Ricardo Jorge Pinto e Jorge Pedro Sousa 1, Universidade Fernando Pessoa
Abstract
Communication Sciences must structure models in order to predict. So, it is the objective of this article, anchored in empirical observation, to draw the vectors of a model that can predict the near future of the Internet. We conclude that Internet must be understood as the first step for a global communication system that is redefining concepts like information, journalism and news.
Resumo
Nesta comunicação sustenta-se que, apesar de incerto,
o futuro da Internet poderá orbitar em torno de uma série
de factores, como sejam a manutenção do hipermédia
e do hipertexto como formatos principais dos conteúdos, a sustentação
publicitária da rede, a predominância dos conteúdos
norte-americanos, a fragmentação e a flexibilização,
a desregulação, o aproveitamento do sistema televisivo, a
concentração monopolista do comércio on line,
a fugacidade, etc. Salienta-se, igualmente, que a Internet deve ser entendida
como um primeiro patamar de um sistema planetário e superstrutural
de comunicação, que está a redefinir os conceitos
de informação, de jornalismo e de notícia.
1. Introdução
Na história da humanidade, a emergência da Internet é, certamente, um facto de significado histórico mundial, à semelhança do que aconteceu com a rádio ou com a televisão. Há poucos anos atrás, poucos previam o impacto que a Internet viria a ter, tal como, aliás, sucedeu com o medium dominante dos nossos dias, a televisão, a quem alguns vaticinavam um futuro cinzento, dizendo que pouco mais seria do que rádio com imagens. Carey (1998: 34) vinca bem a importância da Internet, quando diz que a rede está no centro da integração de uma nova ecologia mediática, que transforma as relações estruturais entre os velhos media, integrando-os num novo centro definido pela informática e pelas telecomunicações. Temos assim razões para acrescentar que o futuro já está aqui e que está aqui para ficar. É a própria urbe virtual que converge com a real para criar um novo espaço urbano, o espaço urbano do início do próximo milénio. Desenham-se novas interacções e relações sociais à escala planetária. Formam-se comunidades virtuais, frequentemente transnacionais, com normas e regras próprias (netiquette), que satisfazem necessidades comunicacionais e afectivas, entre outras, e que, por vezes, se convertem em comunidades reais devido ao factor proximidade. Potencia-se a veloz divulgação de informações que podem servir de base à rápida actualização e reformulação de conhecimentos e referentes sobre a realidade. Produzem-se novas formas de expressão e de comunicação. Surgem novas profissões e novos profissionais. Encontram-se novas formas de trabalhar, ganhando expressão significativa o teletrabalho e a diferenciação de horários (quando eles existem). Os investigadores científicos encontram um terreno fértil para as suas pesquisas e encontram também patamares de entendimento com colegas de todo o mundo.
Ora, apesar da importância de que actualmente se reveste a Internet,
o futuro este novo medium é incerto. Será até
um lugar-comum dizê-lo. Porém, estamos em crer que é
possível encontrar pistas para a construção de modelos
que nos permitam antever um futuro próximo provável para
a rede mundial de computadores. Por consequência, é propósito
deste trabalho enunciar sistematicamente algumas das características
que a rede assumirá num futuro próximo, certamente mescladas
com aquelas que a rede continuará a ter.
2. Desenhando um modelo para a evolução previsível da Internet
Estamos convictos, face às pistas que possuímos, de que o futuro próximo da Internet assentará em vários vectores principais, alguns deles perceptíveis, outros nem tanto. Numa visão panorâmica, parece-nos podermos considerar os seguintes eixos enformadores do que virá a ser a Internet:
Os comunicólogos já se aperceberam que, em maior ou
menor grau, o formato afecta os conteúdos. E, se excluirmos o "mircanço"
(a conversação on line através do IRC) e outras
modalidades específicas de utilização da Internet,
verificamos que o hipermedia, isto é, a integração
de gráficos, som (audio), imagens (vídeo) e texto, e o hipertexto,
isto é, a capacidade de estabelecimento sucessivo de links
através de um sistema gráfico-verbal, de maneira a que seja
o internauta interactor, quando acede à rede, a definir o seu próprio
percurso segundo um sistema de enlaces lógicos de informação
"de nó em nó", são os formatos comunicacionais de
eleição na maior rede mundial de computadores. Provavelmente,
no futuro próximo assim continuará a ser, embora condimentado
com espaços de realidade virtual, que, num futuro mais longínquo,
poderão vir a constituir um sector imenso no ciberespaço.
