A Imperialização da Cultur@:

Uma Introdução ao Estudo da Obra de Herbert Schiller

 

 

Tânia de Morais Soares, ISCTE

 

 

 

“A publicidade moderna desempenhará um papel privilegiado na propagação da ideia da necessária irrigação da sociedade pelas técnicas de informação e de comunicação. O advento da publicidade moderna não ocorre apenas no contexto de uma sociedade que transforma as suas maneiras de produzir; surge também em concordância com o desenvolvimento dos novos meios electrónicos de difusão das mensagens. E haverá efectivamente uma sinergia cada vez mais íntima entre os dois fenómenos (...) No interface do aparelho comercial e do dos media, a instituição publicitária, pela sua acção cultural ainda mais do que económica (...) acabará por desempenhar um papel primordial na propagação da ideologia da comunicação”[2].

 

Embora com raízes inerentemente marxistas, a obra de Herbert Schiller repousa sobre a aceitação da emergência de uma nova “sociedade de informação” e na crescente importância da informação na organização e desenvolvimento das sociedades, como refere, “We are now living, we are informed, in the Information Age[3] ou como cita Frank Webster “we are living in na era in which ‘the production and dissemination of... information become major and indispensable activities, by any mesure, in the overrall system[4].

 

Contudo, o reconhecimento da existência de um novo tipo de sociedade assente no valor da comunicação e da informação não é necessariamente benéfico segundo Schiller. Considerado como uma das figuras centrais da abordagem denominada de “economia política”, Schiller constrói a sua obra sobre a ideia fundamental de que todo e qualquer desenvolvimento tecnológico e os grandes investimentos no crescimento do sector da comunicação/informação, visam a reprodução da ideologia capitalista em todas as esferas da vida pública e privada, comandada directa ou indirectamente pelas grandes corporações norte-americanas. Isto é, ao contrário das visões que vêm o capitalismo a ser transcendido pela inovação tecnológica, Schiller vê os imperativos da economia de mercado a reforçarem o seu determinismo nas transformações ocorridas nas esferas tecnológica e informacional, a “dinâmica do desenvolvimento mundial das técnicas de informação e de comunicação (...) seria totalmente determinado pelo sistema comercial capitalista mundial, que o orientaria em função dos interesses e dos objectivos lucrativos das transnacionais. Além disso, (...) essas últimas baseariam todo o seu desenvolvimento nas necessidades específicas do establishment militar-político das grandes potências capitalistas do mundo[5].

 

As transformações actuais não desactualizam os conceitos fundamentais da teoria crítica nem alteram as prioridades capitalistas estabelecidas. Para Schiller a questão central é a de saber quem controla e quem beneficia com as inovações tecnológicas no campo da informação? Que interesses e que razões estão na base da promoção da ideologia tecnológica?

 

Frank Webster enuncia três dessas razões fundamentais enfatizadas por Schiller: A primeira relacionada com os critérios de mercado na condução dos desenvolvimentos do campo informacional, regidos pela necessidade de comprar, vender e trocar com vista ao lucro. A centralidade dos critérios que regem o mercado surgem como um poderoso impulso à comodificação da informação, no sentido de só ser viável na condição de ser vendável.

 

O segundo argumento prende-se com as desigualdades sociais e classistas no acesso, distribuição e capacidade de gerar informação, criando novas classes sociais baseadas no acesso desigual ao negócio da informação e estratificando os indivíduos em beneficiários e excluídos da revolução informacional.

