A INFORMAÇÃO INTERNACIONAL NA IMPRENSA IBERO-AMERICANA - UMA VISÃO PORTUGUESA [1]

Jorge Pedro Sousa, Universidade Fernando Pessoa [2]

Resumo

Este trabalho, baseado numa análise de conteúdo de doze jornais ibero-americanos, mostra que o fluxo internacional de notícias é desequilibrado, favorecendo a Europa e os Estados Unidos em número de notícias e no enquadramento (positivo ou negativo) das mesmas.  No entanto, o trabalho mostra também que as notícias internacionais no espaço ibero-americano são hoje menos desequilibradas do que eram nos anos sessenta e setenta.

Abstract

This work, based in a content analysis of twelve Ibero-American newspapers, shows that the international news flows is unbalanced.  There is more news about Europe and about the United States than news about other parts of the world.  The news frame (positive or negative) also favors Europe and the United States.  However, this work also shows that the international news flow in the Ibero-American space is in nowadays less unbalanced than in the Sixties or in the Seventies. 


Introdução

As imagens que os povos têm uns dos outros são parcialmente determinadas pelos fluxos internacionais de informação (Bailey, 1989; Link, 1984; Stenvenson e Smith, 1984).  Alguns académicos estão, inclusivamente, convictos de que as notícias e meios jornalísticos internacionais influenciam globalmente as correntes de opinião pública e a tomada de decisões sobre assuntos internacionais (Rota e Rodríguez, 1995: 23).  Outros estudiosos pensam mesmo que se assiste a fenómenos de concentração de poder no campo da comunicação internacional, com consequências inevitáveis para as relações internacionais (Rota e Rodríguez, 1995: 23).  Lozano (1998) salienta que as notícias internacionais são uma parte da nova ordem mundial, participantes dos fenómenos de globalização, já que levam as pessoas de todo o mundo a partilhar as mesmas experiências noticiosas e, portanto, a integrar os mesmos referentes.  Assim, as notícias e os fluxos internacionais de informação têm sido objecto de preocupação científica desde os anos cinquenta (Kayser, 1953) e sessenta (por exemplo: Galtung e Ruge, 1965).
Também não é nova a preocupação pelo estudo das notícias e dos fluxos internacionais de informação dentro do espaço latino-americano.  Em 1962, foi realizado pelo Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para a América Latina (CIESPAL) uma análise de conteúdo das notícias internacionais publicadas ao longo de duas semanas por 28 jornais de 19 países latino-americanos.  Procurava-se, nessa análise, diagnosticar quais eram as imagens dos diferentes países projectadas pela imprensa latino-americana.   Tentava-se ainda verificar, entre outros objectivos, se era identificável uma hegemonia cultural norte-americana nessa imprensa e qual o grau de dependência das agências noticiosas mundiais que os jornais latino-americanos possuíam. 
Retomando a ideia desse estudo original do CIESPAL, a presente pesquisa, impulsionada pelo Grupo de Estudos de Jornalismo da Associação Latino-Americana de Investigadores em Comunicação (ALAIC), tem por objectivo diagnosticar o estado da informação internacional na imprensa latino-americana, introduzindo como elemento comparativo uma análise da informação internacional na imprensa de Portugal e de Espanha, dois países europeus histórica e culturalmente próximos da América Latina. 
Neste texto será essencialmente avaliado o comportamento da imprensa portuguesa face à imprensa latino-americana e espanhola, no que respeita às notícias internacionais.  Manteve-se, no entanto, o enquadramento global da pesquisa, tal como foi definido pelo Grupo de Estudos de Jornalismo da ALAIC, coordenado por José Carlos Lozano (1998).  Assim sendo, neste trabalho procurou-se responder às seguintes perguntas de investigação sobre os jornais seleccionados para estudo:
· Qual é a atenção proporcionada às notícias internacionais?
·Qual é a origem geográfica das notícias internacionais, isto é, onde se gerou a informação internacional [3] ?
· Quais são as regiões e países do mundo mais focalizados nas notícias internacionais?
· Quais são os temas mais cobertos no noticiário internacional?
· Em que temas se focaliza o noticiário internacional sobre os diferentes países ou regiões do mundo?
· Qual é o grau de dependência das agências noticiosas, particularmente das "quatro grandes" (AP, UPI, AFP e Reuters)?

