Em 1993, irrompeu um conflito entre a administração e os fotógrafos, motivado pelas prestações sociais. A administração e os accionistas pretendiam manter o sistema retributivo baseado numa percentagem nas vendas, enquanto os fotógrafos lutavam por salários fixos.

Apesar das tensões, é provável que o mercado da imagem fotográfica se alargue: continuam a surgir novas publicações, frequentemente especializadas. E mesmo nos jornais electrónicos e interactivos, em que parte das imagens já são pequenos filmes vídeo e não imagens fixas, as fotos continuam (ainda?) a ter lugar. De facto, mais de cem anos após o começo da aparição regular da fotografia na imprensa, a conclusão a tirar é a mesma: texto e imagem não são convertíveis um ao outro e têm ambos lugar no jornalismo — possuem diferentes faculdades, impressionam de forma diferente, originam percepções diferenciadas e oferecem diferentes tipos de informação e de conhecimento (ou, pelo menos, familiarizam o observador com o observado de forma diferente).

Nas questões de significação, assume especial relevância a utilização publicitária de fotografias de reportagem e documentais, particularmente notada a partir dos finais anos oitenta. Mesmo na Magnum, supostamente depositária de uma certa tradição fotográfica que colocaria o conteúdo e o uso acima do lucro, há fotógrafos que permitiram que as suas fotos servissem a publicidade comercial — é o caso de uma foto de Trabalho, de Sebastião Salgado, usada para uma campanha da Le Creuset, e de uma foto de nudistas, de Elliot Erwitt, integrada numa campanha da Levi's. A Benneton é, porém, o caso mais famoso entre as empresas que usam o fotojornalismo como instrumento publicitário, com a utilização massiva e eticamente problemática de fotografias jornalísticas chocantes, como por exemplo uma foto de Thérèse Frare sobre a agonia de um doente com SIDA e uma fotografia sobre o trabalho infantil, obtida por Jean-Pierre Laffont, da agência Sygma.

A própria imprensa usa o fotojornalismo para se autopromover, como fez o Diário de Notícias, em 1996, ou o jornal sueco Svenska Daglabet, em 1992, durante uma campanha-choque realizada com base em fotomontagens em que se recorreu a fotografias de reportagens. Temas: sexo, morte, casamento, guerra, religião. Por vezes publicitaram-se também fotos truncadas, como uma em que a imagem de uma criança no ventre materno se sobrepõe a um cenário da Guerra do Golfo no qual o fumo dos incêndios nos poços de petróleo invade o céu. As fotos eram de Robert Mapplethorpe, Lennart Nilsson e Henri Bureau, entre outros.

A diluição das fronteiras entre o documentalismo e a arte também teve as suas consequências. Não só a arte se introduz nos domínios da fotografia documental e jornalística como também estes géneros fotográficos são frequentemente aproveitados para fins artísticos. Uma das fotos cuja utilização artística é frequente —e que até se tem divulgado em postais— é a célebre foto de Abbas realizada, em 1978, numa escola de polícia sul-africana, ainda durante o apartheid: na imagem, um polícia branco, erecto, fardado, com um bastão, é fotografado contra um fundo de várias filas de candidatos negros à polícia, alinhados em tronco nú, de calções e sapatilhas.

Notícias "quentes", como alguns dos conflitos bélicos que ocorreram na década de oitenta, entre eles a Guerra das Falkland (1982) e a invasão de Granada (1983), tiveram uma cobertura fotojornalística inconsequente. As fotos não eram tão "quentes" como o que representavam. Por seu turno, acontecimentos como o raid americano sobre Tripoli nem sequer foram objecto de cobertura fotojornalística. Já a cobertura da guerra na Tchechénia oscilou entre a cobertura empenhada e a cobertura censurada. Dos grandes combates e dos muitos mortos, nomeadamente civis, poucas fotos há. Mas há dos refugiados: a foto do ano do World Press Photo de 1996 (referente a 1995) é marcadamente simbólica: a criança sofredora que parte na velha camioneta pela rugosa estrada de terra, olhando, de braços erguidos de desalento, para uma terra que já não é dela da janela do fundo do autocarro (Lucien Perkins, Washington Post).

A essência do fotojornalismo de guerra perdeu-se, entre outras acções militares, nas Falkland, em Granada e no Panamá. Porém, durante a guerra civil libanesa, embora mais ou menos pontualmente, notaram-se alguns rasgos dessa vertente essencial do fotojornalismo. Tal é provado pela foto sobre a desolação dos refugiados palestinianos, de Françoise Demulder, da Gamma, que ganhou o prémio "foto do ano" do World Press Photo de 1976; ou pela foto dos refugiados, também palestinianos, de Sabra e Shatila, massacrados por falangistas cristãos, que valeu a Robin Moyer, da Black Star, a trabalhar para a Time, o prémio da foto do ano do World Press Photo de 1982. Ambas evidenciam até como determinadas imagens podem funcionar, dentro do sistema, contra o sistema dominante. Mas, na guerra Irão/Iraque, um conflito que o Ocidente seguiu com atenção, devido ao petróleo e à ânsia de ver o fim do fundamentalismo islâmico iraniano, não se notou também qualquer reinvenção ou até mesmo qualquer pequena revivência do fotojornalismo de guerra "à Vietname".

No conflito das Falkland, a Gamma foi a agência mais beneficiada, já que possuía no terreno um correspondente na altura da invasão argentina. Mas esta ocorrência nada vai beneficiar a Argentina: a guerra das imagens foi perdida também por este país, que deixou que se fotografasse a rendição dos soldados britânicos da pequena guarnição, humilhando os britânicos, exaltando os ânimos nas terras de Sua Magestade e tornando difícil outra resposta britânica que não fosse a militar. Um outro acontecimento humilhou, posteriormente, a Argentina e afectou a moral das tropas deste país que defendiam o terreno conquistado: um oficial argentino corrupto vendeu as fotografias do afundamento pelos britânicos do navio General Belgrano, uma das glórias da marinha argentina. Estas fotos tiveram ampla divulgação na imprensa mundial.

Em Granada, no ano seguinte, a vitória na guerra particular das agências pertencerá à Sygma, que teve sozinho no terreno, durante quatro dias, o fotógrafo Fabian Cevallos. Este só pode fotografar a guerra de longe, mas teve a vantagem de a sua produção ser exclusiva.

Em 1996, os editores de um semanário do estado americano de Indiana foram surpreendidos com a reacção negativa de um segmento do público à fotografia da primeira página em que uma mulher branca beijava um atleta negro profissional. Tal evidenciou que não só as fotos têm efeitos como também que os seus efeitos podem ser revelar o que vai no âmago de muita gente, incentivar ódios ou amores, tristezas e alegrias, raiva e calma, solidariedade e desumanidade. Neste caso, mostrou bem que os sentimentos racistas estão ainda bem à superfície em muitos americanos.

Em 28 de Janeiro de 1996, quando a Associated Press fotografou o Super Bowl XXX, foi a primeira vez que um grande evento foi fotojornalisticamente coberto recorrendo-se apenas à fotografia digital. A ocorrência talvez represente o início de uma era para o fotojornalismo.



Fotógrafos e trabalhos

Há fotógrafos que se vêm distinguindo de há algum tempo para cá, orientando a sua produção por linhas que por vezes não se podem delimitar como estritamente documentais ou fotojornalísticas. Marie Laure de Decker, que já se havia distinguido no Vietname, onde se estreou ao serviço da Paris-Match, elegendo temas algo marginais ao conflito e ao choque, como o da prostituição em Saigão, é um dos bons exemplos, ao fotografar as revoltas negras na África do Sul antes do fim do apartheid. Alexandra Boulat, com as suas fotos da ex-Juguslávia, é outro exemplo (re)conhecido, tal como o são a catalã Kim Manresa, que realizou brilhantes reportagens sobre as ruas de Barcelona, Georges Mérillon, da Gamma, que fotografou na Roménia e no barril de pólvora chamado Kosovo, ou Stephane Compoint, da Sygma, que fez a cores e de maneira mais espectacularizada o que Salgado fez a preto-e-branco: fotografias do combate aos incêndios nos poços de petróleo koweitianos após a Guerra do Golfo. É justo também referir o marroquino Daoud Aoulad-Syad, que publicou, em 1991, o livro Marrocains, e que se pode considerar um seguidor de Cartier-Bresson, quer no que respeita ao "instante decisivo", quer no que respeita à intenção surrealista que norteia algumas das suas fotos.

Novos valores estão também a despontar no campo do fotojornalismo de guerra. Patrick Chauvel é um dos fotógrafos que mais perigos corre hoje em dia e é também um seguidor da máxima de Capa: deve-se estar perto da acção. Foi o que fez no Panamá, em Beirute, em El Salvador, no Cambodja e no Haiti. Mas também o que fez em Nova Iorque, onde abordou a violência urbana. Eric Bouvet, da Saga, tornou-se conhecido após a apresentação das suas fotos de Serajevo, Beirute, Mogadíscio, Angkor e Halabja, no Iraque. Luc Delahaye cobriu, para a Sipa, a revolução romena, a Infitada, a guerra civil libanesa, a guerra no Afeganistão, a guerra na Bósnia, a Guerra do Golfo, principalmente a libertação do Koweit, a guerra na ex-Juguslávia, os massacres no Ruanda e, já na Magnum, a guerra na Tchechénia, tal como o fez o inglês Paul Low. O arménio Armineh Johannes iniciou-se no fotojornalismo quando cobriu o sismo da Arménia, em 1988, fazendo depois uma série de reportagens sobre a sua terra, em pé de guerra. São percursos semelhantes que se repetem nos horrores dos nossos dias, porque estes também se repetem.

Francesco Gattoni (1956-), italiano que trabalha em França, efectuou reportagens na Roménia, no Egipto e na Sardenha, revelando-se também como retratista de uma série de escritores. Com o alemão Frank Siberbach (1958-), que pratica uma fotografia humanista na tradição documental a preto e branco, e o francês Antonin Borgeaud (1967-), que abordou a condição social dos povos do Sahara Ocidental, do Perú, de Cuba e da Mongólia, são alguns dos jovens talentos do fotojornalismo contemporâneo que se deram a conhecer sem abordarem conflitos bélicos.

O franco-belga Laurent van der Stockt, da Gamma, e o inglês Jon Jones, da Sygma, estão a tornar-se também nomes importantes do fotojornalismo actual. O primeiro esteve nas guerras do Iraque, Juguslávia, Sudão, Iémen e da Tchechénia. Esteve também no Afeganistão, onde fotografou as crianças de Kabul. Por seu lado, foi graças às fotos na Tchechénia que o segundo se tornou conhecido.

Por vezes, é muito difícil distinguir, no sentido estrito, o que é um fotojornalista do que é um fotodocumentalista. Não se podem catalogar os fotógrafos, pois é principalmente a sua actuação, o seu método, que determina o género fotográfico. As fotografias mais bem pagas de Sebastião Salgado talvez sejam as do atentado ao Presidente Reagan, que são puras spot news. O mesmo acontece com Dario Mitidieri, que, apesar de ser conhecido essencialmente por projectos documentais, fez a cobertura das consequências do terramoto de Koba, no Japão.
 
 

Um acontecimento marcante: A Guerra do Golfo

Um caso de desrespeito pelo fotojornalismo foi o da Guerra do Golfo, um conflito onde a manipulação da cobertura jornalística fez notar que o jornalismo pode estar a atravessar uma crise. De facto, apesar do fascínio público com as "bombas inteligentes" e as tecnologias de ponta, a cobertura da Guerra do Golfo —em pools organizados pelo Departamento de Defesa dos EUA ou pelo Governo iraquiano, como já referimos— consistiu principalmente em material banal, como o decorrente de briefings militares, comentários de "especialistas", entrevistas a militares e políticos ou exercícios militares. Além dessas limitações, outras existiram: constrangimentos no acesso às áreas de actividade militar, censura militar e a auto-regulação mantida pelos news media:

Na generalidade, a cobertura fotojornalística do acontecimento foi realizada conforme os parâmetros temáticos do fotojornalismo de guerra (líderes militares, preparativos de combate, acções bélicas, avaliação do poder militar, etc.). Um aspecto, porém, foi novo: a enorme ênfase na catalogação fotográfica (e infográfica) do arsenal bélico dos beligerantes, principalmente dos americanos. Por um lado, esta situação pode levar-nos a pensar em hipotéticas acções de propaganda desenvolvidas pelas relações públicas militares com objectivos como o de desviar a atenção dos custos humanos do conflito; por outro lado, pode levar-nos a reflectir sobre o papel desempenhado pela indústria bélica e pelos estados que se dedicam à produção e comercialização de armas, quer nos conflitos em si (crescentemente controlados, como se viu no Golfo, por uma elite política e económica e por militares profissionais) quer no jornalismo de guerra.

Também Margarita Ledo (1993) se preocupa com o relevo dado à representação fotográfica dos equipamentos militares, que inscreve em três estratégias centrais de difusão estereotipada da foto durante o conflito:

Há ainda a acrescentar que, conforme veio a salientar Mike Deaver, do Departamento de Contra-Informação da Casa Branca, as tácticas da Guerra do Golfo foram desenvolvidas tendo em vista a cobertura visual do acontecimento, especialmente a cobertura videográfica. Além disso, a acentuar o carácter problemático da cobertura fotojornalística da Guerra do Golfo, muitas das fotos obtidas pelos fotógrafos militares ou civis das pools foram distribuídas pelo Departamento de Defesa americano e não pelos órgãos de comunicação social. Essa distribuição por vezes foi efectuada para áreas localizadas, como a Europa, impedindo outros pontos do mundo de "ver" o mesmo. A célebre fotografia de Ken Jarecke de um soldado iraquiano carbonizado na cabine do seu camião, por exemplo, não foi publicada, durante a guerra, nos Estados Unidos, e a sua publicação na Europa originou alguns protestos, mesmo por parte do público: por exemplo, alguns leitores do The Observer, o primeiro jornal britânico a publicar a foto (3 de Março de 1991), insurgiram-se contra a sua inclusão, pois consideravam que a foto ultrapassava os "limites do admissível". Tal realça o carácter cultural das fotos, já que durante a história se foram estabelecendo limites ao fotograficamente visualizável. Um outro elemento em favor desta asserção é que fotos como a referenciada despem a guerra de toda a auréola de epopeia que ainda possa ter, apesar do enraizamento histórico-cultural desta noção. Daí, em parte, os protestos.

Quando rebentou a guerra, numa altura em que a imprensa ainda discutia se aceitava as condições do Pentágono sobre o funcionamento em pools e as ameaças de restrições enormes aos (foto)jornalistas que não queriam integrar as pools, a France-Presse distribuiu fotos do Departamento de Defesa dos EUA, funcionando como a sua antena de retransmissão (teria sido por medo de falta de imagens?).

Através das análises de conteúdo feitas à produção fotojornalística sobre a Guerra do Golfo, foi visível que esta se orientou para a criação do mito da tenologia. A um nível mais primário em termos de geração de sentidos, foi visível que o fotojornalismo se orientou para a criação do mito do armamento inteligente (sabe-se, hoje, que a maior parte das bombas despejadas sobre o Iraque eram gravitacionais, como as da Segunda Guerra Mundial), através do destaque dado às fotos de armamento e tecnologia. Conforme também pudemos constatar pela imprensa americana e portuguesa, das raras fotos em que surgiam soldados a actuar no terreno —o que traduz negligencia na cobertura dos custos humanos do conflito—, grande parte eram de exercícios militares e não de confrontações bélicas. Além dessas fotos, a restante produção consiste em imagens de políticos de visita às tropas, políticos e militares aliados entrevistados (fotojornalismo de retrato) e aspectos dos briefings militares aliados.