 

A terceira  razão, é que o tipo de sociedade que fomenta as transformações nas áreas da informação e da comunicação é a sociedade do capitalismo corporativo norte-americano, ou seja, o capitalismo contemporâneo é dominado pelas grandes oligopólios concentrados nas instituições corporativas que comandam a economia e a sociedade a nível nacional e internacional, “Today, the power of huge, private, economic enterprises is extended across national and international boundaries, influencing and directing economic resource decisions, political choices, and the production and dissemination of messages and images. The American economy is now hostage to a relatively small number of giant private companies, with interlocking connections, that set the national agenda. This power is particularly characteristic of the communication and information sector where the national cultural-media agenda is provided by a very small (and declining) number of integrated private combines[6]

 

Nesta perspectiva é ilusória a tendência que afirma a existência de uma ruptura com os processos sociais vigentes, porque é impensável que as mesmas forças que criaram a inovação tecnológica aceitem suprimir o seu poder de definição do seu papel na sociedade. Deste modo as prioridades do mercado definem e influenciam o desenvolvimento das tecnologias de informação, e simultaneamente essas inovações tecnológicas viabilizam e suportam a ideologia capitalista. Breton e Proulx evidenciam alguns princípios políticos que pretendiam ser precisamente “antídotos para as tendências económicas dominantes caracterizadas por uma penetração crescente dos diversos mercados locais por indústrias culturais internacionais (da diversão, da informação e da educação) maioritariamente controladas pelas transnacionais americanas[7].

 

Para Schiller três factores fundamentais justificam o reforço do corporativismo capitalista, como salienta: “the last fifty years witnessed a phenomenal growth of corporate power deployed across the social and economic landscape. The expansion of this power has relied heavily on three far-reaching structural changes in the institutional infrastructure:deregulation of economic activity, privatization of functions once public, and commercialization of activities once social[8]. Com efeito para este autor, a desregulamentação, a privatização e a expansão da lógica de mercado afectam todas as dimensões da economia e da sociedade. Todos os desenvolvimentos no campo dos meios de produção, organização e disseminação de informação, transformaram as práticas e os processos industriais, políticos e culturais de modo a conferir um enorme valor a algumas categorias da informação.

 

Embora esta ideia da mercantilização da informação não seja particularmente inovadora e até surja como frequentemente consensual, a originalidade de Schiller está em reforçar o domínio da esfera económica face à esfera política, “What distinguishes this era is that the main threat to free experssion has shifted from government to private corporate power. This does not imply that the state has lost its taste for controlling individual expression. It means instead that a more pervasive force has emerged that now constitutes a stronger and more active threat to such expression[9]. Concretamente, o que o distingue é denunciar o interesse em concentrar esse poder nas grandes empresas americanas e, fundamentalmente, ao demonstrar que não se trata apenas de comandar o mundo económico mas de comandar a própria esfera privada da vida social, participando para moldar as representações da vida e do mundo, concorrendo para a construção de uma ideologia do presente e do futuro à escala global. Não se trata apenas de “produzir consumidores” ao jeito de Braudillard, em que a função da publicidade moderna consistiria em condicionar cultural e  ideologicamente os sujeitos sociais no sentido de aderirem intimamente aos valores e à “nova ordem” do consumo de massas, tendo como efeito assegurar o escoamento dos excedentes económicos, ou seja, não se trata apenas de criar as condições ideais para a existência de um mercado de consumo permeável à oferta das grandes empresas corporativas, mas de transformar os estilos de vida da população mundial absorvida por uma ideologia universal que permita reproduzir ad infinitum os princípios reguladores de toda a actividade económica, social, política e cultural favorável a estes grandes grupos económicos. Como o próprio salienta “giving to giant information corporations the power to control peoples’ minds[10].

 

Embora todas as esferas da economia participem neste processo de subordinação dos interesses individuais e colectivos às necessidades das grandes corporações, este movimento que concorre para moldar as representações do mundo é manifestamente da responsabilidade do campo da informação/comunicação. Os mecanismos de mercado são inseridos nos estilos de vida dos indivíduos através do papel fundamental atribuído ao mercado mediático e mais concretamente à “indústria do entretenimento”. A grande indústria do entretenimento norte-americana, a começar nas produções Hollywoodescas e a acabar na preponderância de conteúdos americanos na Internet, concorrem para esta difusão à escala global do “american way of life”, ou como salienta Webster “American media should be expected to laud the capitalist way of life[11], e ainda “what is shurely hard to dispute is that, in the round, the messages of American entertainment (...) are supportive of America’s self-perception as a desirable, indeed enviable, society which other nations would do well to emulate[12].

