"A 'Re-Regulamentação' do Mercado Televisivo

face à Vocação Cultural da Televisão"

 

Documento Síntese da Conferência Internacional sobre Televisão:

 

 

Tânia de Morais Soares, ISCTE

 

 

Entidade Promotora da Conferência: Fundação Friedrich Ebert

 

 

 

 

PREFÁCIO

Com a conferência internacional, que deu origem a esta publicação, a Fundação Friedrich Ebert deu continuação a uma série de seminários, «workshops» e conferências que se englobam no quadro do seu programa geral de promover o DIÁLOGO EUROPEU. A representação da Fundação Friedrich Ebert em Portugal pretende oferecer com esta iniciativa um «forum de debate» para representantes do poder político, comunicadores e/ou especialistas nacionais e internacionais, onde possam discutir os desafios resultantes das profundas mudanças económicas, políticas, sociais e culturais da nossa época. Nesta conferência pudemos assistir a debates marcados pela competência, franqueza e tolerância dos participantes. Esta experiência veio confirmar a concepção de uma longa série de iniciativas, que se baseiam no princípio da livre troca de ideias entre representantes de instituições de tipos e nacionalidades diferentes.

 

Com esta brochura, preparada por Tânia de Morais Soares, pretende-se demonstrar que o diálogo realizado foi realmente produtivo. Nesta publicação, a autora apresenta o conteúdo das intervenções dos oradores principais na conferência e identifica na sua conclusão os pontos mais salientes das análises e visões estratégicas que surgiram durante o debate. A Fundação Friedrich Ebert espera contribuir com esta publicação para uma melhor compreensão dos problemas actuais que envolvem o objecto televisivo no novo contexto europeu e em Portugal.

 

Lisboa, Julho de 1997

Reinhard Naumann

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

A Fundação Friedrich Ebert realizou, no dia 23 de Maio de 1997, uma Conferência Internacional que teve como tema a televisão no novo contexto europeu.

 

Os pontos temáticos que submeteu à apreciação dos intervenientes, enquanto pistas em torno das quais organizariam as suas comunicações, foram os seguintes:

 

1) O espaço e o papel da televisão nas actuais sociedades europeias - (A televisão enquanto instrumento pedagógico do Estado e o seu papel nas economias de lazer).

 

2) A “Televisão sem fronteiras” - A relação entre as disposições da Comissão Europeia e a existência de um mercado mundial de televisão condicionado pelos subsistemas nacionais, arraigados a diferentes legislações, culturas e situações políticas.

 

3) A concertação e/ou  cooperação entre canais públicos e privados de televisão como via para a melhoria da qualidade da produção e para um eficaz controlo do mercado.

 

4) A clarificação das regras de relacionamento da televisão de serviço público com a dinâmica de mercado - (A compatibilidade ou incompatibilidade entre a lógica de mercado e a função de serviço público).

 

5) A rentabilidade, o investimento publicitário e o financiamento da televisão - (O novo Contracto de Concessão da R.T.P. e os limites específicos à Publicidade).

 

 

Embora os referidos assuntos não esgotem as problemáticas que se podem associar à televisão, o facto é que parecem adequados a uma Conferência Internacional intitulada “A Re-Regulamentação do Mercado Televisivo face à Vocação Cultural da Televisão” e que teve como intervenientes:  Karl Heinz Klär, Secretário de Estado Alemão de Renania Palatinado para Assuntos Europeus; Arons de Carvalho, Secretário de Estado da Comunicação Social; Joaquim Vieira, Director de Programas da R.T.P.; José Pedro Barreto, Director de Informação da TVI; Fernanda Mestrinho da Direcção do Sindicato dos Jornalistas; José Manuel Paquete de Oliveira e José Jorge Barreiros, ambos sociólogos e investigadores do ISCTE.

 

 

PROBLEMATIZAR A TELEVISÃO

 

As consequências culturais e sociais decorrentes da inovação comunicativa e das potencialidades dos novos meios de comunicação social; a relação de forças que se estabelece ao se assistir a recomposições e reajustamentos que introduzem novos factores de concorrência entre eles; aliado, às crescentes disputas pelo controlo social do sector da comunicação, devido ao peso que este tem vindo a manifestar na economia dos países “desenvolvidos”; seriam, obviamente, motivos mais do que suficientes para despertar a atenção e convidar ao debate de ideias.

 

Actualmente, o objecto televisivo surge imbuído de paradoxos: do ponto de vista institucional, divide-se entre canais generalistas e temáticos, líderes ou complementares, hertzianos ou por cabo; do prisma económico, ele destrinça-se em canais públicos e privados, comerciais ou elitizados; do ponto de vista social discute-se a sua democraticidade, o seu poder, a sua influência no espaço público mediatizado. Contudo, e simultaneamente, há a quem lhe pareça nunca ter tido uma imagem tão uniforme.

 

Discute-se, a aparente similitude entre programas e canais, defende-se que tal visão pode ser enganosa, visto que o objecto televisivo encerra uma multiplicidade de abordagens, de estéticas, uma variedade de concepções da mensagem audiovisual, de cultura televisiva, do estatuto do telespectador.

 

Actualmente, os mass media enfrentam-se mediante o prisma concorrencial, e tendem a evoluir em função da iniciativa dos seus responsáveis e/ou profissionais. Grande parte dos discursos sobre os media, e sobre a televisão em particular, permanecem na ambiguidade, vagueando entre o se arvorar em “Quarto Poder”, o facto de ser instrumentalizada ou instrumento de manipulação, ferramenta de emancipação ou de embrutecimento dos indivíduos. Os diferentes media tendem a falar deles próprios, autopromovendo-se, e a confrontar os resultados obtidos no mercado das audiências. Assumem identidades e perfis mais ou menos contrastantes, reclamam funções distintas e assumem um maior conjunto de papeis no âmbito da esfera pública e privada.

 

Proclama-se ainda a inversão da dominação de um modelo político para um modelo económico. Do paradigma político, assente na desconfiança face à influência política e cultural sobre os media e, onde se impunha a necessidade de os mass media serem objecto de uma política de orientação que escapasse às leis do mercado, passa-se para a dominância do paradigma económico, que não considera a comunicação como uma actividade excepcional, devendo esta reger-se pelas leis do mercado e suas implicações. Os media são então vistos como uma indústria comum, logo, submetida às leis inerentes ao mercado, o que favorece a constituição dos grandes grupos de comunicação europeus. O sistema dos media, tende então a esbater as barreiras entre as actividades culturais e as actividades de empresa, instaurando uma nova forma produtiva das relações comunicacionais. Um dos fenómenos marcantes reside no facto de que, actualmente, a cultura se encontra submetida às normas de gestão prevalecentes na sociedade: os produtos culturais são industrializados, subordinados aos critérios de eficácia e de rentabilidade, conhecem as mesmas campanhas de promoção publicitária e de marketing. Trata-se da extensão da lógica económica à esfera cultural, de um sistema que condiciona totalmente o tipo e a função do processo de consumo e a sua qualidade, tal como a autonomia do consumidor.

 

O espaço público, que mais não é do que um espaço simbólico, surge como uma das condições estruturais do funcionamento de uma “democracia de massa” e pressupõe o debate das problemáticas e acontecimentos de maior visibilidade ou de maior relevo em determinado momento. Condição indissociável do alargamento do espaço público, (no sentido de que cada vez mais indivíduos emitem opinião sobre mais assuntos) é a importância que os media vêm assumindo na sociedade contemporânea. Esta evolução, levou Dominique Wolton[1] a apelidá-lo de “espaço público mediatizado”, entre outras coisas, dada a mundialização das técnicas de comunicação que garantem a possibilidade de generalizar a informação em tempo real, e ainda dada a omnipresença dos media, que proporciona um conhecimento alargado (embora mediatizado) da realidade.

 

A actual omnipresença da televisão, terá, futuramente, ainda mais relevância, face ao crescimento do sector da comunicação. Daí a urgência em  encontrar resposta para questões relacionadas com o lugar e o papel dos mass media num espaço publico consideravelmente atravessado pela comunicação. Inicialmente, tendeu-se para a banalização dos media, no sentido da redução das obrigações públicas, e do mercado assumir a responsabilidade  de organizar esta actividade de comunicação. Todavia, face ao estatuto dos mass media e sobretudo ao seu papel de “vínculo social”, não se deverá descurar a necessidade de pensar uma política de orientação. Futuramente, o grande desafio é, com efeito, evitar que a lógica da comunicação mediática se torne o principal meio de comunicação, uma vez que, a democraticidade destes media, só é garantida se estes não se substituírem às outras formas de comunicação.

 

Umberto Eco, alerta, precisamente, para o peso que se deve atribuir aos media de massas e à televisão em particular, no espaço da comunicação: "Uma sábia política cultural (...) será  a de educar, provavelmente através da TV, os cidadãos do mundo futuro para que saibam temperar a recepção de imagens com uma igualmente rica recepção de informações "escritas". A civilização da TV como complemento a uma civilização do livro"[2]. Ou ainda, "uma civilização democrática só se salvará  se fizer da linguagem da imagem uma provocação à reflexão crítica, não um convite à hipnose"[3].

 

Ao se insistir na necessidade de o sistema dos media não ser perigosamente omnipresente, e ao procurar atribuir-lhes uma posição modesta no espaço público, pretende-se que dessa forma seja possível: limitar os efeitos perversos da comunicação, concretamente os referentes aos abusos no domínio da publicidade, da política, do lazer, da privacidade, da intimidade, etc. Trata-se de tentar diminuir os efeitos negativos da mensagem, uma vez que, se esta é sobretudo um factor democrático, pode transformar-se numa tirania, com todos os excessos do espectáculo e da forma.

 

Contudo, nem sempre os interesses dos jornalistas, para já não mencionar os interesses dos proprietários ou directores dos diferentes media, coincidem com os interesses dos receptores. Daí que quanto maior for a capacidade de diversificar e aumentar o volume de produtos comunicativos, tanto mais se deve colocar a questão da responsabilidade daqueles que o fazem. Efectivamente, numa sociedade onde os riscos de rumores são proporcionais ao desenvolvimento da informação, a competência profissional dos jornalistas e comunicadores deve ser cada vez maior.

 

Retomando o tema da cultura veiculada pelos media de massas, Michel Souchon[4] afirma que aqueles que dirigem os  media consideram que a sua cultura é a cultura. Efectivamente, a discussão teórica em torno da função ou funções culturais dos media, manifestam a perca de força da noção de “cultura popular” (dada a evolução das relações entre classes sociais nos países desenvolvidos), cedendo lugar à noção de “cultura de massas” enquanto tradução do movimento de massificação da sociedade.

 

O que se sugere é que a reconciliação entre cultura e mass media, não é tarefa fácil, dado o estatuto e regras elementares de funcionamento destes media, nomeadamente, ao facto destes serem antes do mais uma actividade do espectáculo, não sendo fácil adequar-se a certos tipos de conteúdos ou formatos. A esta reconciliação opõe-se ainda um fenómeno que prescreve um efeito de barreira à própria palavra cultura ou cultural, ou seja, grande parte do público julga-se insuficientemente culto para aderir a produtos designados como culturais, revelando-se um efeito de auto-exclusão e de dissuasão. Por outro lado, a “população cultural” que reclama projectos comunicativos culturais, também desconfia dos programas culturais porque também aprendeu a entreter-se, a distrair-se enquanto consumidor. Estas atitudes, contribuem, por seu turno, para legitimar algumas opções relativas aos conteúdos dos media, isto é, dada a existência de media com funções iminentemente culturais, favorece a justificação da ausência destes produtos noutros media, sob o argumento da sobrecarga de conteúdos culturais.

 

O programador em televisão gere, então, as grelhas de programação de modo a contribuir para a identidade da emissora, sem, contudo, negligenciar a relação com os canais concorrentes. Se as posições atribuídas aos programas na grelha obedecem à representação do público, não deixam contudo de se relacionar com uma certa concepção do modo como a emissora se inscreve no interior da concorrência, o que faz com que a grelha surja como uma “arma de guerra”, quer para responder a uma estratégia de competição, quer de diversificação. Numa estratégia de competição (a que aqui mais interessa), os diversos canais tendem a oferecer produtos semelhantes em horários idênticos, visto que visam a mesma massa com o mesmo perfil de públicos. Daqui resulta, muitas vezes, a uniformização da paisagem televisiva, com os mesmos géneros nos mesmos momentos, cuja diferenciação se baseia apenas na qualidade ou no “look” desses produtos e dos seus animadores, vencendo aquele que consegue assegurar um laço mais forte entre o canal e o telespectador (o que parece estar a ser conseguido pela SIC). Tal desemboca na standardização da oferta, sobretudo ao nível dos horários nobres, e as emissoras regem-se por mimetismo, cabendo, logicamente, à emissora que lidera em termos de audiência, dar o exemplo que as outras seguirão.