As visões do mundo, imaginavelmente, alterar-se-ão em concomitância,
redefinindo, principalmente, as noções de espaço e
de tempo, através de um medium marcado pela interactividade.
A exemplo do que ocorreu com os meios jornalísticos, é
provável que a Internet continue a ser financiada principalmente
à custa de publicidade. Quando acedemos a um motor de busca, encontramos
publicidade. Para atingirmos determinados sites, recebemos cookies
que nos enviam primeiro para outros sites, comerciais, onde, então,
temos um link que nos permite aceder ao site inicialmente
pretendido. Determinados sites são mantidos à
custa da publicidade. E, apesar das vozes que se erguem contra a crescente
"mercadização" publicitária da Internet, como é
o caso de Armand Mattelart,2 provavelmente essa vai continuar
a ser a principal forma de sustentação financeira da rede.
A publicidade na Internet, julgamos, irá crescentemente dirigir-se
a nichos específicos. De facto, se historicamente se assistiu à
segmentação das audiências dos meios de comunicação
e se já hoje assistimos a uma intensa procura de informação
especializada e de produtos e serviços específicos na Internet,
então é provável que a publicidade acompanhe essa
tendência. Um site dedicado à pesquisa em comunicação
jornalística, por exemplo, dificilmente será financiado por
uma marca de sapatos; pelo contrário, é mais plausível
que o seja por uma editora de livros na área da comunicação.
A riqueza e a dimensão dos Estados Unidos, aliadas à
utilização generalizada dos meios informáticos nesse
país e à universalização do inglês, permitem
antever que, tal como acontece actualmente, os conteúdos acessíveis
e acedidos na rede continuem maioritariamente a ser de matriz norte-americana
Verosimilmente, a fragmentação será a futura
imagem de marca da Internet. A procura de informação, de
produtos e de serviços específicos que, além das razões
de entretenimento e de divertimento, leva as pessoas à Internet,
gerará, imaginavelmente, a segmentação dos conteúdos.
Igualmente crível é que essa segmentação não
seja acompanhada por uma homogeneização dos conteúdos
entre sites semelhantes, já que, em elevado grau, não
só o acesso à Internet e a capacidade de disponibilização
de sites é mais ou menos livre como também se torna
difícil regular e muito menos regulamentar esses conteúdos.
Por alguma razão só por acaso se descobriu uma página
com conteúdos semi-pornográficos ("bonecos" do Dragon-Ball
Z em poses impróprias) numa página inserida no site
Terrávista, então financiado pelo Ministério da Cultura
de Portugal.
A fragmentação da Internet vai ao encontro das tendências comunicacionais estabelecidas após os anos setenta, década em que o cabo e o satélite romperam as fronteiras dos sistemas nacionais de comunicação estabelecidos desde o século XIX e criaram as bases de um sistema planetário de comunicação. Aliás, foi nessa década que se começou a notar a falência dos esquemas modernos de conceptualização da comunicação, que não funcionavam na hora de interpretar e representar as realidades comunicacionais num planeta em profunda mutação. Por essa razão, os paradigmas da velha ordem da comunicação, ancorada em sistemas nacionais, começaram a ser substituídos por paradigmas pós-modernos. A Internet, global, glocal, fragmentada, segmentada, interactiva, participada, plural, será mesmo o medium pós-moderno por excelência.
A propósito da questão da fragmentação,
em algumas revistas especializadas já se fala da possibilidade de
se virem a alterar as designações dos "domínios".
Por exemplo, ".com" ("dot-com", em linguagem on line), que é
o domain name globalmente dado às entidades comerciais que
operam na Internet, poderá vir a ser desdobrado em várias
designações, dentro do sistema de endereços URL (Universal
Resource Locator).