 

Há medida em que as grandes indústrias que combinam o par media-entretenimento se desenvolvem, cresce e consolida-se o “consumer capitalism”, “uma programação que é um desfile incessante de filmes, séries e folhetins produzidos pelas «majors»do cinema americano. Admiremo-nos depois que os jovens europeus tenham interiorizado a tal ponto o «american way of life» e a abordagem americana dos problemas do mundo[13]. Estas indústrias tornam-se fundamentais para alargar o domínio do consumismo porque participam directamente no processo de inculcação de desejos e necessidades nos actores sociais. Estas instâncias transmitem símbolos do estilo de vida consumista, símbolos de sucesso, de beleza, de popularidade, de prazer, (ao jeito de Poder Simbólico de Pierre Bourdieu), que protagonizam meios de persuasão e instauram “falsas necessidades” e desejos nas pessoas comuns: “the virus of voracious consumerism is embedded in the cultural product that now reaches nearly all corners of the world. The waves of merchandising exhortation carried by, and built into, the popular media, crash against the earth’s finite resourses[14].

 

Esta ideia reflecte a preocupação com as questões da sobrevivência do planeta e com a protecção dos recursos naturais, ideia essa que está sempre implícita na teoria de Schiller e que ele denomina de “poluição cultural” provocada pelos desperdícios do consumo de massas, pelo comportamento aquisitivo e pela atitude consumista responsável pelo agudizar de uma crise ecológica global, suportada pela “combinação mortal” entre media, tecnologia e mercado.

 

Schiller assim como outros autores volta a colocar a tónica no valor de mercado da informação, comunicação e entretenimento, e na necessidade de obedecer a critérios meramente comerciais com vista ao lucro.  Assim como frequentemente enunciado pelas abordagens ao meio televisivo, Schiller vê na conjugação das tecnologias com os media e o mercado, o tiranismo da sedução da maior audiência como forma de fazer prevalecer os interesses publicitários, sem os quais as indústrias de comunicação entrariam em colapso, por um lado, devido à privatização e à sua dependência face ao mercado publicitário, por outro porque os subsídios públicos quando ainda existentes tendem a ser deslocados para conteúdos também eles associados a lógicas de marketing. Esta ideia, como tantas outras do mesmo autor assentam sobre questões fundamentais associadas à Escola de Frankfurt, nomeadamente quando reforçam que: “Não só os produtos culturais, distribuídos em grande número, padronizados, homogéneos, são marcados por essas condições industriais de produção e de marketing, como também todo o processo de criação cultural é profundamente marcado pela lógica do lucro. Ao analisarem as relações entre condições económicas e a produção das formas culturais, os investigadores contemporâneos sublinham o peso determinante da lógica capitalista e da racionalidade técnica do sistema de fabrico e de circulação dos produtos culturais, veiculados tanto pelos media tradicionais como pelas «novas tecnologias» de informação e de comunicação, ou por certas indústrias conexas como a publicidade e o turismo[15].

 

Central em toda a obra do autor  é a noção de “Information Inequality” que dá origem ao título de um dos seus livros. Esta ideia englobante de todas as reflexões que venho expondo, é extremamente saliente quando o autor se refere à desigualdade entre classes com origem no acesso desigual à informação/comunicação. Isto é, a informação e as tecnologias de informação são criadas e disponibilizadas aos que têm capacidade económica para as pagar, o que não significa necessariamente uma exclusão total a esse acesso, uma vez que historicamente tem-se observado que um alargado número de pessoas tem vindo a aceder a outros media como a televisão a rádio ou os jornais. Contudo os mecanismos de mercado têm vindo a diferenciar os indivíduos hierarquizando a sociedade, diferenciações que se reproduzem e exacerbam na era da informação. The centrality of ability-to-pay criteria, and the close linkage these have with class inequalities, leads Herbert Schiller to distinguish between the ‘information rich’ and the ‘information poor’, whitin and between nations[16].