O estudo descritivo do CIESPAL atrás referenciado, publicado em 1967, já assinalava algumas das tendências da imprensa latino-americana, que, segundo Lozano (1998), continuam a ser relevantes hoje em dia, nomeadamente:
1) Cobertura reduzida dos outros países latino-americanos;
2) Grande dependência das agências noticiosas mundiais;
3) Ausência de profundidade e contexto na maioria das notícias sobre outros países latino-americanos.
Várias outras pesquisas sobre os fluxos da informação internacional foram, entretanto, realizadas.  Como se disse, o tema genérico da presente pesquisa não é novo no panorama dos estudos sobre jornalismo.  Aliás, Rota e Rodríguez (1995) demonstraram que grande parte dos académicos da área das Ciências da Informação continua a considerar a informação internacional como um campo importante de investigação. 
Vincent (1997: 178) sugere que apesar de terem ocorrido melhorias nos últimos vinte anos, os fluxos internacionais de notícias continuam a ser orientados para a Europa e para os Estados Unidos.  Este autor salienta, inclusivamente, que cerca de 80% das notícias internacionais na América Latina são oriundas das grandes agências norte-americanas. (Vincent, 1997: 178)  No entanto, um estudo conduzido por Stevenson e Cole (1984) demonstrou que as notícias do espaço geográfico onde um país se insere tendem a ser quantitativamente mais significativas do que as notícias dos restantes espaços.  Porém, este mesmo estudo mostrou, indo ao encontro da ideia de Vincent (1997), que os news media privilegiavam, a seguir à informação sobre o espaço onde o país-sede se insere, a informação sobre os países desenvolvidos, particularmente sobre a Europa e os Estados Unidos. Pouca informação era dada sobre os países em desenvolvimento.  (Stevenson e Cole, 1984)  Do mesmo modo, Núñez de Cáceres (1997) mostrou que os Estados Unidos recebiam uma maior quantidade de tempo do que os restantes países na cobertura internacional dos telejornais de sete países da América Latina (Colômbia, Brasil, Venezuela, Bolívia, Argentina, Perú e Chile).
Os académicos norte-americanos são, provavelmente, aqueles que mais têm insistido no estudo do fluxo internacional de notícias (Vincent, 1997: 188).  Vários estudos têm, assim, descrito a cobertura da América Latina e de outras regiões do mundo na imprensa dos Estados Unidos (por exemplo: Gozenbach, Arant e Stevenson, 1992; Larson, McAnany e Storey, 1986; Lozano, 1989; McAnany, 1983; Sontag, 1989; Wallis e Baran, 1990).  Estes estudos demonstraram, globalmente, que a cobertura realizada era anedótica e relativamente estereotipada.  O México, por exemplo, apareceria nos EUA somente como um país onde existe petróleo, cheio de emigrantes potenciais desejosos de penetrar legal ou ilegalmente em território americano e afectado por terramotos e vulcões. (Larson, McAnany e Storey, 1986)
A questão da positividade ou negatividade das notícias também tem sido abordada nos estudos sobre os fluxos internacionais de notícias.  Sreberny-Mohammadi (1990) chegou à conclusão de que os acontecimentos excepcionais negativos, como as grandes catástrofes, são notícias válidas onde quer que ocorram.  Wallis e Baran (1990: 184), referindo-se à maior necessidade de cobertura da América Latina, enfatizaram o lado negativo da informação.  Para eles, a América Latina deveria ser mais coberta porque é um espaço onde se sucederam as ditaduras militares, onde os países acumularam enormes dívidas externas, onde as guerras foram constantes e onde cresce o tráfico de droga para os Estados Unidos e a Europa Ocidental.  (Wallis e Baran, 1990: 184)
Sreberny-Mohammadi (1990: 13) abordou a questão da dependência da imprensa das grandes agências noticiosas mundiais, chegando à conclusão que a metodologia geralmente empregue nas análises do discurso era inadequada para tecer considerações sobre esta questão, já que raramente era especificada a fonte de informação.
Stevenson e Cole (1984) e Sreberny-Mohammadi (1990) concluíram, em estudos separados, que, em matéria de informação internacional, os tópicos mais destacados pela imprensa se relacionavam com escândalos, actores sociais (principalmente políticos), guerra, assuntos económicos e desportos.  No estudo de Sreberny-Mohammadi (1990: 12) concluiu-se ainda que 25% a 60% dos protagonistas das notícias internacionais eram figuras públicas.  Os políticos poderão destacar-se entre eles, a avaliar pelo estudo de Weaver e Wilhoit (1984) sobre a informação internacional em serviços de cabo de oito diferentes regiões do mundo e pelo estudo de Núñez de Cáceres (1997: 74) sobre os telejornais de sete países latino-americanos.
No espaço latino-americano têm sido produzidos vários estudos sobre as notícias internacionais.  Rota e Rota (1987), por exemplo, verificaram que quatro categorias de notícias (desportos, governos estrangeiros e políticas, economia, finanças e relações laborais, guerra e questões de defesa) representavam 73% de todas as notícias internacionais publicadas em jornais da Cidade do México, uma conclusão que contribui para o reforço das conclusões do estudo de Stevenson e Cole (1984).  Essas notícias, ademais, eram em 90% dos casos oriundas de agências norte-americanas ou europeias  e em 55% dos casos referiam-se a assuntos relacionados com os Estados Unidos ou a Europa Ocidental (Rota e Rota, 1987).
António de Andrade et al. (1997) procuraram saber se o Mercosul era notícia nos jornais brasileiros, tendo concluído que o Mercosul era muito pouco referenciado mas que era tanto mais referenciado quanto mais se caminhava do Norte para o Sul do país e que os temas mais abordados eram a política, a economia e o desporto, indo ao encontro de estudos como os de Rota e Rota (1987) e de Stevenson e Cole (1984).  Os protagonistas das notícias sobre o Mercosul na imprensa brasileira, segundo o mesmo estudo de Andrade et. al (1999), seriam essencialmente empresários, políticos, artistas e desportistas, e o país mais referenciado seria a Argentina. 
Marques de Melo et al. (1999) levaram em consideração o estudo de Andrade et al. (1997) para desenvolverem um estudo sobre "O Mercosul na Imprensa do Mercosul", tendo chegado à conclusão de que se torna necessário investir na informação sobre esse espaço económico para ela se tornar mais relevante nos jornais do Mercosul.

