O FUTURO INCERTO DA INTERNET:
INTERCOMUNICAR
ALÉM DO COMÉRCIO E DA PUBLICIDADE

Ricardo Jorge Pinto e Jorge Pedro Sousa 1, Universidade Fernando Pessoa



Abstract

Communication Sciences must structure models in order to predict. So, it is the objective of this article, anchored in empirical observation, to draw the vectors of a model that can predict the near future of the Internet. We conclude that Internet must be understood as the first step for a global communication system that is redefining concepts like information, journalism and news.

Resumo

Nesta comunicação sustenta-se que, apesar de incerto, o futuro da Internet poderá orbitar em torno de uma série de factores, como sejam a manutenção do hipermédia e do hipertexto como formatos principais dos conteúdos, a sustentação publicitária da rede, a predominância dos conteúdos norte-americanos, a fragmentação e a flexibilização, a desregulação, o aproveitamento do sistema televisivo, a concentração monopolista do comércio on line, a fugacidade, etc. Salienta-se, igualmente, que a Internet deve ser entendida como um primeiro patamar de um sistema planetário e superstrutural de comunicação, que está a redefinir os conceitos de informação, de jornalismo e de notícia.
 
 

1. Introdução

Na história da humanidade, a emergência da Internet é, certamente, um facto de significado histórico mundial, à semelhança do que aconteceu com a rádio ou com a televisão. Há poucos anos atrás, poucos previam o impacto que a Internet viria a ter, tal como, aliás, sucedeu com o medium dominante dos nossos dias, a televisão, a quem alguns vaticinavam um futuro cinzento, dizendo que pouco mais seria do que rádio com imagens. Carey (1998: 34) vinca bem a importância da Internet, quando diz que a rede está no centro da integração de uma nova ecologia mediática, que transforma as relações estruturais entre os velhos media, integrando-os num novo centro definido pela informática e pelas telecomunicações. Temos assim razões para acrescentar que o futuro já está aqui e que está aqui para ficar. É a própria urbe virtual que converge com a real para criar um novo espaço urbano, o espaço urbano do início do próximo milénio. Desenham-se novas interacções e relações sociais à escala planetária. Formam-se comunidades virtuais, frequentemente transnacionais, com normas e regras próprias (netiquette), que satisfazem necessidades comunicacionais e afectivas, entre outras, e que, por vezes, se convertem em comunidades reais devido ao factor proximidade. Potencia-se a veloz divulgação de informações que podem servir de base à rápida actualização e reformulação de conhecimentos e referentes sobre a realidade. Produzem-se novas formas de expressão e de comunicação. Surgem novas profissões e novos profissionais. Encontram-se novas formas de trabalhar, ganhando expressão significativa o teletrabalho e a diferenciação de horários (quando eles existem). Os investigadores científicos encontram um terreno fértil para as suas pesquisas e encontram também patamares de entendimento com colegas de todo o mundo.

Ora, apesar da importância de que actualmente se reveste a Internet, o futuro este novo medium é incerto. Será até um lugar-comum dizê-lo. Porém, estamos em crer que é possível encontrar pistas para a construção de modelos que nos permitam antever um futuro próximo provável para a rede mundial de computadores. Por consequência, é propósito deste trabalho enunciar sistematicamente algumas das características que a rede assumirá num futuro próximo, certamente mescladas com aquelas que a rede continuará a ter.
 