 

Para Schiller a questão do “information gap” e da reprodução das desigualdades classistas no acesso à informação não é apenas de ordem funcional ou quantitativa mas também de ordem qualitativa, uma vez que considera a existência de um grupo de privilegiados económica e educacionalmente com acesso a meios e a fontes de informação sofisticados em contraponto a uma imensa maioria que continua a poder aceder apenas a informação de fraco valor, ao “infolixo” e ao entretenimento de massa, de produção barata e apelativa. Também Manuel Castells reconhece a existência de um fosso social agudizado pela globalização da informação, ao referir: “There followed the social exclusion and economic irrelevance of segments of societies, of areas of cities, of regions, and of entire countries, constituting what I call «the Fourth World». The desperate attempt by some of these social groups and territories to link up with the global economy, to escape marginality, led to what I call «the perverse connection»”[17].

 

Para Herbet Schiller estamos em presença de um “Imperialismo Cultural” em que os meios de informação sustentam o domínio ocidental, e a história do desenvolvimento do capitalismo corporativo é também a história do desenvolvimento dos media corporativos. Como referem Lucien Sfez e Gilles Coutlée, “la théorie des effets idéologiques part du postulat suivant: toutes les autres traditions de recherche en communication ont commis l’erreur de chercher à prouver le pouvoir transfornatif des médias alors que les médias ont pour véritable effet d’empêcher les transformations. Pour la tradition de la «théorie critique» le renforcement des opinions et des attitudes ne se fait pas malgré les médias (...) C’est au contraire le plus puissant des effets attribuables aux médias: celui par lequel le «sens commun» et les rapports sociaux existants reçoivent leur légitimité en se «naturalisant»[18], e embora Schiller reconheça a capacidade de transformação das sociedades operada pelas novas tecnologias, subsiste o poder maior de uma teoria dos efeitos ideológicos marcada pela naturalização da ideologia capitalista.

 

Para Schiller,  as tecnologias de comunicação/informação têm vindo a ser promovidas sem qualquer sentido crítico, desprovidas de cautelosas reflexões sobre as suas eventuais contradições e renegando que elas não vêm colmatar os principais problemas sociais da humanidade. Os problemas associados às novas tecnologias que importa reflectir são de diversa ordem, contudo, embora de forma redutora, eles tenham sido sistematizados por Les Brown, um observador e crítico de televisão, de uma forma interessante, considerando “Os 7 Pecados Mortais da Era Digital”, sendo eles: “1. Inequality; 2. Comercial exploitation and information abuse; 3. Threats to personal privacy; 4. The disintegration of community; 5. Instant plebiscites and the distortion of democracy; 6. The tyranny of gatekeepers, and 7. The loss of public service values and social responsability[19].

 

A noção de “Imperialismo Cultural” em Schiller defende que, a ideologia veiculada pelos media cumpre funções inerentemente comerciais e sustenta os interesse do mercado publicitário, logo, mais não faz do que reproduzir valores fundamentais do capitalismo contribuindo para moldar e unificar à escala global uma determinada filosofia de vida: “For advertising to fulfill it´s systemically crucial role – getting the national output of goods and services into the hand and homes of byers and reaffirming daily, if not hourly, that consumption is the definition of democracy – it must have full access to the nation’s message-making and transmitting apparatus. Over time, this means the transformation of the press, radio, television, cable, the satelite, and now, the computer, into instrumentations of marketing[20].

