COMUNICAÇÃO GLOBAL
QUANDO A PRÁTICA
ULTRAPASSA AS MENTALIDADES
Março de 1999
Falar de comunicação global
parece hoje já uma banalidade. Todavia, apesar das muitas simpatias que o
conceito vem recolhendo, a prática revela muitas resistências à sua verdadeira aceitação.
Na verdade, a implementação
de uma verdadeira estratégia de comunicação global implica tantas e tão
profundas revoluções, quer nas agências quer nas empresas anunciantes, que a
aplicação deste conceito, a curto prazo, dificilmente ultrapassará o limiar das
meras boas intenções.
É moda falar-se, desejar-se,
dizer-se que se pratica a comunicação global ou, um pouco menos ambiciosamente,
uma comunicação integrada. Mas quantos já pararam para pensar que levar este
objectivo a fundo implica romper com uma das bases sacrossantas do Marketing,
onde a comunicação é apenas um dos elementos que compõem o marketing-mix. De facto, se aceitarmos, tal como a comunicação
global pressupõe, que todos os elementos de uma empresa ou organização, que
mantém contacto com exterior, comunicam, todos os componentes do marketing mix se tornam também poderosos
elementos de comunicação. As características do produto ou serviço em si mesmo,
o preço, a distribuição e as pessoas são vitais para uma imagem global da
marca. Todavia, para além destes
elementos que podem considerar-se dos domínios do marketing, a localização da
empresa, as suas instalações, a decoração, as fardas, todo o papel impresso, a
conduta dos funcionários, sem naturalmente esquecer os orgãos de admnistração,… enfim tudo e todos os que podem ser
relacionados com essa empresa ou organização, acabam por contribuir para a
construção da sua imagem e da sua identidade.
Assim sendo, uma directriz
de comunicação global não só não pode estar dependente do marketing, nem sequer de uma Direcção Comercial, como terá até de
criar directivas de conduta para a própria administração. Quantas empresas
estão dispostas a tamanha sublevação???
É um facto que, se olharmos
à nossa volta vamos já sentindo a existência de muitas marcas, de origem internacional, bem como algumas
de origem nacional, que já não se perdem em comunicações várias, num regime de
peças avulso sem qualquer coluna dorsal. Graças à aceitação da necessidade de
uma sólida estratégia de comunicação publicitária, há cada vez mais marcas que
nas suas campanhas publicitárias se apresentam donas de personalidade única,
bem definida e construída para durar. Mas quantas delas conseguem fazer respeitar
essa personalidade nos elementos que ultrapassam os programas das campanhas
publicitárias?
Na prática, a maioria das organizações e empresas que se julgam mais revolucionárias, acabam por apenas tentar que a estratégia traçada a nível do marketing inclua algumas linhas orientadoras para as restantes áreas da empresa. Iniciativa louvável e que poupa já muito “tiro perdido”, mas que na realidade não tem qualquer capacidade vinculativa - os outros departamentos não aceitam directrizes de uma proveniência que hierarquicamente não lhe é superior.
Qual é a solução?
Dotar o departamento de
marketing de poder vinculativo? E esse poder atingiria toda a empresa?
Incluindo a própria administração?
Pouco provável e se calhar
até pouco recomendável, uma vez que o departamento de marketing tem um ponto de
vista muito particular, carecendo de uma perspectiva que se deseja realmente
globalizante.
Se o problema parece
prender-se com duas premissas - Poder e garantia de uma perspectiva global - a
solução ideal poderia estar na própria administração. Porque não atribuir à
administração esta valorosa função?
Provavelmente porque como
muitos dos directos intervenientes o corroborariam, as administrações têm
missões bem mais importantes. E, na prática, a maioria das administrações não
está, de facto, sintonizada com um dos pressupostos fundamentais de uma
estratégia de comunicação global – “o pensar consumidor”. Raciocínios, objectivos e todo um discurso centrado sobre
a própria empresa poderia antes levá-la a um crescente e agudo autismo na sua
relação com o exterior.
Outra solução: criar
departamentos de comunicação que construam directrizes para toda a empresa.
Nesse caso, esse poder será
pacífico para todas as áreas da empresa? Como será a convivência com os
departamentos de marketing e imagem? Na realidade, como pode aceitar o
departamento de marketing directrizes sobre a sua principal ferramenta de
trabalho? E a administração estará pronta a acatar as orientações que lhe
couberem cumprir?
Seja qual for a melhor
situação a encontrar num futuro, a realidade actual mostra-se plena de
confusões e mal entendidos.
Entretanto, quer por
iniciativa própria quer porque as empresas estão a ficar mais exigentes, cada
vez são mais as agências de publicidade que declaram oferecer este tal serviço
de comunicação global, criando novos modelos estratégicos que dizem incorporar
disciplinas tão diversas como (promoções, relações públicas, merchandising, marketing directo, …). Todavia, para que a
agência possa de facto cumprir um real acompanhamento global das marcas e
organizações, também elas têm de sofrer profundas remodelações.