O papel dos governos nacionais na regulação dos conteúdos
na Internet diminuirá, até porque os governos dificilmente
conseguirão regulamentar em conjunto e com efectividade um sistema
global de comunicação que escapa, na prática, ao seu
controle. Possivelmente, os governos irão procurar, assim, concentrar
os seus esforços reguladores em áreas nas quais existe um
maior consenso socio-cultural universal sobre a necessidade de regulamentação,
que pode chegar à proibição, como sejam a pornografia
e a pedofilia.
É imaginável que, com a progressiva diminuição do peso relativo dos governos e das entidades estatais (como certas universidades, organismos públicos, etc.) na Internet, a maior parte do ciberespaço entre no domínio privado. Este facto promoverá ainda mais a desregulação ao nível dos conteúdos.
Há porém a considerar que em alguns países o acesso
à Internet não é inteiramente livre. Na China ou no
Vietname, por exemplo, os cidadãos são obrigados a registar-se
para obterem autorização de acesso à rede, o que acarreta
duas consequências: em primeiro lugar, os cidadãos são
continuamente vigiados no seu acesso à Internet, sabendo que um
uso não permitido da rede pode implicar graves consequências;
em segundo lugar, os cidadãos "suspeitos" verão recusado
o seu acesso à rede. Noutros países, como o Iraque ou conforme
sucedia até há bem pouco tempo em França, é
proibido usar programas criptográficos, como o PGP, para as comunicações
na rede. Consequentemente, a privacidade fica fora do alcance dos cidadãos
iraquianos. Por seu turno, é prática comum no Sudeste Asiático
ter servidores a filtrar previamente a informação que se
pode receber. Como todas as conexões desses países à
Internet passam por eles, o livre acesso torna-se impossível. Mesmo
na Europa há fenómenos censurantes, por muito nobres que
sejam os seus objectivos. Na Alemanha, na França e na Áustria,
por exemplo, não se podem divulgar, por lei, teorias revisionistas
do Holocausto.
Os sites comerciais provavelmente disseminar-se-ão
e constituirão a grande fatia do ciberespaço. Para tal, beneficiarão
da crescente velocidade de transmissão de dados e de um acréscimo
na procura, decorrente da proliferação dos utilizadores da
internet. A relativa insegurança do comércio electrónico,
que se deve, sobretudo, às problemáticas técnicas
de encriptação, será atenuada pela evolução
dessas mesmas técnicas e pela diminuição das probabilidades
de se ser vítima de uma utilização fraudulenta da
Internet, devido ao crescimento do número de utentes do comércio
e dos serviços on line. A Amazon, por exemplo, já
é uma das maiores livrarias do mundo.
Educação e prazer poderão ser factores conjugados se for possível cativar os educandos entretendo-os. E com a Internet nas escolas parece ser possível.
Jogar videojogos através da Internet, defrontando jogadores de
toda e qualquer parte do mundo, é um bom exemplo da utilização
da maior rede mundial de computadores para entretenimento e lazer.
A Internet pode ser entendida como um primeiro patamar de um sistema
planetário de comunicação que pode corresponder à
forma mais aproximada do conceito macluhaniano de "aldeia global". Esta
é uma ideia de Carey (1998) que partilhamos e que nos parece particularmente
pertinente se atendermos à convergência entre telecomunicações
e informática a nível mundial. Do nosso ponto de vista, esse
sistema global de comunicação, assente nas auto-estradas
globais da informação, configuradoras de velocidade e liberdade
individual, está a posicionar-se superestruralmente em relação
aos sistemas nacionais de comunicação, que se foram desenhando
desde o século XIX, com a imprensa massiva e, posteriormente, com
o telégrafo, o telefone, os caminhos de ferro, a rádio, a
televisão e os restantes meios de comunicação social.
Um exemplo a citar será o do sistema Minitel francês, cujo
sucesso, inclusivamente, terá promovido um certo atraso de adesão
dos franceses à Internet. Apesar da dimensão desse sistema
e da tradicional resistência francesa àquilo que vem de fora,
sobretudo quando a matriz cultural dominante é anglo-americana,
a Internet vai vencendo as resistências nacionais e coexiste com
o Minitel, formando uma espécie de superestrura mais vasta a que
se pode aceder quando o Minitel é insuficiente.