 

Schiller evidencia que todos os media sem excepção têm concorrido para acentuar as desigualdades sociais e económicas e para favorecer o isolamento social de uma grande camada da população mundial inapta para participar neste jogo de comunicação. Recorrendo à noção de “niche economies” de Alvin Toffler, e à sua ideia de “revolta dos ricos” no sentido de uma luta para preservar e alargar as suas vantagens e benefícios, Schiller salienta  que esta orientação tomada pelos E.U.A.  tem levado a que “The poor, a good part of the minority population, and the inadequately educated, increasingly are being cordoned off in urban centers, jails, hospitals, and relatively inaccessible pockets of isolation”. 

 

A questão da definição e da selecção do tipo de conteúdos de informação produzidos, estimulados e disseminados é também uma preocupação fundamental para Schiller, não só evidencia o papel de mediatização dos media, como reforça os perigos da intromissão indiscriminada dos grandes grupos de comunicação na definição do que é produzido e na consequente eliminação da informação de verdadeiro interesse para esferas sociais cruciais na sociedade. Para este autor, a rádio assim como a televisão que inicialmente revelaram um enorme potencial em termos de benefícios públicos, foram sendo moldados no sentido do comercialismo e da consolidação de um mercado doméstico capaz de absorver os produtos culturais do liberalismo-económico, evolução essa que se está a estender à era electrónica.

 

Schiller contesta inclusive o paradigma dos “efeitos limitados” que, segundo entende, minimiza o poder de influência dos media contrabalançando-o com o poder da audiência. Se até agora esta questão se tem centrado em torno da televisão ela deve estender-se (embora com características diferenciadas) aos restantes media. Trata-se de discutir a noção de “audiência activa” capaz de resistir aos imperativos da mensagem e capaz de lhe atribuir sentido, de a objectivar. Para Schiller é aceitável a ideia de que a audiência não é uma massa monolítica, mas isso não significa que se descure o efeito da mensagem: “Audiences do, in fact, interpret messages variously. They also may transform them to correspond with their individual experiences and tastes. But when they are confronted with a message incessantly repeated in all cultural conduits, issuing from the commanders of the social order, their capacities are overwhelmed. (...) the control of representation and definition remains concentrated in the products and services of media-cultural combines. That control can be challenged and lessened only by political means. Theories that ignore the structure and locus of representational and definitional power and emphasize instead the individual’s message transformational capability present little threat to the maintenance of the established order.[21]

 

Schiller  desconfia de um “novo pacto de comunicação” assente no valor-entretenimento como fundamental na comunicação moderna, na fusão entre “cultura popular” e “merchandising”, e na importância das evoluções técnicas no campo dos efeitos especiais que privilegia a forma em detrimento do conteúdo e da reflexão. Na televisão assim como nos filmes ou na música, os efeitos especiais concorrem para atrair a atenção sobre a mensagem comercial e esvaziar os significados: “The inverse relationship between technique and content, increasingly prevalent across all media forms, is the direct outcome of the now-pervasive commercial imperative. If the primary aim of the sponsor, or the producer, is to capturate as large an audience as possible for the sales message, or to sell seats, why distract or, worse yet, depress an audience with serious story line or lyric? Following this logic, the carnival proceeds and the nation’s serious business goes unattended, or, attended to, out of sight of the general public.”[22].

 

Herbert Schiller manifesta reservas quanto ao papel atribuído à televisão no espaço público e concretamente desvaloriza o contexto nacional para privilegiar o contexto transnacional daquilo que chama de “Global Cultural Industries”.  Segundo o teórico norte-americano, “Much of nation’s physical space, outdoors and indoors, is now a private preserve, carrying the messages and culture of the corporations that dominate economic and political life.(...) These provide acess to the most personal places of daily life; the living room, the bedroom, and the kitchen. Television (...) is now one of the most influential, largely unacknowledged educators in the country. One reason why television is heavly discounted as a powerful educational force is the distinction made between ‘educational’ and ‘entertainment’ programming. This artificial separation seems to mesmerize many into believing that entertainment shows are not educational[23].  Ao reforçar o papel de formadora de opinião da televisão, ao salientar a sua omnipresença, e a dimensão do consumo televisivo face ao consumo escolar de conhecimento, Schiller visa salientar a sua força como veículo da ideologia consumista que como já salientei anteriormente é transnacional e global.