 

2. Desenhando um modelo para a evolução previsível da Internet

Estamos convictos, face às pistas que possuímos, de que o futuro próximo da Internet assentará em vários vectores principais, alguns deles perceptíveis, outros nem tanto. Numa visão panorâmica, parece-nos podermos considerar os seguintes eixos enformadores do que virá a ser a Internet:

  1. Hipermédia, hipertexto e interacção

  2. Os comunicólogos já se aperceberam que, em maior ou menor grau, o formato afecta os conteúdos. E, se excluirmos o "mircanço" (a conversação on line através do IRC) e outras modalidades específicas de utilização da Internet, verificamos que o hipermedia, isto é, a integração de gráficos, som (audio), imagens (vídeo) e texto, e o hipertexto, isto é, a capacidade de estabelecimento sucessivo de links através de um sistema gráfico-verbal, de maneira a que seja o internauta interactor, quando acede à rede, a definir o seu próprio percurso segundo um sistema de enlaces lógicos de informação "de nó em nó", são os formatos comunicacionais de eleição na maior rede mundial de computadores. Provavelmente, no futuro próximo assim continuará a ser, embora condimentado com espaços de realidade virtual, que, num futuro mais longínquo, poderão vir a constituir um sector imenso no ciberespaço. As visões do mundo, imaginavelmente, alterar-se-ão em concomitância, redefinindo, principalmente, as noções de espaço e de tempo, através de um medium marcado pela interactividade.
     
     

  3. Publicidade

  4. A exemplo do que ocorreu com os meios jornalísticos, é provável que a Internet continue a ser financiada principalmente à custa de publicidade. Quando acedemos a um motor de busca, encontramos publicidade. Para atingirmos determinados sites, recebemos cookies que nos enviam primeiro para outros sites, comerciais, onde, então, temos um link que nos permite aceder ao site inicialmente pretendido. Determinados sites são mantidos à custa da publicidade. E, apesar das vozes que se erguem contra a crescente "mercadização" publicitária da Internet, como é o caso de Armand Mattelart,2 provavelmente essa vai continuar a ser a principal forma de sustentação financeira da rede.

    A publicidade na Internet, julgamos, irá crescentemente dirigir-se a nichos específicos. De facto, se historicamente se assistiu à segmentação das audiências dos meios de comunicação e se já hoje assistimos a uma intensa procura de informação especializada e de produtos e serviços específicos na Internet, então é provável que a publicidade acompanhe essa tendência. Um site dedicado à pesquisa em comunicação jornalística, por exemplo, dificilmente será financiado por uma marca de sapatos; pelo contrário, é mais plausível que o seja por uma editora de livros na área da comunicação.
     
     

  5. Desequilíbrio conteudístico

  6. A riqueza e a dimensão dos Estados Unidos, aliadas à utilização generalizada dos meios informáticos nesse país e à universalização do inglês, permitem antever que, tal como acontece actualmente, os conteúdos acessíveis e acedidos na rede continuem maioritariamente a ser de matriz norte-americana
     
     

  7. Fragmentação

  8. Verosimilmente, a fragmentação será a futura imagem de marca da Internet. A procura de informação, de produtos e de serviços específicos que, além das razões de entretenimento e de divertimento, leva as pessoas à Internet, gerará, imaginavelmente, a segmentação dos conteúdos. Igualmente crível é que essa segmentação não seja acompanhada por uma homogeneização dos conteúdos entre sites semelhantes, já que, em elevado grau, não só o acesso à Internet e a capacidade de disponibilização de sites é mais ou menos livre como também se torna difícil regular e muito menos regulamentar esses conteúdos. Por alguma razão só por acaso se descobriu uma página com conteúdos semi-pornográficos ("bonecos" do Dragon-Ball Z em poses impróprias) numa página inserida no site Terrávista, então financiado pelo Ministério da Cultura de Portugal.

    A fragmentação da Internet vai ao encontro das tendências comunicacionais estabelecidas após os anos setenta, década em que o cabo e o satélite romperam as fronteiras dos sistemas nacionais de comunicação estabelecidos desde o século XIX e criaram as bases de um sistema planetário de comunicação. Aliás, foi nessa década que se começou a notar a falência dos esquemas modernos de conceptualização da comunicação, que não funcionavam na hora de interpretar e representar as realidades comunicacionais num planeta em profunda mutação. Por essa razão, os paradigmas da velha ordem da comunicação, ancorada em sistemas nacionais, começaram a ser substituídos por paradigmas pós-modernos. A Internet, global, glocal, fragmentada, segmentada, interactiva, participada, plural, será mesmo o medium pós-moderno por excelência.

