“A
publicidade moderna desempenhará um papel privilegiado na propagação da ideia
da necessária irrigação da sociedade pelas técnicas de informação e de
comunicação. O advento da publicidade moderna não ocorre apenas no contexto de
uma sociedade que transforma as suas maneiras de produzir; surge também em
concordância com o desenvolvimento dos novos meios electrónicos de difusão das
mensagens. E haverá efectivamente uma sinergia cada vez mais íntima entre os
dois fenómenos (...) No interface do aparelho comercial e do dos media, a
instituição publicitária, pela sua acção cultural ainda mais do que económica
(...) acabará por desempenhar um papel primordial na propagação da ideologia da
comunicação”[2].
Contudo, o reconhecimento da existência de um novo tipo de sociedade assente no valor da comunicação e da informação não é necessariamente benéfico segundo Schiller. Considerado como uma das figuras centrais da abordagem denominada de “economia política”, Schiller constrói a sua obra sobre a ideia fundamental de que todo e qualquer desenvolvimento tecnológico e os grandes investimentos no crescimento do sector da comunicação/informação, visam a reprodução da ideologia capitalista em todas as esferas da vida pública e privada, comandada directa ou indirectamente pelas grandes corporações norte-americanas. Isto é, ao contrário das visões que vêm o capitalismo a ser transcendido pela inovação tecnológica, Schiller vê os imperativos da economia de mercado a reforçarem o seu determinismo nas transformações ocorridas nas esferas tecnológica e informacional, a “dinâmica do desenvolvimento mundial das técnicas de informação e de comunicação (...) seria totalmente determinado pelo sistema comercial capitalista mundial, que o orientaria em função dos interesses e dos objectivos lucrativos das transnacionais. Além disso, (...) essas últimas baseariam todo o seu desenvolvimento nas necessidades específicas do establishment militar-político das grandes potências capitalistas do mundo”[5].
As transformações actuais não desactualizam os conceitos fundamentais da teoria crítica nem alteram as prioridades capitalistas estabelecidas. Para Schiller a questão central é a de saber quem controla e quem beneficia com as inovações tecnológicas no campo da informação? Que interesses e que razões estão na base da promoção da ideologia tecnológica?
Frank Webster enuncia três dessas razões fundamentais enfatizadas por Schiller: A primeira relacionada com os critérios de mercado na condução dos desenvolvimentos do campo informacional, regidos pela necessidade de comprar, vender e trocar com vista ao lucro. A centralidade dos critérios que regem o mercado surgem como um poderoso impulso à comodificação da informação, no sentido de só ser viável na condição de ser vendável.
O segundo argumento prende-se com as desigualdades sociais e classistas no acesso, distribuição e capacidade de gerar informação, criando novas classes sociais baseadas no acesso desigual ao negócio da informação e estratificando os indivíduos em beneficiários e excluídos da revolução informacional.
A terceira
razão, é que o tipo de sociedade que fomenta as transformações nas áreas
da informação e da comunicação é a sociedade do capitalismo corporativo
norte-americano, ou seja, o capitalismo contemporâneo é dominado pelas grandes
oligopólios concentrados nas instituições corporativas que comandam a economia
e a sociedade a nível nacional e internacional, “Today, the
power of huge, private, economic enterprises is extended across national and
international boundaries, influencing and directing economic resource
decisions, political choices, and the production and dissemination of messages
and images. The American economy is now hostage to a relatively
small number of giant private companies, with interlocking connections, that
set the national agenda. This power is particularly characteristic of the
communication and information sector where the national cultural-media agenda
is provided by a very small (and declining) number of integrated private
combines”[6]
Nesta perspectiva é ilusória a tendência que afirma a existência de uma ruptura com os processos sociais vigentes, porque é impensável que as mesmas forças que criaram a inovação tecnológica aceitem suprimir o seu poder de definição do seu papel na sociedade. Deste modo as prioridades do mercado definem e influenciam o desenvolvimento das tecnologias de informação, e simultaneamente essas inovações tecnológicas viabilizam e suportam a ideologia capitalista. Breton e Proulx evidenciam alguns princípios políticos que pretendiam ser precisamente “antídotos para as tendências económicas dominantes caracterizadas por uma penetração crescente dos diversos mercados locais por indústrias culturais internacionais (da diversão, da informação e da educação) maioritariamente controladas pelas transnacionais americanas”[7].
