O DISCURSO FEMINISTA E OS ESTUDOS DOS MEDIA:
EM BUSCA DA LIGAÇÃO NECESSÁRIA

Maria João Silveirinha, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Introdução
No contexto da discussão acerca das identidades e em particular no contexto da acção dos novos movimentos sociais, o campo do comunicacional emerge como um espaço de luta política decisivo e não apenas complementar de outras instâncias em que se encerra a dinâmica histórica. Para Alberto Melucci, teórico destes movimentos, os desenvolvimentos de formas de acção colectiva associadas ao feminismo, radicalismo ecológico, separatismo étnico e outras formas de políticas de identidade, não podem ser reduzidos a simples expressões de uma divisão estrutural. A acção colectiva produz orientações e significados que os actores reconhecem e, por isso, haverá que dar prioridade analítica à construção activa da identidade colectiva. Ao dar precedência à cultura, ao significado e à identidade, Melucci realça o significado da comunicação e da informação, defendendo que a sua globalização criou novos espaços de acção colectiva, pelo que coloca uma forte ênfase no papel da informação na mudança da natureza da acção colectiva no final do século XX. (Melucci, 1996).
Na verdade, os movimentos contemporâneos têm de funcionar em sistemas que se constituem como redes de relações entre estruturas diferenciadas e relativamente autónomas e, nas sociedades onde a informação se tornou um recurso crítico, a acção colectiva, concebida como forma de mudar as formas como o discurso público é estruturado, tornou-se tanto ou mais poderosa do que a acção dependente das forças materiais. A crescente importância dos recursos simbólicos e informacionais leva-nos a definições do poder e da desigualdade que não podem ser medidos apenas em termos de distribuição dos recursos económicos: «A análise dos desequilíbrios estruturais na sociedade deve referir-se mais a uma diferenciação de posições que atribui a alguns um maior e mais específico controle sobre os códigos, sobre os poderosos recursos que estruturam a informação (...). O acesso a estes códigos primários não está distribuído ao acaso e corresponde a uma distribuição das posições sociais» (Melucci, 1996:179).
Em nossa opinião, isto não significa que baste fazer uma análise das desigualdades estruturais de acesso aos recursos simbólicos, ainda que esta seja de importância fundamental. Nem tão pouco significa que se possam dissociar as políticas de reconhecimento das políticas de redistribuição ou sequer neglegenciar as injustiças da distribuição político-económica, a desigualdade material, o diferencial de poder entre grupos, e as relações sistémicas de dominação e subordinação (Fraser, 1997). Mas, ao nível simbólico, é sem dúvida necessário repensar o campo social contestado, identificando novas formas de poder não só nas próprias respostas e construções discursivas dos actores dos movimentos sociais como no campo de mediação onde operam essas mesmas construções. É precisamente na investigação deste campo que surge a ligação entre os discursos e as práticas dos movimentos sociais identitários, os discursos e as práticas simbólicas da sua representação e uma realidade simbólica que pode ser objecto de percepções diferentes.
O princípio da disputa e as lutas que ocorrem neste campo tem validade não só no caso das reivindicações, mas também relativamente aos recursos, oportunidades políticas e resultados da acção colectiva cuja dimensão pública tem uma importância que não pode por demais ser sublinhada. Como diz Nancy Fraser, «ao insistir em falar publicamente sobre necessidades até então despolitizadas, ao reclamar para estas necessidades o estatuto de questões políticas legítimas, essas pessoas e grupos fazem várias coisas ao mesmo tempo. Primeiro, contestam as fronteiras estabelecidas separando a 'política' da 'economia' e do 'doméstico'. Segundo, oferecem interpretações alternativas das suas necessidades enraizadas em cadeias alternativas de relações instrumentais. Terceiro, criam novos discursos públicos a partir dos quais tentam disseminar as interpretações das suas necessidades por uma vasta gama de diferentes discursos públicos Finalmente, canalizam, modificam e/ou deslocam elementos hegemónicos dos meios de interpretação e comunicação» (Fraser, 1989: 171).
Os movimentos sociais vêm-se pois cada vez mais imersos numa luta simbólica pelo significado e pelas interpretações, articulando-se num espaço público, no qual os media, devido ao seu papel central nas sociedades modernas, vêm também a ocupar um lugar determinante (Gamson, 1989). Identidade, media e espaço público parecem assim inextrincavelmente ligados. Mais do que simples lugares de representação, os media constituem-se como práticas significantes e sistemas simbólicos públicos pelos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos, criando novas possibilidades do que somos e do que podemos vir a ser.