    A propósito da questão da fragmentação, em algumas revistas especializadas já se fala da possibilidade de se virem a alterar as designações dos "domínios". Por exemplo, ".com" ("dot-com", em linguagem on line), que é o domain name globalmente dado às entidades comerciais que operam na Internet, poderá vir a ser desdobrado em várias designações, dentro do sistema de endereços URL (Universal Resource Locator).
     
     

  9. Desregulação/Desregulamentação

  10. O papel dos governos nacionais na regulação dos conteúdos na Internet diminuirá, até porque os governos dificilmente conseguirão regulamentar em conjunto e com efectividade um sistema global de comunicação que escapa, na prática, ao seu controle. Possivelmente, os governos irão procurar, assim, concentrar os seus esforços reguladores em áreas nas quais existe um maior consenso socio-cultural universal sobre a necessidade de regulamentação, que pode chegar à proibição, como sejam a pornografia e a pedofilia.

    É imaginável que, com a progressiva diminuição do peso relativo dos governos e das entidades estatais (como certas universidades, organismos públicos, etc.) na Internet, a maior parte do ciberespaço entre no domínio privado. Este facto promoverá ainda mais a desregulação ao nível dos conteúdos.

    Há porém a considerar que em alguns países o acesso à Internet não é inteiramente livre. Na China ou no Vietname, por exemplo, os cidadãos são obrigados a registar-se para obterem autorização de acesso à rede, o que acarreta duas consequências: em primeiro lugar, os cidadãos são continuamente vigiados no seu acesso à Internet, sabendo que um uso não permitido da rede pode implicar graves consequências; em segundo lugar, os cidadãos "suspeitos" verão recusado o seu acesso à rede. Noutros países, como o Iraque ou conforme sucedia até há bem pouco tempo em França, é proibido usar programas criptográficos, como o PGP, para as comunicações na rede. Consequentemente, a privacidade fica fora do alcance dos cidadãos iraquianos. Por seu turno, é prática comum no Sudeste Asiático ter servidores a filtrar previamente a informação que se pode receber. Como todas as conexões desses países à Internet passam por eles, o livre acesso torna-se impossível. Mesmo na Europa há fenómenos censurantes, por muito nobres que sejam os seus objectivos. Na Alemanha, na França e na Áustria, por exemplo, não se podem divulgar, por lei, teorias revisionistas do Holocausto.
     
     

  11. Usos: comércio, serviços, educação, entretenimento e lazer

  12. Os sites comerciais provavelmente disseminar-se-ão e constituirão a grande fatia do ciberespaço. Para tal, beneficiarão da crescente velocidade de transmissão de dados e de um acréscimo na procura, decorrente da proliferação dos utilizadores da internet. A relativa insegurança do comércio electrónico, que se deve, sobretudo, às problemáticas técnicas de encriptação, será atenuada pela evolução dessas mesmas técnicas e pela diminuição das probabilidades de se ser vítima de uma utilização fraudulenta da Internet, devido ao crescimento do número de utentes do comércio e dos serviços on line. A Amazon, por exemplo, já é uma das maiores livrarias do mundo.

    Educação e prazer poderão ser factores conjugados se for possível cativar os educandos entretendo-os. E com a Internet nas escolas parece ser possível.

    Jogar videojogos através da Internet, defrontando jogadores de toda e qualquer parte do mundo, é um bom exemplo da utilização da maior rede mundial de computadores para entretenimento e lazer.
     