Para Schiller três factores fundamentais justificam o reforço do corporativismo capitalista, como salienta: “the last fifty years witnessed a phenomenal growth of corporate power deployed across the social and economic landscape. The expansion of this power has relied heavily on three far-reaching structural changes in the institutional infrastructure:deregulation of economic activity, privatization of functions once public, and commercialization of activities once social”[8]. Com efeito para este autor, a desregulamentação, a privatização e a expansão da lógica de mercado afectam todas as dimensões da economia e da sociedade. Todos os desenvolvimentos no campo dos meios de produção, organização e disseminação de informação, transformaram as práticas e os processos industriais, políticos e culturais de modo a conferir um enorme valor a algumas categorias da informação.
Embora esta ideia da mercantilização da
informação não seja particularmente inovadora e até surja como frequentemente
consensual, a originalidade de Schiller está em reforçar o domínio da esfera
económica face à esfera política, “What distinguishes this era is
that the main threat to free experssion has shifted from government to private
corporate power. This does not imply that the state
has lost its taste for controlling individual expression. It means instead that
a more pervasive force has emerged that now constitutes a stronger and more
active threat to such expression”[9]. Concretamente, o que o
distingue é denunciar o interesse em concentrar esse poder nas grandes empresas
americanas e, fundamentalmente, ao demonstrar que não se trata apenas de comandar
o mundo económico mas de comandar a própria esfera privada da vida social,
participando para moldar as representações da vida e do mundo, concorrendo para
a construção de uma ideologia do presente e do futuro à escala global. Não se
trata apenas de “produzir consumidores” ao jeito de Braudillard, em que a
função da publicidade moderna consistiria em condicionar cultural e ideologicamente os sujeitos sociais no
sentido de aderirem intimamente aos valores e à “nova ordem” do consumo de
massas, tendo como efeito assegurar o escoamento dos excedentes económicos, ou
seja, não se trata apenas de criar as condições ideais para a existência de um
mercado de consumo permeável à oferta das grandes empresas corporativas, mas de
transformar os estilos de vida da população mundial absorvida por uma ideologia
universal que permita reproduzir ad
infinitum os princípios reguladores de toda a actividade económica, social,
política e cultural favorável a estes grandes grupos económicos. Como o próprio salienta “giving to giant information corporations the power to control peoples’
minds”[10].
Embora todas as esferas da economia
participem neste processo de subordinação dos interesses individuais e
colectivos às necessidades das grandes corporações, este movimento que concorre
para moldar as representações do mundo é manifestamente da responsabilidade do
campo da informação/comunicação. Os mecanismos de mercado são inseridos nos
estilos de vida dos indivíduos através do papel fundamental atribuído ao
mercado mediático e mais concretamente à “indústria do entretenimento”. A grande indústria do entretenimento
norte-americana, a começar nas produções Hollywoodescas e a acabar na
preponderância de conteúdos americanos na Internet, concorrem para esta difusão
à escala global do “american way of life”, ou como salienta Webster “American media should be expected to laud the capitalist way of life”[11], e ainda “what is
shurely hard to dispute is that, in the round, the messages of American
entertainment (...) are supportive of America’s self-perception as a desirable,
indeed enviable, society which other nations would do well to emulate”[12].
Há medida em que as grandes indústrias que
combinam o par media-entretenimento
se desenvolvem, cresce e consolida-se o “consumer capitalism”, “uma
programação que é um desfile incessante de filmes, séries e folhetins
produzidos pelas «majors»do cinema americano. Admiremo-nos depois que os jovens
europeus tenham interiorizado a tal ponto o «american way of life» e a
abordagem americana dos problemas do mundo”[13].