 

De qualquer forma, a aceitação destas regras e do sucesso que preconizam em termos de audiência, não invalida que (e por vezes é mesmo o mote) se remeta para o centro do debate actual, a discussão acerca da relação entre qualidade e televisão. Ela coloca frente-a-frente dois tipos de concepção do objecto televisivo: a que se alimenta da “democraticidade” associada aos media de massas e no seu papel de “vínculo social” (tão veementemente defendida por Dominique Wolton), e a que se sente vítima dessa mesma democraticidade e defende a necessidade de se estabelecer limites à lógica do “referendo”, uma vez que, os índices de preferências dos públicos de televisão nada dizem acerca do modo como estes compreendem a sua qualidade.

 

A actual visão das necessidades e dos gostos do público, opera a passagem para um novo modelo de televisão, que é veiculador de infinitas rubricas, personagens, ideias e discursos, onde o mesmo actor desempenha uma multiplicidade de papeis, e que dá lugar a um novo panorama televisivo. A característica fundamental e fundamentada desta “Neotelevisão”, é o facto de se centrar cada vez menos no mundo exterior e se debruçar sobre ela própria e sobre a sua relação com o seu público[5] - “Não importa o que diz ou do que fala (até porque o público com o telecomando decide quando deixá-la falar e quando passar a outro canal). Ela para sobreviver a este poder de comutação, procura entreter o espectador dizendo-lhe: «Eu estou aqui, eu sou eu, e eu sou tu»”[6].

 

Esta é a nova televisão, porque se insere na dinâmica da oferta e não na da resposta à procura; porque se submete aos critérios da maximização dos lucros mediante a conquista de um leque cada vez mais vasto de audiência, uma vez que, a publicidade constitui a sua principal fonte de receitas; porque a sua estratégia passa pelas “receitas da sedução” do grande público, onde a autopromoção tem um papel privilegiado; porque se concentra no espectáculo televisivo, que se sustenta na busca da proximidade com o público, instaurando uma relação durável baseada nos registos da intimidade e da personalização, recorrendo aos artifícios da afectividade e da familiaridade, através do protagonismo dos seus animadores, pela hibridez dos seus produtos, pela incorporação do público na cena televisiva, e por ser tentada pelo intervencionismo social em todos os âmbitos da vida pública e privada. Deste modo, o telespectador encontra-se no centro do dispositivo, dando-se a formação de um novo “pacto de comunicação”.  A osmose, já não se produz entre os profissionais de televisão e os telespectadores, mas entre o nosso animador ou jornalista preferido e nós - consumidores passionais. Opera-se a fusão entre as personagens do écran e aqueles que os observam, entre o emissor e o receptor. Como afirmou François Mitterrand: “On n’était pas devant nos écrans, on était dedans”[7].

 

Contudo, convém salientar que embora reconhecendo o peso e a importância da era da “Neotelevisão”, questiona-se a sua efectiva imposição, isto é, se se tratará de um fenómeno evolutivo ou se estaremos em presença de dois modelos concorrenciais: A coabitação do “modelo relacional” com a prevalecente “televisão mensageira”, que possui o carácter de fazer veicular conteúdos, ideias, opiniões, conhecimentos, ou, como o próprio nome indica - mensagens. Este último tipo de televisão,  joga com a reflexão,  mobiliza mais a vontade de conhecer do espectador do que o seu desejo de reconhecer, solicita a curiosidade e não a afectividade, e tem como ambição o enriquecimento intelectual do espectador mesmo que a sua contribuição seja ínfima.

 

Coloca-se, então, no centro do debate o conceito de qualidade. Falar de qualidade em vez de cultura em televisão é, no entanto, também controverso, dado que falar da qualidade de determinada televisão constitui um problema. De facto, a qualidade de uma programação televisiva tenderá a ser avaliada diferentemente e a assumir significações diversas, consoante seja apreciada segundo as motivações e necessidades dos telespectadores, ou segundo as exigências e intenções de um emissor, ou ainda segundo um grupo de designados peritos na matéria (seja qual for a sua formação). Segundo Lasagni e Richeri[8], dos critérios possíveis para definir qualidade, a diversidade parece constituir o único indicador consensual, no sentido de que o sistema televisivo tem por obrigação diversificar a oferta de emissões, quanto aos géneros, conteúdos, formatos e estilos, bem como quanto às posições e opiniões que exprimem.

 

Acontece, porém, que esta apropriação do conceito de qualidade para falar (ou evitar falar) de cultura em televisão, advém precisamente, e frequentemente, do facto da subjectividade que lhe é inerente servir os diferentes discursos dos vários actores sociais, envolvidos ou impelidos a manifestar-se sobre televisão. Para uns, esta servirá para exigir que ela (televisão) assuma e divulgue padrões culturais concordantes com o que se designou chamar de “cultura legitima[9]”, para outros, servirá para escamotear a ausência de “elementos culturais ou cultivantes” sob a capa de atributos técnicos ou estéticos inquestionáveis, para outros ainda, suscitará maiores oportunidades de manifestar opiniões e/ou reflexões acerca daquilo que todos parecem exigir (mais qualidade), mas  cuja(s) concepção(ções) quase nenhuns partilham, cabendo a cada qual uma interpretação e uma instrumentalização próprias.

 

 

 

“A Re-Regulamentação do Mercado Televisivo face à Vocação Cultural da Televisão”

 

 

Eis o título que suscitou alguma reflexão entre os intervenientes nesta Conferência, tendo mesmo o conceito de re-regulamentação provocado algumas apreciações equívocas. Porém, foi também provavelmente a noção mais consensual, na medida em que se acordou na necessidade de re-regulamentar a televisão. Re-regulamentação essa, decorrente de uma  ineficaz regulamentação, de uma tentativa quase eficaz de desregulamentação e de uma ainda fracassada tentativa de auto-regulamentação. Com efeito, este conceito de re-regulamentação não se colocou apenas do ponto de vista legislativo mas, e fundamentalmente, do ponto de vista dos princípios de funcionamento deste medium de massas. A noção de re-regulamentação foi apropriada para falar não apenas de serviço público de televisão mas também de televisão privada, uma vez que, se considerou fundamental para garantir a democraticidade do medium de massas mais performativo do tempo presente.

 

Consensual também, foi a ideia segundo a qual cabe ainda à televisão uma vocação cultural, ou seja, o reconhecimento do seu lugar enquanto medium cultural, embora afectada por concepções bastante diferenciadas do conceito de cultura. Uma vez mais, deu-se preferência à noção de qualidade em detrimento do conceito de cultura, ambos prenhes de ambiguidade, mas um menos problemático do que o outro, uma vez que, reclamar qualidade é “politicamente correcto”, mas reclamar cultura é conjunturalmente problemático. Com efeito, no actual quadro de contextualização do universo televisivo, a função ou vocação cultural da televisão é, muitas vezes, encarada como sinal de revivalismo conservador e nostálgico, desadequado e antiquado. Porém, falar de qualidade é aceitar e compreender a inovação, o desenvolvimento, a actualidade dos fenómenos, sem esquecer a defesa de valores, padrões e princípios fundamentais. 

 

A garantia da democraticidade associada à televisão, decorrente da evidência do seu poder de influência numa sociedade fortemente atravessada pela comunicação e, concretamente, a defesa da sua independência face ao poder político, foi assunto intensivamente focado pelos dois Secretários de Estado presentes, que fizeram questão de manifestar a importância e a necessidade de defender a existência de um serviço público de televisão que mantenha uma significativa capacidade de intervenção, no sentido de assegurar o funcionamento democrático das sociedades.

 

Efectivamente, Karl Heinz Klär, sustentou a ideia de que a Alemanha tem uma Radiotelevisão de direito público muito forte, cuja regulamentação cabe aos Länder (Estados Federados), precisamente para garantir a sua independência do poder político. Com efeito, razões de ordem histórica (relativas ao período fascista de 1933-45, em que os nazis utilizavam a Rádio como um importante instrumento de propaganda), impuseram uma solução que impedisse que a Radiotelevisão pudesse voltar a ser instrumentalizada pelo Estado, daí que se tenha optado por constituir a Radiotelevisão não como uma instituição do Estado, mas sim como uma instituição de direito público, controlada pela sociedade civil e financiada por contribuições, não pelo orçamento de Estado. Foi esta a solução encontrada para acabar com o centralismo e criar um sistema de radiotelevisão federalista, de direito público.

 

Além disso, a radiotelevisão na Alemanha  foi sujeita a uma regulamentação ainda mais rígida do que a imprensa, que se baseava no reconhecimento de que o seu poder de influência sobre a opinião pública é bem mais eficaz. Entre 1984 e 1990 (com a legalização dos operadores privados de televisão), a televisão consolidou a sua influência, e em 1991 (coincidindo com a reunificação alemã) fez-se um Tratado de Estado (Lei elaborada por todos os Länder) que regulamenta a radiotelevisão privada e que visou adaptar-se às novas realidades do mercado. Esta regulamentação baseou-se na constatação do fim do monopólio da radiotelevisão pública mas, também, na necessidade de evitar um novo monopólio no campo das televisões privadas. Trata-se de uma legislação contra o concentracionismo, que assume que a produção televisiva se diferencia da produção de outros bens económicos, uma vez que, a produção de opiniões é essencial para o funcionamento democrático. A ideia fundamental era a de manter uma radiotelevisão pública forte e evitar a predominância dos operadores privados. Tal conduziu à elaboração de um novo Tratado em 1996, que elevou as contribuições para a radiotelevisão pública a um total de onze mil milhões de marcos (cerca de mil e cem milhões de contos), com o objectivo de fortalecer a radiotelevisão de direito público e garantir que ela não desça para menos de 30% do mercado total de audiências. O mesmo Tratado limita ainda as possibilidades de expansão dos sistemas privados a um tecto máximo de 30% da audiência total. Isto significa que: se algum sistema privado com vários canais que pertencem a um mesmo proprietário, atingir os 30% do mercado de audiências, este será obrigado a desfazer-se de um dos canais, para assim reduzir a sua audiência total.

 

É uma estratégia consensual entre todas as forças políticas alemãs, a de ter um sistema dualista regulamentado, que assegure ao sector privado condições de lucro, ao mesmo tempo que garante aos canais públicos uma quota de mercado que justifique o elevado financiamento e lhe permita desempenhar o seu importante papel para a democracia. E este consenso político, decorre do facto de os representantes da sociedade civil no orgão que controla a Radiotelevisão pública, serem constituídos por associações independentes do poder político, mas, sendo também verdade, que têm preferências politico-partidárias, faz com que, por parte dos partidos, exista maior possibilidade de exercer influência sobre a televisão pública, do que sobre a televisão privada, onde a lógica do lucro se sobrepõem a qualquer interesse político. Por outro lado, sendo a televisão alemã um organismo regionalizado, e sendo as televisões regionais factores importantes na cultura dessas regiões, permite uma maior aproximação à tendência política que lidera nessa mesma região, logo, todos os partidos importantes têm interesse em manter este sistema de televisões públicas regionais, o que, a seu ver, não coloca em perigo a independência da televisão alemã face ao poder político e ao Estado. Já para Arons de Carvalho, este consenso político não existe em Portugal, nomeadamente, porque falta uma convicção nacional em relação ao serviço público de televisão, ou seja, a ideia de serviço público não está arreigada na população em geral, além do que, aquilo que socialistas e comunistas pensam em Portugal sobre televisão pública é completamente diferente do que pensam os líderes sociais democratas ou os do partido popular.

 

Para Karl Heinz Klär, a criação do Mercado Comum, assim como o Tratado de Maastricht, concorreram para a tendência de encarar a radiotelevisão como uma mera actividade económica, sujeitando-a às regras do Mercado Comum. Esta ideia, foi rejeitada pelos Länder alemães e por outros Estados europeus, afirmando-se contra a hipótese de que a Comissão Europeia possa regular a radiotelevisão a nível europeu, uma vez que, tal implicaria o desprezo pelas especificidades culturais dos diferentes Estados Membros. Na Conferência Intergovernamental que preparou a revisão do Tratado de Maastricht, a delegação alemã defendeu precisamente esta posição, no sentido de assegurar a existência da radiotelevisão de direito público no futuro, através da garantia da possibilidade de a financiar através de contribuições ou de impostos. Trata-se de impedir que as contribuições e os dinheiros do orçamento de Estado transferidos para a radiotelevisão pública, sejam considerados como subsídios económicos, que não são permitidos no Mercado Comum da União Europeia.