Metodologia

Neste trabalho procurou respeitar-se integralmente a metodologia fixada pelo Grupo de Estudos de Jornalismo da ALAIC, conforme apresentada por José Carlos Lozano (1998). 
O estudo baseou-se, assim, numa análise de conteúdo quantitativa de diversos jornais diários de diferentes países do espaço ibero-americano, com base em categorias definidas a priori.  A notícia internacional constituiu a unidade de análise para este estudo.  Consideraram-se notícias internacionais todas as peças de cariz jornalístico (notas breves, notícias, reportagens, entrevistas, colunas, editoriais, artigos, etc.) que diziam respeito a países estrangeiros e que não envolviam o país onde o jornal em análise estava sedeado (por exemplo, no que respeita aos jornais portugueses, não se consideraram notícias internacionais aquelas que respeitavam simultaneamente a Portugal e a outros países).  Não se incluíram na análise cartas dos leitores, obituários, informação paga, cartoons e notícias internacionais em secções como Local, Desporto, Espectáculos, Cinema, "Vips" ("Social"), Cozinha, Moda, Viagens, Turismo, Polícia e similares.  Apenas se procedeu à contabilização simples das notícias por categoria e aos cálculos das respectivas percentagens, arredondadas às unidades.  Todas as notícias internacionais foram contabilizadas e codificadas.
Os dados sobre os jornais portugueses foram comparados, no que respeita às notícias internacionais, aos dados sobre alguns dos mais importantes jornais da Argentina, Brasil, Chile, República Dominicana, México, Nicarágua e Espanha.  Os dados sobre os jornais estrangeiros foram recolhidos por pesquisadores da ALAIC sedeados nesses países e nos Estados Unidos, tendo sido posteriormente distribuídos a cada pesquisador.
Os jornais foram seleccionados por estarem entre os de maior circulação e prestígio nos respectivos países.  No caso específico de Portugal, procurou-se ainda seleccionar um representante da imprensa de "elite", o Público (edição Porto), e um representante da imprensa "popular", o Jornal de Notícias.

Tabela 1

Denominação, origem e tiragem dos diários incluídos no estudo

Diários

Cidade

País

Tiragem

Público

Sede: Lisboa/Edição: Porto

Portugal

53.715 (certificada)

Jornal de Notícias

Porto

Portugal

112.919 (certificada)

Clarín

Buenus Aires

Argentina

800.000 (semana)
1.500.000 (domingo)

La Nueva Provincia

Bahia Blanca

Argentina

37.500

Zero Hora

Porto Alegre

Brasil

141.000 (semana)
260.000 (domingo)
(certificada)

El Mercurio

Santiago de Chile

Chile

Não disponível

Lintín Diario

Santo Domingo

República Dominicana

Não disponível

Excélsior

Cidade do México

México

200.000

El Norte

Monterrey

México

138.878 (semana)
154.451 (domingo)
(certificada)

La Tribuna

Manágua

Nicarágua

Não disponível

El País

Madrid

Espanha

532.887 (certificada)

Vanguardía

Barcelona

Espanha

239.462 (certificada)

A amostra de jornais analisados foi construída de acordo com aquilo que é habitual nas análises de conteúdo da imprensa mundial (Lozano, 1998: 13; Sreberny-Mohammadi, 1990).  Assim, estudaram-se os jornais de uma semana cronológica e de uma semana construída.  A semana construída foi incluída para compensar desvios que possam ter ocorrido devido, por exemplo, à relevância excepcional que um ou vários temas possam ter tido durante a semana cronológica.  Em concreto, analisaram-se os jornais de 12 a 18 de Maio de 1997 e os jornais de 19 e 27 de Maio, 4, 12, 20 e 28 de Junho e 6 de Julho de 1997.

Resultados

A pesquisa conducente à obtenção de respostas para as perguntas de investigação formuladas permitiu o levantamento de diversos dados quantitativos, que foram sistematizados nas tabelas a seguir inseridas.  Os valores foram arredondados às unidades, razão pela qual o somatório de algumas percentagens pode não dar exactamente 100%.
É de referir que quando se menciona a Europa se engloba a Turquia e a Rússia.

Tabela 2

Resultados dos jornais portugueses no período de amostra

 

Total de notícias

Notícias internacionais

(Total)

Notícias internacionais

(%)

Espaço informativo

total (cm2)

Notícias internacionais (cm2)

Notícias internacionais (% do espaço)

Jornal de Notícias

2489

174

7%

941.704

39.934

4%

Público

1.850

337

18%

539.269

82.747

15%

Conforme esperado, os dados recolhidos mostram que o Público, enquanto representante da "imprensa de elite" entre os jornais portugueses seleccionados, não só publica mais notícias internacionais do que o Jornal de Notícias como também consagra mais espaço a estas notícias, em termos absolutos e percentuais.

Tabela 3

Notícias internacionais nos jornais analisados

Jornal

Total
de notícias internacionais

Média diária
de notícias internacionais

Espaço médio
ocupado por cada notícia internacional (cm2)

Espaço médio diário ocupado por notícias internacionais
(cm2)