Estas indústrias tornam-se fundamentais para alargar o domínio do consumismo
porque participam directamente no processo de inculcação de desejos e
necessidades nos actores sociais. Estas instâncias transmitem símbolos do
estilo de vida consumista, símbolos de sucesso, de beleza, de popularidade, de
prazer, (ao jeito de Poder Simbólico de Pierre Bourdieu), que protagonizam
meios de persuasão e instauram “falsas necessidades” e desejos nas pessoas
comuns: “the virus of voracious consumerism is embedded in the
cultural product that now reaches nearly all corners of the world. The waves of merchandising exhortation carried by, and built into, the
popular media, crash against the earth’s finite resourses”[14].
Esta ideia reflecte a preocupação com as questões da sobrevivência do planeta e com a protecção dos recursos naturais, ideia essa que está sempre implícita na teoria de Schiller e que ele denomina de “poluição cultural” provocada pelos desperdícios do consumo de massas, pelo comportamento aquisitivo e pela atitude consumista responsável pelo agudizar de uma crise ecológica global, suportada pela “combinação mortal” entre media, tecnologia e mercado.
Schiller assim como outros autores volta a colocar a tónica no valor de mercado da informação, comunicação e entretenimento, e na necessidade de obedecer a critérios meramente comerciais com vista ao lucro. Assim como frequentemente enunciado pelas abordagens ao meio televisivo, Schiller vê na conjugação das tecnologias com os media e o mercado, o tiranismo da sedução da maior audiência como forma de fazer prevalecer os interesses publicitários, sem os quais as indústrias de comunicação entrariam em colapso, por um lado, devido à privatização e à sua dependência face ao mercado publicitário, por outro porque os subsídios públicos quando ainda existentes tendem a ser deslocados para conteúdos também eles associados a lógicas de marketing. Esta ideia, como tantas outras do mesmo autor assentam sobre questões fundamentais associadas à Escola de Frankfurt, nomeadamente quando reforçam que: “Não só os produtos culturais, distribuídos em grande número, padronizados, homogéneos, são marcados por essas condições industriais de produção e de marketing, como também todo o processo de criação cultural é profundamente marcado pela lógica do lucro. Ao analisarem as relações entre condições económicas e a produção das formas culturais, os investigadores contemporâneos sublinham o peso determinante da lógica capitalista e da racionalidade técnica do sistema de fabrico e de circulação dos produtos culturais, veiculados tanto pelos media tradicionais como pelas «novas tecnologias» de informação e de comunicação, ou por certas indústrias conexas como a publicidade e o turismo”[15].
Central em toda a obra do autor é a noção de “Information Inequality” que dá
origem ao título de um dos seus livros. Esta ideia englobante de todas as
reflexões que venho expondo, é extremamente saliente quando o autor se refere à
desigualdade entre classes com origem no acesso desigual à informação/comunicação.
Isto é, a informação e as tecnologias de informação são criadas e
disponibilizadas aos que têm capacidade económica para as pagar, o que não
significa necessariamente uma exclusão total a esse acesso, uma vez que
historicamente tem-se observado que um alargado número de pessoas tem vindo a
aceder a outros media como a
televisão a rádio ou os jornais. Contudo os mecanismos de mercado têm vindo a
diferenciar os indivíduos hierarquizando a sociedade, diferenciações que se
reproduzem e exacerbam na era da informação. “The centrality of ability-to-pay criteria, and the
close linkage these have with class inequalities, leads Herbert Schiller to
distinguish between the ‘information rich’ and the ‘information poor’, whitin
and between nations”[16].
Para Schiller a questão do “information
gap” e da reprodução das desigualdades classistas no acesso à informação não é
apenas de ordem funcional ou quantitativa mas também de ordem qualitativa, uma
vez que considera a existência de um grupo de privilegiados económica e
educacionalmente com acesso a meios e a fontes de informação sofisticados em
contraponto a uma imensa maioria que continua a poder aceder apenas a
informação de fraco valor, ao “infolixo” e ao entretenimento de massa, de
produção barata e apelativa. Também
Manuel Castells reconhece a existência de um fosso social agudizado pela
globalização da informação, ao referir: “There followed
the social exclusion and economic irrelevance of segments of societies, of
areas of cities, of regions, and of entire countries, constituting what I call
«the Fourth World». The desperate attempt by some of these social groups and
territories to link up with the global economy, to escape marginality, led to
what I call «the perverse connection»”[17].