 

Segundo Karl Heinz Klär, existe uma tendência global para a liberalização e desregulamentação do mercado televisivo, tendência essa que se fez sentir na Europa através do Mercado Comum. Não se trata de uma desregulamentação total mas de uma espécie de re-regulamentação europeia que tornou obsoletas muitas especificidades nacionais. Esta evolução é compreensível se atendermos ao exemplo dos Estados Unidos, cujo sistema de radiotelevisão privado é tradicionalmente maioritário. Contudo, na Europa, pelo contrário, a radiotelevisão é originariamente pública, mantendo-se ainda assim em países como a Suíça e a Áustria. Neste sentido, e atendendo à necessidade de uma coexistência pacífica entre sector público e privado de radiotelevisão no contexto europeu, a classe política alemã aceita que a União Europeia intervenha na regulamentação da radiotelevisão, mas enquanto enquadramento geral, cabendo aos Estados Membros adaptá-la às suas especificidades. Logo, a UE poderá elaborar directivas que deixem margem de manobra aos Estados nacionais, ou seja, que permitam que a concretização final se faça a nível nacional.

 

Arons de Carvalho, assumiu que no actual contexto europeu havia necessidade de um quadro legislativo supranacional (relembrando a aprovação em 1989 de  duas importantes convenções a nível europeu: a Convenção do Conselho da Europa sobre Televisão Transfronteiriça e a Directiva da UE sobre a Televisão Sem Fronteiras), dada  a tendência para se acentuar a regulamentação internacional face ao carácter crescente supranacional da comunicação e a consequente necessidade de harmonizar a legislação de cada país. Contudo, de acordo com Karl Heinz Klär, afirmou também que o Estado português tem vindo a apoiar os esforços desenvolvidos no âmbito da Conferência Intragovernamental, no sentido de debater uma proposta de protocolo ao Tratado da União, que salvaguardarde o serviço público de televisão na sua especificidade e no seu financiamento.

 

Por outro lado, a nível nacional, há que assegurar a independência do serviço público de televisão face ao poder político, como referiu: “A televisão do Estado não pode ser a Televisão do Governo”, questão que tem a ver com as estruturas, mas também com os hábitos e com as mentalidades. Segundo observou, existem na maioria dos países europeus, modelos de televisão governamentalizados (em que os Conselhos de Administração são designados pelo poder político), existem modelos parlamentarizados (em que o parlamento influência a designação dos gestores das empresas de serviço público de televisão) e existem modelos de representatividade social (em que os Conselhos de Administração são nomeados por Conselhos de Opinião, em que a sociedade civil está representada e o poder político está minoritáriamente representado). Porém, tende a aderir sem reservas a este último, seguido na Alemanha, sendo que, actualmente a R.T.P. segue uma experiência semelhante, onde apenas o seu Presidente é designado pelo governo, e os restantes cargos foram eleitos por maioria qualificada de 2/3 por um Conselho de Opinião (representativo do conjunto e diversidade da sociedade civil), o que denota já uma alteração de mentalidades, embora ainda não uma alteração das estruturas.

 

Em resposta a um dos assuntos levantados por Paquete de Oliveira, acerca da evolução (no actual panorama televisivo), da existência futura de televisões regionais, Arons de Carvalho declarou julgar prematura a tomada de decisões a esse propósito, embora considere interessante estudar o assunto. Isto porque, com a progressiva acessibilidade tecnológica e financeira, as televisões regionais são inevitáveis, importando colocar um conjunto de questões nessa matéria, a saber: qual será o meio utilizado? O hertziano ou o cabo? Teremos mais rapidamente televisão regional ou televisão local? Haverá mercado publicitário para as televisões regionais? Qual será o papel do Estado em relação às televisões regionais? Deve-se deixar que elas apareçam e desapareçam segundo regras de mercado, ou elas podem nascer ligadas à restante comunicação social regional? Estas e outras questões, a seu ver, ainda não têm resposta, até porque houve uma primeira abordagem ao tema por parte da Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão, que se dividiu profundamente a esse respeito: houve um sector que defendeu a ideia de ensaiar já experiências no sentido de chegar àquilo que será no futuro a televisão regional, e houve outro grupo que rejeitou completamente essa ideia por excessivamente prematura.

 

Ambos os Secretários de Estado manifestaram também a sua preocupação com aquilo que consideram ser uma quebra generalizada da qualidade da programação televisiva, resultante do advento das televisões privadas. Essa perda de qualidade tem-se vindo a manifestar, nomeadamente, ao nível de um abuso excessivo do sensacionalismo, da violência, por um desrespeito pelos direitos dos indivíduos, pelo empobrecimento dos conteúdos dos programas e que, não se regista apenas ao nível da produção dos operadores privados mas, mais preocupante ainda, ao nível do serviço público de televisão. Porém, a sua principal preocupação prende-se com o facto de que, a falta de qualidade da televisão pública põe em causa a própria legitimidade do serviço público, uma vez que, e segundo Karl Heinz Klär, uma televisão pública que não garanta a qualidade da sua programação e se limita a imitar a televisão privada não faz sentido. Assim, há que procurar regular a qualidade da produção televisiva e, no caso alemão, a Comissão para a Investigação da Concentração (KEK) fomentou a instalação de Conselhos Consultivos para a Programação em todos os canais públicos, no sentido de garantir o pluralismo da programação, incentivando igualmente as privadas a instituírem um orgão deste tipo, uma vez que, tal acarreta um controle menos apertado por parte da KEK.

 

No caso português, Arons de Carvalho considera que qualquer ingerência na programação veiculada pela televisão pública, pode pôr em causa as condições de verdadeira independência face ao poder político e ao governo. Porém, existem mecanismos que podem permitir condicionar a programação de modo a evitar excessos lamentáveis, nomeadamente, através do reforço da Alta Autoridade para a Comunicação Social, das suas competências e da sua credibilidade. Por outro lado, através da garantia de independência dos jornalistas e comunicadores em relação à empresa de comunicação em que trabalham, para que estes possam escapar às pressões da sua hierarquia, condicionada por interesses comerciais. E ainda, apoiando um movimento de opinião no sentido de combater estes excessos das televisões, inclusivé o próprio Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas que tem manifestado atitudes de coragem e coerência, na crítica e denuncia de situações extremas.

 

Nesta mesma linha, o tema da violência na televisão foi focado nas duas sessões de trabalho, quer relativamente à utilização abusiva de imagens violentas reais durante os espaços informativos, quer ainda relativamente ao número de cenas de violência a que os espectadores são submetidos através da produção de ficção. Todavia, colocou-se a questão de que uma tentativa de regulamentação nessa matéria não colida com a liberdade de transmissão e de pensamento que as televisões também devem ter, ao mesmo tempo que se reconheceu que pouco se tem feito nessa área e que, apesar de a A.A.C.S. ter estabelecido um acordo com as televisões acerca da sinaléctica a utilizar na adversão de que os programas contêm cenas violentas, tal terá porventura efeitos pouco eficazes, uma vez que, cabe a cada operador avaliar se um programa é ou não violento, registando-se uma disparidade de critérios. Diana Andringa, colocou ainda a tónica, na questão da  informação-espectáculo feita pelas televisões (feita à base de “crimes e de sangue”), estar a provocar o “pânico nacional” da exigência de mais ordem e mais segurança, o que eventualmente pode estar a criar “na população, reflexos anti-democráticos”. Relativamente ao caso alemão, Karl Heinz Klär, referiu que há dois anos atrás as associações mais conservadoras suscitaram um grande debate sobre a violência na televisão, tendo os públicos mais conservadores assumido posições fortes contra a violência e a violação da privacidade dos indivíduos, o que conduziu a que os orgãos de controle das televisões públicas tenham obrigado a alterações na programação, e criado orgãos de auto-controle voluntário, que substituem um pouco a censura directa por parte do Estado, que seria anticonstitucional. Não obstante o reconhecimento de que a violência na televisão é algo de importante a debater, José Manuel Paquete de Oliveira, alertou para o facto de que é necessário contextualizar essas reflexões e não apenas empreender um discurso alarmista, isto é, há que compreender a evolução das sociedades para não cairmos em problemáticas redundantes “como a polémica em torno do sexo na televisão dos anos 50/60”. Por outro lado, chamou ainda a atenção para o facto de que será porventura mais preocupante analisar a violência dos Estados, ou a violência colectiva que é cada vez mais sofisticada, e que por vezes é esquecida por distracções para questões menos urgentes.

 

Ambos os Secretários de Estado fizeram, no entanto, questão de afirmar o seu optimismo face a uma melhoria da qualidade da produção televisiva, que se registou nos últimos dois anos. No caso alemão, reconheceu-se inclusivé que a própria televisão privada encetara um esforço nesse sentido, registando alguns programas de grande interesse. Por seu turno, Arons de Carvalho salientou a distinção visível que já é possível observar entre a televisão pública e a televisão comercial em Portugal, que denotam o esforço que a R.T.P. tem empreendido na melhoria do serviço público de televisão, não obstante haver ainda muito trabalho a realizar até chegar a uma situação efectivamente satisfatória.

 

Todavia, para Arons de Carvalho, neste quadro de mudança, importa discutir qual é o papel que resta ao serviço público de televisão. Em Portugal, a evolução do sector criou uma situação difícil para o serviço público de televisão, que se revela: 1º, numa crise de identidade, devido à tendência para copiar a programação das televisões comerciais; 2º, uma crise de funcionamento, resultado de uma estrutura pesada e burocratizada; 3º, uma crise de financiamento, porque as receitas da publicidade passam a ser repartidas por mais canais e porque o governo anterior cometeu o erro de abolir a taxa de televisão sem assegurar uma forma de financiamento alternativa, e que conduziu à contracção de sucessivos empréstimos bancários e aumentos de capital; e 4º, uma crise de legitimidade, porque sem identidade, qualidade e saúde financeira, a tese da necessidade de um serviço público acaba por ser posta em causa. O reconhecimento desta situação problemática, não justifica, a seu ver, que se ponha em causa a existência de um serviço público de televisão. Ele justifica-se, porque só ele poderá garantir diversidade, rigor e qualidade de programação, além de independência perante o poder político e os interesses privados,  só ele poderá garantir a cobertura da generalidade do território e o respeito pelas minorias políticas, sociais, religiosas, etc. 

 

Outra questão fundamental para o Secretário de Estado português, é clarificar a definição de serviço público de televisão, que, a seu ver, não consiste apenas em programas culturais e formativos, mas visa satisfazer as necessidades informativas, culturais e recreativas dos diversos públicos, não apenas das elites. Deve incluir todos os géneros de programação, desde os mais populares e ligeiros até aos mais culturais ou formativos, devendo, no entanto, pautar-se por regras de qualidade, equilíbrio e moderação, que excluam o sensacionalismo, o desrespeito pelo direito à intimidade da vida privada, pelo direito à imagem, e que proteja os cidadãos de actuações que vão contra princípios e valores fundamentais de uma sociedade democrática. Por outro lado, há que clarificar a questão do financiamento. Com efeito, não se poderá exigir que um serviço público que em breve terá seis canais de televisão, alguns dos quais sem receitas publicitárias, custe menos do que noutros países europeus, uma vez que, a percentagem do PIB consagrada ao serviço público em Portugal é menor que a consagrada na generalidade dos restantes países europeus. Pode-se, isso sim, exigir uma gestão eficaz e transparente, e salvaguardar as regras da concorrência. Ainda nesta linha, saliente-se que, e relativamente ao sistema de financiamento dos media públicos, José Manuel Nunes havia destacado, precisamente, a disparidade existente entre os casos português e alemão, daí resultando que “cada qual tem o serviço público que pode pagar”.

 

Em resposta a Mário Mesquita, que colocara o problema da dificuldade em compatibilizar a qualidade do serviço público com uma não ingerência governamental, Arons de Carvalho salientou que mais difícil era resolver o problema da qualidade e do financiamento da televisão,  que cabe aos directores da R.T.P., uma vez que, estes têm que compatibilizar três questões: 1º a economia dos custos, visto que a R.T.P. não está em condições financeiras de oferecer uma programação que não seja eficaz do ponto de vista das receitas publicitárias; 2º, a questão das audiências, que coloca o problema da eficácia do serviço público, que só fará sentido se tiver uma audiência significativa e 3º, a questão da manutenção da qualidade dos conteúdos televisivos. Os directores de informação e de programas de uma empresa (seja pública ou privada) não podem deixar de prestar atenção ao comportamento das audiências e de estudar atentamente aquilo que são os gostos dos públicos, logo, têm a difícil tarefa de conciliar três grandes objectivos: o máximo das audiências, o máximo de qualidade e, o mínimo de custos. E, segundo alertou Arons de Carvalho, isto não significa que a televisão pública esteja a valorizar a questão das audiências em detrimento da missão de serviço público e da qualidade da programação, mas sim que está atenta à sua real situação financeira e à sua função enquanto televisão pública que é.