Público
Portugal

337

24

246

5.910

Jornal de Notícias
Portugal

174

12

230

2.852

El Clarín
Argentina

185

13

305

4.028

Nueva Provincia
Argentina

107

8

180

1.375

Zero Hora
Brasil

146

10

221

2.997

El Mercurio
Chile

258

20

157

3.108

Listín Diario
República Dominicana

344

26

255

6.743

El Norte
México

505

36

290

10.461

Excélsior
México

449

32

176

5.658

La Tribuna
Nicarágua

198

17

291

3.681

El País
Espanha

273

20

268

6.583

Vanguardia
Espanha

269

19

343

5.244

Total

3.245

238

2.962

58.640

A atenção dedicada às notícias internacionais não foi homogénea entre os jornais seleccionados.  Nesta matéria, os jornais portugueses aproximaram-se ou dos que registaram melhores prestações, como é o caso do Público, ou dos que registaram prestações médias, como é o caso do Jornal de Notícias.  Os jornais mexicanos são aqueles que mais notícias internacionais publicaram.  O El Norte assumiu a liderança, com uma média diária de 36 notícias internacionais e 10.461 cm2 de espaço.  No pólo oposto surge o jornal local argentino Nueva Provincia, com uma média diária de apenas oito notícias internacionais e 1.375 cm2 de espaço.  No entanto, é de realçar que os jornais El Pais, de Espanha, Público, de Portugal, e, algo surpreendentemente, Listín Diario, da República Dominicana (um pequeno país), consagraram mais espaço às notícias internacionais do que o Excélsior, do México.  O jornal Vanguardia, de Barcelona, e o jornal El Clarín, de Buenus Aires, foram aqueles que, em média, deram mais espaço a cada notícia internacional, indiciando, hipoteticamente, maiores preocupações de tratamento da informação em profundidade
É interessante realçar que os jornais regionais de alguns países, como El Norte, de Monterrey, México, e Vanguardia, de Barcelona, Espanha, publicaram mais notícias internacionais do que os jornais sedeados nas capitais da Argentina, da Nicarágua e do Chile.
Os dados nas tabelas seguintes, apresentados em valores percentuais, têm de interpretar-se tendo os valores registados na tabela 3 em consideração, já que, por exemplo, 10% de 505 notícias (El Norte) correspondem a mais de 50 notícias, enquanto 10% de 107 notícias (Nueva Provincia) correspondem a pouco mais de apenas 10 notícias.

Tabela 4

Origem das notícias internacionais (em percentagem)

 

América
Latina

Portugal e Europa

Estados Unidos

Ásia

África

Canadá

Oceânia

Vários países

Público
Portugal

8

61

10

7

14

0

0

0

Jornal de Notícias
Portugal

8

44

12

14

21

1

1

0

El Clarín
Argentina

37

32

11

13

6

0

0

0

Nueva Provincia
Argentina

25

39

13

8

12

1

0

1

Zero Hora
Brasil

9

24

26

31

5

1

0

1

El Mercurio
Chile

25

38

8

21

6

1

0

0

Listín Diario
República Dominicana

37

23

17

14

6

1

1

0

El Norte
México

24

24

27

18

6

0

0

0

Excélsior
México

30

22

22

18

5

1

0

0

La Tribuna
Nicarágua

49

16

15

10

8

0

0

0

El País
Espanha

10

51

7

19

11

1

0

0

Vanguardia
Espanha

5

59

3

18

12

1

0

0

Os jornais portugueses publicaram mais notícias originadas na Europa, a exemplo do que sucedeu com os jornais espanhóis.  No entanto, nem todos os jornais latino-americanos publicaram mais notícias originadas nesse continente, com particular destaque para o Zero Hora, do Brasil.  Pode, assim, dizer-se que os jornais ibéricos procuram essencialmente informação originária do seu entorno, elevando o critério da proximidade a critério fulcral na obtenção de notícias internacionais.  Inversamente, dos jornais latino-americanos apenas El Clarín, Listín Diario, Excélsior e La Tribuna (50% dos jornais) publicaram maioritariamente notícias originadas no seu espaço geográfico.  A Europa, os Estados Unidos (e, agora, a Ásia, provavelmente devido à sua pujança económica) permanecem como espaços importantes no que respeita à proveniência da informação para os jornais latino-americanos, tal como se conclui em vários dos estudos que foram sendo realizados a respeito deste mesmo tema (por exemplo: CIESPAL, 1967).  Porém, não se nota um especial protagonismo dos Estados Unidos no que respeita à origem da informação, pelo que os resultados de alguns estudos anteriores (como o do CIESPAL) não foram replicados neste estudo.

Tabela 5

Espaço geográfico a que as notícias internacionais se referem (em percentagem)

 