 

Com efeito, para o autor, a televisão tem servido como um instrumento de marketing, enchendo o universo cognitivo dos seus receptores de conteúdos publicitários, “The near-total utilization of television for corporate marketing represents at the same time the daily ideological instruction of the viewing audience. This occurs, first of all, in the incessant identification of consumerism with democracy. Marketing has become so much a part of the political process that it is increasingly difficult to determine where it leaves off and politics begins[24]. Isto implica, segundo o autor, a desresponsabilização da função de serviço público dos media e a consequente privatização do sector,  e tem justificado o esvaziamento de investimento financeiro nos sectores públicos da comunicação, ao mesmo tempo que contribuiu para o empobrecimento dos conteúdos dos mass media. Esta situação conduziu a que mesmo os fragmentos de audiência que se manifestaram contra o empobrecimento dos conteúdos televisivos se tronassem alvos dos anunciantes: “These high-income viewers who were attracted to the noncomercial channels (though hardly a mass audience) constituted na importante opinion-making group and a high-disposable income class. It was inevitable that they would become a target of the big, luxury-goods advertisers[25].

 

Neste sentido é de salientar uma das ideias mais interessantes relativamente à televisão e que vai de encontro às concepções Schillerianas da comunicação, ou seja, enquanto meio privilegiado de difusão da ideologia consumista em ambientes domésticos e da afectação em larga escala do comportamento da audiência, a visão segundo a qual cabe à Internet a integração de todos os sistemas de informação pode ser enganosa. Pelo contrário, dada a sua eficácia e performance enquanto ferramenta que contribui para moldar as representações da vida e do mundo, é do interesse das grandes corporações, fazer com que a integração de sistemas de informação passe pela televisão e não pela Internet, que pela sua natureza atrasaria o processo de massificação da ideologia do consumo: “For example, it is striking that most informational products for the home are actually enhancements of the television set. Video equipment, cable, computer games and suchlike are all founded on what has been a remarkably successful commercial technology. Why offer anything radically different when television has shown itself to be the public’s favourite leisure technology? Those readers who feel that such an outcome is an inevitability driven by an internal logic of technological innovation need to exercise some imagination here. There is really no technical reason either why home IT should be built around the television set or why programming should be so emphatically entertainment oriented. The most telling pressure has surely been that this was pushed and pulled in directions dictated by the market[26].

 

No seguimento destas considerações é natural que Schiller considere que as novas tecnologias e nomeadamente a Internet, cumpram as mesmas funções anteriormente atribuídas aos media clássicos, o futuro da Internet é o presente da televisão, quer autonomizada quer integrada neste último medium de massas,  os factores de liberdade, de autonomia e de participação do utilizador, frequentemente evocados pelos defensores dos fascínios da Internet, tenderão neste quadro, a desnaturar-se e a serem orientados para uma re-regulamentação económica favorável aos grandes oligopólios que controlam o negócio da informação/comunicação. Os processos de filtragem e a tematização de conteúdos serão sujeitos aos mesmos critérios e operacionalizados pelos mesmos interesses que fazem mover os media clássicos, o que conduzirá inevitavelmente à mercantilização da informação veiculada pela Internet e à consequente perca de diversidade e qualidade dos produtos informativos disponibilizados nesse medium.