 

Este mesmo assunto foi focado, como é natural, pelo próprio Joaquim Vieira, que salientou, precisamente, os condicionalismos decorrentes da conciliação da necessidade de fazer um serviço público eficiente e, por outro lado, a necessidade de ter audiências, uma vez que, as receitas publicitárias são também uma forma de viabilizar o serviço público de televisão. E isto tem tudo a ver com um novo contexto que estabeleceu novos modelos de comunicação televisiva com o público, e que impõe novas linhas de programação e de conceber até a própria estrutura das empresas que se dedicam à emissão de televisão. Por outro lado, há também a questão do brio profissional, no sentido em que será frustrante fazer programas que as pessoas não queiram ver, que rejeitem, daí que haja a preocupação em revestir os programas com características apelativas, dado que, o livre arbítrio do telespectador facilmente lhe permite optar por outro canal.

 

Para Joaquim Vieira, o facto de a televisão pública em Portugal ter dois canais ( à semelhança do que acontece nos restantes países europeus), leva a que não faça sentido que se dediquem os dois à mesma filosofia de programação, uma vez que, devem ter uma complementaridade, daí que a seu ver, a R.T.P. 1 complemente a R.T.P.2 e vice-versa. Logo, as críticas feitas à programação do canal 1 da R.T.P., no sentido de reivindicar conteúdos que se coadunam mais com a filosofia do canal 2, não reflectem o entendimento dessa complementaridade, porque, no caso de ambos os canais terem o mesmo tipo de programação, deixaria de fazer sentido existirem dois canais, bastando haver apenas um.

 

Relativamente à filosofia de actuação de uma televisão de serviço público como é a R.T.P., Joaquim Vieira considera que há que jogar um pouco com aquilo que é a sensibilidade dos programadores, uma vez que, não existe uma definição clara e rigorosa que estabeleça os critérios do serviço público de televisão. Nesse sentido, optou-se por uma linha de programação generalista e popular no canal 1 e, dirigida ao conhecimento e à cultura (logo a um público específico) no canal 2.  A questão do entretenimento é essencial, e é também uma função social da televisão da qual ela não se poderá demitir, até porque serviço público não são só “programas sérios e cinzentos”, e porque o entretenimento corresponde mais ao interesse do público, logo, é fundamental para uma televisão que queira ter um canal aberto de comunicação com o público. Contudo, ao ser popular no canal 1, tal não significa que não tenha também uma componente formativa, que de algum modo provoque a reflexão e faça evoluir o gosto dos telespectadores.

 

Em traços gerais, existe a preocupação de que a televisão de serviço público em Portugal, se dedique a certas matérias que as privadas negligenciam, como certos aspectos da informação, com menos características sensacionalistas, e também programas que se dediquem à cultura, ao conhecimento, à formação, e isto pode ser feito em ambos os canais, embora existam especificidades de um e de outro. No fundo, trata-se de estabelecer padrões de produção televisiva, que deve ter qualidade. Mas, como é que se define qualidade em televisão? Para Joaquim Vieira, aqueles fazedores de opinião que criticam a qualidade de certos programas, estão apenas a fazer reivindicações a partir de noções pessoais sobre a qualidade do serviço público, avaliando apenas os conteúdos e esquecendo-se que a qualidade também deve ser avaliada através da linguagem e dos valores de produção que são investidos num programa. Concretamente, no que se refere aos conteúdos dos programas, também é necessário definir padrões que rejeitem certo tipo de produtos que as televisões privadas exibem, que ofendem a dignidade dos indivíduos e que incutem na sociedade determinado tipo de valores que o serviço público de televisão deve rejeitar. E, por vezes, essa é uma opção difícil, porque se tratam de produtos com muita audiência, sendo necessário definir e encontrar alternativas de programação que concorram pela simpatia da audiência sem cair no “popularucho”, mas que conquiste o público, porque essa conquista faz com que ele também venha a estar disponível para assistir a outro tipo de programação, eventualmente mais exigente e mais consonante com o conceito clássico de serviço público.

 

Por outro lado, sendo verdade que o aparecimento das televisões privadas impôs padrões de programação que sugerem alguma similaridade entre os canais de televisão, salvaguarde-se que o canal 2 da R.T.P. não se inscreve nessa lógica e que, por vezes é também o próprio público que exige essa parecença, uma vez que, a própria R.T.P. o habituou ao binómio Telejornal/Novela, e o público daquela faixa horária é de facto propenso a esse tipo de programação, ficando para mais tarde o público susceptível de aceitar a diversidade, outros tipos de conteúdos. Todavia, dentro do perfil de públicos de determinadas horas é possível “mexer” na qualidade e nos conteúdos, tentando destacar a diferença entre os canais. Como referiu Joaquim Vieira, o programador não é um “iluminado” que sabe o que o público quer ver, mas, o facto é que as sondagens elaboradas denotam resultados enganadores, levando a que se conclua que os portugueses exigem mais programas culturais, mais informação internacional e que rejeitam os programas de entretenimento, o que contraria em absoluto os resultados da audimetria, e Joaquim Vieira sente-se mais tentado a confiar nos relatórios da audimetria do que nas sondagens, onde as pessoas respondem de acordo com aquilo que pensam ser esperado. Neste sentido, os programadores da R.T.P. procuram estar atentos aos sinais da sociedade civil, fazendo uma leitura das reacções do público (via carta, telefone, a crítica e os comentários). Há toda uma leitura do comportamento da sociedade perante a televisão que entra em linha de conta, assim como os princípios orientadores que uma televisão de serviço público deve ter. Uma das provas de que não existe uma total autonomia por parte dos programadores é o próprio Conselho de Opinião da R.T.P., que representa a sociedade civil e que emite pareceres  sobre a programação (embora tenha sido menos activo do que o que seria de desejar), por outro lado, o próprio Concelho de Administração pode avaliar se os programadores estão ou não a programar de acordo com a noção de serviço público e demiti-los da sua função, se assim o entenderem.

 

Em concordância com Arons de Carvalho, também Joaquim Vieira alertou para o facto de que, não se pode alhear a noção de serviço público do problema do financiamento e das audiências. O problema do financiamento é resolvido em Portugal, neste momento, através de um pagamento virtualmente integral de toda a programação da R.T.P., porque daí são descontadas as receitas com a publicidade, uma vez que, a publicidade não consegue pagar todo o serviço público de televisão, logo, é necessário recorrer aos “dinheiros” dos contribuintes. Ainda de acordo com Arons de Carvalho, salientou como agravante o facto de o anterior Governo ter abolido erradamente a taxa de televisão, e neste momento, a seu ver, não haverão condições políticas para retomar o pagamento da taxa, pois como afirmou: “o governo que o tentasse fazer provavelmente cairia no dia seguinte, porque esta é uma questão muito sensível junto da opinião pública”.

 

Por outro lado, com a abolição da publicidade no canal 2 da R.T.P., a programação deste canal deixou de estar sujeita às regras da concorrência directa, mas porém, segundo pensa Joaquim Vieira, haveria um público específico para a R.T.P. 2 e um mercado publicitário que era possível explorar, sobretudo um mercado cultural de publicidade, que usufruía de descontos na ordem dos 90% (virada para as pequenas e médias editoras, os agentes culturais que organizam eventos culturais, etc.) e que neste momento deixam de encontrar espaço na R.T.P. 1, uma vez que a publicidade neste canal também foi reduzida (de 12 para 7 minutos por hora), logo, conduzindo a que se dê prioridade à publicidade que é paga integralmente, acontecendo que neste momento, será mais fácil para os agentes culturais e mesmo para os ministérios ou departamentos governamentais, fazerem publicidade na SIC do que na R.T.P., que não tem as limitações à publicidade impostas pelo Governo.

 

Ainda no que se refere ao financiamento, e em resposta a Pedro Browman que havia colocado em debate os dados estatísticos de 1996, relativos à média dos subsídios públicos para a televisão nos diferentes países europeus, e que colocavam Portugal 82% abaixo da média europeia; Arons de Carvalho fez questão de salientar que tais dados omitiam os aumentos de capital que os anteriores governos e o governo actual fizeram para suprir a insuficiência da Indemnização Compensatória do Estado, o que coloca Portugal apenas ligeiramente abaixo da média europeia em termos de subsídios à televisão pública. Todavia, o Secretário de Estado salientou também, que infelizmente, esta não é uma situação satisfatória, se atendermos para a grande dependência dos cidadãos portugueses relativamente à televisão e que a coloca como um instrumento extremamente responsável do ponto de vista da sua formação e informação. Foi precisamente nesse sentido, que o actual governo assumiu que o Estado deve pagar anualmente uma verba elevada para o serviço público de televisão, assim como deve ter uma lógica de funcionamento diversa dos operadores privados, daí as limitações à publicidade, que se destina a retirar à televisão pública uma lógica concorrencial comercial no sentido de assegurar a competência do serviço público de televisão.

 

Neste quadro, Arons de Carvalho salientou os esforços empreendidos pela A.A.C.S. para combater esta tendência para excesso de sensacionalismo e violência na televisão, a qual estabeleceu, a pedido do governo, um conjunto de contactos com os diferentes canais de televisão no sentido de os levar a dar os primeiros passos no que seria a auto-regulamentação, ou seja, através de uma auto-limitação em relação à própria programação. A título de exemplo discute-se o indicativo apropriado para os programas mais violentos, no sentido de os canais tomarem iniciativa nesse domínio, o que  a surtir efeito, deverá incluir-se na nova Lei da Televisão (“que deverá ser revista após aprovação da Directiva da Televisão Sem Fronteiras, em Junho”), alterações essas que deverão incluir mudanças relativas ao respeito pelas sanções a aplicar aos operadores de televisão que violem alguns dos princípios fundamentais.

 

José Carlos Abrantes lançou ainda a problemática de que a eliminação ou redução da publicidade das televisões poderia ter efeitos algo nocivos, uma vez que, a publicidade tornou-se actualmente um elemento fundamental da vida das sociedades ocidentais e mesmo em termos de cultura audiovisual. Ao que Arons de Carvalho respondeu que: estava de acordo com o facto de que a publicidade também faz parte da programação de uma televisão, mesmo se atendermos a que a publicidade dada a sua criatividade e vivacidade pode ter um aspecto lúdico importante, contudo, julga que era necessário estabelecer diferenças objectivas em matéria de acesso à publicidade entre televisão pública e televisão privada, não apenas pela questão do apoio indirecto a operadores como a TVI que está em situação difícil, mas fundamentalmente, porque isso retira ao serviço público um conjunto de velhas exigências, possibilitando-lhe ter mais liberdade para desenvolver a sua qualidade.

 

No terreno da concorrência entre desiguais, a TVI (representada por José Pedro Barreto) afirmou-se como “o mais desigual dos três operadores de televisão portugueses”. Efectivamente, para este comunicador, o poder da televisão tem vindo a ganhar terreno, uma vez que, ela não só veicula e representa uma cultura, como molda, condiciona e fixa atitudes, impõe códigos, normas e padrões, que se integram no conjunto da massificação das sociedades. Em Portugal ela é a principal referência cultural dos cidadãos, porque veicula, gratuitamente, a quase totalidade da informação e entretenimento, além da sensação de partilha do mundo. A televisão enquanto consequência da democratização da sociedade deixou de ser totalitária, porém, necessita que as massas se revejam nela, logo, está cada vez mais interactiva, e a caução democrática e popular é-lhe dada pela audimetria e pela pretensão de funcionar como uma espécie de referendo do gosto e da vontade dos cidadãos. Neste quadro, ela tende a unificar sociologicamente as audiências e “serve o prato que tem mais saída, condicionando o gosto dos clientes e assim condicionando o mercado”. Sendo, portanto, a lógica comercial a comandar, a situação torna-se complicada dadas as limitações inerentes à divisão do bolo publicitário pelos três operadores de televisão. Assim sendo, a SIC, movida por uma lógica puramente comercial, alcançou o seu lugar na liderança do mercado, enquanto que a TVI ligada a um projecto ideológico chamado de inspiração cristã, e o serviço público de televisão, não se revelam rentáveis no plano comercial. No caso da TVI, existirão um conjunto de problemas que conduziram a actual situação de grande dificuldade, não apenas eventuais defeitos na avaliação dos investimentos necessários, ou erros de gestão, mas também como projecto ideologicamente marcado, que poderá ter condicionado a competitividade da TVI, como afirmou: “vivemos num país que continua a ser culturalmente cristão, mas talvez já não suficientemente católico para sustentar uma televisão privada”, logo, a TVI partiu para a concorrência enredada num dilema: seguir uma lógica de inspiração cristã, com as limitações de conteúdo e de forma, ou uma lógica puramente comercial? Cedo se tornou evidente a impossibilidade de conciliar estes dois objectivos, e o problema acabou por nunca ser resolvido, restando, a seu ver, explorar nichos de audiência que esperam por ser contemplados, assim como, esperar que após uma primeira fase em que as televisões mostraram tudo, e surpreenderam com a inovação, venha uma nova vaga, mais exigente, que rejeite esta receita televisiva (que poderá estar a perder os seus atractivos) e permita a implementação de novas estratégias e novos produtos.