O movimento das mulheres, como outros movimentos identitários, na luta pelo reconhecimento público dos seus direitos e necessidades, não deixou de prestar atenção ao facto de as mensagens em grande parte determinarem o que consideramos saber, que saber privilegiamos, que valores abraçamos, que poderes se estabelecem. Além de todas as práticas significantes envolverem relações de poder, incluindo o poder de definir quem e como é incluído e quem e como é excluído, as feministas estão bem conscientes de como os sistemas simbólicos oferecem formas de fazer sentido da experiência, das divisões sociais e das formas de exclusão e estigmatização de alguns grupos.
Assim, em termos gerais, poder-se-à dizer que uma parte da acção feminista consiste, por um lado, em avaliar criticamente os discursos construtores de uma teia de significado, de uma visão do mundo socialmente construída, que historicamente têm excluído ou secundarizado a experiência das mulheres e, por outro, em avaliar aquilo que, nos seus termos, pode ser considerado 'o mito do acesso universal' à esfera pública. Nessa avaliação, podemos identificar duas linhas de investigação que parecem percorrer caminhos paralelos e nem sempre convergentes: uma, de certo modo vasta e dispersa, que reuniremos sob os estudos feministas dos media, e outra de investigação e reflexão em torno da esfera pública.

Os estudos feministas dos media
Nesta linha de investigação, o discurso feminista tem-se articulado com a questão dos meios para construir uma definição da 'realidade' das relações do género que prevaleça sobre outras definições alternativas. Em causa está o próprio sistema ou o conjunto de formas de entendimento, valores e formas de comunicação, com base nos quais se organiza a nossa sociabilidade e pelas quais aprendemos a viver em sociedade. Num mundo em que as mensagens mass-mediatizadas oferecem as estratégicas mais poderosas e tecnológica ou retoricamente sofisticadas para moldar a realidade cultural, e em que as oportunidades para criar e receber mensagens mass-mediadas são tão avassaladoras como as oportunidades de abuso, a comunicação mass mediatizada assume-se, nas questões do género, como uma das preocupações centrais. As problemáticas envolvidas, em termos de vertentes de investigação, vão desde as formas de propriedade e controle, às questões do emprego (feminização da profissão), às práticas e formas narrativas dos media, às questões das audiências. Longe de se pretender fazer uma tipologia exaustiva – tarefa, aliás, impossível dada a circularidade, interelacionamento e complexidade dos próprios processos culturais que impedem a identificação linear das suas 'etapas' - , podemos, no entanto, sistematizar algumas vertentes de investigação feminista dos media.
Uma primeira vertente de investigação – pouco desenvolvida - está ligada à sociologia da notícia. Em termos da sociologia dos emissores, mesmo reconhecendo aspectos tão importantes como 'media frames', 'valores-notícia', 'rotinas jornalísticas', ou em geral, o carácter não-neutro de uma construção social, as questões de género estão frequentemente ausentes. Nos estudos feitos na matéria – geralmente associados à feminização da imprensa - conclui-se de uma forma geral que, no que toca aos valores profissionais e à produção das jornalistas, não há diferenças entre os sexos (van Zoonen:1994). Uma explicação para isso pode residir no próprio modelo Iluminista de racionalidade do jornalismo em que, para poder representar uma suposta 'neutralidade' e 'objectividade', as diferenças terão de ser apagadas e reunidas numa só estrutura racional e universal de representação.
Em termos da acção feminista, no entanto, têm-se também tentado mudanças na segregação vertical e horizontal dentro da estrutura organizacional das indústrias dos media. Subjacente a essa acção está o pressuposto que um aumento da participação das mulheres a todos os níveis organizacionais nas indústrias dos media conduzirá inevitavelmente a uma mudança inovadora na codificação do discurso dos géneros, resistindo assim à tendência histórica nos media de reforçar a dominação masculina. Trata-se, no entanto, de um pressuposto que tem sido posto em dúvida por alguma investigação (Creedon, 1993:13). Liesbet van Zoonen, por exemplo, defende que não é o número de mulheres ou homens no jornalismo que determina a forma das notícias, mas é a transformação do género noticioso, para formas cada vez mais impulsionadas pelo mercado, levando ao interesse por 'histórias de interesse humano' e de investimento emocional – para as quais, aparentemente, as mulheres-jornalistas são mais sensíveis – que cria novas oportunidades para as mulheres: «[é] o conteúdo e estilo das notícias que está a determinar se as mulheres ou os homens irão trabalhar no jornalismo – em termos simples – e não os homens ou mulheres jornalistas que determinam qual o conteúdo e estilo das notícias». (van Zoonen, 1998: 45).