Importante também sobre a Guerra do Golfo foi o que foi negligenciado na cobertura, especialmente nos EUA: fotografias das baixas aliadas não-americanas, das demonstrações públicas contra a guerra nas nações aliadas, da vida civil na Arábia Saudita durante o estacionamento das tropas aliadas, das tropas e baixas civis e militares iraquianas e das baixas civis das nações atacadas pelo Iraque (Koweit, Arábia Saudita e Israel).

Por seu turno, a Life protagonizou um dos casos mais relevantes da manipulação da cobertura fotojornalística durante o conflito: a 11 de Março de 1991, publicou uma fotografia do general Schwarzkopf rodeado por um grupo de soldados, supostamente tirada depois da "vitória". Só que um dos soldados aí presentes já tinha morrido.

Pelas nossas pesquisas, estamos também convencidos de que a cobertura fotojornalística da Guerra do Golfo serviu, essencialmente, para estabilizar conceitos algo estereotipados (superioridade armada aliado-americana e superioridade moral aliada) e para personalizar a guerra (Bush vs. Saddam, frequentemente colocados em confrontação através das fotos inseridas nos jornais), o que permitiu uma exploração emocional dos cidadãos através de uma direccionação facilitada dos ódios e afectos.

Esses e outros dados, como as diferenças entre os fotolivros sobre a guerra, destroem pela base o mito da objectividade fotojornalística. Por exemplo, entre o livro da Time-Warner, Desert Storm: The War in the Persian Gulf, que inseria essencialmente fotografias "patrióticas" (com símbolos que apelavam ao patriotismo) e "iconográficas" realizadas pelos fotógrafos das pools do Departamento de Defesa, e o livro da Harry N. Abrahams, In the Eye of Desert Storm, que punha o acento tónico nas consequências humanas do conflito, inserindo fotos mais "gráficas", a distância é abissal. A ideologia da objetividade, por vezes, esconde mais do que mostra.

Estamos, portanto, de acordo com Margarita Ledo Andión (1993), quando a autora galega exclama que a Guerra do Golfo veio demonstrar, mais uma vez, a urgência de se discutir o direito a ver.



O Ruanda

O caso recente dos massacres no Ruanda veio tornar a concentrar a atenção no potencial sensibilizador da fotografia — será este elevado ou dependerá do observador?

A 6 de Abril de 1994, o avião presidencial ruandês é abatido. As tropas dos hutus, no poder, desencadeiam de imediato o massacre dos tutsis. A 9 de Abril, a Sygma e a Sipa enviam respectivamente os fotojornalistas Patrick Robert e Luc Delahaye para a zona. No local encontravam-se já seis jornalistas americanos que, no entanto, rapidamente foram mandados regressar aos Estados Unidos. A 10 de Abril, as primeiras fotografias dos massacres começam a chegar a Paris, mas não despertam as redacções. No princípio de Maio, Patrick Robert vai regressar à capital francesa sem que a sua agência tivesse vendido uma única foto. Tal, a nosso ver, demonstra a neutralização afectiva decorrente da banalização da violência, que, preocupantemente, tem invadido também as redacções. O conhecido critério de valor-notícia da proximidade não explica (nem justifica) tudo.

Se bem que, a 27 de Abril, o Le Monde tivesse publiado uma reportagem a dar conta dos massacres, só a 18 de Maio é que o tema vai chegar às primeiras páginas, com o Le Quotidien de Paris a publicar uma foto chocante na "um", e o pico da cobertura mediática é atingido entre 14 e 20 de Julho. Nesta altura, o Ruanda já pouco interessava e as atenções dos jornalistas concentravam-se no campo de refugiados de Goma, no Zaire, onde a morte se devia, sobretudo, às doenças contagiosas. Em Portugal, as coisas passaram-se de forma semelhante. Depois disto, algumas questões ficam no ar: será que realmente já nem mesmo a violência vende? Terá a foto-choque perdido o seu espaço? Será que no "fotojornalismo" se tornaram mais importantes as fotos-ilustração, as fotos-tipo-passe, as fotos-institucionais, as fotos das figuras públicas, a moda ou as fotos que apelam ao erótico?



A fotografia digital

Foi o embaratecimento das tecnologias da imagem digital que permitiu a sua popularização. Em 1989, a Canon, a Nikon e a Sony já possuiam as still video cameras, que, não obstante, eram analógicas. Nesse ano, surgiram no mercado as primeiras câmaras digitais: a Rollei Digital Scanback, a Fujix Digital Still Câmara e a Kodak Professional DCS. Surge também software adaptado ao armazenamento, manipulação, edição e visualização de imagens. No campo da fotografia digital, mudam os processos de capturar, mostrar e imprimir as fotos. Em Setembro de 1990, a Kodak lança o Photo CD e, no ano seguinte, a Philips coloca no mercado um sistema de CD interactivo, ao mesmo tempo que a Canon, a Xerox e a Kodak põem à venda fotocopiadores digitais. Hoje, a tecnologia já permite a ligação directa das máquinas aos computadores e/ou a interfaces próprios, como modems que permitem o envio rápido das fotos.

Porém, alguns casos dos finais dos anos oitenta e princípios dos noventa vieram renovar o debate sobre as fotos a a sua capacidade de referenciar a realidade, evidenciando, igualmente, que as novas tecnologias vão provavelmente destruir de uma vez por todas a crença de que uma imagem fotográfica é um reflexo natural da realidade. As "culpas" recaem sobre a fotografia digital.

Entre os primeiros casos identificados de manipulação digital de imagens fotográficas na imprensa, podemos referenciar os seguintes:

O que se passa é que as novas tecnologias digitais transformam as imagens em milhares de impulsos electrónicos. Isto torna possível armazenar fotografias numa disquete ou num disco, tal como transmiti-las por satélite logo após a sua realização. Trata-se, afinal, de tecnologias que, a este nível, permitem vencer o tempo e o espaço com maior comodidade e qualidade. Além disso, o armazenamento em disco permite, por exemplo, quer a visualização da foto em monitores de TV, com o recurso a um Photo CD, quer a sua reprodução tradicional em papel. Mas também permite a sua leitura e manipulação computacional quando se recorre a um CD-ROM e a um computador.

Tal como a fotografia tradicional difere da pintura, a imagem digital difere da fotografia tradicional quanto à realidade física. Enquanto a fotografia digital vive de processos analógicos e contínuos (a fotografia é 'análoga' à luz que lhe deu origem), a imagem digital é uma realidade discreta, codificada num código de zeros e uns, subdividida uniformemente numa grelha finita de células —os pixels— cuja gradação tonal de cor pode mudar em função do código. Na fotografia tradicional o suporte é o negativo, que, por vezes, aporta mais informação do que nos apercebemos à primeira vista. Na imagem digital a resolução tonal e espacial é limitada e contém uma quantidade fixa de informação. Uma vez ampliada, revela a sua micro-estrutura.

O contínuo espacial e tonal das fotografias analógicas tradicionais não é reproduzível com exactidão. Transmitidas, digitalizadas ou copiadas são sujeitas a alguma degradação. Porém, a imagem digital pode ser repetida até ao infinito sem perda de qualidade, mas também é fácil e rapidamente manipulável através da substituição de dígitos no código binário —de zero e uns— que a sustenta.

É por essa razão que uma imagem digital pode ser totalmente sintetizada computacionalmente, ser resultante de uma digitalização de outra imagem, ver a sua perspectiva alterada através das mudanças da zona de sombras, ser pintada electronicamente ou ser até sujeita a uma mistura de todos esses processos, possuindo ainda assim coerência interna, um processo que poderíamos denominar de bricollage electrónico.

Os problemas que para o fotojornalismo se levantam com as novas tecnologias estão relacionados, portanto, com a forma como a alteração electrónica das imagens se tornou fácil e de difícil (virtualmente impossível) detecção. Se, num certo sentido, a fotografia é sempre uma forma de manipulação visual da realidade — pense-se, por exemplo, no controle da exposição, na focagem e nos procedimentos laboratoriais, como a revelação, a ampliação, a impressão ou o mascaramento— as tecnologias da imagem digital exponenciaram esse fenómeno. É fácil, por exemplo, alterar, na imagem, as cores do cabelo, da roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados, apagar objectos e/ou palavras e material gráfico neles inscritas, colocar frente a frente pessoas que nunca se viram, inserir pessoas em ambientes diferentes, entre várias outras operações. A foto digital não deixa, porém, de ser um espaço a explorar no que toca à intervenção subjectiva e produção de sentidos no jornalismo, pois facilita, por exemplo, a truncagem. Mas deverá, em todo o caso, ser assumida e mostrada como tal.

Não é que o retoque, a alteração, supressão e inclusão de elementos nas imagens fotográficas seja novo — vimos, no nosso percurso ao longo da história, como isso foi prática se não comum, pelo menos ocasional, tal como os procedimentos laboratoriais de "melhoria" da imagem fotojornalística para publicação (aumentar o contraste, semi-máscaras, reenquadramentos, etc.). Mas Alexander Gardner, por exemplo, só necessitaria agora de um computador e respectivo software para rearranjar o corpo da foto A Sharpshooter's Last Home, dando lugar à foto Home of a Rebel Sharpshooter.

As alterações introduzidas nas imagens fotográficas ao longo dos tempos usualmente acabavam por ser detectadas por especialistas e, algumas vezes, mesmo por pessoas comuns, quando, por exemplo, se tratava de uma truncagem mal feita ou quando se conhecia o original ou até o contexto da realização. Porém, a manipulação computacional é diferente devido à virtual indetectabilidade de procedimentos como a truncagem. Com os computadores, abrem-se as portas à possibilidade de mentir (fotograficamente falando) de maneiras inimagináveis no passado. Daí que, na nossa opinião, nos compromissos ético-deontológicos entre fotojornalistas e público se tenham de inscrever novas regras de confiança. Aliás, neste último campo, Shiela Reaves descobriu que a tolerância dos editores fotográficos dos jornais diários norte-americanos à manipulação computacional de imagens depende da categoria das fotos. Seriam intolerantes no que respeita à alteração de spot news e mais tolerantes no caso de fotografias de soft-news, como as features photos (tolerância intermédia), e de photo illustrations (tolerância máxima).(235)

Face aos resultados das pesquisas de Reaves, seria, consequentemente, possível estabelecer uma grelha de previsibilidade em relação à manipulação computaional de fotografias jornalísticas. Com base nessa grelha, seria possível prever que fotografias essencialmente ilustrativas, como a de O.J. Simpson na capa da Time, poderiam ser objecto de manipulação, enquanto outras, como as spot news, dificilmente seriam manipuladas, excepto, eventualmente, no que respeita ao contraste e pouco mais.

Vemos, assim, que as questões ligadas à geração e manipulação digital de imagens são das mais relevantes para o fotojornalismo actual, especialmente no campo deontológico, até porque a tecnologia da imagem digital está a ter cada vez maior utilização e é provável que venha a suplantar a fotografia tradicional, o que, provavelmente, afectará a nossa percepção do mundo, os processos de geração de sentidos e a construção social da realidade.

A imagem digital é, em parte, vista como ética e deontologicamente transgressora ou perto da transgressão. O presidente da NPPA, por exemplo, apregoava, em 1989, que não se podia usar a tecnologia da imagem digital para criar mentiras.(236) E o crítico de fotografia do The New York Times, indo mais longe, advertia contra a eventual desrealização do mundo fotografado (perda dos referentes reais).

Em Portugal ainda não ecoaram com força os ecos do debate internacional acerca das novas tecnologias aplicadas ao fotojornalismo, talvez porque os fotojornalistas e editores ainda não se tornaram sensíveis ao problema. Mas, noutros países já se têm produzido algumas propostas:

De qualquer modo, se bem que se possa distinguir o fotojornalismo da ilustração editorial, a disseminação das tecnologias digitais impede o controle institucional sobre a manipulação digital de fotografias, ainda que jornalísticas. Mesmo a questão da propriedade e a questão do controle económico sobre a imagem digital se tornam problemáticas, pois não existem negativos. Aliás, a fotografia digital nem sequer permite um acto equivalente à destruição dos negativos e a própria miscelânia de partes de todos que por vezes se faz na imagem digital torna igualmente problemática a própria definição de autoria.

Há ainda a considerar que podem estar a surgir novos discursos de resistência à fotografia por parte da comunidade interpretativa redactorial do campo jornalístico(237), já que se avolumam suspeições quanto à fotografia na era da geração e manipulação digital de imagens. Na óptica de Barbie Zelizer, as comunidades interpretativas resistem à introdução de novas tecnologias.(238) Desta forma, no campo jornalístico podem estar a insinuar-se novas formas de resistência à fotografia, latentes desde os anos quarenta. Essas formas de resistência, de base histórico-cultural, seriam principalmente manifestadas, segundo Alter, através de um discurso que enfatiza o quanto hoje é fácil —recorrendo-se a processos informáticos— mudar a essência da fotografia, sendo difícil detectar as mutações.(239)

Não é que as práticas de construção imagética sejam recentes. Desde que os soldados posaram para Fenton, e passando por Gardner, Thomson, Weegee, Rosenthal e, eventualmente, Smith, entre tantos outros, que a história do fotojornalismo oferece exemplos e desconfianças. O que parece provado é que os processos de sobreposição de novas e velhas técnicas e tecnologias ao acto fotográfico "puro" origina resistência. Inclusivamente, apesar de existirem autores, como Goldberg, que apontam para a existência de diferentes padrões de fidelidade ao real(240), outros exploram de uma forma denunciante a capacidade de afastamento referencial da fotografia jornalística em relação ao real por via das técnicas e tecnologias(241).

A crescente aceitação das novas tecnologias de imagem pelos news media traz rapidez e simplificação de procedimentos, rentabilizando os recursos humanos. O seu maior problema é que essas tecnologias têm flexibilidade quer para directamente "registar" a realidade, quer para construir totalmente uma imagem quer ainda para combinar elementos criados com os "registados". Por vezes, conseguem-se detectar as manipulações, criações e construções de imagens, mas, noutras ocasiões, a tarefa é difícil ou mesmo impossível. Como já dissemos, esta impossibilidade virtual é maior no campo das imagens digitais e menor no campo da fotografia tradicional.

Não é que o ser humano esteja desprovido de defesas contra a manipulação imagética: a educação, a cultura e a experiência levam as pessoas, julgamos, a não aceitar, hoje, tão facilmente as fotografias como representações válidas da realidade que tomam parte directa na sua mundivivência. Nesta matéria, há filmes que mostram como se fazem manipulações e fotos que se sabe terem sido manipuladas. De qualquer modo, não é por isso que o fenómeno da imagem digital deixa de levantar questões incomodativas e preocupantes. Num estudo de 1993, James D. Kelly e Diona Nace, por exemplo, descobriram até que a credibilidade duma foto semelhante às que se vêem todos os dias na imprensa não se alterava significativamente quando um dos grupos estudados via antecipadamente um vídeo sobre manipulação digital de imagens enquanto o grupo de controle não o via.(242) Esta ocorrência pode demonstrar que, por muito grande que seja a literacidade no domínio da imagem digital, as fotos sujeitas a manipulação, quando esta é desconhecida para o receptor, tendem a ser tão credíveis como as restantes. No mesmo estudo, os autores chegaram ainda a outra conclusão interessante: a credibilidade de uma foto pode ser maior ou menor do que a da publicação em que surge, isto é, a credibilidade de uma fotografia poderá ser semi-independente em relação à publicação, mas quando a publicação é credível a credibilidade da foto tende igualmente a atingir maiores níveis de credibilidade, e vice-versa, embora tal dependa da natureza da informação que aporta: "People believe photos if they make sense —if the information they provide fits comfortably within their existing understanding of the world— not because they are exact renderings of reality."(243)

O multimédia tornou-se, de qualquer modo, o medium pós-moderno por excelência: vive da fragmentação e da interactividade; consequentemente, é extraordinariamente fomentador da polissemia, mas, por isto, também da indeterminação e da heterogeneidade. E a difusão da imagem digital pode ser uma oportunidade para levar à desconstrução do mito da objectividade fotográfica.