 

Para Fernanda Mestrinho, caberá, com efeito, “a esta geração de telecratas, tentar resistir ao telelixo, tanto na informação como na programação”. Enquanto representante da Direcção do Sindicato dos Jornalistas, e como membro do Concelho Deontológico, esta interveniente salientou o trabalho que este orgão tem vindo a desenvolver no sentido de denunciar a quebra de regras básicas da deontologia dos jornalistas. Segundo referiu, não é apenas a evolução tecnológica que está na base deste panorama televisivo, mas sim a existência de um poder que é atribuído às audiências mas que atribui aos poderes económicos, ou seja, ao diálogo entre os líderes das televisões e os agentes económicos, motivo porque em Itália se discute o redimensionamento da participação dos agentes económicos nas estações de televisão. Salientou que, neste momento não existiam apenas o poder legislativo, executivo e judicial, mas sim mais três poderes: o mediático, o tecnológico e o financeiro, com muito mais poder que os três primeiros. Acontece que o poder mediático dificilmente denuncia casos relacionados com o mundo financeiro enquanto que relativamente ao poder político, o faz sistematicamente, porque: “actualmente quem manda não dá a cara e quem dá a cara não manda”, o que acontece no interior das próprias televisões.

 

Segundo afirmou, com o advento das televisões privadas não se assistiu a uma diversidade da informação mas sim a uma uniformização. Tudo se rege pela venda do produto, porque não se assume que a informação é um bem mas sim um produto, acarretando um efeito perverso no funcionamento dos meios de comunicação social, dando lugar à permissividade, à utilização de uma nova geração de jornalistas que por ambições de carreira ou por ingenuidade, se deixam enredar na nova lógica das redacções. A seu ver, deixou-se de dar notícias, para fabricar e vender notícias. A informação passou a ser puro espectáculo para consumo das massas, a informação é cenarizada, dramatizam-se os factos, esbatendo a distinção entre jornalistas e animadores. Com efeito, “maquilha-se a verdade” e quando se colocam no ar notícias sobre tragédias individuais ou colectivas não se pretende denunciar os factos mas “vender o horror da notícia”. No plano do entretenimento “é de facto a paródia nacional”,  se a SIC é  o expoente máximo da arrogância e da falta de ética profissional, o facto é que as restantes televisões não estão virgens nessa matéria, num constante mimetismo do sensacionalismo da SIC, levando à invasão profunda da vida privada e da intimidade dos cidadãos. Todavia, mostrou-se de acordo com Paquete de Oliveira que alertara para o facto de que não se pode pensar a televisão sem a inserir no seu contexto social, e que não existe nenhuma empresa (seja ela de comunicação ou não) que não trabalhe na gestão de produtos, daí que todos os media estejam a fabricar notícias para vender informação. Porém, tal não tem que ser necessariamente perverso, porque a questão vira-se para as práticas e rotinas da produção de informação, cabendo aos próprios jornalistas um importante papel nesse sentido. Mas, para Fernanda Mestrinho, a venda da informação deve ser pensada ao nível dos departamentos comerciais, através de promoções interessantes e não ser instalada nas redacções condicionando totalmente o tipo e a forma desse produto informativo e inclusivé os critérios de noticiabilidade.

 

 José Pedro Barreto fez também questão de sublinhar que se de facto se fabrica e se vende informação, isso não significa que o mercado gere, necessariamente, perversões, porque o mercado também gera qualidade e pluralidade, e que o simples facto de se embelezar a informação não quer dizer que ela não seja verdadeira, ou nas suas palavras: “muitas vezes o embrulho facilita a venda do produto mas não quer dizer que o produto seja de menor qualidade”.

 

Para Fernanda Mestrinho, no que respeita ao “jornalismo de investigação” sucedem-se os erros, porque já não se faz investigação séria, que esteja segura dos factos. Como afirmou, tal não significa que tenha uma visão fossilizada ou institucionalizada desta matéria, admitindo a introdução de eventos de entretenimento no seio de um programa sério. Porém, para que a investigação jornalística possa ser boa e vender bem, para ser arriscada, competitiva e agressiva, não quer dizer que ela não possa ser também rigorosa, respeite os direitos individuais dos cidadãos e os princípios éticos. Estas observações, surgiam no seguimento de uma reflexão de Pedro Browmam, o qual sugeria que as questões polémicas suscitadas pelo chamado “jornalismo de investigação” em Portugal seriam bem menos problemáticas do que as suscitadas por outras televisões europeias no contexto da concorrência, e que seria porventura menos nocivo fazer um jornalismo de investigação como a SIC tem feito (de cujo rigor o orador também duvida), do que não existir de todo um “jornalismo de investigação” ou um jornalismo polémico, como lhe chamou. Todavia, Fernanda Mestrinho manteve a sua posição de que o jornalismo deve conservar a sua objectividade e veracidade, além do que, a questão da fusão de papeis (fomentada pelas direcções de informação e pelas administrações das televisões) entre jornalistas e comunicadores, serve propósitos que visam retirar aos jornalistas o espartilho das regras deontológicas, e que os passem a considerar como um sub-departamento de uma área genérica da programação e da informação, levando a que os jornalistas fiquem limitados ao trabalho dos telejornais e sem margem de manobra para fazerem grandes programas de informação.

 

Outra das linhas de debate desta conferência relacionou-se com a questão de a televisão estar, em quase todos os países europeus, a perder telespectadores, ou seja, a ver reduzido o número total de telespectadores na audiência, colocando-se a questão de que este facto poderia denotar uma desilusão com a programação televisiva em geral (em especial com o mimetismo de que os canais são acusados), onde um significativo grupo de consumidores de televisão não se sentia retratado ou identificado com as actuais estratégias de programação. Neste ponto, quer Paquete de Oliveira, quer José Jorge Barreiro foram unânimes em considerar que a resposta a esta questão envolveria um nível maior de complexidade, e um vasto enredo de argumentos, nomeadamente, na questão das novas ofertas culturais, ou seja, o facto de existir a aquisição de públicos noutros contextos, públicos que vão ao encontro de outros meios culturais, quer sejam a internet e os novos serviços electrónicos de informação, quer seja a própria televisão por cabo ou por satélite, e que implicam o estabelecimento de um novo reequilíbrio no próprio sistema dos media, cujo mercado está a evoluir (não obstante o peso que a televisão hertziana continua a deter).

 

A mesma questão suscitou reflexões aos “fazedores de televisão” ali presentes, embora, Joaquim Vieira considerasse que ainda não existiam indícios de que o público de televisão em Portugal esteja a decrescer (embora prevendo que tal venha a acontecer em breve). Todavia, todos eles consideraram que este fenómeno em si não seria muito preocupante, especialmente se tal significar que as pessoas estão menos dependentes da televisão e mais permeáveis a outros modos de lazer e de informação, nomeadamente, aos meios culturais tradicionais e às novas tecnologias. Quanto à preocupação suscitada por Fernanda Mestrinho, enquanto representante do S.J., acerca da possibilidade de esta deslocação nos consumos (quer para programas de entretenimento, quer para novas ofertas culturais) poder envolver um acréscimo do desemprego dos jornalistas; tanto José Pedro Barreto como Joaquim Vieira se revelaram mais optimistas, considerando que com a diversificação dos meios de informação, também os jornalistas aí encontrarão ofertas de emprego onde se integrar, além do que a existência de canais especializados em informação, também constituirão alternativas de integração dos jornalistas, havendo apenas reajustamentos no actual mercado de emprego desta classe de profissionais.

 

José Jorge Barreiros, lançou ainda para debate a questão do novo contexto e, das  especificidades de exercício da actividade dos profissionais de televisão, salientando, inclusivé, a dificuldade em compatibilizar as novas possibilidades tecnológicas e as novas lógicas que orientam a produção televisiva, com as tradicionais rotinas produtivas e orientações deontológicas. Ora, para Fernanda Mestrinho, este assunto é importante, porque permite denunciar que neste momento, existem muitos profissionais que não se sindicalizam precisamente para não estarem vinculados ao espartilho da ética, e que a classe profissional sindicalizada também se insurge, por vezes, contra algumas decisões da direcção do sindicato, nomeadamente, no campo da incompatibilidade em participar em campanhas publicitárias. Ao mesmo tempo que, se dá uma utilização abusiva dos profissionais mais jovens (nomeadamente do sexo feminino) em questões ligadas à utilização da sua imagem e à produção de materiais de qualidade duvidosa.

 

Joaquim Vieira fez ainda questão de abordar um dos assuntos propostos pela organização da conferência, e que dizia respeito a uma perspectiva futura de conciliação ou cooperação entre televisão pública e televisão privada, no sentido de uma coabitação pacífica dos diferentes operadores e no sentido da melhoria da qualidade da produção televisiva. A este respeito revelou o seu profundo cepticismo, considerando que qualquer acordo de princípios resultaria em desrespeito na aplicação prática, uma vez que, existem concepções muito diferenciadas e inconciliáveis sobre a qualidade da programação, de uma estação para outra.

 

Para finalizar, há ainda que referir que Artur Ramos, procurou lembrar que no plano da programação, o género ficção tinha sido englobado no entretenimento, tendo ficado esquecido enquanto veículo importante na fixação da democracia, ou seja, que como criação a partir de realidades de um país e com facilidade em captar a atenção dos públicos, também ajuda a fixar valores e a influenciar atitudes. Porém, a seu ver, a televisão portuguesa tem involuído nesta matéria, tendo uma fraca produção de ficção, cabendo também ao Estado, empreender medidas para incrementar e financiar a produção deste género televisivo. Arons de Carvalho, por seu turno, procurou incluir esta questão na preocupação do Estado em apoiar o desenvolvimento das indústrias do cinema e do audiovisual, reconhecidas como actividades económicas equiparadas a outras e, em matéria de ficção televisiva, o próprio Contracto de Concessão, impôs mínimos exigíveis em relação à produção de ficção por parte da R.T.P., mesmo sabendo que isso iria encarecer ainda mais a produção da televisão pública.

 


CONCLUSÕES, IDEIAS E ANÁLISES

 

 

O presente capítulo deste documento pretende ser, menos o relato das opiniões veiculadas nesta Conferência e mais uma exposição das reflexões sobre os assuntos ali debatidos, segundo ideias e análises enquadradoras e genéricas acerca das problemáticas em foco.

 

No que se refere à primeira parte da dita conferência, será importante notificar algumas considerações tecidas por José Manuel Paquete de Oliveira, que sublinhou algumas coincidências ao nível dos dois Estados aí representados, por um lado, no que concerne ao passado histórico que denuncia a utilização da televisão como instrumento de propaganda do fascismo e, consequentemente, as preocupações recentes em garantir a independência deste importante orgão de comunicação face ao poder político, no sentido de concorrer para o alargamento do seu espectro de influência no estabelecimento e manutenção dos Estados democráticos. Por outro lado, considera-se também esforços para assegurar as especificidades inerentes à própria natureza deste medium de comunicação, e ainda a necessidade de assegurar as especificidades culturais e comunicacionais de cada Estado Membro no âmbito de uma supralegislação de dimensão europeia no terreno da televisão, especificamente no que respeita às regras de funcionamento e de financiamento deste medium.

 

Ainda a este nível, a comunicação de José Jorge Barreiros, foi bastante elucidativa, sistematizando algumas questões fundamentais (até como intervenção final e englobante de toda a conferência). Como referiu, tratou-se de um debate muito direccionado para as questões mais actuais em matéria de televisão e, voltado para os problemas concretos do caso português e dos canais de televisão portugueses, tendo sido, porventura, menos aprofundado no que concerne às transformações operadas ao nível do mercado (que se vão registar num futuro próximo).