 

No essencial, e embora Schiller se procure demarcar  de Neil Postman, aproxima-se das concepções deste último quando evoca a ideia de “Amusing Ourselves to Death” ou de “Informing Ourselves to Death”; este autor foca a noção de que a televisão está a transformar a  cultura numa vasta arena de “Show Business”, na qual todos os assuntos públicos estão a tornar-se uma forma de entretenimento, ao mesmo tempo que salienta que as novas tecnologias têm vindo a atolar os indivíduos num manancial de informação que estes não podem nem absorver nem organizar. A "Tecnofobia" segundo Postman justifica a multiplicação de discursos sobre as vantagens das inovações tecnológicas descurando que por vezes a tecnologia cria menos do que aquilo que destroi. Um dos exemplos que utiliza centra-se numa das grandes invenções da humanidade – o Relógio: “The Benedictine monks who invented the mechanical clock (...) did not realize is that the clock is not merely a means of keeping track of the hours but also of synchronizing and controlling the actions of men. (...) The mechanical clock made possible the idea of regular production, regular working hours, and a standardized product. Without the clok, capitalism would have been quite impossible. And so, here is a great paradox: the clock was invented by men who wanted to devote themselves more rigorously to God; and it ended as the technology of greatest use to men who wished to devote themselves to the accumulation of money[27]. Embora Postman centre a sua atenção nas questões do controlo social favorecido pela acumulação e disseminação da informação, também vê a informação como um bem para ser vendido e comprado ou usado como uma forma de entretenimento, subjugando deste modo a cultura à economia. “Ninguém duvida que, hoje em dia, a ideologia largamente dominante – a ponto de se pensar nela por vezes como a «última das ideologias» - seja, com efeito, o liberalismo enquanto doutrina política e económica, para lá das múltiplas versões sob as quais se concretiza, mais ou menos «liberal», mais ou menos «social-democrata». Por conseguinte, a questão essencial que o analista dos fenómenos de comunicação formula é a das relações entre liberalismo e comunicação[28].

 

A aproximação entre estes dois autores é também clara na importância que atribuem às “Indústrias do entretenimento” na sociedade actual, (e no caso de Schiller) enquanto favorável ao amadurecimento da ideologia capitalista. A este respeito Postman escreve: “such proclaims the spirit of a culture in which all public discourse increasingly takes the form of entertainment. (...) the dissolution of public discourse in America and its conversion into the arts of show business. (...) Those who have written vigourously on the matter tell us, for example, that is happening is the residue of an exhausted capitalism; or, on the contrary, that  it is the tasteless fruit of the maturing of capitalism[29].

 

O grande valor de Herbert Schiller reside na sua capacidade de compreender e de explicar a nova era da sociedade da informação e de o fazer a partir da relevância atribuída ao sistema dos media clássicos e aos novos media enquanto veículos de ideologia e de cultura.

 

Bibliografia

 

 

·       BRETON, P., (1994),  A Utopia da Comunicação, Lisboa, Instituto Piaget.

 

·       BRETON, P., PROULX, S., (1989),  A Explosão da Comunicação, Lisboa, Editorial Bizâncio.

 

·       CASTELLS, M., (1997), The Rise of Network Society, Oxford, Blackwel.

 

·       ECO, U., (1986), Viagem na Irrealidade Quotidiana, Lisboa, Difel.

 

·       ESTEVES; J. P., (1995)“Novos desafios para uma teoria crítica da sociedade. A questão política da comunicação moderna”, Revista de Comunicação e Linguagens, nº21-22.

 

·       EWEN, S.; EWEN, E., (1982) Channels of Desire - Mass Images and the Shaping of American Consciousness, Minnesota, Univesity of Minnesota Press.

 

·       GIDDENS, A., (1994), As Consequências da Modernidade, Lisboa, Celta.

 

·       LYON, D., (1994), The Electronic Eye: The Rise of Surveillance Society, Minneapolis, University of Minesota Press.

 

·         MATTELLART, A., (1986) Penser les medias, Paris, Maspero.

 

·         NOBRE-CORREIA, J.-M., “A Evolução da Paisagem Mediática Europeia: Um Pluralismo Singular” in Le Monde Diplomatique, nº3, Campo da Comunicação, Junho 1999.

 

·       POSTER, M., (1995),The Second Media Age, Cambridge, Polity Press.