A introdução das tecnologias de imagem digital nos news media escritos começou na década de oitenta, numa primeira fase com as operações de retoque, halftoning, correcção cromática e separação de cores.(244) Nos Estados Unidos, em 1989, o Wall Street Journal estimou que 10% de todas as fotografias a cor publicadas na imprensa norte-americana eram digitalmente retocadas ou alteradas.(245)

Tendo vantagens técnicas e económicas, a fotografia digital será difícil de travar no campo da imprensa e não é nítido, sequer, que deva ser travada, inclusivamente não só porque podem haver alturas em que a manipulação digital dá à imagem valor acrescentado, mesmo em temos de interpretação e análise, mas também porque a digitalização facilita a reescrita de legendas e o arquivo.

A concepção e fabricação de imagens digitais tem processos menos estandardizados do que a fotografia tradicional, oferecendo mais oportunidades para a intervenção humana. Entre os principais processos de manipulação digital de imagem contam-se os seguintes:

O Advanced Photo System (APS)

Numa tentativa de atenuar o avanço da fotografia digital sobre a fotografia em suportes de prata, cujas vendas têm vindo a diminuir, a Kodak, a Fuji, a Minolta, a Nikon e a Canon desenvolveram conjuntamente uma nova geração de filmes, máquinas e acessórios, que denominaram Advanced Photo System (APS). Este sistema foi apresentado em Janeiro de 1996.

O filme APS tem 24mm, o que o torna incompatível com o sistema de 35mm. Os negativos ficam sempre dentro da cassete, para evitar que se deteriorem. Para os acompanhar é feita uma prova de contacto.

A principal novidade do APS reside na colocação de uma banda magnética no filme. Nesta banda são gravados 400 bytes de informação sobre dados relevantes para o processamento das imagens, como o tempo de exposição ou a luz incidente.

A banda magnética pode ser lida automaticamente pelo equipamento de obtenção e processamento das imagens, que, com automatismos, faz correcções em ordem a "melhorar" a qualidade das fotos. Mas também facilita leituras por parte do fotógrafo e do processador, possibilitando-lhes actuações mais performativas.

O sistema também permite a troca de filmes mesmo quando ainda estão a meio. Uma vez recolocado, o filme é automaticamente levado até onde ainda não está exposto.

As ampliações podem ser executadas em três formatos: panorâmica, tradicional ou H-HDTV (20,3 por 35,5cm). É possível pedir a realização de impressões, receber as fotos ou processá-las individualmente através do computador.

Não nos parece que o Advanced Photo System venha a ser um sistema de eleição para o fotojornalismo. A irrupção da fotografia digital condena-o, à partida, a uma vigência eventual de alguns anos. Cremos, aliás, que, pelo menos no fotojornalismo, a maioria dos consumidores, a mudar de sistema, mudará já para o "sistema do futuro" —o digital— e não para um sistema intermediário, conforme nos parece que é o APS. Além disso, é, realmente, um sistema destinado sobretudo a amadores, que poucas vantagens traz para o fotojornalismo e até pode reduzir a implicação do fotógrafo no acto fotográfico, uma vez que o domínio técnico que lhe é exigido diminui.



CAPÍTULO XIII

FOTOGRAFIA E FOTOJORNALISMO EM PORTUGAL

A divulgação da fotografia em Portugal nos seus primeiros tempos está, em grande medida, associada a um pequeno número de pioneiros amadores, entre os quais vários estrangeiros. J. Silveira fotografa Lisboa, entre 1849 e 1856. Frederick Flower (1815-1889) fotografa o Norte (Porto, termas de Vizela, Guimarães, Gaia — os armazéns de vinho do Porto e os barcos no Douro—, a vida rural e os equipamentos do campo, como os poços, as noras e as azenhas), de 1845 a 1859, recorrendo ao calótipo. O Barão de Forrester (1809-1861) faz imagens do Douro, um trabalho praticamente desconhecido, realizado entre 1854 e 1857. Em 1846, William Barclay, publica Le Portugal pittoresque et architectural déssinée d'aprés nature, cujas litografias devem ter tido por base daguerreótipos ainda não descobertos.

Provavelmente, Barclay foi o introdutor da daguerreotipia em Portugal, em 1841.(246) Mas Flower foi talvez um dos mais importantes experimentalistas, fotografando o mesmo motivo com várias condições de iluminação, fazendo várias impressões da mesma matriz e até recorrendo à mais antiga aplicação conhecida do teste das tiras.(247)

Entre os finais da década de quarenta e na década de cinquenta, espalham-se por Portugal vários retratistas-daguerreotipistas, como o checo Wenceslau Cifka (1815?-1883), que instala um estúdio em Lisboa, em 1848, dois anos após Vicente Gomes da Silva (1827-1906) ter iniciado, no Funchal, um trabalho de experimentação fotográfica e retrato que se revela importante para a introdução da fotografia no País. Aliás, o retrato é o grande tema da fotografia portuguesa nas alturas em que o medium dava os primeiros passos.

Reinava em Portugal D. Maria II, quando, a 16 de Fevereiro de 1839, o jornal Panorama faz uma análise da daguerreotipia, que é a primeira notícia conhecida sobre fotografia publicada em Portugal, menos de um mês após a histórica comunicação de Dáguérre à Academia das Ciências de Paris (7 de Janeiro de 1839, embora a divulgação solene tenha ocorrido apenas a 19 de Agosto). Tal denuncia a grande permeabilidade à cultura francesa que Portugal tinha, pese embora o peso da comunidade britânica no País, especialmente a Norte.

O livro Excursions Daguerriennes, de Larebours, vendido em Lisboa, em 1843(248), contribuiu também para que o medium emergente fosse divulgado em Portugal. Mas a primeira gravura de madeira feita a partir de uma fotografia —mais precisamente, de um daguerreótipo— publicada na imprensa portuguesa é anterior: surgiu a 13 de Março de 1841, no Panorama — Jornal Litterario e Instructivo.

Em 1861, é fundado, em Lisboa, o Club Photographico, primeira associação portuguesa que visava o estudo científico da fotografia e se dedicava à difusão da actividade. Em 1862, começa a ser editada, em fascículos, a Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal, sob a direcção de Joaquim Possidónio Narciso da Silva. É uma publicação que consagra um grande espaço à fotografia arquitectónica. Em 1865, Augusto Xavier Moreira começa a editar o conjunto documental Álbum Lisbonense, e, em 1868, Henrique Nunes edita o levantamento fotográfico Monumentos Nacionaes.

Ainda na década de sessenta, o amador Carlos Relvas (1838-1894), da Golegã, começa a fotografar paisagens e a retratar tipos sociais, embora sem preocupações de solidariedade. Nessa altura, graças às suas frequentes viagens e participações em exposições no estrangeiro, possibilitadas pela sua riqueza, Relvas tornou-se, provavelmente, no fotógrafo amador português internacionalmente mais famoso.

A partir deste ponto, a fotografia portuguesa desenvolve-se consagrando atenção especial às áreas do retrato e do retrato carta-de-visita, paisagens, "gentes" e arquitectura, com o daguerreótipo a subsistir até um período tardio.(249) No documentalismo paisagístico e etnográfico do final do século e princípios do século XX virão a distinguir-se o alemão Emílio Biel (que até fotografa a construção da linha férrea do Douro), Domingos Alvão (1872-1946) e Marques de Abreu (1879-1958), cuja obra fotográfica e editorial é uma das últimas manifestações portuguesas do pictoralismo-naturalismo de que Alvão foi o expoente.

Em 1878, sai O Occidente, publicação importante para a expansão da fotografia documental e industrial do país, que se edita até 1915. A 9 de Fevereiro de 1881, surge, em Lisboa, o primeiro número do jornal ilustrado português A Illustração Universal. No ano seguinte, publica-se, também na capital, o Album de Phototypia da Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental, de Carlos Relvas.

A fotografia portuguesa também não escapou à mentalidade colonial da época. No tempo das grandes explorações portuguesas de África, levadas a cabo por Serpa Pinto, Capelo e Ivens, e na linha dos primeiros levantamentos fotográficos que marcaram o final do século passado, Cunha Moraes (1857-1920?), proprietário de um dos primeiros estúdios fotográficos em Angola, publica, a partir de 1885, África Occidental, Albúm Photográphico e Descriptivo, em quatro volumes. Esta obra, iniciada em 1877, foi prefaciada por Luciano Cordeiro, e revela um conjunto de rara envergadura de fotografias de cariz etnográfico e paisagístico em que, curiosamente, as personalidades coloniais que sustentam o processo de colonização estão algo ausentes. Mesmo os colonos são representados como desenraizados, enquanto os negros surgem em posturas um pouco artificiais: a Europa estranha o negro, mas o branco é também um estranho em África. No último quartel do século passado, Cunha Moraes publica também, em O Occidente, fotografias de Angola e São Tomé, na mesma época em que Emílio Biel (1838-1915) executa um trabalho de referência de levantamento e documentação do país, com especial atenção ao Gerês.

Em 1880, o Daily Graphic, de Nova Iorque, publica o primeiro halftone, mas, em Portugal, as gravuras de madeira continuam por algum tempo. Em 1885, porém, n'A Illustração, de Marianno Pina, que era impressa em Paris, são inseridas fotogravuras de fotos da capital francesa, mas só em 1890 é que começam a ser publicadas com regularidade em Portugal fotogravuras em halftone, principalmente na Revista Illustrada, de António Maria Pereira. Pelo meio, por volta de 1887, Paulo Plantier (1840-1908) choca os lisboetas com os seus "retratos de 'flagrantes'"(250), que contrastam visivelmente com as poses estáticas habituais à época.

Quase mil fotografias de retrato ficam patentes ao público numa exposição que decorre em Janeiro de 1890, em Lisboa. No dia 8 desse mês, Fialho de Almeida escreve no jornal Pasquinadas que "(…) a máchina photographica é o maior caricaturista do mundo, e o mais arteiramente ironico de quantos observadores tem tido a sociedade".

O primeiro livro sobre técnica fotográfica em português surge no mercado em 1891, pela mão de Arnaldo Fonseca. Chamava-se precisamente Tratado de Fotografia. José Júlio Rodrigues introduz o flash de magnésio em Portugal nesse mesmo ano, para fotografar os túneis de lava da ilha Terceira.

Nos finais do século, a fotografia tinha conquistado até a Casa Real. Surgia no Diário de Notícias de 15 de Abril de 1894 a seguinte notícia:

Os primórdios do fotojornalismo em Portugal

No último quartel do século passado a ilustração —principalmente o retrato— invade a imprensa, frequentemente por intermédio de artistas como Rafael Bordalo Pinheiro. No inovador Diário de Notícias, que, ao contrário do estilo dominante de então, dava mais atenção às notícias do que à opinião panfletária, aparece a primeira ilustração a 14 de Junho de 1877 — um mapa. A partir de 1901, a reportagem desenhada fez escola no DN e, algum tempo após, é a fotografia passada a desenho (decalque e contornos) que se vai tornando a forma mais comum de ilustração nos jornais portugueses —como n'O Século—, cuja evolução no sentido do uso jornalístico da foto é similar à do Notícias.

Pelo início do século XX, as revistas ilustradas, com a segunda série da Illustração Portugueza à frente, começam a excluir o desenho para privilegiar as fotografias, nomeadamente a partir dos anos dez, e, em parte, graças às melhorias nos processos de reprodução. Mas, durante alguns anos vão coexistir esses dois vectores da reportagem gráfica, quer nas revistas, quer nos jornais, pelo que, no ano da implantação da República —1910— as fotos ainda rareavam nos jornais, embora já surgissem na publicidade. As fotografias publicadas na imprensa eram maioritariamente retratos. As reportagens faziam-se em desenho.

De facto, só no século XX é que é publicada uma foto na imprensa diária portuguesa. Foi a 2 de Fevereiro de 1907, em O Comércio do Porto. Nesse mesmo ano, o Diário de Notícias publica, a 27 de Julho, a sua primeira fotografia: tratava-se de um retrato do só por isto lembrado coronel Caldeira Pires, que ia assumir o comando do regimento de Infantaria 26. E é este último jornal que vai inserir, a 4 de Fevereiro de 1908, várias fotografias do regicídio, em que morrem o Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro. A partir de meados dos anos dez, generaliza-se o recurso à fotografia na imprensa portuguesa e os jornais seguem o exemplo das revistas, contratando repórteres fotográficos próprios. Porém, vai ser preciso esperar até 1940 para que um foto-repórter conseguisse obter a carteira profissional do Sindicato Nacional dos Jornalistas — André Salgado, do jornal Novidades.

A I República foi um período em que se registaram no País inúmeras revoltas armadas —monárquicas, nacionalistas e outras— constituindo acontecimentos privilegiados para a cobertura "fotojornalística". Foi o que fizeram O Século e o Diário de Notícias, em Lisboa, e, no Porto, O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias.

Joshua Benoliel (1873-1932) é o primeiro "fotojornalista" português e talvez um dos fotógrafos desses tempos com obra mais extensa. Trabalhando como freelance, colaborou sobretudo com a Illustração Portugueza, de 1903 a 1918, e com O Século, o "seu" jornal. Benoliel "(…) cobriu quase todos os acontecimentos políticos. Mas a sua genialidade estava na forma como abordava os fait-divers (...): a mesma rua onde se davam as revoluções [a queda da Monarquia, a instauração da República e a ascenção e queda da I República foram tempos muito agitados] era o lugar onde se vendiam pentes, o mesmo cais onde se despediam os políticos era o lugar onde se despedia o soldado. Foi precursor da reportagem moderna dos anos Vinte."(251)

À maneira de Solomon e da geração de fotojornalistas alemães dos anos vinte, também Benoliel vestia à altura das ocasiões, falava várias línguas, averiguava os horários mais propícios para estar nos locais onde ia fotografar e chegava a gritar nos comícios "É para O Século!" para fazer parar as pessoas. Chegou a fazer parar uma procissão da Senhora da Saúde, na qual participava o Infante D. Afonso, para "sacar" a foto.(252)

Benoliel é uma testemunha da época em que se vendia água fresca e capilé pelas ruas de Lisboa, os saloios se deslocavam à capital para vender produtos hortículas, os leiteiros ordenhavam cabras ao domicílio, as varinas apregoavam o peixe, os moços de fretes esperavam os clientes conversando e encostando-se nas esquinas, transportando, depois, de tudo um pouco, desde pesadas mercadorias a leves cartas de amor, os miúdos refrescavam-se na água que jorrava das fontes ou das bocas de água. A atenção que deu a todos esses pormenores da vida na grande cidade tornam-no um dos precursores do moderno fotojornalismo dos anos vinte, que aproxima as pessoas daquilo que lhes está próximo, obrigando-as a olhar com outros olhos o que se passa à sua volta.