Se atentarmos no que aconteceu aos meios de comunicação
após a febre desregulamentadora dos anos oitenta e nos apetites
da Microsoft, então é provável que a Internet venha
a ser vítima de fenómenos de concentração de
propriedade nas áreas da prestação de serviços
e do comércio on line. De facto, quer a prestação
de serviços quer o comércio on line poderão,
progressivamente, vir a ser arrebatados por grandes oligopólios,
à medida que se forem tornando cada vez mais apetecíveis
devido ao dinheiro que movimentem e aos lucros que proporcionem. Desta
forma, será interessante acompanhar o que acontecerá às
pequenas lojas on line à medida que as grandes corporações
se forem instalando na Internet. Atente-se, aliás, no que diz Carey
(1998: 34): a luta económica entre as empresas que procuram dominar
a Internet é o reflexo visível de uma mais profunda transformação
da estrutura das nações e das relações sociais.
O sistema televisivo será, num futuro próximo, aproveitado
para algo mais do que ver televisão e consumir informações
através do teletexto. A televisão, seja ela a que for, isto
é, seja ela de baixa definição, de alta definição
ou de definição "ideal", sejam os ecrãs baseados em
tubos de raios catódicos, cristais líquidos (LCD) ou painéis
de plasma, será uma porta de ligação a uma quantidade
enorme de serviços interactivos. A Web TV, por exemplo, ainda está
a dar os primeiros passos, mas é provável que seja um sistema
destinado ao sucesso global: está a disseminar-se, os seus custos
diminuem e melhoram-se a olhos vistos o hardware e a velocidade
de conexão.
Na Web TV, algo mais simples do que um PC mas ainda assim interactivo, a interface do utilizador é muito boa, estando ao alcance de muitos inflo-excluídos por fenómenos pontuais de analfabetismo funcional face às novas tecnologias informáticas e das telecomunicações. Vêem-se, assim, avôs de provecta idade a mandar emails aos netos. Provavelmente, este novo tipo de utilizadores obrigará a uma aproximação dos sites e das dinâmicas de navegação na Internet ao cidadão mundial médio, o que se reflectirá nos conteúdos e nos formatos hipertextuais, hipermédia e de realidade virtual.
Os televisores do futuro deverão evoluir para um sistema de duas
ou mais unidades separadas, tais como um monitor e uma set- top box
e um telecomando em muito idêntico a um teclado de computador. As
redes digitais de "televisão" permitirão a interactividade.
O acesso à Internet, serviços como o vídeo a pedido
e a possibilidade de se trocarem conteúdos audiovisuais com os amigos
são apenas três exemplos decorrentes da implementação
de um novo sistema de televisão.
As possibilidades crescentes das telecomunicações,
a generalização do uso dos telemóveis GSM, cada vez
mais pequenos, e a diminuição de custos que se tem verificado
no sector permitem-nos antever uma utilização cada vez mais
flexível da Internet, para os mais diversos propósitos. Aceder-se-á
à Internet do automóvel (por exemplo, para se traçar
uma rota para um determinado destino ou para se saber quais as estradas
congestionadas), no meio da rua, num café, em qualquer lugar. Além
disso, é preciso não esquecer que se os telemóveis
celulares digitais irão permitir a comunicação de
imagens em movimento (a nova geração de serviços de
telecomunicações móveis, chamada IMT-2000, estará
disponível por volta do ano 2001), além de texto e som, poderão
igualmente vir a incorporar software e hardware que permitam
o acesso directo à Internet. Trata-se de um exemplo da tão
comentada fusão das telecomunicações com a informática,
que promoverá a emergência de serviços de comunicação
móvel multimédia.
Provavelmente, no futuro será mais simples interagir com
um computador, o que facilitará o acesso à Internet através
dos PC’s. Bill Gates dizia o seguinte, numa entrevista publicada em Setembro
de 1998: "As pessoas não estão a prestar atenção
ao facto de que, à medida que fazemos o computador falar, ouvir,
aprender, ver, este se transforma em algo muito diferente. Uma ‘placa’
que se pode transportar à vontade, com uma resolução
suficientemente alta para que você se possa sentir como se estivesse
a ler. Pode falar com ele e ele pode falar consigo. Até pode ver
quem está por perto. Estas coisas - a
naturalidade da interacção- chegarão,
provavelmente, nos próximos cinco anos e certamente nos próximos
dez. (...) É a interface natural. As pessoas simplesmente
não reflectem sobre isso. Quando quiser navegar na Web, você
não indicará um endereço, mas terá apenas de
dizer uma frase (...)." 3
As políticas de contenção das tarifas para
navegação na Internet, em alguns casos incentivadas pelos
governos, tenderão a promover a info-inclusão e a disseminação
da rede nos países desenvolvidos.