Para Herbet Schiller estamos em presença de um “Imperialismo Cultural” em que os meios de informação sustentam o domínio ocidental, e a história do desenvolvimento do capitalismo corporativo é também a história do desenvolvimento dos media corporativos. Como referem Lucien Sfez e Gilles Coutlée, “la théorie des effets idéologiques part du postulat suivant: toutes les autres traditions de recherche en communication ont commis l’erreur de chercher à prouver le pouvoir transfornatif des médias alors que les médias ont pour véritable effet d’empêcher les transformations. Pour la tradition de la «théorie critique» le renforcement des opinions et des attitudes ne se fait pas malgré les médias (...) C’est au contraire le plus puissant des effets attribuables aux médias: celui par lequel le «sens commun» et les rapports sociaux existants reçoivent leur légitimité en se «naturalisant»”[18], e embora Schiller reconheça a capacidade de transformação das sociedades operada pelas novas tecnologias, subsiste o poder maior de uma teoria dos efeitos ideológicos marcada pela naturalização da ideologia capitalista.
Para Schiller, as tecnologias de comunicação/informação têm vindo a ser
promovidas sem qualquer sentido crítico, desprovidas de cautelosas reflexões
sobre as suas eventuais contradições e renegando que elas não vêm colmatar os
principais problemas sociais da humanidade. Os problemas associados às novas
tecnologias que importa reflectir são de diversa ordem, contudo, embora de
forma redutora, eles tenham sido sistematizados por Les Brown, um observador e
crítico de televisão, de uma forma interessante, considerando “Os 7 Pecados
Mortais da Era Digital”, sendo eles: “1. Inequality;
2. Comercial exploitation and information abuse; 3. Threats to personal
privacy; 4. The disintegration of community; 5. Instant plebiscites and the
distortion of democracy; 6. The tyranny of gatekeepers, and 7. The loss of
public service values and social responsability” [19].
A noção de “Imperialismo Cultural” em
Schiller defende que, a ideologia veiculada pelos media cumpre funções inerentemente comerciais e sustenta os
interesse do mercado publicitário, logo, mais não faz do que reproduzir valores
fundamentais do capitalismo contribuindo para moldar e unificar à escala global
uma determinada filosofia de vida: “For advertising to fulfill it´s
systemically crucial role – getting the national output of goods and services
into the hand and homes of byers and reaffirming daily, if not hourly, that
consumption is the definition of democracy – it must have full access to the nation’s
message-making and transmitting apparatus. Over
time, this means the transformation of the press, radio, television, cable, the
satelite, and now, the computer, into instrumentations of marketing”[20].
Schiller evidencia que todos os media sem excepção têm concorrido para
acentuar as desigualdades sociais e económicas e para favorecer o isolamento
social de uma grande camada da população mundial inapta para participar neste
jogo de comunicação. Recorrendo à noção de “niche economies” de Alvin Toffler,
e à sua ideia de “revolta dos ricos” no sentido de uma luta para preservar e
alargar as suas vantagens e benefícios, Schiller salienta que esta orientação tomada pelos E.U.A. tem levado a que “The poor,
a good part of the minority population, and the inadequately educated,
increasingly are being cordoned off in urban centers, jails, hospitals, and
relatively inaccessible pockets of isolation”.
A questão da definição e da selecção do tipo de conteúdos de informação produzidos, estimulados e disseminados é também uma preocupação fundamental para Schiller, não só evidencia o papel de mediatização dos media, como reforça os perigos da intromissão indiscriminada dos grandes grupos de comunicação na definição do que é produzido e na consequente eliminação da informação de verdadeiro interesse para esferas sociais cruciais na sociedade. Para este autor, a rádio assim como a televisão que inicialmente revelaram um enorme potencial em termos de benefícios públicos, foram sendo moldados no sentido do comercialismo e da consolidação de um mercado doméstico capaz de absorver os produtos culturais do liberalismo-económico, evolução essa que se está a estender à era electrónica.