No campo das revistas, a Illustração Portugueza, de Malheiro Dias, propriedade de O Século, foi, provavelmente, a revista nacional mais inovadora na sua época, sobretudo na sua segunda série (1903-1924), altura em que publica quase só fotografias acompanhadas de textos curtos. A sua paginação quase antecipa, por vezes, a das revistas ilustradas dos anos vinte/trinta. Sem chegar às receitas que a La Vie au Grand Air já tinha introduzido a partir de 1898, a Illustração chega a publicar, em Fevereiro de 1909, uma dupla página de Afonso XIII e D. Manuel II conversando de costas, num plano geral, sem que os Monarcas ibéricos posassem, quase ao estilo da candid photography; em Outubro de 1910, já instaurada a República, é a vez de uma reportagem sobre um dia na vida do Presidente Teófilo Braga: a leitura dos jornais, o almoço, a viagem de eléctrico, etc.

Na Illustração nasceram vários nomes relevantes para o fotojornalismo português, alguns dos quais exerceram a sua actividade até meados deste século. São os casos de Aurélio Paz dos Reis (1862-1931), um dos pais do cinema nacional, e Arnaldo Garcez (1886-1964), que fará a cobertura da I Guerra Mundial, onde esteve empenhado o Corpo Expedicionário Português (embora o conflito tenha, sob o prisma da fotografia, passado quase despercebido aos jornais e revistas nacionais). Com eles, a foto-reportagem começa, realmente, a despontar em Portugal, numa linha que se vai afastando do documentalismo por vezes pictoralista e realista-naturalista que dominava a fotografia "fora de portas" portuguesa.

Para a autonomização da foto-reportagem, é justo referir ainda os contributos de José Artur Leitão Bárcia (1871?-1945), da revista Serões, Anselmo Franco (1879-1965), que, depois de 1906, colabora com os jornais República, Luta e O Século, entrando, em 1910, para o Diário de Notícias, onde fica até à reforma, em 1965, e Alberto Carlos Lima, que, desde o início do século, trabalhou, até 1949, ano em que morre, para Brasil Portugal, Occidente, Serões e Illustração Portugueza.

Pelos anos vinte, os jornais diários começaram a organizar arquivos fotográficos. Na mesma década e na seguinte, Portugal viu surgir um grande número de revistas ilustradas, como a Vida Mundial, que sobreviverá até aos anos setenta, e a terceira série da Illustração Moderna (1926-1932), dirigida pelo fotógrafo Marques de Abreu, e na qual participam Álvaro Martins e Miguel Monteiro, entre outros. As duas séries anteriores dessa revista tinham sido editadas entre 1898-1899 e 1900-1903, tendo ambas sido dirigidas por Marques de Abreu, mas a primeira contou com a co-direcção de Cunha Moraes.

A agitação da I República fazia com que a classe média ansiasse por ordem. O marechal Gomes da Costa desencadeia, então, em Braga, a 28 de Maio de 1926, um golpe militar. Marcha sobre Lisboa, depõe o Presidente Bernardino Machado e instaura um regime ditatorial. Porém, as grandes dificuldades financeiras do Governo obrigam os militares a solicitar a um professor coimbrão de Finanças Públicas que ingresse no Executivo como ministro das Finanças. O professor chamava-se Oliveira Salazar. O resto da história é conhecida. Salazar vai demitir-se, reingressa posteriormente no Executivo, assume a Presidência do Conselho de Ministros, endireita as finanças públicas, afasta os militares para segundo plano e instaura um regime ditatorial-corporativo, baseado na Constituição de 1933.

Com a revolução de 28 de Maio de 1926 e a instauração do regime ditatorial e corporativista de Salazar (o Estado Novo), as foto-reportagens "(…) perderam em subtileza e discrição, ganharam em força e grafismo"(253), um pouco à semelhança do que viria a acontecer nas restantes ditaduras de extrema-direita europeias: a espanhola, a italiana e a alemã. Face à sangrenta revolta antigovernamental de 1927, a censura endurece e nasce a polícia política. A partir de Julho de 1932, mês em que Salazar é nomeado Presidente do Conselho, a censura e a repressão agudizam-se.

Os anos vinte-trinta não deixam, porém, de ser uma época em que em Portugal se privilegia, suportada pelos serviços de propaganda, a fotografia anedótica, monótona e isolada dos Salões de Fotografia, baseada na paisagem, nos tipos etnográficos, no registo de casas brasonadas, castelos, casas típicas, pelourinhos, realizações da engenharia e arquitectura do Estado Novo, etc. É por essa época que se torna notado o filho de Joshua Benoliel, Judah Benoliel (1900-1968), que, a partir de 1924, colabora com Pátria, ABC, O Século e Diário Popular, onde fica até à sua morte, em 1968.

A partir dos anos vinte, as grandes revistas ilustradas dos dois mais importantes diários da capital, O Século e Diário de Notícias vão atrair alguns grandes fotógrafos. Salazar Diniz (1900-1955), Deniz Salgado (1895-1963), Ferreira da Cunha, José Lobo e Marques da Costa, entre outros, colaborarão assiduamente com o Notícias Ilustrado e O Século Ilustrado, ambos beneficiados pela direcção artística de Leitão de Barros.

Os jornais da época cobrem fotojornalisticamente os acontecimentos político-institucionais e as ocasiões de Estado, os acontecimentos desportivos de particular dimensão, como o Grande Circuito Hípico de Portugal, em 1925, ou as voltas a Portugal em bicicleta, que se iniciam em 1927, os acidentes e alguns fait-divers do quotidiano. Os retratos de grupo de pessoas eram também frequentes, quer em ocasiões de Estado quer em ocorrências como batidas de caça. Abundam os planos gerais, mesmo nos retratos, e já se notam alguns dos critérios de ponto de vista que ainda hoje se registam no fotojornalismo, como a preocupação com o "registo", testemunha da história, que, na actualidade, leva o fotojornalista, por exemplo, a fotografar toda uma mesa numa conferência de imprensa, mesmo que em várias pessoas só uma intervenha. Pessoalmente, julgamos até encontrar aqui influências da pintura — lembremo-nos, por exemplo, das "últimas ceias" que os artistas e a história nos foram dando.
 
 

Anos trinta e quarenta

Não obstante os objectivos propagandísticos grandiloquentes do Estado Novo, ligados à celebração da raça e às virtudes militares e populares, o "modernismo" fotográfico vai, após 1928, ter algum espaço no Notícias Ilustrado, que edita, algumas vezes, fotos em grandes formatos, integradas em composições gráficas exaltantes, cheias de vigor e algo inesperadas.

Nas décadas de trinta e quarenta, o Secretariado da Propaganda Nacional publica os exuberantes álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940, que incluem contribuições de vários dos fotógrafos "modernistas" dos anos vinte: Mário Novaes (1899-1986), SanPayo (1890-1974) —brilhante retratista que construiu, a partir dos anos vinte, uma autêntica galeria da sociedade portuguesa— e Judah Benoliel. Entre 1938 e 1939, edita também os cinco volumes de Alguns Aspectos da Viagem Presidencial às Colónias, 1938-1939, em que a maioria das imagens fotográficas eram de Marques da Costa. Sobre a obra, escreve António Sena: "Na época do relançamento do periodismo fotográfico (…) não deixa de espantar a frescura, talvez 'naïve', combinando o melhor fotojornalismo (…) com imagens, no mínimo, inesperadas, numa edição oficial."(254) De qualquer modo, o fotojornalismo dos anos trinta e quarenta em Portugal não deixa de estar, principalmente, ligado à propaganda nacional, pelo que era feito de abordagens grandiosas das realizações do Estado Novo e de retratos mais ou menos oficiais das figuras do regime.

Durante a II Guerra Mundial, a neutralidade portuguesa e a excelente situação geográfica do País obrigou a um esforço propagandístico alemão e britânico, tendo circulado no País várias revistas ilustradas pró-britânicas e pró-alemãs. Estas revistas recorriam profusamente à fotografia, e o incremento da sua circulação em Portugal foi benéfico para o fotojornalismo português, até porque lançou dentro de portas o trabalho de grandes fotojornalistas estrangeiros que, trabalhando para os governos dos seus países, cobriram o conflito.

Entre os fotógrafos portugueses, Raúl Perestrello, um semi-profissional, cobre, na Madeira, a revolta de 1931. Perestrello —que colaborou com o Diário de Notícias do Funchal, não se torna notado pela qualidade do seu trabalho, mediana, mas por a sua obra ser uma espécie de álbum de recordações do poder. Fotografa até hoje, tendo juntado um espólio maioritariamente constituído por fotos de visitas oficiais à Madeira e de figuras públicas nacionais e estrangeiras em férias no arquipélago. Todavia, também fotografa fait-divers, como, nos anos cinquenta, o primeiro avião a aterrar na Madeira.

Em 1947, a primeira mulher fotojornalista portuguesa começa a trabalhar n'O Século. Chama-se Beatriz Ferreira e ficará no diário até que os excessos "revolucionários" do pós-25 de Abril fizeram encerrar o grande jornal da capital, em 1977, aquele que foi, durante o Estado Novo, o diário mais lido na província e, com O Primeiro de Janeiro, do Porto, um dos órgãos de comunicação social mais independentes face ao regime. Oitocentos trabalhadores ficaram desempregados. Hoje, Beatriz Ferreira, com mais de 80 anos, subsiste com uma modesta pensão e com a venda de algumas das suas fotografias. E já teve mesmo de vender duas das velhas máquinas de cinco quilos que faziam o principal equipamento do fotógrafo à época.
 
 

Anos cinquenta e sessenta

A década em que se começa a dar atenção a William Klein e Robert Frank é uma época de resistências mas também de progressos fotográficos em Portugal, onde, gradualmente, começam a aparecer nos quiosques publicações estrangeiras, como a Amateur Photographer e a Life. Além das revistas estrangeiras, é importante salientar o estímulo que para o fotojornalismo e, de um modo geral, para a fotografia portuguesa, constituiu a exposição The Family of Man. Embora não tenha estado patente no País, foi exibido o filme da mesma e vendido o seu catálogo. Mas houve resistências grandes por parte dos fotógrafos de salão, entre outros, pelo que, no Boletim do Grupo Câmara, se dizia que a exposição abordava "(…) o valor humano, em prejuízo do artístico."(255) As embaixadas estrangeiras em Portugal também incrementavam a circulação de exposições e os contactos entre fotógrafos portugueses e os de outros países, como Cartier-Bresson

O projecto fotográfico nacional que na década de cinquenta mais entronca na órbita das novas tendências da fotografia documental é, provavelmente, Lisboa, Cidade Triste e Alegre, editado, em 1959, em sete fascículos mensais, tendo sido um fracasso editorial tão grande que, em 1982, nem sequer a Biblioteca Nacional possuía um exemplar.

Lisboa, Cidade Triste e Alegre é o resultado das deambulações de Costa Martins e Vitor Palla pela cidade, fotografando o seu quotidiano, entre 1956 e 1959. Assiste-se, no álbum, à celebração de um olhar polissémico, subjectivo e intimista, poético e lírico, sobre o mundo citadino de Lisboa, mas cujas conotações propositadas talvez sirvam, pela contextualização, para levar o observador a uma situação mais próxima do real.

O álbum é uma obra assumidamente colectiva, em que as fotos, ao contrário das dos salões, não são assinadas. O trabalho vive do experimentalismo fotográfico, do desfoque, da foto tremida, do esfumado e fluído (flou), dos cortes, das sobre-revelações, das sequências, do alto-contraste, das oposições, das difracções e das variações de tamanho e formatos. É uma Lisboa humana, vibrante e viva que emerge contra o estatismo das fotos nítidas e "bem" compostas dos salões, que, sem nada inovar, dominavam a fotografia portuguesa da época. (Fig. 42)

Um outro caso curioso é o de Rosa Casaco, agente da polícia política PIDE e um dos fotógrafos de salão mais conhecidos, que publica, em 1954, o livro Salazar na Intimidade, um olhar surpreendentemente intimista sobre o Presidente do Conselho.

A primeira grande exposição representativa dos repórteres fotográficos portugueses realizou-se na Caixa da imprensa, de 25 de Maio a 1 de Junho de 1956. Na mostra, foram expostos 149 trabalhos de 17 fotojornalistas.

É ainda na década de cinquenta que se destaca, em Portugal, Augusto Cabrita, que fotografará brilhantemente, mesmo sob o peso da censura, a Guerra Colonial. Deste conflito, porém, os jornais praticamente só mostram cenas dos embarques e desembarques das tropas. Manuel Graça, do Província de Angola, que reportou cruamente as matanças atrozes (que envolviam decapitações e empalamentos) do início da Guerra Colonial, entre 1960 e 1965, especialmente as cometidas pelos guerrilheiros independentistas, foi, claro está, censurado.

Na imprensa dos anos sessenta, além de Augusto Cabrita, que publicou algumas reportagens inovadoras —eivadas de lirismo— em O Século Ilustrado, o fotógrafo português mais importante no jornalismo diário foi, sem dúvida, Eduardo Gageiro (1935-), que ainda hoje continua a fotografar com mestria.

Gageiro realizou memoráveis instantâneos dramatizados do quotidiano português, mas instantâneos no sentido da fotografia única, com pouca atenção à contextualização, que quase somente a foto-reportagem e o foto-ensaio permitem.

Eduardo Gageiro pode considerar-se, assim, um certo continuador da estética da fotografia de salão, embora dê uma atenção invulgar ao elemento humano e à composição geométrica. Aliás, é a qualidade estético-composicional o valor humano e a força dramática que fazem dele um fotojornalista com traços que também se reconhecem em Eugene Smith (lirismo e perfeccionismo técnico) e Cartier-Bresson ("instante decisivo"). (Fig. 43)

Gageiro foi o único fotojornalista a fotografar o sequestro de atletas israelitas por um grupo de palestinianos nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Enviou o rolo para O Século Ilustrado, perdendo a oportunidade de realizar um bom negócio.

Gageiro é ainda um fotojornalista que se distinguiu não só pela oportunidade, mas também pela paciência de quem procura ir mais longe no domínio das representações dos acontecimentos. Foi ele que soube esperar por D. Maria diante da urna de Salazar, até que a governanta o beijasse na testa. Foi assim que a fotografou, e o resultado foi uma imagem que representa bem a complexa teia "provinciana" de relacionamentos pessoais que rodeava o Presidente do Conselho e que restringiam o acesso ao seu gabinete.

Rendido ao retrato, de que é um hábil expoente, Gageiro recorre frequentemente aos objetos como elemento de conotação da imagem —o cão brincalhão de Cavaco Silva, os brinquedos de peluche de António Vitorino de Almeida, as luvas de boxe de Champalimaud, Eanes, com uma lupa de relojoeiro no olho, observando os seus relógios de colecção.

Para além de em O Século e O Século Ilustrado, Gageiro trabalhou no Diário Ilustrado, de Miguel Urbano Rodrigues, até este fechar. Chegou a ser preso pela PIDE, devido a fotografias que "(…) davam uma má imagem de Portugal"(256), como a de uma mulher da Nazaré a trabalhar toda vestida de negro ou a de uma manifestação de estudantes reprimida pela polícia, mas teve a sorte de, na altura, ser correspondente da Associated Press, pelo que as pressões internacionais o pouparam ao pior.