     

  13. Sistema mundial de comunicação

  14. A Internet pode ser entendida como um primeiro patamar de um sistema planetário de comunicação que pode corresponder à forma mais aproximada do conceito macluhaniano de "aldeia global". Esta é uma ideia de Carey (1998) que partilhamos e que nos parece particularmente pertinente se atendermos à convergência entre telecomunicações e informática a nível mundial. Do nosso ponto de vista, esse sistema global de comunicação, assente nas auto-estradas globais da informação, configuradoras de velocidade e liberdade individual, está a posicionar-se superestruralmente em relação aos sistemas nacionais de comunicação, que se foram desenhando desde o século XIX, com a imprensa massiva e, posteriormente, com o telégrafo, o telefone, os caminhos de ferro, a rádio, a televisão e os restantes meios de comunicação social.

    Um exemplo a citar será o do sistema Minitel francês, cujo sucesso, inclusivamente, terá promovido um certo atraso de adesão dos franceses à Internet. Apesar da dimensão desse sistema e da tradicional resistência francesa àquilo que vem de fora, sobretudo quando a matriz cultural dominante é anglo-americana, a Internet vai vencendo as resistências nacionais e coexiste com o Minitel, formando uma espécie de superestrura mais vasta a que se pode aceder quando o Minitel é insuficiente.
     
     

  15. Concentração

  16. Se atentarmos no que aconteceu aos meios de comunicação após a febre desregulamentadora dos anos oitenta e nos apetites da Microsoft, então é provável que a Internet venha a ser vítima de fenómenos de concentração de propriedade nas áreas da prestação de serviços e do comércio on line. De facto, quer a prestação de serviços quer o comércio on line poderão, progressivamente, vir a ser arrebatados por grandes oligopólios, à medida que se forem tornando cada vez mais apetecíveis devido ao dinheiro que movimentem e aos lucros que proporcionem. Desta forma, será interessante acompanhar o que acontecerá às pequenas lojas on line à medida que as grandes corporações se forem instalando na Internet. Atente-se, aliás, no que diz Carey (1998: 34): a luta económica entre as empresas que procuram dominar a Internet é o reflexo visível de uma mais profunda transformação da estrutura das nações e das relações sociais.
     
     

  17. Aproveitamento da televisão

  18. O sistema televisivo será, num futuro próximo, aproveitado para algo mais do que ver televisão e consumir informações através do teletexto. A televisão, seja ela a que for, isto é, seja ela de baixa definição, de alta definição ou de definição "ideal", sejam os ecrãs baseados em tubos de raios catódicos, cristais líquidos (LCD) ou painéis de plasma, será uma porta de ligação a uma quantidade enorme de serviços interactivos. A Web TV, por exemplo, ainda está a dar os primeiros passos, mas é provável que seja um sistema destinado ao sucesso global: está a disseminar-se, os seus custos diminuem e melhoram-se a olhos vistos o hardware e a velocidade de conexão.

    Na Web TV, algo mais simples do que um PC mas ainda assim interactivo, a interface do utilizador é muito boa, estando ao alcance de muitos inflo-excluídos por fenómenos pontuais de analfabetismo funcional face às novas tecnologias informáticas e das telecomunicações. Vêem-se, assim, avôs de provecta idade a mandar emails aos netos. Provavelmente, este novo tipo de utilizadores obrigará a uma aproximação dos sites e das dinâmicas de navegação na Internet ao cidadão mundial médio, o que se reflectirá nos conteúdos e nos formatos hipertextuais, hipermédia e de realidade virtual.

    Os televisores do futuro deverão evoluir para um sistema de duas ou mais unidades separadas, tais como um monitor e uma set- top box e um telecomando em muito idêntico a um teclado de computador. As redes digitais de "televisão" permitirão a interactividade. O acesso à Internet, serviços como o vídeo a pedido e a possibilidade de se trocarem conteúdos audiovisuais com os amigos são apenas três exemplos decorrentes da implementação de um novo sistema de televisão.
     