Apesar das políticas de contenção de tarifas,
do aproveitamento do sistema televisivo para acesso à Internet e
da globalização da rede, a pobreza, o subdesenvolvimento
e o analfabetismo tecno-funcional impedirão a vasta maioria dos
habitantes do Globo de ter acesso à rede e promoverão a info-exclusão.
Os mais pobres continuarão, provavelmente, a não poder aceder
à urbe virtual, condenados às grilhetas da cidade real, apesar
de ser significativamente mais barato colocar um computador com acesso
à Internet numa remota aldeia africana (bastaria até um velhinho
386, um modem e uma linha telefónica) do que aí instalar
uma biblioteca de dimensão média.
Será difícil diminuir a info-exclusão global sem o desenvolvimento sustentado dos países menos desenvolvidos e mais pobres. Mas a info-exclusão nos países mais desenvolvidos, que também é uma realidade, poderá ser combatida prioritarizando a educação e a ligação informática das pessoas e das organizações à Internet.
Há ainda uma forma de info-exclusão que merece ser combatida:
a dos cidadãos portadores de certas deficiências, como a cegueira
ou deficiências motoras. Porém, para muitos alguns dos cidadãos
portadores de deficiência, o teletrabalho com recurso à Internet
pode diminuir os problemas de integração social, laboral
ou até afectiva.
O acesso à Internet é potencialmente livre e plural.
Todos podem, potencialmente, ter a sua home page e gerir um site.
Todos podem, potencialmente, aceder à Internet e observar todos
os seus conteúdos. Porém, se potencialmente a pluralidade
é um facto, na realidade trata-se de uma pluralidade condicionada.
Em primeiro lugar, nem todos têm ainda capacidade económica
nem conhecimentos para elaborar uma home page, para gerir um site
ou até para ter um computador relativamente recente com acesso à
Internet. Em segundo lugar, por muito plural que a Internet seja, o facto
é que a esmagadora maioria das páginas é muito pouco
consultada. Se em dois anos mil pessoas clicarem numa home page,
a pessoa que a introduziu na rede, quanto a mim, já se pode dar
por feliz. Por isso, existem diferenças significativas entre os
conteúdos efectivamente acedidos e aqueles que raramente o são.
Amanhã, tal como hoje, é provável que os sites
tão rapidamente sejam colocados como retirados da rede. A fugacidade
continuará, por consequência, a marcar a Internet. É
sintomático que certas publicações científicas
já aconselhem a que se mencione a data de consulta de um site
na Internet na referenciação das fontes. É que alguém
que queira visualizar um site referenciado poderá já
não o encontrar um ou dois dias depois. Ou, se encontrar o site,
poderá já não encontrar os mesmos conteúdos.
As mudanças, porém, não se registam apenas nos
processos de produção de informação. Registam-se,
igualmente, ao nível da difusão da informação
jornalística. Os jornais e revistas
on line e as edições
on line dos jornais e das revistas impressas em papel são
e têm de ser diferentes. Imagine-se, por exemplo, a cobertura de
umas eleições presidenciais. As pessoas devem, por exemplo,
poder aceder, a partir do site de um jornal, ao perfil, aos discursos
feitos, às propostas e às promessas de um candidato (por
exemplo, estabelecendo-se um link do site do jornal para
o site do candidato em causa) e aos artigos que ao longo do tempo
já se debruçaram sobre o perfil e sobre esses discursos e
essas propostas e promessas. Se as pessoas não tiverem esse link
no site do jornal, poderão, de qualquer modo, consultar directamente
o site do candidato, procurando aquilo com que se identificam e
aquilo com que discordam. Poderão mesmo consultar votações
anteriores (que o jornal pode disponibilizar, ainda que seja estabelecendo
links
para outros sites), ir até um chat room, mandarem
um mail para o candidato, etc. Num jornal ou numa revista tradicional,
a cobertura de umas eleições presidenciais, em princípio,
será sempre manifestamente inferior à cobertura on line
que um órgão de comunicação pode disponibilizar.