Pouco conceptualista, a linguagem do instante que Eduardo Gageiro pratica não deixa de explorar as significações. É, aliás, dele, a foto que provavelmente melhor sintetiza o que se passou no 25 de Abril, funcionando como um signo condensado: Salgueiro Maia morde os lábios. A revolução ia na rua, a tensão era grande, mas a aposta do jovem capitão de Santarém estava quase ganha.

Em 1996, Gageiro lançou o fotolivro Revelações.

Regressando aos anos sessenta, é nesta década que Sena da Silva (1926-) inaugura, por seu turno, um estilo fotodocumental que o faz aproximar de Robert Doisneau, graças à atenção que confere aos gestos, atitudes e comportamentos do quotidiano das pessoas comuns. Na linha intimista de Vitor Palla e Costa Martins, dá-se ainda conta de Castello-Lopes (1925-) e Fernando Lemos (1926-). Por essa altura, nas fotografias de Castello-Lopes, que fotografa a partir de 1956, revive-se a tradição humanista notória em The Family of Man, que começava a ser criticada por alguns sectores.

Revelado nos Encontros de Fotografia de Coimbra, em 1994, o geógrafo português Orlando Ribeiro mostrou-se um documentalista amador e inesperado. A geografia humana impulsionou-o a documentar o País, ao longo de várias décadas, numa série de levantamentos com o cariz de auxiliares "científicos", mas as suas fotos apresentam um toque humanista e esteticista que as distinguem do mero documento fotográfico.

No campo específico do fotojornalismo diário, começam a notar-se, pelo seu trabalho no Diário de Notícias, Fernando Farinha, Eduardo Baião, Ezequiel de Sousa e Acácio Franco (1951-), que depois esteve na Lusa, onde coordenou a Fotonotícia, estando agora no Tal & Qual.

O desenvolvimento do fotojornalismo português sofreu um atraso provoado, ao que cremos, pelas condições em que a imprensa se moveu e desenvolveu ao longo da ditadura, num País pobre, atrasado, analfabetizado, sujeito à "lei da rolha", reprimido. Assim, se na época do Vietname o fotojornalista era rei, em Portugal as páginas dos jornais raramente concediam relevo ou até algo mais do que a simples condição de "boneco ilustrativo" às fotografias, e as revistas ilustradas por vezes pouco melhor eram. Da Guerra Colonial praticamente apenas se publicam fotos dos embarques e desembarques de tropas. E raras são as fotos —mesmo em arquivo— (autocensura?) que documentam a campanha de Humberto Delgado para a Presidência da República, em 1958, e as cargas policiais.

A partir de 1963, o fotógrafo americano George Krause (1937-), professor de Arte na Universidade de Huston, fotografa a Península Ibérica, especialmente Portugal, mas evidenciando a irmandade cultural entre os povos ibéricos. Repetirá o tema em 1992/94, numa nova série, produzindo imagens que tanto dão conta da vastidão da Serra da Estrela como providenciam uma observação próxima das pessoas que percorrem as ruas de Coimbra. Por seu turno, John Davies fotografa a Bairrada.

A acção dos fotógrafos estrangeiros que elegeram Portugal como tema foi bastante benéfica para o arejamento do nosso fotojornalismo e, de uma forma mais vasta, mesmo da fotografia nacional. Alguns deles, como Krause e Davies, vieram a ser expostos nos encontros de fotografia e imagem de Coimbra e Braga.
 
 

Da Revolução até hoje

O 25 de Abril de 1974 inaugurou não só uma era de liberdade e democracia mas também de rompimento com os cânones estéticos arcaicos dominantes no Estado Novo. Portugal abre-se ao mundo e, particularmente, à Europa, e com o País abrem-se, para arejar, as portas da sala bafienta da fotografia portuguesa. Inclusivamente, o 25 de Abril em si provoca a deslocação a Portugal de grandes fotógrafos de grandes agências — por cá passam, em trabalho, Salgado, Gilles Peress, Guy le Querrec e Josef Koudelka, entre outros, e, em 1975, é atribuído pela primeira vez um prémio do World Press Photo a uma fotografia obtida em Portugal, embora não por um fotojornalista português. Tratava-se da prisão de um agente da PIDE, durante o período revolucionário de 1974.

Entre os estrangeiros que reparam em Portugal, contribuindo para abrir o País ao mundo, mas também para a misceginação da cultura fotojornalística, inscreve-se Georges Dussaud, que se debruça sobre Portugal e publica Les Portugais, a partir da leitura de Torga. Jean-Claude Martinez, que fotografa os pescadores de Mira, entre 1991 e 1992, é outro deles.

Depois de meados dos anos oitenta, os Encontros de Fotografia de Braga e de Coimbra (desde 1980) vão contribuir para esse arejamento da fotografia portuguesa, permitindo o contacto com a obra de muitos fotógrafos que representam o que de melhor se vai fazendo por esse mundo fora. A inauguração do Curso de Fotografia da Escola Superior Artística Árvore e, entre outros, de cursos de fotojornalismo no centro de Formação de Jornalistas e no Centro Profissional de Formação de Jornalistas, a inclusão de disciplinas de fotojornalismo nos curricula da Escola Superior de Jornalismo do Porto e da Universidade Fernando Pessoa, bem como a implementação de políticas de qualidade fotojornalística, principalmente nos quality papers Público e Expresso —tal como em O Independente, a um nível eminentemente subjectivista e relacionado com as tendências da fotografia documental contemporânea—, permitiram não só a valorização do fotojornalismo, mas também a emergência de uma nova geração de fotojornalistas, bem formados, cheios de garra e francamente bons. Em 1985, inclusive, o Sindicato dos Jornalistas reconhece o papel relevante do fotojornalismo na informação, mas também a relativa autonomia da actividade, criando o Núcleo de Repórteres Fotográficos.

Na vaga pós-revolucionária, salientam-se os nomes do "luso-argentino" Alberto Picco (1950-), d' O Independente, Domingos Caldeira (1953-), José Reis e Luís Carvalho (1954-), que, na linha do documentalismo fotográfico contemporâneo, operam uma ruptura com o statu quo e com as rotinas fotojornalísticas na imprensa portuguesa. O mesmo se pode dizer de Jorge Guerra (1936-), de quem, em 1984, a Fundação Calouste Gulbenkian publica Os Poucos Poderes, um "retrato" da "sua" Lisboa marcado pela percepção que de Lisboa tem o fotógrafo, assumindo essa percepção, para si, o estatuto de "real". Trata-se de um trabalho documental que reúne fotos desde meados dos anos sessenta, altura em que desenvolveu o projecto Lisboa, Cidade de Sal e Pedra, no qual recorre sistematicamente à teleobjectiva, e cujas fotos foram quase todas obtidas desde à beira-rio para as Sete Colinas, em planos sobrepostos, onde frequentemente se intrometem personagens solitárias, mesmo se recortadas no meio da multidão. Luís Palma e Maçãs de Carvalho (que esteve na revista Kapa) são outros nomes incontornáveis do fotodocumentalismo contemporâneo português.

Em Dezembro de 1974, 16 fotojornalistas portugueses expõem no casino Estoril. Só em 1989, durante as comemorações do 150º aniversário da fotografia, é que se realizou novamente uma grande exposição fotojornalística de repórteres portugueses, embora, em 1986, o Centro de Formação de Jornalistas tenha organizado a exposição "Repórteres do Porto".

Entretanto, em 1981, Luís Pavão (1955-) publica As Tavernas de Lisboa, seguido de Fotografias de Lisboa à Noite (1983) e, em 1984, Castello Lopes lança Perto da Vista. Foram as primeiras edições contemporâneas de fotolivros em portugal.

Entre 1982 e 1984, o médico e fotojornalista do Expresso António Pedro Ferreira desenvolveu o projecto documental de fundo Os Portugueses em França 1982-1984, que o Arquivo Fotográfico de Lisboa expôs em 1996. São imagens que representam o desenraizamento da primeira geração emigrante num espaço culturalmente desajustado, a comunidade fechada em que os hábitos nacionais se mantinham, como as vizinhas a falar à janela, o quintal de couve galega à beira do prédio, as mulheres, de bata, sentadas a tricotar na relva à beira dos prédios.

O nome mais importante dos anos oitenta e noventa no documentalismo fotográfico contemporâneo em Portugal é provavelmente Paulo Nozolino (1955-), que teve, inclusivamente, trabalhos publicados, entre 1987 e 1989, no Libération.

Em 1982, Nozolino publica Para Sempre, onde propõe uma fotografia indefinida, em que personagens e objectos se tornam vultos, na linha do subjectivismo ficcional de Robert Frank ou Bill Brandt. Por vezes, porém, parece emergir das fotos um ténue desejo de registar mais intersubjectivamente o real, mas sem que as imagens deixem de ser polissémicas e comunicativas: sensibilizam, emocionam, estabelecem cumplicidades entre observador e fotógrafo, fazem compreender estados de alma, ambientes, e tensões. Fotos, portanto, que apostam no contexto.

José Rodrigues (1951-) é outro fotógrafo português da actualidade que se pode associar ao documentalismo fotográfico contemporâneo em Portugal, pelo menos durante os anos oitenta, na primeira fase da sua obra. Habitando na Holanda, Rodrigues ligou-se ao grupo Perpektief, de Roterdão, tendo chegado mesmo a o publicar na Perspektief nº 14 (1983) o portfolio Eu e o Tempo. José Rodrigues é mais um dos fotógrafos que faz uma fotografia que oscila entre a incongruência e a intimidade, sendo, assim, extraordinariamente polissémica. Em território nacional, um dos seus trabalhos mais notados foi o projecto sobre as minas de São Domingos, no Alentejo, que realizou a partir de 1987.

Adriano Miranda, outro dos nomes do novo documentalismo fotográfico português, também escolheu as minas como um tema do seu trabalho, mas, desta feita, as do Pejão. Por seu turno, o amador Conde Falcão fotografa o ruralismo português, África e o industrialismo, socorrendo-se de uma técnica pessoal de manipulação laboratorial da imagem (visível e, como tal, assumida), o que evidencia que os territórios do documentalismo fotográfico contemporâneo são mais largos e tendem, nalguns pontos, a libertar a foto da sua função testemunhal, de atestado, de confirmação.

São também de referenciar, neste grupo mais experimentalista e ligado ao documentalismo fotográfico contemporâneo, o já referido António Pedro Ferreira (1957-), do Expresso, no ensaio fotojornalístico; Daniel Blaufuks (1963-), que protagoniza uma fotografia onde mistura espaços e personagens, em géneros que vão da foto de moda à de reportagem; Mariano Piçarra, cuja fotografia documental é marcadamente simbólica; Rui Fonseca, que trabalhou a linha de costa; Augusto Alves da Silva (1963-), que lança sobre a paisagem degradada e o ambiente estragado um olhar subjectivo; Nuno Félix da Costa (1950-), com o seu "desfile de vaidades" portuguesas; e António Júlio Duarte, com as suas fotos de um Macau de sombras e posicionamentos, em que o real se tende a confundir com o virtual, a essência com a aparência, por vezes acentuando o lado irónico de algumas situações, à maneira de Erwitt, outras vezes evidenciando a graciosidade e preocupações compositivas de Cartier-Bresson. Outros nomes que se podem destacar no novo documentalismo português são Manuel Miranda (com fotos interessantes sobre a noite) e Henrique Botelho. Todavia, podendo-se reconhecer influências ou simplesmente semelhanças, quaisquer um destes fotógrafos não deixa de ser ele próprio na abordagem que faz do real.

Na actualidade, a qualidade fotojornalística portuguesa é globalmente melhor do que há alguns anos atrás. Teve uma importância decisiva na matéria o nascimento dos semanários Expresso, nos anos setenta, e O Independente, nos oitenta, e do diário Público —talvez o diário português com melhor cultura fotográfica e fotojornalística—, nos noventa.

Os novos representantes do fotojornalismo português, em nosso entender, partilham: a) uma visão que promove o entroncamento do fotojornalismo, em sentido estrito, com o fotodocumentalismo; b) uma formação teórica e técnica de nível elevado; e c) a assunção de uma certa subjectividade, que os leva a explorar as tensões e contradições, a composição e o enquadramento, em suma, as capacidades expressivas do espaço fotográfico, remetendo frequentemente o observador para o "fora de campo".

Há, pelo menos, uma trintena de bons fotojornalistas, espalhados por várias publicações e agências, entre eles, por exemplo: Pereira de Sousa (1942-) e Armando Moreira (Marco) (1936-), o fotojornalista-pintor, no Jornal de Notícias; Fernando Veludo (1958-), no Público; Alfredo Cunha e Adelino Meireles, que também estiveram no Público; Luís Vasconcelos (1952-), que esteve no extinto O Diário; Pedro Bettencourt de Azevedo (1965-), Francisco Silva e Céu Guarda (1960-), que estiveram n’O Independente, semanário onde ainda permanece o hábil retratista João Tabarra; Graça Sarsfield, também uma retratista de eleição; Luís Carregã, que esteve no Diário de Notícias; Fernando Ricardo, antigo fotojornalista da Associated Press, da France Presse e da Gamma; Rui Ochôa (1948-), Sérgio Granadeiro e Luís Carvalho (1954-), no Expresso; Lucília Monteiro e Inácio Ludgero (1950-), na Visão; Joaquim Proença Lobo, do extinto O Jornal. Na Agência Lusa, gostamos especialmente de Manuel de Moura (1950-), pela força ou graciosidade que consegue imprimir à generalidade das suas fotos, mesmo em assuntos triviais, bem como pela atenção que dá a alguns pormenores significantes.

Em 1995, o fotojornalista Alfredo Cunha, ex-editor fotográfico do Público, publicou Naquele Tempo, um fotolivro que resume o principal do seu trabalho, desenvolvido a partir dos anos setenta até hoje, no Século, Século Ilustrado, Vida Mundial, ANOP, NP, Lusa e Público: são fotos da descolonização, do 25 de Abril, do Processo Revolucionário em Curso (PREC), do incêndio do Chiado e, entre outras, de Moçambique, (1993). Com um portfolio deste último trabalho, Alfredo Cunha ganhou uma menção honrosa no Euro Press Photo 94.

José de Oliveira Tavares (1939-), que na altura estava no Diário de Lisboa, obteve uma das cáchas recentes de fotojornalistas portugueses: foi o único fotojornalista a captar imagens da tentativa de assassinato do papa João Paulo II, em Fátima. Américo Mariano, que estava no Público, realizou, em 1992, na Somália, uma das foto-reportagens mais marcantes das realizadas na década de noventa por fotojornalistas portugueses. 1992 é também o ano em que a revista do Expresso inicia a publicação de uma série de trabalhos dos fotógrafos da Magnum, como uma reportagem de Patrick Zachman sobre a Máfia chinesa, saída a 20 de Junho.

Uma nova atenção foi outorgada à fotografia em Portugal, a partir de meados dos anos oitenta. O medium começou a ter direito a artigos regulares nos jornais e revistas. A 7 de Outubro de 1989, o Expresso consagrou até a sua revista aos 150º aniversário da fotografia. Julho de 1993 foi o Mês da Fotografia, em Lisboa, o que, a par dos encontros de Coimbra e Braga, não só atraiu a atenção de interessados e menos interessados como também contribuiu para divulgar o fotojornalismo e o documentalismo fotográfico contemporâneos a uma escala nunca vista no nosso País.