América

Latina

Europa

Estados Unidos

Ásia

África

Canadá

Oceânia

Vários países

Público
Portugal

9

41

13

15

15

1

1

5

Jornal de Notícias
Portugal

8

38

8

14

20

1

1

10

El Clarín
Argentina

28

35

12

13

9

0

0

3

Nueva Provincia
Argentina

23

38

12

7

15

1

0

4

Zero Hora
Brasil

7

23

24

30

4

1

0

12

El Mercurio
Chile

24

37

6

20

6

1

0

5

Listín Diario
República Dominicana

34

23

14

12

5

1

1

8

El Norte
México

22

22

25

19

9

1

0

1

Excélsior
México

35

16

10

18

4

1

0

15

La Tribuna
Nicarágua

48

11

11

9

9

0

0

11

El País
Espanha

12

42

5

21

18

1

0

0

Vanguardia
Espanha

6

48

2

22

19

1

0

1

A exemplo do que sugerem Stevenson e Cole (1984), os meios noticiosos, mesmo os da América Latina, tendem a dar um destaque significativo às notícias referentes à região geográfica onde estão sedeados, o que releva a importância do critério de noticiabilidade da proximidade.  Este facto parece ser particularmente verdadeiro nos jornais ibéricos, no La Tribuna¸da Nicarágua, no Excélsior, do México, e no Listín Diario, da República Dominicana.  No entanto, os restantes jornais latino-americanos, com excepção do Zero Hora, do Brasil, também publicaram percentagens significativas de notícias sobre o seu entorno.  Se excluirmos o Zero Hora, no global as percentagens de informação sobre a América-Latina publicada nos jornais latino-americanos oscilou entre 22% e 48%.
A atenção dada pelos jornais latino-americanos à Europa, provavelmente por razões históricas, culturais e económicas, não tem reciprocidade nos jornais ibéricos.  Os jornais de Portugal e de Espanha seleccionados para este estudo dão, inclusivamente, mais destaque à Ásia e à África do que à América-Latina.  Provavelmente, também existem razões históricas para isso, uma vez que o colonialismo português e espanhol se estendeu não apenas à América-Latina, mas também a África e à Ásia.
Há ainda que assinalar que não se nota um predomínio dos Estados Unidos nas notícias internacionais, embora grande parte das notícias se centrem nos países mais industrializados, onde estão sedeadas as grandes agências noticiosas mundiais.

Tabela 6

Balanço das notícias internacionais por diário (em percentagem)

 

Positivas ou neutras

Negativas

Não definidas

Público
Portugal

48

42

10

Jornal de Notícias
Portugal

48

51

1

El Clarín
Argentina

53

37

10

Nueva Provincia
Argentina

47

35

18

Zero Hora
Brasil

58

24

18

El Mercurio
Chile

68

27

5

Listín Diario
República Dominicana

56

26

18

El Norte
México

45

46

9

Excélsior
México

51

42

7

La Tribuna
Nicarágua

48

52

0

El País
Espanha

48

41

11

Vanguardia
Espanha

64

32

4

Percentagem média

53

38

9

Os dados da tabela mostram que parte da imprensa ibero-americana tende a valorizar de forma relativamente equilibrada as notícias negativas e positivas ou neutras, com vantagem (significativa em alguns jornais) para estas últimas.  Há, porém, excepções, como são os casos do El Norte, do México, e La Tribuna, da Nicarágua, que enfatizam a informação de cariz negativo.

Tabela 7

Balanço das notícias internacionais por espaço geográfico (em percentagem)

 

América

Latina

Europa

África

Ásia

Oceânia

Estados Unidos

Canadá

Positivo
ou neutro

48

69

21

44

95

59

78

Negativo

52

27

78

52

0

30

22

Não definido

1

3

1

3

5

11

0

Analisando o conjunto da imprensa ibero-americana, pode constatar-se que as notícias sobre as regiões mundiais e os países mais industrializados e tidos como mais "desenvolvidos" (Europa, Oceânia, Estados Unidos e Canadá) tendem a ser, geralmente, sobre tópicos positivos ou neutros ou tendem a possuir um ângulo positivo ou neutro.  Inversamente, a informação sobre a América-Latina, sobre a Ásia e, particularmente, sobre África, tende a ser tendencialmente negativa.  Estes dados agudizam as preocupações pela manutenção na imprensa mundial de imagens negativas sobre os países em desenvolvimento, em contraste com a manutenção de imagens positivas dos países desenvolvidos.

Tabela 8

Balanço das notícias internacionais por espaço geográfico (em percentagem) na imprensa portuguesa

 

América
Latina

Europa

África

Ásia

Oceânia

Estados Unidos

Canadá

Público
Positivo
ou neutro

33

55

16

42

100

65

33

Público
Negativo

58

31

80

52

0

27

66

Público
Não definido

8

14

4

6

0

8

0

JN
Positivo
ou neutro

50

54

38

40

0

54

100

JN
Negativo

50

43

62

60

100

46

0

JN
Não definido

0

3

0

0

0

0

0

Total
Positivo
ou neutro

42

54

25

42

33

63

60

Total
Negativo

54

35

72

55

66

31

40

Total
Não definido

4

11

2

3

0

5

0

A imprensa portuguesa replica, no geral, as tendências do conjunto da imprensa ibero-americana, referenciadas na tabela 7.  Na imprensa portuguesa os países desenvolvidos são representados mais positivamente do que os países em vias de desenvolvimento, seja pelo tópico das notícias, seja pelo ângulo ou pelo tom da informação.  A única excepção ocorreu no jornal Público, que publicou mais notícias negativas do que notícias positivas sobre o Canadá.  Porém, neste particular os resultados podem não indiciar a tendência do jornal, já que o número de notícias recolhidas sobre o Canadá foi diminuto (apenas três notícias).
É de realçar que não foi feito um balanço das notícias internacionais por espaços referenciados nas notícias e por jornal porque esses dados não foram fornecidos pela coordenação do projecto.

Tabela 9

Tópicos das notícias internacionais por diário (em percentagem)

 