     

  19. Flexibilidade

  20. As possibilidades crescentes das telecomunicações, a generalização do uso dos telemóveis GSM, cada vez mais pequenos, e a diminuição de custos que se tem verificado no sector permitem-nos antever uma utilização cada vez mais flexível da Internet, para os mais diversos propósitos. Aceder-se-á à Internet do automóvel (por exemplo, para se traçar uma rota para um determinado destino ou para se saber quais as estradas congestionadas), no meio da rua, num café, em qualquer lugar. Além disso, é preciso não esquecer que se os telemóveis celulares digitais irão permitir a comunicação de imagens em movimento (a nova geração de serviços de telecomunicações móveis, chamada IMT-2000, estará disponível por volta do ano 2001), além de texto e som, poderão igualmente vir a incorporar software e hardware que permitam o acesso directo à Internet. Trata-se de um exemplo da tão comentada fusão das telecomunicações com a informática, que promoverá a emergência de serviços de comunicação móvel multimédia.
     
     

  21. Facilidade de utilização

  22. Provavelmente, no futuro será mais simples interagir com um computador, o que facilitará o acesso à Internet através dos PC’s. Bill Gates dizia o seguinte, numa entrevista publicada em Setembro de 1998: "As pessoas não estão a prestar atenção ao facto de que, à medida que fazemos o computador falar, ouvir, aprender, ver, este se transforma em algo muito diferente. Uma ‘placa’ que se pode transportar à vontade, com uma resolução suficientemente alta para que você se possa sentir como se estivesse a ler. Pode falar com ele e ele pode falar consigo. Até pode ver quem está por perto. Estas coisas - a naturalidade da interacção- chegarão, provavelmente, nos próximos cinco anos e certamente nos próximos dez. (...) É a interface natural. As pessoas simplesmente não reflectem sobre isso. Quando quiser navegar na Web, você não indicará um endereço, mas terá apenas de dizer uma frase (...)." 3
     
     

  23. Baixo custo

  24. As políticas de contenção das tarifas para navegação na Internet, em alguns casos incentivadas pelos governos, tenderão a promover a info-inclusão e a disseminação da rede nos países desenvolvidos.
     
     

  25. Info-exclusão

  26. Apesar das políticas de contenção de tarifas, do aproveitamento do sistema televisivo para acesso à Internet e da globalização da rede, a pobreza, o subdesenvolvimento e o analfabetismo tecno-funcional impedirão a vasta maioria dos habitantes do Globo de ter acesso à rede e promoverão a info-exclusão. Os mais pobres continuarão, provavelmente, a não poder aceder à urbe virtual, condenados às grilhetas da cidade real, apesar de ser significativamente mais barato colocar um computador com acesso à Internet numa remota aldeia africana (bastaria até um velhinho 386, um modem e uma linha telefónica) do que aí instalar uma biblioteca de dimensão média.

    Será difícil diminuir a info-exclusão global sem o desenvolvimento sustentado dos países menos desenvolvidos e mais pobres. Mas a info-exclusão nos países mais desenvolvidos, que também é uma realidade, poderá ser combatida prioritarizando a educação e a ligação informática das pessoas e das organizações à Internet.

    Há ainda uma forma de info-exclusão que merece ser combatida: a dos cidadãos portadores de certas deficiências, como a cegueira ou deficiências motoras. Porém, para muitos alguns dos cidadãos portadores de deficiência, o teletrabalho com recurso à Internet pode diminuir os problemas de integração social, laboral ou até afectiva.
     
     

  27. Pluralidade

  28. O acesso à Internet é potencialmente livre e plural. Todos podem, potencialmente, ter a sua home page e gerir um site. Todos podem, potencialmente, aceder à Internet e observar todos os seus conteúdos. Porém, se potencialmente a pluralidade é um facto, na realidade trata-se de uma pluralidade condicionada. Em primeiro lugar, nem todos têm ainda capacidade económica nem conhecimentos para elaborar uma home page, para gerir um site ou até para ter um computador relativamente recente com acesso à Internet. Em segundo lugar, por muito plural que a Internet seja, o facto é que a esmagadora maioria das páginas é muito pouco consultada. Se em dois anos mil pessoas clicarem numa home page, a pessoa que a introduziu na rede, quanto a mim, já se pode dar por feliz. Por isso, existem diferenças significativas entre os conteúdos efectivamente acedidos e aqueles que raramente o são.
     