Provavelmente, uma delas é
despedir-se dos organigramas complexos,
desmultiplicados numa imensa miríade de ramificações, traduzindo não só
uma alta especialização de funções como um profundo sentido hierárquico, e
aceitar o movimento de simplificação, que algumas agências já vão ensaiando
noutros países. Esta tendência manifesta-se numa progressiva fragmentação da
mega estrutura, em pequenos núcleos de
projecto, onde cada elemento da equipa tem funções muito menos precisas, mas
com muito maior grau de flexibilização e visão global.
As próprias funções
clássicas e estanques que dividem criativos de comerciais e especialistas em
media, poderão também perder-se para fazer jus à máxima que desde os anos
sessenta é proclamada pelo afamado Jacques
Séguéla e que defende que mais do que ser-se criativo ou executivo, há que se
ser publicitário. Diríamos mesmo: “ um estratega de comunicação”.
Assim, a agência de publicidade tem de se reinventar e apresentar-se essencialmente como consultor de comunicação global. Naturalmente que não se preconiza o regresso ao tempo da “agência de vão de escada” onde, alimentada pela carolice de quem julga que o importante é “desenrascar”, cada pessoa acaba por fazer de tudo um pouco. Pretende-se antes o avanço para um conhecimento profundo das relações das diversas vertentes da comunicação. O problema põe-se depois na aplicação desse programa de comunicação global. E a tendência que hoje se verifica é que cada vez mais surgem empresas especializadas nas diversas áreas (merchandising, relações públicas, web design, produtoras de eventos, …) que poderão ser sempre contratadas, não só como fornecedores de um serviço, mas como verdadeiros parceiros capazes de contribuir com ideias que ajudam a concretizar o que ficou delineado na estratégia.
A agência de publicidade,
que obrigatoriamente terá de rever a sua designação, vê-se agora perante um novo dilema - a justa remuneração das suas
novas atribuições.
Tendo perdido a sua clássica
fonte de rendimentos, a comissão particularmente choruda dos investimentos em media,
a agência é hoje muitas das vezes remunerada por um fee estabelecido mensal ou anualmente. Se a concretização das peças
é na realidade muitas vezes feita pelos tais parceiros especializados, a
agência queda-se precisamente no âmbito da consultoria, e este é, precisamente,
o trabalho mais difícil de fazer
remunerar justamente.
Um problema claro de
mentalidades – o anunciante deseja e solicita todo o apoio estratégico, mas
ainda é claramente mais fácil fazer pagar peças, do que ideias e aconselhamento
que, na verdade, exigem envolvimento e conhecimentos muito mais aprofundados.
O problema das mentalidades
não se fica, porém, pelas empresas. Tal como aconteceu em outras áreas da
sociedade, esta revolução faz-se lentamente e nunca em simultâneo em todas as
agências. Assim, se a grande maioria vive ainda o período da “revolução
industrial”, ou se quisermos utilizar a terminologia de Alvin Tofler, na
segunda vaga, muitas estão ainda no antes dessa revolução.
O que se ensina nas escolas
é pois igualmente variável. Primeiro porque, estando o ensino da publicidade
altamente dependente dos profissionais que a praticam, a experiência desses
profissionais, está directamente dependente da organização e estado de evolução
das agências e empresas por onde passaram. E é essa realidade que acaba por
condicionar os materiais que serão transmitidos aos alunos.
Poderá questionar-se a
dependência do ensino da publicidade face às agências que a praticam. Contudo,
sem querer minorar o valor da investigação académica, um observador mais atento
não pode deixar de constatar a escassez das teorias publicadas e, pior, a sua
patente desactualização. Desactualização que não se deve tanto a uma mutação
constante, mas apenas ao facto das teorias e metodologias verdadeiramente
inovadoras viverem “fechadas a sete chaves” no seio das multinacionais que têm
recursos para as desenvolver, só conhecendo o domínio público quando essas
empresas já possuem algo que julgam melhor), desactualizando inevitavelmente as
primeiras.
Se aliarmos o pioneirismo
das metodologias, ao valor da experimentação da prática do dia-a-dia, acabamos
por concluir que, se se desejar um ensino adequado à realidade do mundo de
trabalho, não pode deixar de se estreitar os laços, para vantagem de ambas as
partes. É que, apesar do valor indiscutível da Universidade na
preparação dos novos profissionais, nomeadamente na provisão de uma formação de
base mais alargada e completa, há que aceitar que, na área das práticas
publicitárias, as investigações académicas,
por si só, dificilmente conseguem ser
motor de mudança ou mesmo de vanguarda. Se só delas estivéssemos dependentes,
provavelmente a questão da comunicação global ainda nem sequer teria
despontado.
Num último balanço sobre o
tema central, resta-nos acrescentar que acreditamos que, apesar de todas dificuldades
apontadas, a Comunicação Global veio
para ficar. Não tanto pela influência dos desejos de alguns mais iluminados,
mas tão somente por ser chave de sobrevivência das marcas e organizações.