 

·         POSTMAN, N., (1987) Amusing Ourselves to Death, London, Methuen.

 

·       SCHILLER, H. I., (1996), Information Inequality, New York, Routledge.

 

·       SCHILLER, H. I., (1989), Culture Inc. The Corporate takeover of Public Expression, Oxford, Oxford University Press.

 

·       SCHILLER, H. I., (1992), Mass Communications and American Empire, Colorado, Westview Press.

 

·         SFEZ, L.., GILLES, C., (1990), Technologies et symboliques de la communication, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble.

 

·       WEBSTER, F., (1995), Theories of Information Society, London, Routledge.

 

·       WOLTON, D., (1997), Penser la Communication, Paris, Flamarion.

 

 

Informação Electrónica:

 

·         Herbert Shiller, "The Information Superhighway: Paving over the Public", <http://www.vcn.bc.ca/bcla-ip/schiller.html> (28/05/1998).

 

·         Herbert Shiller, "Media, Technology and the Market: the Interacting Dynamic",

     <http://www.rochester.edu/College/FS/Publications/SchillerMedia.html> (28/05/1998).

 

·         Neil Postman, "Informing Ourselves to Death",

<http://cec.wustl.edu/~cs142/articles/MISC/informing_ourselves_to_death--postman> (04/06/1998).

 

 



[2] BRETON, P., PROULX, S., (1989),  A Explosão da Comunicação, Lisboa, Editorial Bizâncio, p. 128.

[3] SCHILLER, H. I., (1996), Information Inequality, New York, Routledge, p.62.

[4] Schiller citado por WEBSTER, F., (1995), Theories of Information Society, London, Routledge.p.74.

[5] BRETON, P., PROULX, S., (1989),  A Explosão da Comunicação, Lisboa, Editorial Bizâncio, p.232.

[6] SCHILLER, H. I., (1996), p.44.

[7] BRETON, P., PROULX, S., (1989),  op. Cit., pp.230-231.

[8] SCHILLER, H. I., (1996), p.55.

[9] SCHILLER, H. I., (1996), p.44.

[10] SCHILLER, H. I., (1996), p.45.

[11] WEBSTER, F., (1995), Theories of Information Society, London, Routledge.p.79.

[12] WEBSTER, F., (1995),.p.80.

[13] NOBRE-CORREIA, J.-M., “A Evolução da Paisagem Mediática Europeia: Um Pluralismo Singular” in Le Monde Diplomatique, nº3, Campo da Comunicação, Junho 1999.

[14] SCHILLER, H. I., (1996),,p.72.

[15] BRETON, P., PROULX, S., (1989),  op. Cit., pp.228-229.

[16] WEBSTER, F., (1995),.p.90.

[17] CASTELLS, M., (1997) The Rise of the Network Society; Oxford; Blackwell, p.357.

[18] SFEZ, L.., GILLES, C., (1990), Technologies et symboliques de la communication, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, p.279.

[19] SCHILLER, H. I., (1996), p.87.

[20] SCHILLER, H. I., (1996), p.60.

[21] SCHILLER, H. I., (1989), Culture Inc. The Corporate takeover of Public Expression, Oxford, Oxford University Press, p.156.

[22] SCHILLER, H. I., (1996), p.69.

[23] SCHILLER, H. I., (1989),p.106.

[24] SCHILLER, H. I., (1989),p.107.

[25] SCHILLER, H. I., (1989),p.108.

[26] Sharpe citado por WEBSTER, F., (1995),.p.83.

[27] Neil Postman, "Informing Ourselves to Death",

<http://cec.wustl.edu/~cs142/articles/MISC/informing_ourselves_to_death--postman> (04/06/1998).

[28] BRETON, P., PROULX, S., (1989),  A Explosão da Comunicação, Lisboa, Editorial Bizâncio, p. 315.

[29] POSTMAN, N., (1987) Amusing Ourselves to Death, London, Methuen, pp. 4-6.