Schiller contesta inclusive o paradigma dos
“efeitos limitados” que, segundo entende, minimiza o poder de influência dos media contrabalançando-o com o poder da
audiência. Se até agora esta questão se tem centrado em torno da televisão ela
deve estender-se (embora com características diferenciadas) aos restantes media. Trata-se de discutir a noção de
“audiência activa” capaz de resistir aos imperativos da mensagem e capaz de lhe
atribuir sentido, de a objectivar. Para Schiller é aceitável a ideia de que a
audiência não é uma massa monolítica, mas isso não significa que se descure o
efeito da mensagem: “Audiences do, in fact, interpret messages variously. They also may transform them to correspond with their individual
experiences and tastes. But when they are confronted with a message incessantly
repeated in all cultural conduits, issuing from the commanders of the social
order, their capacities are overwhelmed. (...) the control of representation
and definition remains concentrated in the products and services of
media-cultural combines. That control can be challenged and lessened only by political
means. Theories that ignore the structure and locus of representational and
definitional power and emphasize instead the individual’s message
transformational capability present little threat to the maintenance of the
established order.[21]”
Schiller
desconfia de um “novo pacto de comunicação” assente no
valor-entretenimento como fundamental na comunicação moderna, na fusão entre
“cultura popular” e “merchandising”, e na importância das evoluções técnicas no
campo dos efeitos especiais que privilegia a forma em detrimento do conteúdo e
da reflexão. Na televisão assim como nos filmes ou na música, os efeitos
especiais concorrem para atrair a atenção sobre a mensagem comercial e esvaziar
os significados: “The inverse relationship between technique and content,
increasingly prevalent across all media forms, is the direct outcome of the
now-pervasive commercial imperative. If the primary
aim of the sponsor, or the producer, is to capturate as large an audience as
possible for the sales message, or to sell seats, why distract or, worse yet,
depress an audience with serious story line or lyric? Following this logic, the
carnival proceeds and the nation’s serious business goes unattended, or,
attended to, out of sight of the general public.”[22].
Herbert Schiller manifesta reservas
quanto ao papel atribuído à televisão no espaço público e concretamente
desvaloriza o contexto nacional para privilegiar o contexto transnacional
daquilo que chama de “Global Cultural Industries”. Segundo o teórico norte-americano, “Much of
nation’s physical space, outdoors and indoors, is now a private preserve,
carrying the messages and culture of the corporations that dominate economic
and political life.(...) These provide acess to the most personal places of
daily life; the living room, the bedroom, and the kitchen. Television (...) is
now one of the most influential, largely unacknowledged educators in the
country. One reason why television is heavly discounted as a powerful
educational force is the distinction made between ‘educational’ and
‘entertainment’ programming. This artificial separation seems to mesmerize many
into believing that entertainment shows are not educational”[23]. Ao reforçar o papel de formadora de opinião da televisão, ao
salientar a sua omnipresença, e a dimensão do consumo televisivo face ao
consumo escolar de conhecimento, Schiller visa salientar a sua força como
veículo da ideologia consumista que como já salientei anteriormente é
transnacional e global.
Com efeito, para o autor, a televisão tem
servido como um instrumento de marketing, enchendo o universo cognitivo dos
seus receptores de conteúdos publicitários, “The near-total
utilization of television for corporate marketing represents at the same time
the daily ideological instruction of the viewing audience. This occurs, first of all, in the incessant identification of
consumerism with democracy. Marketing has become so much a part of the
political process that it is increasingly difficult to determine where it
leaves off and politics begins”[24]. Isto implica, segundo o autor, a
desresponsabilização da função de serviço público dos media e a consequente
privatização do sector, e tem
justificado o esvaziamento de investimento financeiro nos sectores públicos da
comunicação, ao mesmo tempo que contribuiu para o empobrecimento dos conteúdos
dos mass media. Esta situação
conduziu a que mesmo os fragmentos de audiência que se manifestaram contra o
empobrecimento dos conteúdos televisivos se tronassem alvos dos anunciantes: “These
high-income viewers who were attracted to the noncomercial channels (though
hardly a mass audience) constituted na importante opinion-making group and a
high-disposable income class. It was inevitable that they would
become a target of the big, luxury-goods advertisers”[25].