E se esse jornal ou essa revista não fizerem uma cobertura on
line à altura, qualquer navegante na Internet poderá
fazer uma cobertura para consumo próprio dessas mesmas eleições.
3. O novo paradigma informativo
O conceito de informação não passa incólume nas transformações operadas no interior do sistema comunicativo pela emergência das novas tecnologias. A própria ideia de notícia revela já sinais evidentes de uma modificação epistemológica. A notícia –quer ela apareça nas páginas dos jornais, nos noticiários radiofónicos e televisivos, ou nos textos on-line das páginas electrónicas dos media– tornou-se um conceito diferente: é mais analítica, menos factual, tornou-se um produto fragmentado na sua forma e mais diversificado no seu conteúdo.
Ao mesmo tempo, a informação jornalística tradicional sente-se obrigada a adaptar-se a novos modelos de construção de conteúdo. O jornalismo on-line não é um epifenómeno, desligado da realidade dos media tradicionais. Pelo contrário, esse jornalismo electrónico que emerge na Internet evolui afectando e sendo afectado por aquilo que os jornalistas produzem nos meios tradicionais.
Não é por acaso que o escândalo sexual Clinton-Lewinsky apareceu pela primeira vez na Internet, numa página de um repórter marginal ao sistema – o Drudge Report (uma espécie de coluna de má-língua, recheada de rumores e informações dispersas sobre o cenário político americano). Muito antes de tudo e de todos, o Drudge Report revelava que uma equipa de reportagem da revista Newsweek possuía informações comprometedoras acerca de um caso sexual envolvendo o presidente Bill Clinton, mas que questões editoriais impediam a sua publicação. Dias depois, toda a máquina mediática americana e mundial se debruçava sobre o assunto.
Este caso revela, antes de mais, uma modificação estrutural no papel ocupado pelo jornalista no cenário informativo. Quando a Internet, como ficou demonstrado neste artigo, proporciona um alargamento do espaço de divulgação e acesso à informação, é a função de gatekeeper do jornalista que fica comprometido. O Conselho Editorial da revista Newsweek perde a sua eficácia, e o seu tempo, a ponderar as questões éticas da revelação de um caso sexual envolvendo uma proeminente figura política.
O jornalista perdeu o monopólio do jogo informativo. A sua função de filtro de informação ficou agora condicionada pela entrada em cena de mecanismos de divulgação comunicativa ao acesso de todos.
O jornalista só não se pode queixar de ter sido apanhado de surpresa. Há vários anos que o seu território privilegiado de operações vinha sendo invadido por «seres estranhos». Os talk-shows já tinham ocupado o lugar dos tradicionais programas de entrevistas jornalísticas e os noticiários de hora nobre desde a década de 80 que deixaram de ser o palco preferido dos políticos nas suas campanhas. Nas eleições de 1992, o candidato à presidência norte-americana Bill Clinton subiu vertiginosamente nas sondagens no dia seguinte a ter aparecido a tocar saxofone de óculos escuros no popular programa ‘Arsenio Hall Show’ (cf. Taylor e Rosen, 1992).
A Internet veio acentuar esta tendência de perda de monopólio de gestão de informação por parte dos jornalistas. Mas veio também colocar sérios problemas ao nível da recepção dessa mesma informação por parte das audiências. Como é que um «navegador» da WWW pode ter confiança na informação produzida numa página electrónica? Quais são os critérios de credibilidade que podem ser usados na recepção da informação na Internet?
Estas questões não têm respostas únicas e universalmente válidas. Provavelmente, nem sequer terão qualquer resposta útil, senão aquela que estipula que a credibilidade não é o único critério para a divulgação da informação. Sobretudo porque o conceito de informação já não é o mesmo que era utilizado pelos media tradicionais.
O nosso argumento neste trabalho é o de que as modificações estruturais no cenário mediático não têm apenas consequências ao nível da forma e do conteúdo das mensagens informativas. Mais do que isso, a revolução epistemológica provocada pelas novas tecnologias da comunicação está na base de uma mudança de paradigma no panorama informativo.