 

Assim sendo, considerou importante reflectir que o que está em causa é o modelo empresarial e económico das instituições que fazem televisão, instituições essas voltadas para modelos de funcionamento e perspectivas empresarias desadequadas ao novo contexto. No caso da R.T.P., e enquanto empresa pública, está dimensionada para um contexto que já não existe, e o problema não é apenas o de ela ser viável hoje, é que ela tem uma herança que não é capaz de resolver facilmente, sendo esse o seu primeiro estrangulamento. Trata-se da necessidade de um novo enquadramento empresarial, porque já não é apenas a questão das novas tecnologias que está a perturbar a sua eficácia, mas é sobretudo a questão dos novos públicos, das novas modalidades de consumo e a questão do lugar da televisão enquanto medium cultural.

 

A este respeito, importa salientar  uma das principais questões suscitadas neste debate, a saber, a ideia segundo a qual é difícil conciliar “o interesse do público com o interesse público”. Com efeito, parece-me haver uma certa incompatibilidade entre a defesa de uma lógica de mercado que também se associa aos operadores públicos de televisão (nomeadamente no que concerne a produtos que cativem a atenção dos públicos) e, a emissão de conteúdos associados à noção tradicional de serviço público. Isto é, saber como gerir a relação que se estabelece entre aquilo que a audimetria diz ser de interesse do público e aquilo que são as concepções da vocação cultural e formativa da televisão segundo o conceito de serviço público. Trata-se, no fundo, de clarificar as regras de relacionamento das empresas públicas de televisão com o mercado, que tem sustentado, no plano dos conteúdos, a negligência da missão substantiva de serviço público, e que em termos globais, tem estendido uma crise de identidade a toda a comunicação social.  Fernanda Mestrinho focou a mesma ideia mas considerando que existe mesmo “uma confusão entre interesse público e interesse do público” e dando relevo ao facto de as televisões actualmente só se preocuparem em responder àquilo que pensam ser o interesse do público. Contudo, para Arons de Carvalho, se este foi um dos primeiros reflexos negativos do aparecimento das televisões privadas, actualmente tem o reflexo positivo de ter obrigado a televisão pública a procurar distanciar-se destas estratégias e a tornar-se mais pluralista e independente, porque o canal público sente necessidade de ter maior eficácia, maior capacidade de resposta e de perceber melhor as necessidades da audiência.

 

Todavia, para José Jorge Barreiros, há também que considerar que a televisão está a inscrever-se num novo contexto da oferta e aí encontra dificuldades, por um lado, porque ao abrir-se ao mercado, a “Neotelevisão” não diversificou mas sim criou novos públicos, “enfocou o público de televisão num novo público que muitos consideram nivelado por baixo”, contudo, ele está é nivelado como um target de marketing. A televisão passou a fazer-se segundo a lógica de marketing porque passou a seleccionar públicos, a configurar produtos para esses públicos e, aquilo que seria a visão anterior de responder a um serviço aos públicos, no sentido de facultar algum nível de educação e de cultura, passou a ser um objectivo menos reflectido, “isto não significa que este objectivo não exista de todo, porque provavelmente para alguns públicos ainda funciona, e porque a televisão continua a ser o medium mais democrático, uma vez que, responde melhor aos públicos que não tinham voz. O problema é que como meio cultural é parcelar, isto é, para conseguir representatividade democrática perde aquilo que era a sua função tradicional”.

 

Daí ser necessário pensar como re-regular, já não apenas no sentido legislativo ou legal, mas também em termos de modelo de funcionamento. Segundo José Barreiros há que considerar que, o mercado também tem vantagens e não tem só inconvenientes: a competição no mercado pode constituir uma alavanca para introduzir inovação, porque o mercado tem uma vertente de mercado concorrencial no sentido económico, mas também de competição de projectos, de pontos de vista e de estratégias. E, o que parece faltar é visão empresarial que enquadre no novo contexto aquilo que são as novas apostas e os novos desafios que o audiovisual (no quadro de uma redefinição das tecnologias de informação que está em curso) vai ter que defrontar. Na mesma linha, José Manuel Paquete de Oliveira alertou também para o facto de que “a dicotomia televisão pública/televisão privada, já não faz sentido, uma vez que, a televisão actualmente obedece a regras que muitas vezes estão acima de qualquer projecto ou intenção”.

 

Segundo uma das linhas de debate, começam a detectar-se os primeiros sinais de quebra da audiência total de televisão, um decréscimo do número total de pessoas que vêm televisão. Todavia, para José Barreiros, esse tema pode propiciar imensas discussões sobre se esses consumidores deslocam a sua atenção para novas ofertas culturais (para o cabo, para a Internet, etc.), mas o importante era ver respondida a questão do que é que os públicos pensam da televisão que têm, uma vez que, as audimetrias surgem como sistemas imperfeitos nessa avaliação, não tendo sequer tais objectivos.

 

Quando este orador defende a dimensão empresarial, considera que no novo contexto da “Neotelevisão”, o contrato que preside  ao serviço público mudou radicalmente ou, pelo menos, devia mudar. Mudou porque a anterior noção de serviço público assentava na ideia de o Estado fornecer um serviço como a electricidade ou o abastecimento de água às populações, uma vez que, se equacionava a televisão como um bem público, daí resultando que, frequentemente, o serviço público fosse um serviço dos governos e não um serviço para os públicos. Este é o motivo, inclusivé, pelo qual considera que “essa noção não interessa a ninguém, nem mesmo àqueles que defendem a manutenção de um serviço público de televisão”. O que importa compreender, é que num contexto de mercado, o serviço público deve ser entendido como um serviço aos públicos. Não no sentido de oferecer apenas aquilo que se pensa que os públicos gostam, mas, compatibilizando o serviço aos públicos com o interesse público.

 

Esta não é, a seu ver, uma questão de fácil resolução, porque depende do posicionamento de cada interessado e envolvido nesta problemática, mas é a sua resposta que permitirá encontrar um ponto de apoio para o que deve ser a televisão em geral e, sobretudo, como deve ser o serviço público de televisão, que parece fazer ainda todo o sentido, mas que adquiriu um novo papel que é o da compensação do mercado. Segundo José Barreiros, resta saber se será possível ao serviço público de televisão compensar os previsíveis ou possíveis disfuncionamentos do mercado? Quando os problemas se colocam na perspectiva das regras deontológicas, dos conteúdos e da programação, a intervenção não só é difícil como pode ser perigosa. Todavia, o que o serviço público pode fazer é acrescentar diversidade, não apenas no sentido de pluralismo democrático mas sobretudo no sentido de uma oferta alargada aos diferentes interesses públicos, não só na informação (na dimensão mais política) mas no sentido do entretenimento e dos diferentes níveis de cultura.

 

Ainda no que se refere às questões relacionadas com a deontologia, parece-me fundamental inserir aqui uma perspectiva debatida mas pouco reflectida e que se prende com a subordinação da actividade dos jornalistas à arbitragem do mercado. Com efeito, e segundo Mário Mesquita[10], o facto de os jornalistas trabalharem, regra geral, por conta de outrém, concorre para que a sua adesão aos códigos deontológicos não seja suficiente para assegurar a sua efectiva aplicação, uma vez que, depende de uma instância interposta entre jornalista e deontologia -  a empresa de comunicação. Isto significa que o poder de decisão do jornalista está condicionado, por um lado, pela lei («a teoria dos deveres profissionais») e, por outro lado, pelas orientações estratégicas definidas pela empresa para quem trabalha; o que gera, necessariamente, uma relação difícil entre as suas convicções profissionais e o interesse das empresas, que é mais poderoso que qualquer regra deontológica. Esta situação, terá ainda o efeito perverso, de levar certos profissionais de comunicação a tomar a deontologia como inútil ou mesmo prejudicial à sua evolução na carreira, nomeadamente, aqueles que trabalham para empresas que valorizam a informação apenas enquanto mercadoria e desprezam totalmente a dimensão da credibilidade, instrumentalizando a própria deontologia de modo a que funcione como uma espécie de auto-defesa contra a ameaça de medidas repressivas ou a tomar por via legislativa, como afirma: “dir-se-á que a deontologia será útil se for encarada enquanto mero instrumento de adequação dos objectivos empresariais aos constrangimentos impostos pela legislação”[11].

 

Esta problemática, remete também para que se considere a relação entre a televisão e o seu  público, no sentido de que as suas preferências ou gostos não surgem dissociadas daquilo que lhes é oferecido, uma vez que, a televisão enquanto importante mediador social, não traduz apenas as apetências de uma organização social, como as influência determinantemente. Daí que, e em concordância com José Barreiros, seja pertinente encarar os profissionais de comunicação como representantes de uma actividade de grande impacto público que implica um tipo específico de responsabilidade e de ética. Se não lhe cabe a função de “educador dos povos” nem tão pouco a capacidade de se substituir às instituições, deve, no entanto, gerir os produtos informativos ou formativos ao seu dispor não apenas para os “vender”, mas em consciência do modo como estes podem afectar uma formação social, cabendo-lhes um papel determinante na evolução da cultura de uma sociedade.

 

Para José Jorge Barreiros, a questão de um novo contrato de serviço público é central na discussão daquilo que deve ser o espaço das televisões que se inscrevem como serviço público, porque permite redefinir os constrangimentos e limites que também se devem introduzir nas televisões de serviço privado, isto é, discutir a re-regulamentação e construir um novo modelo em que se atribui competências a cada uma das partes e que, respeitando o pluralismo e a iniciativa empresarial, seja também capaz de corresponder a interesses plurais e diversos. Para que isto seja conseguido, sugeriu que se pense no sector da informação e da comunicação como uma indústria, no sentido de reorganizar os grupos de comunicação para que estes sejam capazes de rentabilizar os mesmos conteúdos em diferentes suportes, ou seja, permitir que eles sejam rentáveis e possam, simultaneamente, fazer um upgrade cultural desses conteúdos, porque permitem investimentos que os tornem mais interessantes.

 

Como referiu, actualmente não está só em causa o modelo de serviço público (porque até o modelo SIC parece ter limites, uma vez que, ele próprio se está a refazer constantemente), mas o facto de que, como resultante de tendências de mudança tecnológica e de mudança social, o serviço e o mercado de televisão no contexto do mercado de oferta dos media, está a evoluir e, a primeira condição para que ele possa ter outros contornos, não é apenas pela via da defesa do princípio da pluralidade, da democracia e da participação, mas pela via de uma nova forma empresarial, onde o próprio serviço público se tem que posicionar no mercado, não com o objectivo do lucro mas com o objectivo de concorrer viavelmente (com quotas de audiência que não devem ter a preocupação de ser líder mas que sejam suficientemente interessantes para se justificarem).

 

José Barreiros quis ainda salientar, que “as críticas que se movem contra as televisões públicas ou privadas, vão continuar, porque enquanto não se reconverterem empresarialmente, e por mais boa vontade que tenham os seus responsáveis, terá sempre uma resposta limitada, no sentido de justificar porque não resolveu aquilo a que se propôs. Porque, o que acontece é que, num modelo onde coabitam duas televisões similares, haverá sempre uma que assume a liderança, e a privada tem mais meios para o conseguir, não só porque é nova e dinâmica, mas porque não tem a herança deixada à R.T.P”.

 

Sobre a dimensão cultural da televisão e sobre a televisão enquanto novo medium, José Barreiros advertiu que: há que perceber  que se relaciona a importância deste medium com o facto de ser o que mais pessoas atinge, mas, a televisão como existe hoje já é um medium cultural muito importante, ou seja, quando certos públicos preferem certos conteúdos, a questão que se deve pôr não é a da televisão, mas sim de cultura e de sociedade. O que é preciso discutir é o papel que a televisão pode ter para alterar a actual situação em que está envolvida e isso assumindo que existe alguma intenção de mudança. O debate não deve ser: os públicos não têm qualidade, mas que, enquanto questão de cultura e de sociedade, qual é o espaço, o que é que é preciso fazer à televisão para que ela possa promover e intervir na mudança desta sociedade e desta cultura, e pôr de lado a ideia de televisão como educadora. É necessário fornecer diversidade de conteúdos e apostar neles, criar públicos, produzir públicos de qualidade diferente, ou seja, inscrever-se diferentemente nos interesses dos públicos. A grande aposta das televisões de serviço público e das televisões privadas que tenham como referência algum nível de satisfação das necessidades do público, deve conjugar o interesse do público com aquilo que deve ser algum patamar de upgrade, de actualização, de inovação, que permita trazer esses públicos para novas questões, para novas abordagens, para uma experiência cultural mais enriquecedora.