Público

Jornal de Notícias

El

Clarín

Nueva

Provincia

Zero

Hora

El Mercurio

Listín

Diario

El

Norte

Excélsior

La

Tribuna

El

Pais

Vanguardia

1

16

22

22

16

11

31

19

12

19

13

21

35

2

15

18

17

10

1

5

4

9

8

5

13

12

3

6

6

11

12

9

11

9

13

9

16

14

11

4

9

8

10

6

1

8

6

6

12

12

13

16

5

7

2

9

1

2

6

4

4

4

2

4

2

6

5

6

5

5

1

3

3

3

6

5

4

2

7

1

1

4

5

1

3

3

8

7

8

7

5

8

2

7

3

3

1

6

6

4

4

5

5

6

9

0

0

0

0

0

1

3

0

0

0

0

0

10

2

2

0

0

2

2

2

1

2

4

0

1

11

0

0

0

0

3

1

1

1

1

2

0

0

12

5

5

0

2

6

1

2

2

6

8

2

0

13

2

2

0

0

4

2

1

6

2

3

1

1

14

12

2

3

5

1

1

2

2

0

3

0

1

15

0

1

0

7

0

3

2

3

6

0

0

0

16

18

18

12

23

24

9

31

19

14

9

11

6

Tópicos: 1) Política nacional (do país referenciado); 2) Conflitos ou crises internas, corrupção política; 3) Conflitos violentos, levantamentos armados, guerrilha, tráfico de armas, tráfico de drogas; 4) Actividades diplomáticas ou políticas entre países; 5) Assuntos económicos; 6) Conflitos diplomáticos ou políticos entre países; 7) Violência política, tortura, distúrbios; 8) Acções pela paz, negociações ou acordos com grupos armados, resultados positivos no combate ao narcotráfico; 9) Acordos comerciais, integração comercial; 10) Problemas económicos, desemprego, pobreza, corrupção económica, greves e protestos laborais; 11) Ajuda económica internacional; 12) Crimes e delitos; 13) Acidentes e desastres naturais; 14) Ciência, tecnologia, medicina; 15) Desportos; 16) Outros tópicos.

A política nacional dos países representados nas notícias constituiu o tópico maioritário e m todos os jornais analisados, apesar de os jornais ibero-americanos também terem publicado percentagens significativas de notícias relacionadas com crises e conflitos.  As actividades políticas e diplomáticas entre países e os assuntos económicos não foram desprezados.  Estes dados, cruzados com os da tabela 7, permitem contrariar a ideia de que a maior parte das notícias nos fluxos internacionais da informação é negativa, ou seja, a negatividade, podendo ser um critério de noticiabilidade de indiscutível importância, não é, porém, o critério mais importante para avaliar as notícias internacionais na maior parte da imprensa ibero-americana.  Uma vez que a maioria relativa da informação publicada é sobre a política nacional dos países referenciados nas notícias, este dado sugere que não se encontram elementos susceptíveis de sustentar a ideia da existência de imperialismo cultural nos fluxos internacionais de notícias.
É de realçar a elevada importância que o Público consagra à informação sobre ciência e tecnologia, que não encontra paralelo na restante imprensa ibero-americana.

Tabela 10

Tópicos das notícias internacionais por espaço geográfico a que se referem (em percentagem)

(entre parênteses figuram as percentagens nos jornais portugueses analisados)

 

América

Latina

Europa

África

Ásia

Oceânia

Estados

Unidos

Canadá

1

21 (12)

30 (26)

11 (18)

16 (14)

0 (0)

17 (15)

75 (60)

2

12 (22)

9 (9)

16 (37)

7 (19)

5 (33)

6 (7)

0 (20)

3

9 (8)

5 (3)

38 (19)

20 (11)

0 (0)

8 (2)

0 (0)

4

5 (4)

15 (14)

1 (1)

9 (8)

0 (0)

10 (7)

0 (0)

5

4 (7)

15 (10)

1 (0)

5 (5)

0 (0)

3 (5)

0 (0)

6

5 (8)

2 (4)

2 (7)

6 (10)

0 (0)

4 (3)

7 (0)

7

9 (1)

2 (2)

8 (1)

7 (3)

0 (0)

4 (0)

0 (0)

8

5 (0)

3 (4)

13 (4)

6 (2)

0 (0)

4 (0)

0 (0)

9

3 (0)

1 (0)

1 (0)

1 (0)

0 (0)

3 (0)

7 (0)

10

4 (4)

2 (3)

1 (0)

1 (1)

0 (0)

1 (0)

0 (0)

11

5 (24)

3 (4)

3 (4)

2 (2)

0 (0)

9 (10)

1 (0)

12

2 (0)

1 (1)

1 (2)

5 (6)

0 (0)

2 (0)

0 (0)

13

1 (0)

2 (5)

0 (2)

1 (0)

20 (67)

8 (35)

5 (20)

14

15 (9)

10 (15)

4 (5)

14 (19)

75 (0)

21 (16)

5 (0)

Tópicos: 1) Política nacional (do país referenciado); 2) Conflitos ou crises internas, corrupção política; 3) Conflitos violentos, levantamentos armados, guerrilha, tráfico de armas, tráfico de drogas; 4) Actividades diplomáticas ou políticas entre países; 5) Assuntos económicos; 6) Conflitos diplomáticos ou políticos entre países; 7) Violência política, tortura, distúrbios; 8) Acções pela paz, negociações ou acordos com grupos armados, resultados positivos no combate ao narcotráfico; 9) Acordos comerciais, integração comercial; 10) Problemas económicos, desemprego, pobreza, corrupção económica, greves e protestos laborais; 11) Crimes e delitos; 12) Acidentes e desastres naturais; 13) Ciência, tecnologia, medicina; 14 Outros tópicos ou vários dos tópicos anteriores.

Se excluirmos o caso pontual da Oceânia, motivado, provavelmente, por uma insuficiência de amostragem, verificamos que a política nacional é o tópico que domina a informação sobre os países desenvolvidos e também sobre a América-Latina.  África e Ásia, porém, são significativamente representadas através de notícias de crises e conflitos.  Esta situação é parcialmente replicada na imprensa portuguesa, que apresenta uma visão ainda mais negativa de África e da Ásia.  Além disso, a imagem da América-Latina construída pela imprensa portuguesa será mais negativa do que a imagem dessa região do mundo construída pela restante imprensa ibero-americana, já que as temáticas dos conflitos e das crises (22% + 8%) e dos crimes (24%) constituem uma percentagem significativa da informação sobre esse espaço.  Continuam, assim, na ordem do dia as preocupações sobre o desequilíbrio qualitativo nas notícias internacionais, que favorece os países desenvolvidos.
A coordenação do projecto não forneceu os dados parcelares relativos aos tópicos das notícias por jornal e por espaço geográfico referenciado, pelo que não foi possível fazer comparações neste âmbito.