A ponte para uma segunda vertente de investigação está ainda no interior da sociologia da notícia onde um importante corpo de estudos se dedicou aos chamados 'media frames' que, tal como Gitlin os define, são «esquemas persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de selecção, ênfase e exclusão, a partir dos quais os gestores de símbolos organizam o discurso, verbal ou visual» (Gitlin, 1994:7). Entendidos pelos jornalistas ou pelos profissionais dos media como de 'senso comum', e com base no pressuposto de que a sociedade partilha de um consenso cultural comum a uma vasta audiência, as disputas surgem precisamente porque essa audiência é, ela própria, dividida por clivagens de género, raça e classe, em que a interpretação dos conteúdos dos media é matéria de dissonância cultural. Quando as minorias culturais desafiam a criação e o retrato de uma realidade social, a batalha sobre as news frames transforma-se num processo político (Norris, 1997).
Uma segunda vertente de pesquisa foi marcada pelo trabalho de Gaye Tuchman que estabeleceu uma agenda de investigação ligada às representações em si do feminino, das relações de género e da dominação patriarcal nos textos mass mediáticos (Tuchman, 1978). Desde o início do movimento do feminismo de segunda vaga, que se começaram a expressar fortes críticas sobre os estereótipos na cultura popular, sobre a forma como os media noticiosos cobrem os papeis das mulheres e mesmo sobre o retrato das preocupações feministas no feminismo organizado (em que tantas vezes 'feminista' equivale a ser uma mulher de êxito). Os resultados destas investigações apontam normalmente para formas de realce da aniquilação simbólica das mulheres nos media, ou da forma como estes constituem um sistema patriarcal que representa e reforça a dominação e o poder masculino. É, aliás, também nesse sentido, que os próprios relatórios oficiais têm repetidamente expressado preocupações sobre as imagens das mulheres nos media que reforçam barreiras culturais e papeis tradicionais.
Numa terceira vertente de investigação – sem dúvida a mais poderosa - os estudos feministas dos media interessaram-se pelas audiências, pelo exame das práticas sociais da mulher em relação aos textos mediáticos: consumo cultural, leitura feminina, contextos quotidianos da recepção, etc. No seu conjunto, há alguns temas assumidos e/ou revitalizados que, nesta linha de investigação, ganharam maior importância, como os estereótipos, a socialização do género, a ideologia e a pornografia (van Zoonen, 1994).
Mais recentemente, os movimentos contemporâneos centram-se numa teorização de como o género, em si, é construído dentro de textos e como as representações do género exercem poder sobre os 'leitores'. O resultado desta mudança de prioridade foi o questionar da linguagem, da subjectividade e da representação. Numa leitura dos media associada ao pós-estruturalismo, condenando a tendência para pensar no poder como uma entidade monolítica que é detida por alguns grupos e não por outros, muitos autores centram-se na multiplicidade das relações e nos resultados da subordinação sobre as subjectividades das mulheres abertas a uma pluralidade de significados, permitindo diferentes implicações políticas e desafios directos às representações patriarcais. Neste contexto, emerge uma nova dimensão na compreensão dos media, em que a interacção entre o produtor e consumidor já não pode ser entendida em termos de uma relação entre dominador e dominado, dado que os consumidores são, eles próprios, os produtores de significado.