 


REFLEXÕES FINAIS

 

Associa-se a situação de dependência económica da televisão face ao mundo publicitário à deterioração e escassa diversidade da programação televisiva, enquanto resultante da abertura da televisão à iniciativa privada. Donde, advém a ideia segundo a qual as televisões assumem plenamente o seu papel de empresas, visando uma gestão virada para o lucro económico. A liberalização e comercialização das televisões em Portugal (num contexto usualmente considerado de recessão económica), teve repercussões significativas no campo da comunicação social, daí resultando que em matéria de televisão, os patrocínios e a publicidade se venham a tornar vitais para a viabilidade económica das empresas de comunicação, estabelecendo-se um jogo de forças em termos de audiências televisivas que passa a ser mediado pelo investimento publicitário. Muitos consideram então, que em Portugal, em matéria de comunicação social, a maioridade dos meios de comunicação social cede lugar à menoridade perante o poder económico, logo, as leis da publicidade passam a ser as leis da televisão, sobretudo no que respeita à distribuição do espaço publicitário no prime time televisivo. O poder económico impõe uma nova lógica às grelhas de programação televisivas que assentam em programas que permitem gerar maiores níveis de audiência, e por conseguinte maiores receitas. Trata-se de uma intromissão indiscriminada do poder económico no campo dos media, que corresponde, socialmente, à identificação da liberdade com o consumo.

 

Esta situação de dependência da televisão face à publicidade tende, também, a ser associada à concorrência frontal e desconcertada pelas maiores quotas de audiência, entre os diferentes canais que compõem o panorama televisivo português, acontecendo no entanto (e apesar dos supostos “dumpings publicitários”), que os custos da publicidade televisiva em Portugal permanecem muito elevados, o que todavia, não parece ter afectado o número de anunciantes, nem sequer provocado a anunciada dissolução de um dos quatro canais (pelo menos por enquanto), o que não significa que, apesar das avultadas receitas publicitárias, as televisões não continuem a ter grandes dificuldades de ordem financeira.

 

A liberalização do espaço mediático e a comercialização da televisão, contribuíram para debilitar as tradicionais concepções sobre os media e sobre as suas funções, traduzindo-se em transformações significativas no âmbito da publicidade[12], no financiamento do sector e na imposição de uma lógica da “maior audiência”. A dependência da publicidade geralmente significa uma procura frenética de fórmulas de maximização de audiências. E esta procura de audiências significa o reforço da função de entretenimento da televisão. Esta poderosa fonte de receitas da televisão relacional, não se contenta com nobres aspirações culturais, nem com ambiciosos projectos de formação da opinião pública, mas antes preocupa-se com os produtos que pretende colocar no mercado.

 

Estas considerações concorrem, globalmente, para a aceitação da tese da convergência entre a programação dos operadores públicos e privados de televisão, e para o reconhecimento de que a opção comercial do operador público tem como objectivos: “a preparação para o embate das futuras estações privadas de televisão e o aumento substancial de receitas realizadas através da publicidade (...) intensificar a componente recreativo-espectacular de forma a elevar os índices de audiência e criar uma maior apetência popular pelas emissões da R.T.P., num período em que se avizinha a concorrência das televisões privadas e das televisões por via satélite”[13]. Segundo Nelson Traquina, estas considerações, traduzem preocupações ao nível do papel atribuído à televisão pública, uma vez que, os dados que analisa (com base na programação da semana de 5 a 12 de Abril de 1993 em todos os canais de televisão portugueses e segundo as variáveis: tempo de emissão, géneros televisivos e país de origem dos programas), sugerem o incumprimento dos critérios essenciais da concepção de televisão de serviço público, ligado à vocação cultural, no sentido de ser “um empreendimento cultural. As empresas televisivas eram encaradas como uma parte do sector da sociedade que era responsável por gerir e disseminar a sua riqueza linguística, espiritual, estética, e ética”[14] e ainda de fazer partilhar “não só a diversão e a distracção, mas também as representações dos padrões de comportamento, o enquadramento das problemáticas, os conflitos e dilemas morais que são característicos da sociedade”[15].

 

Na análise que elabora[16] no sentido de estudar esta possível similitude, Nelson Traquina identifica, entre outras, as seguintes tendências: a primeira, diz respeito ao tempo total de emissão, onde os canais públicos se sobrepõem determinantemente aos operadores privados, denotando-se que a análise diacrónica demonstra que o aumento do tempo de emissão no operador público continuou a crescer nos anos que precederam a liberalização da televisão, numa clara resposta à iminente concorrência e como meio de fidelizar as audiências; a segunda, conclui que a programação televisiva portuguesa, tem conhecido uma ampla convergência entre operadores públicos e privados, com o reforço da função de entretenimento televisivo, e, nomeadamente, que a televisão pública cumpre melhor a função de entretenimento do que a privada, tendo uma programação mais comercial e sendo ultrapassada pelos seus concorrentes em relação à função informação, considerada um dos géneros mais importantes do conceito de serviço público; a terceira, relaciona-se com o facto de se encontrar uma maior ponderação de produção estrangeira nos operadores privados e mais produção nacional na televisão pública, embora privilegiando quase apenas os géneros mais fáceis e que exigem um menor esforço financeiro[17], como os concursos e os talk-shows; a quarta refere-se ao peso do género telenovela na programação televisiva portuguesa, nomeadamente, as brasileiras, que confirmam a influência das afinidades linguísticas na circulação internacional de produtos televisivos.

 

José Rebelo, tende a concordar que, pelo menos no plano dos conteúdos dos outputs televisivos portugueses, se observa uma clara aproximação entre o canal 1 da televisão pública e uma televisão privada como a SIC, manifestada pela “mesma busca do sensacionalismo fácil. A mesma tentação de resvalar para programas de gosto duvidoso inspirados num rudimentar voyeurisme que em França merecem epítetos de télé-poubelle ou télé-délation.(...) A mesma «sponsorização» excessiva e, por vezes, pouco transparente”[18].

 

Para este autor, as análises que empreendeu revelam um fascínio pela “Neotelevisão” por parte dos diferentes operadores (públicos ou privados) portugueses, com vista à conquista ou manutenção das audiências, e impondo aquilo que se pensa serem as expectativas e os gostos televisivos dos portugueses, jogando-se com estratégias que visam a cumplicidade e a comunhão entre o “enunciador” e o “enuncitário”, das quais se destacam: o olhar constante do apresentador para o público presente/ausente; a presença de público nas emissões como presença simbólica e simuladora do público ausente (que assume um papel mais ou menos activo consoante o caso); a presença de público nas emissões como principal protagonista; a presença mediatizada do público que, telefonicamente, intervém no curso do programa; o recurso frequente ao directo que se alia à prática do vedetismo[19]: “Essas vedetas do audiovisual (...) são ícones de uma religião pós-moderna, sem fé nem lei, em que o simples facto de aparecer no ecrã legitima a pertença a uma raça de eleitos, aqueles que possuem o raro privilégio de serem (re)conhecidos numa sociedade onde o anonimato e a standardização constituem traço comum”[20]. De salientar ainda, que o autor observa que esta “Neotelevisão” é a dos gestores, programadores, directores financeiros e publicitários, e não mais dos criadores e dos realizadores como a “Paleotelevisão” dos anos 60-70, obedecendo a critérios de maximização de audiências, “trilhando caminhos que conduzem, parafraseando Baudrilard, à «menor cultura comum», a R.T.P. será menos uma televisão pública e mais uma televisão comercial do Estado”[21].

 

José Rebelo, vai ainda mais longe colocando-se uma tripla interrogação: “que futuro para o serviço público de televisão quando confrontado com uma televisão comercial? Qual a influência da concorrência nos conteúdos da programação e da informação? Qual a resposta do mercado de publicidade às solicitações de quatro canais generalistas?”[22]. Ora, no intuito de caracterizar as origens do processo de abertura da televisão à iniciativa privada, o autor, volta atrás, e relembra que: no período pós-revolucionário, a televisão pública portuguesa foi alvo de críticas manifestadas por um vasto espectro político, que exprimiu, em momentos diferenciados, o seu descontentamento face à orientação da R.T.P. Logo, a criação de televisões privadas surge, neste contexto, como a alternativa viável, apoiada por uns e pouco contestada por outros.

 

Nesta área, o projecto SIC previa poder (a curto prazo) conquistar a primazia e concorrer em pé de igualdade com o principal canal da televisão pública, abrindo caminho para a ideia de confrontação entre  um modelo de televisão pública enquanto sinónimo de manipulação política e de um modelo de televisão privada enquanto sinónimo de independência.

 

A ocorrência desta “declaração de guerra” entre os operadores públicos  e privados de televisão portugueses, deu início a um cenário de reciprocidade de críticas de mimetismo e levantou a questão da função de serviço público. As suas consequências, segundo o autor, manifestam-se ao nível de uma exaustiva e inédita cobertura televisiva dos acontecimentos políticos nacionais e internacionais; na proximidade ao “país real” sendo ele próprio tematizado exaustivamente; no acréscimo de transmissões de encontros de futebol, com a respectiva profusão de câmaras que mostram ângulos absolutamente desconhecidos; na “guerra das telenovelas” que solicitam a atenção do telespectador para optar entre dois produtos semelhantes; na banalização do erotismo; na frequência do sensacionalismo, do apelativo, mediante, inclusivé, a apropriação do efeito de choque provocado pelo “escabroso”; na alteração da concepção da qualidade informativa, onde a autenticidade e a exclusividade dão lugar à “descarga de adrenalina que a informação provoca no telespectador”; na preocupação em organizar o espectacular, de tematizar as notícias de maior carga emotiva.

 

O que sucede é que, no desenvolvimento dos projectos sujeitos a candidatura, se assiste à defesa do princípio da desregulamentação dos media, argumentando-se  que enquanto actividade privada, a televisão deverá libertar-se dos condicionalismos legais. Os operadores privados preocupam-se apenas em responder ao público, tomado como fundamental para delinear as tomadas de decisão e para ajuizar o sucesso ou insucesso das suas iniciativas.

 

Não obstante o reconhecimento, por parte de José Rebelo, de que a privatização do sector veio aumentar a pluralidade da informação, inovar e até ousar; esta permitiu, essencialmente,  alargar o espaço discursivo, levando a que  concorrência acelerasse o “concentracionismo e a internacionalização de que a imprensa escrita já vinha sendo objecto”[23]. Neste sentido a televisão não pode ficar sujeita ao livre arbítrio dos operadores, porque é o maior medium de massas e como tal invade a esfera da vida privada, criando hábitos e expectativas, resultantes de um processo alheio à vontade explicita dos sujeitos. Por motivos de ordem cultural, e atendendo a que Portugal é dos países da Europa em que mais tempo de televisão se vê por dia, e constituindo esta o único meio de divertimento e informação para vastos segmentos da população, preenchendo quase totalmente os seus espaços de lazer, é necessário salvaguardar a sua influência na configuração das tomadas de decisão e na formação da opinião dos indivíduos: “E conclui-se que a presença totalizante da televisão, qual grande olho perscrutando em permanência o mais escondido lugar do planeta, impõe uma nova hierarquia dos media, assim como uma nova relação entre media e jornalistas. Só existe o que passa na televisão. E o que existe só existe como passa na televisão”[24].

 

Convém salientar, que os estudos dos dois autores que anteriormente cito, são, evidentemente, muito datados, correspondendo ao período embrionário do processo de liberalização das televisões em Portugal e, sem sombra de dúvida, qualquer análise mais cuidadosa à programação actualmente exibida, deverá encontrar diferenças substantivas das considerações por eles avançadas, decorrentes das constantes transformações e do “perpétuo movimento” em que o sistema dos media é envolvido. Todavia, de um modo genérico, esboçam claramente as “reacções” a um “novo pacto de comunicação” e, permanecem actuais enquanto perfil de uma situação cujos traços essenciais são ainda hoje extremamente vincados.

 

Retomando o que foi dito, há ainda a considerar que os profissionais de televisão não vivem da privacidade e da confidencialidade, eles animam um medium de massas cuja existência se funda na sua vasta e disseminada audiência, isto é, que visa o grande público, e não é possível pensar o objecto televisão sem pensar igualmente o seu motivo de existir - o grande público ou o público de massa. O grande público surge assim como o mote que justifica todas as opções em termos de actividade televisiva,  que justifica a imagem dos canais e a própria paisagem audiovisual. Mas o que é que se entende por grande público? O próprio conceito implica uma abordagem quantitativa, no sentido de que evoca uma massa relativamente indiferenciável, inapreensível e anónima. Para Michel Souchon existe, efectivamente, uma relativa homogeneidade do público televisivo, uma vez que, todos os telespectadores vêem um pouco de tudo, mesmo aquilo que à priori não pareça adequado às suas características sociográficas, logo, existe um público televisivo global cuja particularidade consiste apenas em ser mais idoso do que a população no seu conjunto. Todavia, mesmo que diminutas, as dissemilhanças existem, e observa-se que determinadas camadas da população televisiva têm tendência a aderir mais ou menos a diferentes tipos de emissões, e que a diferentes períodos horários correspondem diferentes franjas da população, implicando que a “sociografização” pese determinantemente na escolha de emissões, embora essas  variações não sejam claramente distinguíveis.