Tabela 10

Tópicos das notícias internacionais na imprensa portuguesa por espaço geográfico a que se referem
(em percentagem)

 

Jornal de Notícias

Público

 

América

Latina

Europa

África

Ásia

Oceânia

EUA

Canadá

América

Latina

Europa

África

Ásia

Oceânia

EUA

Canadá

1

14

28

29

24

0

11

50

9

25

10

9

0

16

33

2

29

15

27

20

0

15

0

18

6

40

19

33

4

0

3

0

2

18

12

0

2

0

18

3

20

10

0

2

0

4

7

18

0

2

0

2

0

3

11

2

12

0

8

33

5

1

2

0

3

0

4

0

12

14

0

6

0

6

0

6

0

8

6

8

0

0

0

3

3

8

11

0

4

0

7

0

2

0

4

0

0

0

1

1

1

2

0

0

0

8

0

5

9

8

0

0

0

0

3

1

0

0

0

0

9

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

10

7

3

0

0

0

0

0

3

3

0

2

0

0

0

11

29

3

0

0

0

23

0

18

5

6

4

0

4

0

12

0

2

2

4

0

0

0

0

0

2

7

0

0

0

13

0

0

0

0

0

23

50

0

7

4

0

67

40

0

14

13

12

9

15

100

20

0

15

19

6

18

0

16

33

Tópicos: 1) Política nacional (do país referenciado); 2) Conflitos ou crises internas, corrupção política; 3) Conflitos violentos, levantamentos armados, guerrilha, tráfico de armas, tráfico de drogas; 4) Actividades diplomáticas ou políticas entre países; 5) Assuntos económicos; 6) Conflitos diplomáticos ou políticos entre países; 7) Violência política, tortura, distúrbios; 8) Acções pela paz, negociações ou acordos com grupos armados, resultados positivos no combate ao narcotráfico; 9) Acordos comerciais, integração comercial; 10) Problemas económicos, desemprego, pobreza, corrupção económica, greves e protestos laborais; 11) Crimes e delitos; 12) Acidentes e desastres naturais; 13) Ciência, tecnologia, medicina; 14 Outros tópicos ou vários dos tópicos anteriores.

O Jornal de Notícias e o Público denotam um comportamento relativamente similar, excepto no que se refere aos assuntos económicos.  De facto, e no que respeita à cobertura dos vários espaços geográficos do mundo, o JN e o Público privilegiam as notícias sobre política nacional dos países referenciados nas notícias e notícias sobre conflitos e crises.  No entanto, são publicadas menos notícias sobre conflitos e crises na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Oceânia do que na América-Latina, na África ou na Ásia.  No geral, a imprensa portuguesa, tal como, aliás, a imprensa espanhola e a imprensa latino-americana, tende a reforçar positivamente as imagens das regiões mais favorecidas do mundo e a reforçar negativamente as imagens das regiões menos desenvolvidas.
O Público dedica mais atenção do que o Jornal de Notícias às actividades políticas e diplomáticas entre países e aos assuntos económicos, conforme seria de esperar num jornal de referência.
É de destacar, quer num quer noutro jornal, a elevada percentagem de notícias sobre crimes entre as notícias referentes ao espaço latino-americano.  Percentualmente, o peso da informação sobre crimes no total da informação sobre os Estados Unidos publicada no Jornal de Notícias (23%) também é significativamente elevado.
É de salientar, finalmente, o elevado peso da informação sobre ciência, tecnologia e medicina no total de informação respeitante aos Estados Unidos em ambos os jornais, indiciando a importância dos EUA enquanto produtores de conhecimento científico.

Tabela 11

Dependência das agências noticiosas (em percentagem)

 