A atravessar muitos destes estudos, estão as próprias ambivalências e tensões do interior do feminismo e das chamadas 'políticas de identidade'. Confrontando a questão do essencialismo da identidade e da sua fixidez como 'natural', isto é, como categoria biológica, as 'políticas de identidade' transformaram-se «...não numa luta entre sujeitos naturais. É uma luta pela própria articulação da identidade, em que se mantêm abertas as possibilidade dos valores políticos que possam validar tanto a diversidade como a solidariedade» (Weeks, 1994:12). As políticas de identidade procuraram assim construir uma política da diferença que subverta a estabilidade das categorias biológicas e a construção de opostos. Historizou-se a experiência, realçando as diferenças entre grupos marginalizados como alternativa à 'universalidade' da opressão. No interior da teoria feminista, surgiu o confronto com uma divisão entre o que se chamou o feminismo da 'igualdade' e um emergente feminismo da 'diferença'. A demarcação entre estas duas diferentes versões baseia-se na forma como cada uma delas entende a 'justiça' e como cada uma pretende reintroduzir um novo significado de 'igualdade' ('equidade' de género). O discurso da 'igualdade' defende que é importante para as mulheres serem consideradas iguais aos homens, e considera a 'diferença de género' como uma forma de sexismo. O discurso da 'diferença', pelo contrário, considera que é impossível usar a medida de 'igualdade' conceptualizada do ponto de vista masculino, pelo que o que é preciso para superar esta perspectiva parcial é recuperar as qualidades ligadas à 'diferença' das mulheres. A 'diferença de género' tornou-se, assim, a estratégia selectiva activa para lidar com uma reavaliação das mulheres e o que passou a estruturar uma parte do seu movimento foi não só a igualdade dos direitos mas o direito à diferença.
É neste sentido que, à medida que as feministas lutam com desafios políticos e teóricos a qualquer entendimento fácil da categoria "mulher ", as questões do que é uma identidade e como ela se constitui têm conduzido a diferentes respostas teóricas. Algumas destas respostas passam pelo afastamento das formas humanistas de análise que partem de uma identidade feminina 'essencial', para adoptar a ideia de que a feminilidade não é mais que um orquestrado conjunto de práticas representacionais que produz uma coerência do género feminino como simples e naturalizado (McRobbie, 1997). Noutras, realça-se o facto de o sentido de identidade colectiva ser alcançado pelo reconhecimento de uma opressão partilhada baseada no género, obscurecendo as desigualdades materiais e suspendendo outras formas de diferença.

Os estudos feministas sobre a esfera pública
Os estudos feministas sobre a esfera pública ligam-se também, de algum modo, a esta questão. Em causa está um poderoso corpo de investigação sobre a identidade feminina e sobre a forma como essa constituição é tematizada nos discursos culturais da sociedade civil. O elemento empírico desta corrente de investigação dá lugar a um questionamento sobre a dinâmica da opinião pública por forma a que a tematização das identidades possa levar a noções mais amplas de justiça. Fundamentalmente, reconhece-se aqui que o movimento das mulheres, como outros movimentos identitários, na luta pelo reconhecimento público dos seus direitos e necessidades, se joga na esfera pública e que esta deverá ser objecto de investigação, crítica e reordenamento.
Um dos núcleos dessa investigação foi, primordialmente, a crítica da esfera pública burguesa Habermasiana, criticada quer nas suas condições ideais - um espaço caracterizado por indivíduos discursando livremente, pondo entre parênteses ou suspendendo, o estatuto, identidade colectiva e consenso -, quer nos seus 'termos reais' – um retrato que deixa de fora os capitalistas concorrentes, as desigualdades materiais, as restrições de género e a divisão de classe. Teóricas feministas como Nancy Fraser, Seyla Benhabib, Iris Marion Young, Mary Ryan, Carole Patman e Joan Landes tentaram revelar as exclusões constitutivas da esfera pública burguesa, tanto na sua dimensão normativa como histórica.
Em causa está a própria ideia de um público civil interiormente coerente, homogéneo, que atinge a sua unidade banindo a sua própria particularidade. Mesmo as teóricas críticas feministas que mantêm a procura de um projecto emancipador fundado no modelo discursivo de Habermas e na tentativa de fazer avançar a democratização das normas sociais e relações sociais igualitárias, não deixaram de fazer críticas ao modelo de esfera pública proposto por este autor. Criticaram não só a real exclusão das mulheres na esfera pública burguesa, mas também o facto de Habermas não reflectir criticamente sobre essa exclusão.
Em substituição do modelo Habermasiano, as feministas propõem uma esfera pública (ou esferas públicas múltiplas) onde são reconhecidas e apreciadas as diferenças, procurando uma base normativa para o particularismo como fundamento da democracia. Questões como o género, a raça, a etnia, a idade e a preferência sexual constituem diferenças que não podem ser 'suspensas' para constituir uma expressão do interesse geral e objectivo, ainda que este tenha um objectivo eminentemente emancipador.