     

  29. Fugacidade

  30. Amanhã, tal como hoje, é provável que os sites tão rapidamente sejam colocados como retirados da rede. A fugacidade continuará, por consequência, a marcar a Internet. É sintomático que certas publicações científicas já aconselhem a que se mencione a data de consulta de um site na Internet na referenciação das fontes. É que alguém que queira visualizar um site referenciado poderá já não o encontrar um ou dois dias depois. Ou, se encontrar o site, poderá já não encontrar os mesmos conteúdos.
     
     

  31. Internet e jornalismo
Apesar de se saber que muitas das informações disponíveis na Internet não têm credibilidade, não será menos correcto dizer que as restantes poderão ter aceitabilidade jornalística. O acesso dos jornalistas à Internet permite a obtenção de mais informações e o tratamento mais profundo das peças, o que pode levar os jornalistas a analisarem os acontecimentos e as problemáticas que constituem os referentes principais dos discursos jornalísticos, não se ficando pela simples reportação. Por outro lado, e embora o imediatismo possa ser perigoso, o acesso dos jornalistas à Internet permite igualmente uma rápida recolha de informações em primeira mão, sem qualquer necessidade de se esperar pelos despachos das agências (ou pela cobertura da CNN). Por exemplo, de Portugal poderá aceder-se rapidamente ao discurso que o Presidente dos Estados Unidos está a proferir em Washington, desde que ele seja disponibilizado on line. Aliás, geralmente o jornalista poderá aceder igualmente a outros discursos do Presidente, sobre o mesmo tema ou temas diferentes. E, se pesquisar, navegando na Internet, encontrará, frequentemente, posições críticas e análises fundamentadas sobre os problemas equacionados nesse hipotético discurso presidencial. É evidente, porém, que milhões de outras pessoas em todo o mundo poderão fazer o mesmo percurso que fez o jornalista, consumindo directamente a informação disponibilizada na Internet e deixando de lado a informação jornalística difundida nos suportes tradicionais, especialmente se ela for simplesmente reportativa e generalista. Nestes casos, o jornalista deixa o fulcral papel de gatekeeper que possuía para um sem número de informações.

As mudanças, porém, não se registam apenas nos processos de produção de informação. Registam-se, igualmente, ao nível da difusão da informação jornalística. Os jornais e revistas on line e as edições on line dos jornais e das revistas impressas em papel são e têm de ser diferentes. Imagine-se, por exemplo, a cobertura de umas eleições presidenciais. As pessoas devem, por exemplo, poder aceder, a partir do site de um jornal, ao perfil, aos discursos feitos, às propostas e às promessas de um candidato (por exemplo, estabelecendo-se um link do site do jornal para o site do candidato em causa) e aos artigos que ao longo do tempo já se debruçaram sobre o perfil e sobre esses discursos e essas propostas e promessas. Se as pessoas não tiverem esse link no site do jornal, poderão, de qualquer modo, consultar directamente o site do candidato, procurando aquilo com que se identificam e aquilo com que discordam. Poderão mesmo consultar votações anteriores (que o jornal pode disponibilizar, ainda que seja estabelecendo links para outros sites), ir até um chat room, mandarem um mail para o candidato, etc. Num jornal ou numa revista tradicional, a cobertura de umas eleições presidenciais, em princípio, será sempre manifestamente inferior à cobertura on line que um órgão de comunicação pode disponibilizar. E se esse jornal ou essa revista não fizerem uma cobertura on line à altura, qualquer navegante na Internet poderá fazer uma cobertura para consumo próprio dessas mesmas eleições.
 