 

Para Dominique Wolton, e do ponto de vista dos “fazedores” de televisão, conhecer esse parceiro complexo e misterioso surge como uma dolorosa preocupação, embora a força da televisão generalista assente precisamente nessa incerteza, em nunca se saber verdadeiramente quem está do outro lado do écran e porquê, uma vez que, por mais aperfeiçoadas que sejam as técnicas de apreensão das audiências, a questão do grande público permanece actual, visto que este não é cativo mas difuso e de grande mobilidade. Embora a oferta baseada na construção de grelhas pré-determine em grande parte a procura, é no entanto, uma estratégia aleatória cujos resultados estão longe de ser garantidos. Se ocasionalmente existem estudos que podem mensurar a quantidade de espectadores que assistiram a um certo programa, dificilmente se saberá quem eles são e mais dificilmente ainda se saberá porque o fizeram, uma vez que, até agora não existe nenhum instrumento que permita antecipar conjuntamente, o volume, composição, qualidade e o comportamento desse público.

 

Para este autor, a noção de grande público conheceu duas fases diferenciáveis: a primeira enquanto resultado da transformação da multidão em massa e em público, como resultado da domesticação da questão do número, em que o grande público corresponde no domínio da política a ideia de sufrágio universal, sendo identificável com a sociedade de massa, ligada à elevação do nível de vida, mediante a abertura aos mercados do grande consumo; a segunda, também ela associada à sociedade de massas, provém da ideia de espectáculo, isto é, identifica-se o grande público com o público dos mass media, é neste sentido, um público numeroso e socialmente indistinto, instável, cuja composição não obedece a uma delimitação sociográfica. “No fim de contas, o único espectáculo de «grande público» de um país é a televisão, e é, ao mesmo tempo, uma das formas subtis dessa solidariedade diáfana que se instaura entre indivíduos que tudo separa, excepto o facto de que viram ao mesmo tempo, por razões diferentes e de maneira diferente, imagens que aceitaram ver, criando assim uma comunicação sem dúvida um pouco estranha, mas provavelmente típica da nossa sociedade «individualista de massas»”[25], o que, nesta óptica, preconiza a passagem de uma noção conservadora e repressiva do grande público, para uma noção democrática que traduz a mistura dos públicos e dos meios sociais.

 

Com a multiplicação de canais, o primado do quantitativo impõe-se rapidamente, importa saber quem está à frente dos televisores, quando e quanto tempo, tornando-se uma obsessão para compreender a recepção dos media e conduzindo a uma busca constante de métodos de avaliar o comportamento dessa imensa massa invisível, que não se manifesta através da compra de bilhetes, como no cinema, nem no volume de exemplares vendidos, como na imprensa.

 

A audimetria permanece assim, como o único e mais polémico instrumento de apreciação da receptividade dos programas, considerado por muitos como indispensável  e suficiente para a actividade televisiva. Para estes indivíduos, este método não constitui apenas um indicador fundamental em regime concorrencial, no qual os resultados das audiências significam o sucesso ou a sanção, mas, também, exprimem o nível de satisfação do público, funcionando como uma espécie de referendo. Ele faculta mensurar minuto a minuto a intensidade dos laços que se estabelecem entre o écran e os seus telespectadores, algo que não se pode observar nem através das cartas, nem dos telefonemas que uma emissora recebe dos seus fieis espectadores. Pouco importa saber se a relação é “passionmelle, intellectuelle, naïve, dépendante, irréfléchie”[26] , importa apenas saber que ela existe, e isso a audimetria permite saber com segurança, e, para um modelo de televisão que se baseia no primado da relação, a audimetria surge como um “ditador”, ela é o “termómetro” dessa relação, ela permite apreciar o impacto de uma emissão, mesmo que nada diga sobre a apreciação da qualidade ou do interesse, mesmo que alguém esteja apenas a ter uma atitude masoquista, mesmo que a pessoa nem sequer esteja de facto lá.

 

Então porquê que as televisões actualmente permanecem obcecadas pelos seus scores audimétricos? Por um lado, porque embora tal pareça paradoxal, pretendem conhecer o seu público e este parece ser o instrumento mais acessível e mais eficaz para atingir tais propósitos, por outro lado, estes estudos permitem tornar os media mais atractivos para os anunciantes e os publicitários, ou seja, os media utilizam estes dados como argumento de venda dos seus espaços publicitários, uma vez que, os publicitários utilizam os media como meio de veicular a sua informação publicitária.

 

Victoria Camps[27] faz uma leitura curiosa desta problemática. Para a autora, a visão mais comum actualmente, é a de que as massas são a audiência e, por definição, a audiência não é rebelde, mas submissa e dócil, limitando-se a escutar, a ver ou a ler aquilo que se lhe põe à frente. Todavia, também é livre para se servir do fenómeno zapping para mudar de canal ou de emissora. Neste sentido, a autora considera que a audiência pode ser passiva, mas também é poderosa, dado que a sua resposta e reacções não passam despercebidas, sendo auscultada minuciosamente para confeccionar os inevitáveis rankings que funcionam como o termómetro que estabelece um diagnóstico preciso: isto agrada mais, aquilo agrada menos. Assim sendo, a audiência prescreve aquilo que deve ser feito pelos media, perdendo validade aquilo que não for capaz de manter e fixar a audiência, ou seja, a audiência é a medida de valor. As maiores limitações não estão no interior dos meios, mas sim fora deles, está num sistema económico cujas regras não conhecem outro valor nem outra finalidade senão a do lucro, no qual os meios de comunicação são mercadorias que se têm que fazer consumir. A feroz competitividade obriga a dizer o que há para dizer antes de todos, a imaginar o inimaginável, a ser o mais brilhante e o mais vedeta para atrair a si toda a audiência. Porém, a autora questiona-se acerca da real existência da audiência, sabendo-se como funciona a economia de mercado, que o que se produz responde maiormente à necessidade de ser vendido, para o qual é imprescindível a publicidade. Para esta autora, falar de oferta e de procura nada tem a ver com as necessidades supostamente reais dos sujeitos: as necessidades criam-se, o que não significa que não acabem por se converter em necessidades fundamentais. Em princípio, ninguém tem preferências ou gostos absolutamente marcados. Isso a que chamamos com inquebrável convicção de opinião pública, não é senão o conjunto de opiniões de uma suposta maioria. Evidentemente que a massa, a audiência, é livre de diante o que se lhe oferece, aceitar ou rejeitar, mas há antes do mais modas, e são elas que impõem comportamentos. Por outro lado, se existe uma audiência maleável, dócil, disposta a deixar-se levar e a deixar-se enganar mais ou menos conscientemente, não é legítimo, consequentemente, legar à audiência a culpa da miséria e pobreza cultural do mundo televisivo, a culpa dessa afeição pelo escandaloso e pelo mórbido que tanto parece excitar a curiosidade. Não é lícito que os media e os seus agentes, justifiquem o que para eles também parece de péssimo gosto, afirmando que apenas fazem o que o público quer, pois que, se o público é amorfo é também susceptível de ser formado. A audiência é tirana somente em certo sentido: há que lhe agradar, como há que agradar às maiorias, também elas tiranas, segundo já havia referido Tocqueville. Porém, são simultaneamente manipuláveis, colonizáveis, não sendo então lícito reenviar a deterioração da produção mediática apenas à mediocridade  das massas, mas talvez à mediocridade dos comunicadores, ou a ambos.

 

Em grande parte, estas preocupações foram salientadas na Conferência Internacional que deu origem a esta publicação, e embora pouco sistematizadas, elas reflectiram algum consenso no que se refere à necessidade de uma re-regulamentação do sistema dos media e da televisão em particular. A problemática fundamental situou-se, precisamente, ao nível da responsabilização dos diferentes actores envolvidos neste sistema, isto é, na quota de responsabilidade que cabe às diferentes partes, permanecendo irreconciliável aquilo que são: as supostas necessidades dos públicos, a acelerada evolução tecnológica, os interesses económicos e financeiros das empresas de comunicação, os limites e fronteiras à intervenção do poder político, e, também, a “boa vontade cultural” das sociedades.

 

Para finalizar, parece lícito dizer que, se para Dominique Boullier[28] qualquer representação sobre o objecto televisivo encerra três tipos de leituras sobre a produção televisiva: uma que diz respeito ao julgamento (é bom ou é mau), outra que integra o gosto (gosto ou não gosto), e uma última que concerne às práticas (vejo ou não vejo); esta Conferência permite introduzir, pelo menos, outros três níveis de leitura: o que diz respeito ao lucro (rende ou não rende), o que diz respeito ao intervencionismo do Estado (censura ou incúria), e o que respeita à cultura audiovisual (massifica ou elitiza).



[1] WOLTON, D., (1994), Elogio do Grande Público - Uma teoria crítica da televisão, Porto, Asa.

[2] ECO, U. , (1987), Apocalípticos e Integrados, São Paulo, Perspectiva, p.364.

[3] Ibid., p..353.

[4] SOUCHON, M., “ Les Progammateurs et leurs Réprésentations du Public”, Reseaux, nº39, 1990.

[5] “La néo-télévision ne semble même plus faire référence à une réalité extrinsèque (le monde de la vie comme modèle), mais à sa propre promotion en tant que réalité intrinsèque (le monde de la télévision comme monde de la vie)”, Negri, Signorelli, De Berti, citados por MEHL, D., (1992), La Fenêtre et le Mirroir - La Télévision et ses Programmes, Paris, Payot, p.111.

[6] ECO, U. (1986), Viagem na Irrealidade Quotidiana, Lisboa, Difel, p.135.

[7] Mehl, op. cit., p.17.

[8] op. cit.

[9] Conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu.

[10] “A (provável) inutilidade da deontologia em tempos de Euforia Mediática” in  Público de 20 de Abril de 1997.

[11] ibid.

[12] Segundo Paquete de Oliveira, a evolução do volume de receita publicitária tem conhecido um verdadeiro  boom (ver quadro p.1015), “Os estudos prospectivos, e por via da emulação que as televisões privadas, SIC+TVI, vão trazer ao mercado, e não necessariamente por força do comportamento da economia, apontam para um tecto, nunca atingido, na ordem dos 100 milhões de contos” in  A integração europeia e os meios de comunicação social, Análise Social nº118-119, 1992. pp.1015-1016.

[13] citado no relatório de 1990 do operador público, in  Traquina, 1994, Revista de Comunicação e linguagens  nº 20, p.242.

[14] Rowland e Tracey citados por Blumer in Traquina, op. cit., p.242.

[15] Blumer in Traquina, op. cit., p.242-243.

[16] Como já referi,  baseada na programação da semana de 5 a 12 de Abril de 1993 em todos os canais de televisão portugueses, e segundo as variáveis: Tempo de emissão,  géneros  televisivos e país de origem dos programas, ibid.

[17] Advertindo para os custos de produção dos programas de ficção, Traquina, exemplifica com a adaptação de um romance de Camilo Castelo Branco, A Viúva do enforcado, transmitida pela SIC e que constituiu um êxito na crítica mas que em termos de audiência não compensou o investimento de 15.000.000$00 por episódio, Traquina, 1994, in Revista de Comunicação e linguagens nº 20, p.249.

[18] REBELO, J.,  (1993), "No Primeiro Aniversário da televisão privada em Portugal", Análise Social, nº122, p.677.

[19] Paquete de Oliveira chama mesmo a atenção para “a inflação galopante nos salários de alguns jornalistas vedetas, ou constituídos em vedetas, primeiro por alguns jornais e agora pelas televisões” in A integração europeia e os meios de comunicação social, Análise Social nº118-119, 1992. p. 1024.

[20] Hervé Bourges, citado por Rebelo, op. cit., p.671.

[21] Ibid., p.677.

[22] Ibid.,  pp. 653-654.

[23] Rebelo, citando Paquete de Oliveira, op. cit., p.675.

[24] Ibid., p. 670.

[25] Wolton, 1994, p.146.

[26] ibid, p. 143.

[27] CAMPS, V., “La Tirania de la Audiencia”, TELOS, nº35.

[28] Dominique Boullier citado por Mehl, op. cit., p. 139