Coroando a qualidade crescente da fotografia portuguesa, vários fotógrafos nacionais expõem em paris, em Novembro de 1992, durante o Mois de la Photo. Rui Prata apresentou fotos de esculturas do século XVII da martirologia cristã, José Afonso Furtado expôs fotografias de África e Manuel Magalhães mostrou imagens de um percurso pessoal através de florestas, montanhas e jardins. Além destes, estiveram presentes os fotógrafos Fernando Lemos, Aníbal Lemos, José Maçãs de Carvalho, José Pastor, Sílvia Seova e João Tabarra.

Em 1996, a Câmara de Matosinhos desenvolveu um projecto fotodocumentalístico que visava representar as diversas faces da vida na cidade. Para tal, sob a coordenação de Teresa Siza, os fotógrafos portugueses Augusto Alves da Silva e Bruno Sequeira, o americano Larry Fink e o italiano Gabriele Basilico percorreram diversas zonas da cidade.

A Fink coube a tarefa de representar o quotidiano dos pescadores e das artes da pesca, uma actividade que está a desaparecer. Nas suas fotos revive-se, mais uma vez, a grande tradição da fotografia documental a preto e branco.

Basilico, por seu turno, procurou evidenciar a passagem do tempo e as rupturas que provocou, registando imagens do Porto de Leixões e da zona da indústria conserveira, fixando-se nos edifícios de diferentes épocas.

Quanto aos portugueses, Bruno Sequeira realizou uma espécie de arqueologia da era industrial matosinhense, com particular destaque para os indícios da outrora florescente indústria conserveira. Augusto Alves da Silva deambulou pela zona rural da cidade, mais incaracterística.

Os 16ºs Encontros de Fotografia de Coimbra, realizados em Novembro de 1996, trouxeram como principal inovação uma aposta importante na produção fotográfica portuguesa contemporânea e na produção fotográfica sobre Portugal. O projecto colectivo "Sul", que procurou, precisamente, representar o Sul de Portugal sob o olhar de vários fotógrafos, nacionais e estrangeiros, reuniu trabalhos de Frédéric Bellay, Giovanni Chiramonte, Hugues de Wurtstemberger, Martine Voyeux, António Júlio Duarte, José M. Rodrigues (que também apresentou a série monográfica "Alentejo", dedicada aos vestígios do paganismo), Daniel Schwartz, Marcello Fortini e Cristina Garcia Rodero.

Vivendo do branco e negro, e, portanto, de uma dramaturgia de momentos singulares, o projecto oscila entre o documental e o onírico-ficcional, roçando frequentemente a poesia fotográfica e o apelo telúrico. As paisagens, o povo, os animais, misturados ou isolados, constituiram o terreno privilegiado da predação visual desenvolvida.

Lisboa também não foi esquecida. O rio, as gaivotas, as pombas, a ponte, as gentes, as paisagens urbanas, os veículos de todo o tipo, observados do exterior ou do interior, foram os alvos do trabalho a preto e branco empreendido por Cristophe Bourguedi, Bernard Plossu, Frédéric Bellay, Giovanni Chiaramonte, Paulo Nozolino e John Davies. E, mais uma vez, foram expostas as velhinhas fotografias de Joshua Benoliel sobre os trabalhadores da Lisboa da viragem do século.

África, vista por fotógrafos portugueses e africanos, foi também um tema central dos Encontros, tal como as recordações do velho Império Português, que da Europa se estendia ao Pacífico, passando pelas ilhas atlânticas, por África, pelo Índico e pela América do Sul. José Maçãs de Carvalho, Steve Cox, Inês Gonçalves, Mica Costa Grande, António Leitão Marques, Mariano Piçarra, José M. Rodrigues, Sérgio Santimano, Bruno Sequeira, Fazal Sheikh, Evandro Teixeira, Pedro Vasquez e Dominique Wade foram os fotógrafos que trabalharam neste projecto, de vocação essencialmente associada às grandes tradições do fotodocumentalismo humanista a preto e branco, mas sem rejeição de uma linha representativa da exploração experimental do documentalismo fotográfico contemporâneo. Duas orientações que se cruzaram mas que, paradoxalmente, transfiguram as representações fragmentadas e criativamente diversificadas da realidade numa obra que, embora multiangular e polivisual, é coerente e transmissível como um todo.

Em Novembro de 1996, o Diário de Notícias publicou um pequeno suplemento de autopromoção que vivia, essencialmente, de fotografias jornalísticas realizadas pelos seus foto-repórteres e publicadas no jornal. Chamámos aqui esta ocorrência porque é exemplificativa da força testemunhal que o fotojornalismo ainda tem mas também da força promocional que ele pode ter numa esfera de luta oncorrencial. Desprezar a fotografia jornalística, nos dias de hoje, poderá revelar-se fatal para qualquer órgão de imprensa.

Foi conhecido, também em 1996, que o repórter fotográfico do Público Daniel Rocha tinha vencido a edição portuguesa do Prémio Europeu de Fotografia da Fujifilm, com um trabalho sobre o baptismo de crianças com Sida.



CAPÍTULO XIV

ALGUNS TEXTOS RECENTES SOBRE FOTOJORNALISMO

Em Portugal, não existem muitas contribuições escritas para o estudo específico do fotojornalismo, se exceptuarmos uma dissertação de mestrado sobre o foto-repórter lisboeta do início do século Joshua Benoliel, disponível na biblioteca do Departamento de Comunicação Social da Universidade Nova de Lisboa, e da nossa tese de doutoramento, denominada Fotojornalismo Performativo — O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação, disponível nas bibliotecas da Universidade Fernando Pessoa (Porto) e da Escola Superior de Jornalismo (também do Porto). Gostaríamos ainda de salientar que as colecções de revistas e livros na área do (foto)jornalismo e da comunicação, nomeadamente da comunicação visual, disponíveis nas bibliotecas portuguesas —mesmo nas bibliotecas das instituições universitárias— são pobres.

Sublinhamos, igualmente, que não são do nosso conhecimento nem encontrámos na pesquisa que fizemos quaisquer estudos aprofundados sobre o fotojornalismo português, se exceptuarmos a já referida dissertação de mestrado sobre Joshua Benoliel e algumas referências à sua evolução histórica dispersas em várias publicações, especialmente no livro Uma história de Fotografia, de António Sena, o qual, como já dissemos, nos foi muito útil para a elaboração da síntese sobre a evolução do fotojornalismo português que apresentamos neste livro.

Além dos já citados, entre os livros consultados para a elaboração deste trabalho, avultam o de Susan Sontag, On Photography (Ensaios Sobre Fotografia), e o de Giséle Freund, Fotografia e Sociedade, entre variadíssimas histórias da fotografia, referenciadas na bibliografia.

Através da pesquisa bibliográfica, verificámos também que são poucos os estudos publicados sobre fotojornalismo nas principais revistas científicas ou noutros espaços devotados ao campo jornalístico, especialmente quando comparados com outras áreas da comunicação jornalística. Alguns parecem-nos, todavia, particularmente pertinentes, pelo que indicá-los será de alguma utilidade, até para se perceberem quais as preocupações actuais da comunidade académica no que respeita ao estudo do fotojornalismo.

Em 1984, Kuo-jen Tsang descobriu que as fotografias publicadas na Newsweek e na Time davam uma imagem tendencialmente negativa do Terceiro Mundo(257), o que vinca as possíveis distorções que se podem induzir no processo de construção de um real referencial através do fotojornalismo. Conforme intuiram Michael Singletary e Chris Lamb, no mesmo ano, talvez as fotografias "negativas" atraiam mais a atenção e possibilitem uma gratificação mais rápida.(258) Estes autores chegaram também à conclusão de que as fotografias vencedoras dos prémios anuais de fotojornalismo da National Press Photographers Association dos EUA apresentavam geralmente, em termos de emoção, um desvio tendencial para a "negatividade": 81% das fotografias vencedoras nas categorias de news e de features relacionavam-se com acidentes, desastres, crime e violência (a terceira categoria, desporto, não foi considerada no estudo).(259)

Curiosamente, Evelyne J. Dyck e Gary Coldevin, em 1992, salientaram que a eficácia persuasiva de uma mensagem que recorresse à fotografia seria maior se a imagem fosse "positiva", isto é, transmitisse sensações agradáveis, como alegria.(260) Talvez se possa relacionar esta ideia com a descoberta de James Fosdick, que, em 1966, demonstrou que 65% das fotos publicadas em três diários do Estado de Wisconsin e no Christian Science Monitor eram soft news sobre acontecimentos locais (valor-notícia da proximidade em valência). Porém, o autor disse também que essas fotos não contribuíam para mudanças na consciência política e social do público.(261) De qualquer modo, no estudo de Dyck e Coldevin e numa série de pesquisas efectuadas anteriormente, geralmente concluiu-se que, embora atraindo a atenção, as mensagens articulando texto e fotografia não influenciavam nitidamente a persuasão.(262)

Cremos que a disseminação do conhecimento sobre a ideia de que a eficácia persuasiva de uma mensagem que recorra à fotografia tende a ser maior quando a imagem é "positiva" poderia operar mudanças ao nível dos critérios de noticiabilidade e captação de imagem no fotojornalismo e, assim, modificar as rotinas produtivas. A exemplo do que fazem Sebastião Salgado e outros fotojornalistas que não enveredam por uma "estética do horror", poderia ser que, ao nível fotojornalístico, nem sempre as "más notícias" fossem as "boas notícias".

No estudo anteriormente referido, Kuo-jen Tsang evidenciou que, pelo menos durante os anos que analisou a Time e a Newsweek (1971, 1976 e 1980), as fotografias jornalísticas sobre os Estados Unidos dominavam ambas as revistas, que apenas incluíam cerca de um terço de fotos de outros países.(263) Além da construção do real promovida pelo jornalismo, tal facto releva o valor-notícia da proximidade, mesmo em dois órgãos de Comunicação Social dos mais empenhados numa estratégia de internacionalização do seu mercado. No mesmo trabalho, o autor demonstra que as fotografias do estrangeiro publicadas nas revistas eram mais violentas que as dos EUA. Mostra também que a América Latina, a África e as Ilhas do Pacífico recebiam pouca atenção das citadas revistas e diz que a maioria das fotos publicadas quer pela Time quer pela Newsweek eram soft news de interesse humano.(264)

Regressando ao trabalho de Michael W. Singletary e de Chris Lamb, de 1984, sobre as fotografias vencedoras dos prémios anuais de fotojornalismo da National Press Photographers Association,dos EUA, os autores concluíram que as mulheres eram actores primários apenas em cerca de um terço das fotos. Todavia, em mais de metade dos casos eram representadas, por exemplo, como vítimas necessitando de ajuda, raramente sendo mostradas, por exemplo, como profissionais.(265) Além disso, apenas 3,7% das news photos e 10,8% das feature photos premiadas pela National Press Photographers Association haviam sido realizadas por mulheres, apesar destas atingirem 11,7% dos membros da NPPA.(266) Tal situação parece contrariar as conclusões das pesquisas de 1979, de Slattery e Fosdick, segundo as quais homens e mulheres fotojornalistas atingiam índices equivalentes de profissionalismo.(267) De facto, o esperado para o trabalho de Singletary e Lamb, face às pesquisas de Slattery e Fosdick, seria que homens e mulheres contribuíssem quer para as news photos quer para as feature photos em proporção com os números da sua adesão à associação profissional dos fotojornalistas americanos, o que não se verifica.

Recorrendo às ideias de Wilbur Schramm sobre recompensa imediata ou mediata(268), Lamb e Singletary afirmaram que das 111 fotos vencedoras analisadas apenas uma satisfazia a recompensa mediata.(269) Além disso, a maioria das fotos premiadas dizia respeito a acontecimentos locais e regionais, e quase 25% mostravam feridos ou mortos, embora apenas 2,7% fossem tão detalhadas que mostrassem pormenores como o sangue. Singletary e Lamb concluíram que este facto provava um auto-policiamento ético e evidenciava que os fotojornalistas eram sensíveis à relutância dos editores em difundir fotos que pudessem ofender os leitores.(270) Os autores mostraram ainda que a maior parte das feature photos premiadas eram séries, compostas por um número médio de 4,4 imagens, e que cerca de 25% dessas fotos eram grandes planos de expressões faciais; mostraram também que a maioria das fotos analisadas foi realizada durante o dia e que, contrariamente ao que esperavam, as fotos que obtiveram primeiros prémios não tinham conteúdos mais positivos ou negativos que as posicionadas em segundo e terceiro lugar.(271) Finalmente, Michael W. Singletary e Chris Lamb abordaram os critérios de valor-notícia nas fotografias premiadas, tendo chegado às seguintes conclusões(272):

Resumindo, os autores provaram que as fotos do seu universo de estudo poderiam ser categorizadas em função dos valores-notícia tradicionais e que, regra geral, focavam um pequeno número desses valores: as feature photos enfatizavam a proximidade e o interesse humano, enquanto as news photos relevavam a proximidade, o conflito e a oportunidade.(273)

No mesmo campo, Stephen Plunkett, numa tese apresentada em 1975 na Universidade do Tennessee, fez uma análise semelhante sobre 35 fotografias vencedoras de prémios Pulitzer. Segundo o autor, estas fotos giravam à volta de oito motivos: 1) distúrbios; 2) segurança; 3) necessidades humanas; 4) violência; 5) ameaças; 6) idolatria; 7) salvamento da morte; 8) excentricidades e singularidades.(274)

Em 1996, fizemos um estudo semelhante aos de Plunkett, Singletary e Lamb. Analisámos as trinta e nove fotografias do ano do World Press Photo e chegámos, entre outras, às seguintes conclusões: a) Quase 90% das fotos premiadas são fotos-choque e estimulam recompensas imediatas; b) Cerca de metade dos sujeitos principais representados nas fotos são homens, um terço são crianças e apenas 14% são mulheres, o que evidencia um notório desequilíbrio no tratamento dos subgrupos sociais; além disto, as mulheres raramente são apresentadas em posturas "activas" no contexto, mas sim em papéis de solicitadoras de auxílio e similares; c) Cerca de 35% das fotos mostram mortos ou feridos, mas só duas são detalhadas; d) Só em duas fotos os sujeitos representados eram figuras públicas nas datas em que as fotos foram realizadas; e) Todas menos uma das fotos reportam-se directa ou indirectamente à violência, especialmente à violência bélica (40%); e f) A intensidade, o momento, a consequência, a oportunidade e a negatividade eram os valores-notícia mais encontrados.(275)

Num estudo editado em 1996, Michael Griffin e Jongsoo Lee, após analisarem 1104 fotografias sobre a Guerra do Golfo publicadas na Time, na Newsweek e no U.S. News & World Report, concluíram que o espectro tipológico dessas fotografias foi estreitamente limitado, reduzindo-se sobretudo a imagens que catalogavam o armamento e as tecnologias militares —sobretudo dos EUA— em detrimento da faceta humana do conflito. Além disso, segundo os autores, a escassez de imagens que procuravam descrever os acontecimentos em curso no Golfo contraria a ideia de que a cobertura de guerra foi em "primeira mão".(276)

No campo da imagem das relações raciais criada pelo jornalismo, existem alguns estudos interessantes, embora respeitem sobretudo aos Estados Unidos. Alguns desses estudos debruçam-se, privilegiam ou consagram um papel relevante ao fotojornalismo.