Neste sentido é de salientar uma das
ideias mais interessantes relativamente à televisão e que vai de encontro às
concepções Schillerianas da comunicação, ou seja, enquanto meio privilegiado de
difusão da ideologia consumista em ambientes domésticos e da afectação em larga
escala do comportamento da audiência, a visão segundo a qual cabe à Internet a
integração de todos os sistemas de informação pode ser enganosa. Pelo
contrário, dada a sua eficácia e performance
enquanto ferramenta que contribui para moldar as representações da vida e do
mundo, é do interesse das grandes corporações, fazer com que a integração de
sistemas de informação passe pela televisão e não pela Internet, que pela sua
natureza atrasaria o processo de massificação da ideologia do consumo: “For
example, it is striking that most informational products for the home are
actually enhancements of the television set. Video
equipment, cable, computer games and suchlike are all founded on what has been
a remarkably successful commercial technology. Why offer anything radically
different when television has shown itself to be the public’s favourite leisure
technology? Those readers who feel that such an outcome is an inevitability
driven by an internal logic of technological innovation need to exercise some
imagination here. There is really no technical reason either why home IT should
be built around the television set or why programming should be so emphatically
entertainment oriented. The most telling pressure has surely been that this was
pushed and pulled in directions dictated by the market”[26].
No seguimento destas considerações é
natural que Schiller considere que as novas tecnologias e nomeadamente a
Internet, cumpram as mesmas funções anteriormente atribuídas aos media
clássicos, o futuro da Internet é o presente da televisão, quer autonomizada
quer integrada neste último medium de
massas, os factores de liberdade, de
autonomia e de participação do utilizador, frequentemente evocados pelos
defensores dos fascínios da Internet, tenderão neste quadro, a desnaturar-se e
a serem orientados para uma re-regulamentação económica favorável aos grandes
oligopólios que controlam o negócio da informação/comunicação. Os processos de
filtragem e a tematização de conteúdos serão sujeitos aos mesmos critérios e
operacionalizados pelos mesmos interesses que fazem mover os media clássicos, o que conduzirá
inevitavelmente à mercantilização da informação veiculada pela Internet e à
consequente perca de diversidade e qualidade dos produtos informativos
disponibilizados nesse medium.
No essencial, e embora Schiller se
procure demarcar de Neil Postman,
aproxima-se das concepções deste último quando evoca a ideia de “Amusing
Ourselves to Death” ou de “Informing Ourselves to Death”; este autor foca a
noção de que a televisão está a transformar a
cultura numa vasta arena de “Show Business”, na qual todos os assuntos
públicos estão a tornar-se uma forma de entretenimento, ao mesmo tempo que
salienta que as novas tecnologias têm vindo a atolar os indivíduos num
manancial de informação que estes não podem nem absorver nem organizar. A
"Tecnofobia" segundo Postman justifica a multiplicação de discursos
sobre as vantagens das inovações tecnológicas descurando que por vezes a
tecnologia cria menos do que aquilo que destroi. Um dos exemplos que utiliza
centra-se numa das grandes invenções da humanidade – o Relógio: “The Benedictine monks who invented the mechanical clock (...) did not
realize is that the clock is not merely a means of keeping track of the hours
but also of synchronizing and controlling the actions of men. (...) The
mechanical clock made possible the idea of regular production, regular working
hours, and a standardized product. Without the clok, capitalism would have been
quite impossible. And so, here is a great paradox: the clock was invented by
men who wanted to devote themselves more rigorously to God; and it ended as the
technology of greatest use to men who wished to devote themselves to the
accumulation of money”[27]. Embora Postman centre a sua
atenção nas questões do controlo social favorecido pela acumulação e
disseminação da informação, também vê a informação como um bem para ser vendido
e comprado ou usado como uma forma de entretenimento, subjugando deste modo a
cultura à economia. “Ninguém duvida que, hoje em dia, a ideologia largamente
dominante – a ponto de se pensar nela por vezes como a «última das ideologias»
- seja, com efeito, o liberalismo enquanto doutrina política e económica, para
lá das múltiplas versões sob as quais se concretiza, mais ou menos «liberal», mais
ou menos «social-democrata». Por conseguinte, a questão essencial que o
analista dos fenómenos de comunicação formula é a das relações entre
liberalismo e comunicação”[28].