Público

Jornal de Notícias

El

Clarín

Nueva

Provincia

Zero

Hora

El Mercurio

Listín

Diario

El

Norte

Excélsior

La

Tribuna

El

Pais

Vanguardia

Produção
própria

32

18

45

3

6

12

2

10

14

0

72

62

AP

0

0

1

0

0

19

23

7

8

0

1

1

UPI

0

0

0

0

0

0

3

0

1

5

0

0

AFP

1

1

4

0

0

20

33

7

12

30

5

11

Reuter

2

0

4

10

1

13

0

5

4

0

6

5

EFE

0

0

4

34

0

12

14

7

9

53

7

5

Lusa

0

2

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

Agências
nacionais

_

_

8

19

0

0

0

7

5

0

_

_

Outra/ Várias/Outra
situação

3

8

24

33

0

20

18

43

45

7

7

11

Não identificável

63

70

9

2

92

3

6

13

3

5

3

4

É muito difícil tecer uma conclusão sobre a dependência que a imprensa portuguesa denota das agências noticiosas, no que respeita às notícias internacionais, porque a maior parte das peças contabilizadas na amostra não indicava a proveniência, conforme se pode observar na tabela 11.  A mesma conclusão é extensível ao jornal Zero Hora, do sul do Brasil.  No entanto, pode dizer-se que uma parte relevante da informação internacional publicada na imprensa portuguesa (18% no JN e 32% no Público) foi produzida pelos próprios jornais.  Os jornais espanhóis e El Clarín, da Argentina, parecem ser, porém, os campeões da informação própria.  No geral, pode dizer-se, assim, excluindo El Clarín, que os jornais latino-americanos são mais dependentes das agências internacionais do que os jornais ibéricos.
O presente estudo contraria, parcialmente, os dados dos estudos do CIESPAL (1962) e de Beltrán e Fox (cit. in Vincent, 1997: 178), segundo os quais as agências de notícias dos Estados Unidos (Associated Press e UPI) eram produtoras de cerca de 80% das notícias internacionais publicadas pelos jornais latino-americanos.  Na actualidade, encontra-se uma maior diversidade de proveniências, incluindo um peso significativo de produção própria.  A agência espanhola EFE também parece ter conquistado um peso relevante no mercado latino-americano.  No entanto, é inegável que uma parcela relevante das notícias internacionais publicadas no espaço ibero-americano continua a ser originária das grandes agências noticiosas mundiais.


Conclusões

A presente análise de conteúdo propôs-se determinar qual era a atenção prestada por oito jornais latino-americanos e por quatro jornais ibéricos às notícias internacionais, o interesse pela sua própria região ou por outras regiões do mundo, os tópicos internacionais com maior cobertura e o grau de dependência que os jornais denotavam em relação às agências de notícias. 
Assim, podemos afirmar que, embora os jornais incluídos na amostra não tenham um comportamento homogéneo, todos eles (à excepção do Nueva Provincia, da Argentina) incluem diariamente, em média, um número de notícias internacionais que atinge ou ultrapassa a dezena, o que indicia uma certa preocupação pela cobertura do estrangeiro.  No entanto, registam-se diferenças entre os jornais europeus e os latino-americanos.  De facto, enquanto os jornais ibéricos privilegiam sem excepção a Europa, nem todos os jornais latino-americanos privilegiam a América Latina.  Por seu turno, a África anda longe das preocupações dos jornais latino-americanos, embora a imprensa ibérica dedique uma certa atenção a esse continente.  Portanto, embora, do meu ponto de vista, não se possa falar de qualquer tipo de "imperialismo noticioso" (nomeadamente não se pode falar de imperialismo norte-americano) no fluxo internacional de notícias, este continua a ser relativamente desequilibrado, o que exige reflexão.  O facto de uma parte significativa das notícias internacionais nos jornais latino-americanos ter origem fora da América Latina concorre para essa necessidade de reflexão, até porque, em contraste, nos jornais ibéricos a maior parte das notícias internacionais tem origem no seu marco geográfico: a  Europa.
Em segundo lugar, verificamos que a política nacional é o tópico que domina a informação sobre os países desenvolvidos e também sobre a América-Latina.  África e Ásia, porém, são significativamente representadas através de notícias de crises e conflitos.  Aliás, enquanto no total da amostra somente cerca de 27% das notícias sobre a Europa e 30% sobre os Estados Unidos são negativas, 78% das notícias sobre África e 52% das notícias sobre a América-Latina e a Ásia são negativas. Estes resultados confirmam pesquisas anteriores (por exemplo: Stevenson e Cole, 1984; Sreberny-Mohammadi, 1990; Wallis e Baran, 1990) segundo as quais as notícias do Terceiro Mundo reflectem uma tendência negativa.  Assim sendo, pode dizer-se que a imprensa ibero-americana, no seu conjunto, contribui para a construção de uma imagem positiva dos países desenvolvidos e de uma imagem negativa dos países em vias de desenvolvimento.  É também de assinalar que enquanto a actuação da imprensa latino-americana se coaduna com os objectivos de integração política e económica europeia, realçando as actividades políticas e diplomáticas entre países e os assuntos económicos, o mesmo não acontece no que toca aos processos de integração político-económica no espaço latino-americano.
Finalmente, pode registar-se que, no que respeita às notícias internacionais, os jornais latino-americanos parecem recorrer mais a fontes de informação diversificadas e à produção própria do que faziam no final dos anos sessenta (recorde-se a pesquisa do CIESPAL de 1967), mas ainda parecem ser mais dependentes das agências noticiosas mundiais, como a AP, a EFE e a AFP, do que os jornais ibéricos.


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[1] Este trabalho insere-se numa pesquisa internacional coordenada pelo Prof. José Carlos Lozano, do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey - ITESM (México), no âmbito das actividades do Grupo de Estudos sobre Jornalismo da ALAIC.  Assim, são usados neste paper dados recolhidos pelo citado investigador e por Alfredo Afonso e Alejandra Matiasich (Universidade Nacional de La Plata, Argentina), Martín Becerra (Universidade Nacional de Quilmes, Argentina), Luciane Delgado Aquino (Universidade Federal de Santa Maria Rio Grande do Sul, Brasil), Ada Cristina Silveira (Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha), Patrícia Stambuk (Universidade de Valparaíso, Chile) e Magdalena Elizondo, Edgar Cruz, Jorge Marroquín, Francisco Martínez e Elvira Toba (ITESM).

[2] Jorge Pedro Sousa (j.p.sousa@mail.telepac.pt) é doutor em Ciências da Informação pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha).  Actualmente é professor na Universidade Fernando Pessoa (Porto-Portugal) e membro do seu Centro de Estudos da Comunicação.

[3]  A origem geográfica de uma notícia internacional pode não coincidir com o espaço geográfico a que a notícia se refere.  Por exemplo, uma notícia pode ter origem em Portugal embora se refira a outros países.