Assim, em 1964, Verdelle Lambert descobriu, num estudo sobre a Look, que havia um aumento das referências não-raciais aos afro-americanos nas notícias, entre as quais as que articulavam texto e imagem. Concluiu, a partir deste dado, que os editores da Look cada vez mais ignoravam a visão racial estereotiopada(277), encarando os afro-americanos como quaisquer outros membros da sociedade.(278)

Da mesma maneira, também Carolyn Martindale, no seu livro de 1986 The White Press and Black America, após analisar a forma como eram representados os afro-americanos em 245 números de The New York Times, The Boston Globe, The Chicago Tribune e The Atlanta Constitution, incluindo nas fotografias, afirmou que os editores desses jornais mostravam um desejo de cobrir mais extensiva e realisticamente a comunidade afro-americana.(279)

Alice Sentman, por seu turno, debruçou-se sobre a cobertura fotojornalística dos afro-americanos na Life, de 1937 a 1972, tendo concluído que eram dispersamente representados e que, portanto, a Life não dava à sua audiência a possibilidade de ter acesso a representações da vida quotidiana dos negros.(280)

Em 1990, Paul Martin Lester e Ron Smith estudaram as fotografias publicadas nas revistas Life, Newsweek e Time entre 1937 e 1988. Chegaram à conclusão que os afro-americanos tinham ganho visibilidade com o decorrer dos anos. Esse aumento dever-se-ia mais à cobertura de acontecimentos dramáticos do quotidiano e de actividades de figuras-públicas, como acontece para os brancos, do que à apresentação de fotos racialmente estereotipadas no campo do crime, desporto e artes do entretenimento.(281) Para eles, essa via seria a (politicamente) correcta.(282) Porém, os mesmos autores descobriram também que, apesar disso, a percentagem de apresentação de fotos estereotipadas de afro-americanos era maior do que a percentagem de negros na população americana, tendo concluído que tal mostrava, apesar de tudo, confiança nas coberturas estereotiopadas.(283)

No mesmo estudo, Lester e Smith descobriram que a percentagem de afro-americanos na Life excedia em 11% o seu peso percentual na população americana, mas que na Newsweek e na Time isso não acontecia.(284) Também evidenciaram que na era pré-direitos civis as representações fotojornalísticas dos afro-americanos eram maioritariamente estereotipadas. Os afro-americanos eram essencialmente representados como criminosos ou violentos, religiosos, primitivos e amantes da música, no campo da personalidade, e como serviçais, desempregados, atletas ou entertainers, no campo ocupacional-profissional.(285)

O mesmo Paul Martin Lester, num estudo editado em 1994 sobre 250 mil fotografias inseridas nos jornais The New York Times, Chicago Tribune, New Orleans Times e San Francisco Chronicle, mostra que a cobertura dos afro-americanos aumentou, mas que o preço da visibilidade tinha sido o aumento das categorias estereotipadas do conteúdo das fotos.(286)

Em revistas mais especializadas, foram também publicados alguns estudos sobre a "objectividade" do fotojornalismo americano e a confiança que se pode ter nos "registos" fotojornalísticos. Uma das conclusões globais que podemos extrair desses estudos é que a imprensa vive frequentemente de imagens fotográficas de substituição: durante a Guerra do Golfo, por exemplo, foi frequente a inclusão de imagens que, numa leitura menos atenta, passavam por imagens do teatro de operações, mas que em letras miudinhas anunciavam que se tratava, por exemplo, de exercícios militares na Califórnia; em outras ocasiões, nem sequer o referiam. A deturpação da realidade, esta autêntica ficção sobre o real, apenas foi revelada após investigações académicas, aliás muito pouco difundidas.(287)

No campo da cobertura fotojornalística em função do sexo, Susan H. Miller descobriu que nas fotos publicadas entre Junho de 1973 e Junho de 1974 nas páginas do Washington Post e do Los Angeles Times os homens surgem mais vezes do que as mulheres, excepto nas secções de "sociedade". Assim, a cobertura fotonoticiosa não reflectiria, nesses jornais, os papéis que as mulheres desempenham na vida em sociedade — eventos largamente participados por mulheres, como acontecimentos desportivos não profissionais, não eram cobertos. Tal demonstraria, na óptica da autora, que o fotojornalismo diário vive sobretudo da rotina. Esta consagraria critérios de noticiabilidade que secundarizariam as mulheres, mesmo quando elas deveriam ser notícia, por exemplo devido ao impacto das suas reivindicações ou ao impacto do seu trabalho.(288)

Repetindo a pesquisa de Susan Miller, Roy Blackwood, em 1983, descobriu que nos mesmos jornais as representações fotográficas de homens dominavam ainda mais do que em 1974 as representações fotográficas das mulheres (2% no Post e 5% no Times). As proporções encontradas, em 1983, por Blackwood, eram de 4 para 1 no Post e de 3 para 1 no Times. Só nas secções de "sociedade" é que a relação se tornava equilibrada. O autor chegou, assim, à conclusão de que, em 1983, havia um desfasamento ainda maior entre o real e a sua representação fotográfica nos dois jornais.(289)

No mesmo campo, D. K. Dodd e colaboradores descobriram, em 1989, que as fotografias de mulheres publicadas na Time e na Newsweek em 1938, 1953, 1963, 1975 e 1983 se focalizavam nos corpos, enquanto as fotografias de homens se centravam nos rostos, embora o papel social dos sujeitos representados tivesse influência mediadora nesta tendência.(290) No mesmo trabalho, os autores compararam as expressões faciais dos sujeitos retratados em anúncios das revistas Time, Ms., Fortune e Ebony de 1976, 1981 e 1986, particularmente a posição da boca, tendo constatado que as mulheres mais do que os homens eram fotografadas com a boca aberta, presumivelmente, como dizem os investigadores, uma expressão entendida como menos séria.(291)

Ainda no campo do estudo das representações fotográficas das mulheres, G. Daddario analisou as secções especiais sobre fatos de banho que mostram modelos femininas posando em praias solarengas e exóticas, inseridas em edições especiais da Sports Illustrated que vendem quase o dobro dos restantes números. Daddario concluiu que as atletas são marginalizadas pela sua colocação simbólica em determinadas páginas de informação e pelo maior volume de imagens consagradas às modelos, e assegura ainda que a revista cria uma associação entre atletismo feminino e modelos em fatos de banho.(292)

A imagem que resulta das representações fotográficas da Terceira Idade nos anúncios publicitários editados na Life e na Ebony, entre 1978 e 1987, foi analisada, por seu turno, num trabalho de 1989, de Sharon Bramlett-Solomon e de Vanessa Wilson.(293) As autoras chegaram à conclusão de que as pessoas idosas foram representadas numa proporção (menos de dois por cento) manifestamente inferior ao seu peso na população americana; nestes anúncios as pessoas idosas foram ainda, regra geral, representadas em conjunto com pessoas mais jovens e de forma a contribuir para uma visão estereotipada e algo negativa da velhice, devido à sua associação mais a anúncios sobre laxantes, cuidados ambulatórios, seguros de vida, planos de poupança e equivalentes do que, por exemplo, a anúncios sobre carros, viagens e lazer.(294) Consequentemente, a Terceira Idade seria poucas vezes vista como um público-alvo a atingir através dessas revistas.(295)

Uma outra pesquisa interessante é a de Larry Z. Leslie sobre as representações fotográficas das actividades de McCarthy entre 31 de Agosto e 13 de Setembro de 1954. Nela, o autor mostrou que, no período sob análise, apenas o Washington Post tinha realizado uma cobertura tendencialmente neutral das acções do senador, enquanto o Los Angeles Times, o Chicago Tribune e o Atlanta Constitution fizeram coberturas positivas do mccarthismo.(296)

A cobertura fotojornalística da Time, da Newsweek e do U.S. News and World Report da campanha eleitoral de 1984 para a presidência dos Estados Unidos foi o tema de um artigo surgido em 1986, da autoria de Sandra Moriarty e Gina Garramone. As autoras evidenciaram que, na primeira fase da campanha, a cobertura realizada favoreceu os republicanos, particularmente Reagan, embora na ponta final se tivesse verificado o contrário, com Mondale a marcar pontos. A candidata Ferraro, apesar de ter tido direito a quase duas vezes mais fotos publicadas do que Bush, foi tendencialmente representada de forma mais negativa.(297) Moriarty e Garramone, porém, sugerem que as diferenças na apresentação fotográfica dos candidatos se podem ter devido mais às diferenças de postura dos próprios candidatos do que às suas representações mediáticas.(298)

Um sinal das pressões políticas ou, pelo menos, do triunfo das tácticas e estratégias das relações públicas dos políticos, é o aumento da cobertura fotográfica dos presidentes americanos (pelo menos) nos jornais New York Times, Atlanta Constitution, Los Angeles Times e St. Louis Post-Dispatch, ocorrida a partir de 1960 e notada, pelo menos, até 1988 (ano do estudo que o demonstra), devido à disponibilização interessada, por parte da Casa Branca, de um cada vez maior número de ocasiões para os fotógrafos fabricarem imagens dos chefes-de-Estado americanos (photo opportunities).(299)

A presença de fotografias nas primeiras páginas dos jornais também foi várias vezes analisada. Michael W. Singletary, em 1978, mostrou que de 1936 a 1976, embora tenha aumentado o total de fotos nas páginas um do Chicago Tribune, do Los Angeles Times, do Philadelphia Inquirer, do St. Louis Post-Dispatch, do New York Times e do Washington Post, tinha decrescido de 59,4% para 29,9% o número de fotos em grande plano; os temas mais comuns nas fotografias foram sempre a política e actividades públicas (quase 40% das fotos), o interesse humano (entre 25-30%), acidentes e desastres (diminuiu de 14,5% em 1936 para 9,7% em 1976) e crime e corrupção (diminuiu de 9,3% para 5,9%).(300) Notou-se, também, um aumento do respeito pelos direitos de autor, manifestado no aumento do número fotos assinadas, o aumento da produção própria dos jornais (12,5% em 1936 e 30,7% em 1976) e um aproveitamento crescente de todas as localizações para a inclusão de fotografias, o que traduz mudanças gráficas.(301) Em 1936, a Associated Press forneceu 20,7 por cento das fotos publicadas na primeira página dos jornais, percentagem que aumentou para 36,7% em 1956 e decresceu para 26,7% em 1976, ficando pela primeira vez abaixo do índice de produção própria. Se à AP associarmos a UPI, verificamos que as duas agências são responsáveis por quase um terço das fotos que fizeram a "Um".(302)

Em 1988, Paul Martin Lester mostrou que cerca de metade das fotografias nas primeiras páginas de 1986 do USA Today, do Chicago Tribune, do New Orleans Times-Picayune, do New York Times e do Los Angeles Times eram mug shots, isto é, fotos "tipo-passe" (embora podendo não ser posadas), com particular destaque para o USA Today(303), provavelmente devido às suas características "pós-televisivas"). USA Today que, aliás, pode ser um jornal dirigido para público masculino (talvez porque os homens comprem mais jornais), sendo esta situação partiularmente visível no elevado número de fotografias de desporto que publica.(304)

Ainda em 1988, num outro estudo, Paul Martin Lester provou que, apesar da proliferação de infográficos, mapas e outro tipo de "informação" visual, as fotografias eram ainda o principal elemento visual das primeiras páginas dos já referidos jornais, mesmo que combinadas com outros elementos visuais (em 300 primeiras páginas analisadas, havia 1148 fotografias, 133 ilustrações, 64 infográficos, 40 mapas, dois infográficos combinados com fotografias e um mapa combinado com uma ilustração); a maioria das imagens mostrava homens brancos (79%) e 87% dessas imagens só mostravam sujeitos brancos.(305) Um estudo de 1987 punha o acento tónico na pressão económico-comercial no que respeita ao crescendo de utilização da cor na imprensa americana (59% dos jornais usavam ocasionalmente a cor e 32% usavam-na sistematicamente).(306)

Em 1974, G. Norman Van Tubergen e David L. Mahsman fizeram ver que a natureza positiva, negativa ou neutra de uma imagem influenciava as atitudes dos observadores face aos sujeitos representados; quando estes eram figuras desconhecidas, as fotos contribuíram mais intensamente para a formação de opiniões sobre a personalidade dos sujeitos representados.(307) Em 1987, L. Lain sugeriu que os editores frequentemente seleccionavam fotos que correspondiam às ideias que obtinham sobre as pessoas representadas nas "estórias" durante a leitura do texto, pois as fotos acompanhavam as ideias dos textos(308), o que vai ao encontro das conclusões de Wanta e Leggett, que verificaram que as jogadoras de ténis eram usualmente representadas nos serviços de telefoto da Associated Press em posturas emotivas ou dominantes, dando alguma consistência à ideia de que os editores seleccionam (algumas?) fotos de acordo com estereótipos e preconceitos pessoais.(309) Na mesma linha de estudos, em 1992, L. B. Lain e P. J. Harwood concluíram que os leitores que observavam fotografias (em grande plano facial) dos sujeitos das "estórias" eram mais rápidos a atribuir-lhes características pessoais do que os leitores sem acesso a essas imagens; além disso, consoante essas fotos fossem negativas, neutras ou positivas também os leitores tendiam a atribuir características equivalentes aos sujeitos representados.(310)

Um estudo de Anna Banks de 1994 vai bastante ao encontro dos objectivos da nossa tese. A autora debruça-se sobre a selecção fotográfica que os editores fazem para as revistas, argumentando que as escolhas são influenciadas quer pelos códigos culturais que as imagens contêm quer pelas práticas culturais e organizacionais em que os editores se vêem imersos; a produção fotonoticiosa é colocada, assim, no contexto das rotinas, dos valores profissionais e do clima institucional enquanto elementos conformadores do conteúdo e da forma das fotografias.(311) Em resumo, as fotografias de notícias são vistas como uma actividade social e uma produção cultural, como construções, e não como simples descrições ou reflexos dos acontecimentos. Perspectivá-las dessa forma permite lê-las como parte das forças políticas, sociais e culturais sob as quais elas são criadas e distribuídas.(312)

Quando o secretário do Tesouro do Estado da Pensilvânia se suicidou, com um tiro na boca, frente aos repórteres, a 22 de Janeiro de 1987, as fotografias resultantes criaram, na hora da sua publicação, um dilema entre ética, (bom) gosto e valor sensacionalístico das imagens. Robert C. Kochersberger Jr. estudou os jornais da Pensilvânia, de Nova Iorque e da Carolina do Norte, tendo chegado à conclusão de que nestes dois últimos estados americanos, devido, provavelmente, à sua menor proximidade da acção, as fotografias foram usadas menos sensacionalisticamente.(313) Mas, dentro da Pensilvânia, os jornais num raio de cem milhas da cidade natal do governante foram menos sensacionalistas na publicação das fotos do que os restantes(314), o que poderá ter a ver com uma maior susceptibilidade em publicar fotos chocantes sobre uma figura-pública da região (proximidade afectiva e geográfica).

A profissionalidade ou profissionalismo dos fotojornalistas também foi investigada, infelizmente, como vem sendo hábito, quase em exclusivo nos Estados Unidos.