 

3. O novo paradigma informativo

O conceito de informação não passa incólume nas transformações operadas no interior do sistema comunicativo pela emergência das novas tecnologias. A própria ideia de notícia revela já sinais evidentes de uma modificação epistemológica. A notícia –quer ela apareça nas páginas dos jornais, nos noticiários radiofónicos e televisivos, ou nos textos on-line das páginas electrónicas dos media– tornou-se um conceito diferente: é mais analítica, menos factual, tornou-se um produto fragmentado na sua forma e mais diversificado no seu conteúdo.

Ao mesmo tempo, a informação jornalística tradicional sente-se obrigada a adaptar-se a novos modelos de construção de conteúdo. O jornalismo on-line não é um epifenómeno, desligado da realidade dos media tradicionais. Pelo contrário, esse jornalismo electrónico que emerge na Internet evolui afectando e sendo afectado por aquilo que os jornalistas produzem nos meios tradicionais.

Não é por acaso que o escândalo sexual Clinton-Lewinsky apareceu pela primeira vez na Internet, numa página de um repórter marginal ao sistema – o Drudge Report (uma espécie de coluna de má-língua, recheada de rumores e informações dispersas sobre o cenário político americano). Muito antes de tudo e de todos, o Drudge Report revelava que uma equipa de reportagem da revista Newsweek possuía informações comprometedoras acerca de um caso sexual envolvendo o presidente Bill Clinton, mas que questões editoriais impediam a sua publicação. Dias depois, toda a máquina mediática americana e mundial se debruçava sobre o assunto.

Este caso revela, antes de mais, uma modificação estrutural no papel ocupado pelo jornalista no cenário informativo. Quando a Internet, como ficou demonstrado neste artigo, proporciona um alargamento do espaço de divulgação e acesso à informação, é a função de gatekeeper do jornalista que fica comprometido. O Conselho Editorial da revista Newsweek perde a sua eficácia, e o seu tempo, a ponderar as questões éticas da revelação de um caso sexual envolvendo uma proeminente figura política.

O jornalista perdeu o monopólio do jogo informativo. A sua função de filtro de informação ficou agora condicionada pela entrada em cena de mecanismos de divulgação comunicativa ao acesso de todos.

O jornalista só não se pode queixar de ter sido apanhado de surpresa. Há vários anos que o seu território privilegiado de operações vinha sendo invadido por «seres estranhos». Os talk-shows já tinham ocupado o lugar dos tradicionais programas de entrevistas jornalísticas e os noticiários de hora nobre desde a década de 80 que deixaram de ser o palco preferido dos políticos nas suas campanhas. Nas eleições de 1992, o candidato à presidência norte-americana Bill Clinton subiu vertiginosamente nas sondagens no dia seguinte a ter aparecido a tocar saxofone de óculos escuros no popular programa ‘Arsenio Hall Show’ (cf. Taylor e Rosen, 1992).

A Internet veio acentuar esta tendência de perda de monopólio de gestão de informação por parte dos jornalistas. Mas veio também colocar sérios problemas ao nível da recepção dessa mesma informação por parte das audiências. Como é que um «navegador» da WWW pode ter confiança na informação produzida numa página electrónica? Quais são os critérios de credibilidade que podem ser usados na recepção da informação na Internet?

Estas questões não têm respostas únicas e universalmente válidas. Provavelmente, nem sequer terão qualquer resposta útil, senão aquela que estipula que a credibilidade não é o único critério para a divulgação da informação. Sobretudo porque o conceito de informação já não é o mesmo que era utilizado pelos media tradicionais.

O nosso argumento neste trabalho é o de que as modificações estruturais no cenário mediático não têm apenas consequências ao nível da forma e do conteúdo das mensagens informativas. Mais do que isso, a revolução epistemológica provocada pelas novas tecnologias da comunicação está na base de uma mudança de paradigma no panorama informativo.

As transformações analisadas neste trabalho não podem ser concebidas sem a percepção de que os novos canais comunicativos estão a funcionar com novos modelos de informação. Isto significa, antes de mais, a necessidade de um novo conceito de jornalismo. O novo conceito de notícia só pode sobreviver, e evoluir, suportado por uma nova tipologia de recolha, tratamento e produção informativa. E esta nova tipologia requer novos agentes de informação.