As transformações analisadas neste trabalho não podem ser concebidas sem a percepção de que os novos canais comunicativos estão a funcionar com novos modelos de informação. Isto significa, antes de mais, a necessidade de um novo conceito de jornalismo. O novo conceito de notícia só pode sobreviver, e evoluir, suportado por uma nova tipologia de recolha, tratamento e produção informativa. E esta nova tipologia requer novos agentes de informação.
A revolução paradigmática no campo da comunicação
a que assistimos, todos os dias e em directo, tem consequências directas
nos modelos informativos. Os contornos destes modelos são ainda
nebulosos e estão em constante mutação. Mas a mudança,
essa, é inevitável.
4. Em jeito de conclusão
Quando falamos de novas tecnologias falamos de novas tecnologias da comunicação. É sintomático que assim seja, devido à crescente importância e impacto que elas têm na nossa vida. Agora, uma vez que já possuímos os meios, cabe-nos a todos e a cada um de nós zelar para que seja possível comunicar livre e eticamente. Aos governos e à comunidade internacional caberão as tarefas de incentivar o acesso à Internet e a participação na rede e de promover a aquisição de computadores pessoais e dos interfaces de conexão. A humanidade será tanto mais rica quanto mais diversa e plural conseguir ser. Mas é preciso não perder de vista que a utilização de tecnologias e de telecomunicações informáticas não dispensa o contacto humano nem seria aconselhável que o fizesse.
Em relação ao jornalismo, ele já mudou e, provavelmente,
vai mudar mais. A este propósito, talvez os jornalistas possam reassumir
o seu papel de gatekeepers se os órgãos jornalísticos
on line puderem funcionar como as portas de entrada para a navegação
na Net, funcionando não apenas como suporte de conteúdos
mas também como motores de busca. De facto, os actuais motores de
busca não filtram convenientemente a informação que
disponibilizam. Se, por exemplo, alguém quiser procurar
sites
e páginas com investigação sobre jornalismo e o fizer
através de um motor de busca tradicional, como o Yahoo, encontrará,
certamente, uns bons milhões, tornando a consulta virtualmente impossível.
Isto sucede porque os webmasters e outros responsáveis dos
motores de busca não filtram convenientemente a informação
e provavelmente nem sequer estão preparados para o fazer. Ora -
e deixamos aqui a ideia, a título de sugestão-
essa poderá ser uma das funções futuras dos jornalistas:
filtrar a informação na Net. Os seus órgãos
de comunicação social poderiam ser as portas de entrada na
Internet para quem está interessado em informação
credível e útil. Mas, para isso, as empresas jornalísticas,
além de disponibilizarem conteúdos, teriam de ofertar motores
de busca onde os links apontados fossem apenas aqueles que contivessem
informação efectivamente credível e útil. Em
contrapartida, talvez elas até vissem as suas receitas aumentar...
Quem quereria passar horas a fio em pesquisas inúteis num motor
de busca "tradicional"?
Notas:
1. Ricardo Jorge Pinto (rjp@mail.telepac.pt) é doutorado em Estudos Mediáticos pela Universidade do Sussex (Reino Unido) e Jorge Pedro Sousa (j.p.sousa@mail.telepac.pt) é doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). São ambos professores da Universidade Fernando Pessoa (Porto - Portugal) e membros fundadores do respectivo Centro de Estudos Mediáticos.
2. Armand Mattelart, no XX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (1997), ergueu a sua voz contra a dominância comercial da Internet e pediu um controle social e democrático sobre ela.
3. Cimeira Tecnológica. Exame Informática, ano 4, n.º 39, Setembro de 1998: 32.
Bibliografia
ABRAHAMSON, David (1998) - The visible hand: Money, markets and media evolution. Journalism & Mass Communication Quarterly, 75 (1): 14-18.
CAREY, James W. (1998) - The Internet and the end of the national communication system: Uncertain predictions of an uncertain future. Journalism & Mass Communication Quarterly, 75 (1): 28-34.
Cimeira Tecnológica. Exame Informática, ano 4, n.º 39, Setembro de 1998: 30-32.
TAYLOR, Paul e ROSEN, Jay (1992) -The
New News Vs. the Old News. New York: Twentieth Century Fund Press.
Sites
http://www.gpd.org/maig98