Karen Slattery e Jim Fosdick, em 1979, compararam o profissionalismo entre os homens e as mulheres fotojornalistas nos EUA, tendo concluído que poucas diferenças se notavam, mas que a pequena vantagem era das mulheres.(315) Na década de oitenta, em dois estudos separados, Barbara Bethune traçou o perfil dos fotojornalistas americanos: jovens, brancos, homens e com bacharelatos.(316) Outras conclusões do maior desses estudos, que envolveu a maioria dos fotojornalistas filiados na NPPA, foram que a satisfação laboral aumentava com a idade e que os fotojornalistas que tinham voz activa na tomada de decisões respeitantes à sua actuação nos seus órgãos de Comunicação Social apresentavam também maiores índices de satisfação laboral.(317)

Em 1985, Steve Pasternack e Don R. Martin, debruçando-se sobre os padrões de recrutamento dos fotojornalistas da região Oeste das Montanhas Rochosas, mostraram que os editores preferem profissionais com capacidade de escrita, capacidade para avaliar o que é notícia e conhecimentos de direito dos media, além, evidentemente, de domínio da técnica fotográfica e dos equipamentos.(318)

Finalmente, gostaríamos de salientar que, num estudo a aguardar publicação na Revista da Universidade Fernando Pessoa, descobrimos que a cobertura fotojornalística do primeiro mês de beligerância da Segunda Guerra Mundial realizada pelos diários portuenses foi manifestamente pró-Aliada, ao contrário do que ocorreu em países como os Estados Unidos, provavelmente devido ao trabalho das embaixadas e consulados franceses e britânicos em Portugal e ao peso histórico da Aliança Luso-Britânica.
 
 

CONCLUSÕES

Presente e inter-relacionada na arte, no jornalismo, na administração, no mundo militar, na indústria, na edição, no entretenimento, nas ciências da comunicação e informação, a fotografia é rica, diversificada e complexa. Da mesma maneira, mesmo que curta, a história do fotojornalismo é, também ela, suficientemente rica, diversificada, viva, mutável e, portanto, complexa, para merecer a nossa atenção. Conhecê-la é habilitarmo-nos a um conhecimento mais profundo e contextualizado do actual momento fotojornalístico, entendido num sentido lato, momento esse também ele complexo e problemático na sua multiplicidade e rápida mutabilidade.

Não foi, no entanto, nosso propósito, ser exaustivos ao escrever este livro, mas tão só traçar as linhas que permitam uma aproximação histórica suficiente para entender parte das razões pelas quais o fotojornalismo na actualidade se faz e é entendido de uma maneira e não de outras, até porque, tal como a fotografia evoluiu, em grande medida, na convencionalidade, também o fotojornalismo actual se faz, em grande medida, dentro da convencionalidade.

Também esperamos ter fornecido suficientes exemplos de temas e abordagens que permitam uma reflexão mais proveitosa aos responsáveis pelo fotojornalismo português e aos fotojornalistas, em termos de política fotojornalística a implementar e seguir. Estamos convencidos, de facto, que a verdadeira performatividade em fotojornalismo passa por mudanças que terão de ser impulsionadas através de intervenções primeiras ao nível das culturas de empresa e das culturas específicas das editorias de fotojornalismo e das redacções.

As mudanças nas culturas de empresa, quanto a nós, devem casar (a) uma esfera de liberdade/criatividade/responsabilidade que deve ser outorgada aos foto-repórteres, com (b) uma diversificação produtiva capaz de satisfazer não só o mercado tradicional mas também as novas exigências dos quality papers, com (c) os novos imperativos ético-deontológicos que emergem no campo fotojornalístico e com (d) as (novas) necessidades de educação/formação nos campos do (foto)jornalismo, ciências sociais, técnicas e tecnologias.

É visível, julgamos, que a história da fotografia e do jornalismo condicionou o fotojornalismo. Para além, evidentemente, da ocorrência de inovações, e não havendo regressos na história da fotografia, há recuperações, reconversões e reformulações. Consequentemente, pese toda a diversidade, fomentada, aliás, pela acção pessoal de diversos fotógrafos, notam-se também linhas evolutivas no estilo, nos pontos de vista, nos géneros fotográficos, seja de Hine a Salgado, de Beato a McCullin, de Capa a Nachtwey e Chauvel ou da Wirephoto da Associated Press à fotonotícia da agência portuguesa Lusa. A história do fotojornalismo e os factores que a influenciaram conformaram a irrupção de rotinas e convenções. Mas também permitiram a fuga a essas rotinas e convenções.

Sob outro prisma, a televisão e, actualmente, os meios multimédia, reduziram, provavelmente, a autoridade social do fotojornalismo em matéria de representação e figuração do mundo. Por isso, importa ao fotojornalismo encontrar novos usos sociais e novas funções, que reconheçam o que, com o tempo, se tornou evidente: a dimensão ficcional e construtora social da realidade que a intervenção fotográfica aporta. Nesta linha, aliás, vários fotojornalistas começaram, como vimos, após a Segunda Guerra Mundial, a reivindicar e praticar o seu direito à subjectividade assumida, encarando a fotografia não como o "espelho do real", mas mais como uma metáfora ou até uma metáfora-metonímia da realidade. Por via desta opção, arte, e intenção documental/propósito jornalístico vão deixando de ser vistos como factores irreconciliáveis no campo dos news media, embora existam fotojornalistas que insistem na distinção, por influência socio-ideológico-cultural.

Apesar da evolução histórica, a fotografia jornalística continua, perante o senso comum, a passar pelo espelho do real tal como este se apresenta perante a câmara num breve instante, isto é, o que a foto regista "é verdade", aconteceu, e o fotógrafo esteve lá para o testemunhar. Esta noção da fotografia como espelho do real, imagem reflectida que não mente, está profundamente vinculada à história cultural da fotografia e, apesar das novas tecnologias da fotografia digital, estamos convencidos de que terá ecos no futuro. Não é de espantar: lançada num ambiente positivista, a fotografia desenvolveu-se, inicialmente, numa época histórica em que o valor do facto era grande, pelo que é com alguma naturalidade que a foto —vista como um registo, funcionando como prova— se ligou à ciência, aos governos, aos militares, à indústria e, principalmente, às organizações noticiosas, envolvidas num processo de industrialização que as levaria, em relação com o positivismo, à adopção da ideologia da objectividade.

O jornalismo foi, assim, uma das primeiras actividades a socorrer-se da fotografia: ao funcionar como prova, beneficiando do efeito-verdade, a fotografia credibilizaria os enunciados verbais e as representações da realidade que esses enunciados criavam, acompanhados, agora, pelas fotos. Segundo Schiller, era comum então, na imprensa britânica e americana —que viria a influenciar o jornalismo em todo o mundo— encontrarem-se referências ao repórter como "mera máquina de registar a verdade exacta" e à câmara como metáfora para as actividades dos repórteres. Mesmo quando eram publicadas gravuras de madeira, a imprensa, para reforçar a credibilidade destas, não costumava esquecer a menção: "executada a partir de fotografia".(319)

Paradoxalmente, porém, o fotojornalismo foi servindo, mesmo perante o senso comum, para construir "verdades", sim, mas apenas "verdades" subjectivas ou mais ou menos intersubjectivas. Contudo, mesmo essas "verdades" foram e são continuamente revistas, devido às novas aportações imagéticas que o fotojornalismo vai trazendo, momento a momento, aportações essas que alimentam ou qualificam, modificam e desafiam as ideias, valores, princípios, ideologias, mitos, crenças e expectativas que transportamos dentro de nós. Vimos aliás, no nosso percurso ao longo da história, como ao fotojornalismo foram (e são), conscientemente ou não, encomendadas tarefas estéticas, políticas, culturais, económicas e ideológicas, entre outras. Mudou também, ao longo da história, o entendimento sobre o papel que nesse campo o fotojornalismo pode ter, mas mais sob a força dos académicos do que dos fotojornalistas.

Hoje, como salienta Becker, o ideal de objectividade do jornalismo, cuja evolução entroncou com as crenças que no século XIX existiam sobre o realismo fotográfico, permanece vivo: "(…) the news form continues to be shaped by professional attitudes that closely correspond to assumptions about photography's ability to 'tell the truth' in unbiased, accurate accounts of world events."(320) Assim, no fotojornalismo a ideologia da objectividade tem uma espécie de correspondência na máquina fotográfica, encarada como um elemento "neutro" por parte dos fotógrafos, que se esquecem dos procedimentos ópticos, químicos e técnicos que se escondem por trás da aparência do medium, que se esquecem que o equipamento tanto abre portas (por exemplo, as teleobjectivas permitem captar pormenores a maior distância) como as fecha (os fotojornalistas, ao contrário dos redactores, não são admitidos em alguns locais, como em certos julgamentos).

Temos algumas dúvidas acerca da superação pelo fotojornalismo das amarras da normalidade realística e "objectivante", já que, hoje em dia, a actividade é dominada por uma produção rotineira que continua a perseguir o realismo e que pouco ou nada engloba o criativo, a arte e, por vezes, mesmo o ponto de vista. Mas estamos de acordo em que a inter-relação entre a fotografia e a televisão que nos parece existir prestará um bom serviço ao fotojornalismo se contribuir para que ele vença as amarras da rotina e da convencionalidade para mergulhar na autoria. Não é em forçar o fotojornalismo a ser igual à arte que está a receita para o jornalismo fotográfico de hoje. Isto é, não deve perder-se o norte da intenção informativa do fotojornalismo — entendendo-se aqui o conceito de informação de uma forma ampla, no sentido de gerar conhecimento profundo, contextualizar, ajudar a perceber e fomentar a sensibilidade dignificadora para com o ser humano, a Terra e os seus problemas. Mas, estamos convictos de que representará uma mais valia para o fotojornalismo e para o público que a actividade se abra a orientações criativas, originais, com ponto de vista, que podem passar pela insinuação da arte na fotografia jornalística e pela fuga ao realismo. E que devem passar pela autoria consciente e responsável, mesmo que esta autoria encontre abrigo no realismo.

As inovações tecnológicas, por seu turno, foram provocando, por vezes conflituosamente, a necessidade de readaptação constante dos fotojornalistas a novos modelos, a novas rotinas, tácticas e estratégias profissionais de colheita, processamento, selecção, edição e distribuição de foto-informação. Actualmente, a fotografia digital e os meios de geração e manipulação computacional de imagem estão a provocar, novamente, esse tipo de efeitos. Os fotojornalistas começam a questionar a natureza da fotografia enquanto documento, devido à sua maior formação, à acção do meio académico e à própria constatação das mudanças. Novos padrões éticos e novas responsabilidades estão a acompanhar essa revisão nos pontos de vista. Em suma, com os debates em curso os fotojornalistas parecem estar a traçar as novas fronteiras delimitadoras e definidoras do seu estatuto e do estatuto do seu trabalho no seio das organizações noticiosas, nesta nova idade mediática cuja chegada foi anunciada a partir dos anos oitenta.

Como nos parece ter provado também, na história do fotojornalismo há cinco tipos de forças que se fazem sentir simultanea e interactivamente: a acção pessoal, a acção social, a acção ideológica, a acção cultural e a acção tecnológica. Elas contibuiram e contribuem para que o fotojornalismo se conforme e evolua de determinadas maneiras e não de outras.(321) As mesmas forças que nos parece permitirem explicar por que é que as (foto)notícias são como são permitem-nos, parece-nos, igualmente explicar a evolução que o fotojornalismo registou até hoje.

A acção simultânea e interactiva da acção pessoal, da acção social, da acção ideológica e da acção cultural parece-nos ser notória, por exemplo, na assimilação pessoal, social, ideológica e cultural de novos temas, novas práticas, novas ideias ou novas técnicas e tecnologias. Assim, sem prejuízo do facto de a acção pessoal se poder traduzir pela inovação e, deste modo, pelo desfazer do rotineiro, como no caso da fotografia de autor, o efeito conjugado desses três tipos de acção leva, geralmente, à conformação produtiva e, deste modo, à irrupção de rotinas produtivas no fotojornalismo: Num outro campo, há a considerar as questões relativas à objectividade/subjectividade do "olhar fotográfico", que conduzem às questões da fotoficção, do "efeito-verdade" do realismo, do ponto de vista e das relações entre a arte, o fotojornalismo e o documentalismo.

Em primeiro lugar, pensamos ter provado que nem o documental nem o fotojornalismo, em sentido estrito, passam necessariamente por abordagens pretensamente objectivantes, "sem" ponto de vista e realistas: há, neles, espaço, por exemplo, para a encenação ficcional. Aliás, a encenação é (quase) tão velha como a fotografia (recorde-se, por exemplo, a fotografia de retrato). No documentalismo fotográfico, as fotos encenadas de Edward Curtis (recuperação de práticas, trajes e adereços abandonados) ou de August Sander (recuperação de trajes e adereços aliada à pose) são exemplos de criação ficcional cujas implicações provavelmente passaram despercebidas mesmo aos fotógrafos, porventura empenhados em realizar descrições perfeitas do mais puro real. Mas a exploração de novas linhas no documentalismo, como é visível em Martin Parr, quer nos seus projectos mais antigos quer nos mais recentes sobre decoração doméstica ou a relação das pessoas com o automóvel, evidenciam a assunção da encenação, da ficção, do afastamento ostensivo do real, como um dos caminhos susceptíveis de gerar um conhecimento contextualizado das situações representadas.

Sebastião Salgado, em Trabalho, também trilha os mesmos caminhos, embora com menor notoriedade: tal é visível, sobretudo, nos retratos posados e individualizados de sujeitos representativos que fez em várias das séries do projecto. Trata-se, aqui, da "encenação" dos corpos e dos gestos, tendo por pano de fundo o ambiente e por agasalho as roupas. É preciso que se diga, porém, que nestas abordagens há sempre o risco (ou a potencialidade?) da estereotipização, como tinha já alertado Dorothea Lange quando reclamava contra a conversão num estereótipo da sua foto da mãe migrante que se converteu no "símbolo" do Farm Security Administraion.

Em segundo lugar, pensamos ter demonstrado que a (ilusão da) "verdade fotográfica" tem com a fotografia jornalística uma relação precária, embora nem tanto para o senso-comum. Podendo eventualmente existir alguma ancoragem tradicional da fotografia à realidade, a ligação entre estes pólos não se cristalizou numa tradição única. Quer a fotografia quer a realidade são fluídas, evoluem ao longo dos tempos, pelo que não o permitiriam.

Em terceiro lugar, a questão dos procedimentos "artísticos" no fotojornalismo e no documental é uma falsa questão. Proceder segundo cânones estéticos identificáveis com a arte poderá ser proveitoso caso assim se ofereçam pistas para o observador chegar ao nível das significações dos acontecimentos e das problemáticas. É o que acontece, entre muitas outras, nas fotos que tiram partido dos efeitos de arrastamento, da desfocagem ou da angulação. Neste ponto, até já secundarizamos as regras mais clássicas de composição, que, em si, já são um procedimento "artístico" cujo significado, frequentemente, também é ignorado ou passa despercebido.

Finalmente, cumpre realçar que a influência histórico-cultural no fotojornalismo actual se faz sentir transnacionalmente. A fotografia é um dos media que se podem caracterizar como possuindo uma certa "universalidade" de linguagem, independentemente das práticas e leituras fotográficas culturalmente mais localizadas que se possam fazer de uma foto — a pose pode, como alertou Barthes, ser entendida de formas diferentes, e Einstein deitando a língua de fora tanto pode ser percepcionado como um trocista ou como um homem cumprimentando outro, consoante estejamos no Ocidente ou numa tribo da Micronésia.
 
 

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOWEN-JONES, Rosemary e WEATLEY, Patricia (Dir.) (1989) — The Magnum Story [documentário televisivo]. London: BBC TV.