A revolução paradigmática no campo da comunicação a que assistimos, todos os dias e em directo, tem consequências directas nos modelos informativos. Os contornos destes modelos são ainda nebulosos e estão em constante mutação. Mas a mudança, essa, é inevitável.
 
 

4. Em jeito de conclusão

Quando falamos de novas tecnologias falamos de novas tecnologias da comunicação. É sintomático que assim seja, devido à crescente importância e impacto que elas têm na nossa vida. Agora, uma vez que já possuímos os meios, cabe-nos a todos e a cada um de nós zelar para que seja possível comunicar livre e eticamente. Aos governos e à comunidade internacional caberão as tarefas de incentivar o acesso à Internet e a participação na rede e de promover a aquisição de computadores pessoais e dos interfaces de conexão. A humanidade será tanto mais rica quanto mais diversa e plural conseguir ser. Mas é preciso não perder de vista que a utilização de tecnologias e de telecomunicações informáticas não dispensa o contacto humano nem seria aconselhável que o fizesse.

Em relação ao jornalismo, ele já mudou e, provavelmente, vai mudar mais. A este propósito, talvez os jornalistas possam reassumir o seu papel de gatekeepers se os órgãos jornalísticos on line puderem funcionar como as portas de entrada para a navegação na Net, funcionando não apenas como suporte de conteúdos mas também como motores de busca. De facto, os actuais motores de busca não filtram convenientemente a informação que disponibilizam. Se, por exemplo, alguém quiser procurar sites e páginas com investigação sobre jornalismo e o fizer através de um motor de busca tradicional, como o Yahoo, encontrará, certamente, uns bons milhões, tornando a consulta virtualmente impossível. Isto sucede porque os webmasters e outros responsáveis dos motores de busca não filtram convenientemente a informação e provavelmente nem sequer estão preparados para o fazer. Ora - e deixamos aqui a ideia, a título de sugestão- essa poderá ser uma das funções futuras dos jornalistas: filtrar a informação na Net. Os seus órgãos de comunicação social poderiam ser as portas de entrada na Internet para quem está interessado em informação credível e útil. Mas, para isso, as empresas jornalísticas, além de disponibilizarem conteúdos, teriam de ofertar motores de busca onde os links apontados fossem apenas aqueles que contivessem informação efectivamente credível e útil. Em contrapartida, talvez elas até vissem as suas receitas aumentar... Quem quereria passar horas a fio em pesquisas inúteis num motor de busca "tradicional"?
 
 

Notas:

1. Ricardo Jorge Pinto (rjp@mail.telepac.pt) é doutorado em Estudos Mediáticos pela Universidade do Sussex (Reino Unido) e Jorge Pedro Sousa (j.p.sousa@mail.telepac.pt) é doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). São ambos professores da Universidade Fernando Pessoa (Porto - Portugal) e membros fundadores do respectivo Centro de Estudos Mediáticos.

2. Armand Mattelart, no XX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (1997), ergueu a sua voz contra a dominância comercial da Internet e pediu um controle social e democrático sobre ela.

3. Cimeira Tecnológica. Exame Informática, ano 4, n.º 39, Setembro de 1998: 32.

Bibliografia

ABRAHAMSON, David (1998) - The visible hand: Money, markets and media evolution. Journalism & Mass Communication Quarterly, 75 (1): 14-18.

CAREY, James W. (1998) - The Internet and the end of the national communication system: Uncertain predictions of an uncertain future. Journalism & Mass Communication Quarterly, 75 (1): 28-34.

Cimeira Tecnológica. Exame Informática, ano 4, n.º 39, Setembro de 1998: 30-32.

TAYLOR, Paul e ROSEN, Jay (1992) -The New News Vs. the Old News. New York: Twentieth Century Fund Press.
 
 

Sites

http://www.gpd.org/maig98