A aproximação entre estes dois autores é
também clara na importância que atribuem às “Indústrias do entretenimento” na
sociedade actual, (e no caso de Schiller) enquanto favorável ao amadurecimento
da ideologia capitalista. A este respeito Postman escreve: “such proclaims the spirit of a culture in which all public discourse
increasingly takes the form of entertainment. (...) the dissolution of public
discourse in America and its conversion into the arts of show business. (...)
Those who have written vigourously on the matter tell us, for example, that is
happening is the residue of an exhausted capitalism; or, on the contrary,
that it is the tasteless fruit of the
maturing of capitalism”[29].
O grande valor de Herbert Schiller reside
na sua capacidade de compreender e de explicar a nova era da sociedade da
informação e de o fazer a partir da relevância atribuída ao sistema dos media clássicos e aos novos media enquanto veículos de ideologia e
de cultura.
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[2] BRETON,
P., PROULX, S., (1989), A Explosão da Comunicação, Lisboa,
Editorial Bizâncio, p. 128.
[3] SCHILLER, H. I., (1996),
Information Inequality, New York,
Routledge, p.62.
[4] Schiller citado por
WEBSTER, F., (1995), Theories of
Information Society, London, Routledge.p.74.
[5] BRETON,
P., PROULX, S., (1989), A Explosão da Comunicação, Lisboa,
Editorial Bizâncio, p.232.
[6] SCHILLER, H. I., (1996),
p.44.
[7] BRETON, P., PROULX, S.,
(1989), op. Cit., pp.230-231.
[8] SCHILLER, H. I., (1996),
p.55.
[9] SCHILLER, H. I., (1996),
p.44.
[10] SCHILLER, H. I., (1996),
p.45.
[11] WEBSTER, F., (1995), Theories of Information Society, London,
Routledge.p.79.
[12] WEBSTER, F.,
(1995),.p.80.
[13] NOBRE-CORREIA,
J.-M., “A Evolução da Paisagem Mediática Europeia: Um Pluralismo Singular” in
Le Monde Diplomatique, nº3, Campo da Comunicação, Junho 1999.
[14] SCHILLER, H. I.,
(1996),,p.72.
[15] BRETON,
P., PROULX, S., (1989), op. Cit.,
pp.228-229.
[16] WEBSTER, F., (1995),.p.90.
[17] CASTELLS,
M., (1997) The Rise of the Network
Society; Oxford; Blackwell, p.357.
[18] SFEZ, L.., GILLES, C.,
(1990), Technologies et symboliques de la
communication, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, p.279.
[19] SCHILLER, H. I., (1996),
p.87.
[20] SCHILLER, H. I., (1996),
p.60.
[21] SCHILLER, H. I., (1989),
Culture Inc. The Corporate takeover of
Public Expression, Oxford, Oxford University Press, p.156.
[22] SCHILLER, H. I., (1996),
p.69.
[23] SCHILLER, H. I.,
(1989),p.106.
[24] SCHILLER, H. I.,
(1989),p.107.
[25] SCHILLER, H. I.,
(1989),p.108.
[26] Sharpe
citado por WEBSTER, F., (1995),.p.83.
[27] Neil Postman,
"Informing Ourselves to Death",
<http://cec.wustl.edu/~cs142/articles/MISC/informing_ourselves_to_death--postman>
(04/06/1998).
[28] BRETON,
P., PROULX, S., (1989), A Explosão da Comunicação, Lisboa,
Editorial Bizâncio, p. 315.
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