Habermas, embora não discorde que, apesar das suas reivindicações ideológicas, a esfera pública burguesa funcionou para excluir a vasta maioria de sociedade, encontra o potencial correctivo destas exclusões nos ideais igualitários encarnados nas instituições e nos discursos desta esfera. É pela constituição de uma arena discursiva conceptualmente distinta do estado e da economia oficial que os seus participantes podem discutir questões de interesse comum, criticar o estado e debater como cidadãos e não como consumidores. A emergência de um processo de formação de um consenso democrático pela argumentação crítica só foi possível por uma clara distinção normativa das esferas institucionais pública e privada tal como ocorreu numa fase inicial das sociedades capitalistas.
Porém, esta reivindicação enfrenta vários poderosos desafios no trabalho das feministas. Mesmo reconhecendo a utilidade das distinções entre sistema e mundo da vida, público e privado, consideram que Habermas, ao excluir por exemplo o lar e a economia da esfera pública, suprime sistematicamente a questão da gestão democrática das relações homem/mulher e das relações de produção. A crítica não é tanto relativamente às linhas que separam o público do privado mas sobre aquilo a que elas conduzem: a junção de 'homem proprietário' e de 'cidadão' leva às noções de 'homem público' e 'mulher privada', circunscrevendo as mulheres para o domínio privado e assim legitimando a sua opressão e exploração nesse domínio. A concepção burguesa e masculina da esfera pública, como diz Nancy Fraser, remete as mulheres para um "reino a-político" de intimidade e isolamento, erguendo novas barreiras à sua participação dentro das estruturas políticas formais. Além disso, a privatização das questões das mulheres como 'pessoais ou domésticas' não deixa ver que «a identidade de género é vivida em todas as arenas da vida: trabalho assalariado, administração pública, cidadania, relações familiares e sexuais» (Fraser, 1989: 127). Para esta autora, a concepção burguesa não é tanto um ideal utópico irrealizado, como é para muitos críticos da Habermas, mas uma noção ideológica masculina, que funcionou de modo a legitimar uma nova forma de domínio de classe. A esfera pública não está separada das questões financeiras e das questões do poder. No caso da violência doméstica as relações de subordinação do género são reproduzidas quando o problema é remetido quer para a esfera do doméstico quer para enclaves públicos especializados - como o direito familiar ou a sociologia e a psicologia do 'desvio' (Fraser, 1989: 168). Por isso, há que separar o conceito de esfera público da sua forma liberal, usando-o como uma crítica da democracia enformada pelas experiências e necessidades articuladas pelos movimentos sociais do século XX.
Baseada no exemplo de contra-públicos subalternos - os públicos alternativos constituídos pelas mulheres, operários, pessoas de cor, homossexuais e lésbicas - Fraser defende o movimento feminista como o exemplo mais notável de actividade de contra-públicos do fim do século XX, notando a sua orientação publicista na disseminação das reivindicações feministas por diários, livrarias, editoras, filmes e cadeias de distribuição vídeo, conferências, centros de pesquisa, programas académicos, etc. Por outro lado, uma concepção pós-burguesa da esfera pública, com maior paridade de participação, exigiria retirar dos parênteses as desigualdades sociais e fazer uma tematização explícita dos marcadores de desqualificação a que o liberalismo é cego. É, aliás, nesse sentido, que Nancy Fraser cita, com aprovação, as tendências reveladas pela actual importância e dinamismo do chamado multiculturalismo, das políticas de identidade, e dos novos movimentos sociais que pode ser visto como um progresso em direcção a esse modelo.
Fraser tem por referência a esfera pública política enquanto constelação de arenas de diálogo, pelo que, na avaliação da esfera pública habermasiana, não explora a esfera pública mediatizada. Num trabalho posterior, porém, a autora propõe que uma teoria adequada da esfera pública tem que distinguir entre diversas esferas públicas e tem que incluir esferas públicas governativas oficiais, esferas públicas mass-mediadas, esferas de contra-públicos e esferas públicas informais na vida quotidiana, mostrando como alguns destes públicos marginalizam outros (Fraser, 1997). Fraser inclui, nesta lista, esferas de públicos mass-mediadas, sobretudo para reforçar a ideia de que os media constituem o apoio material à circulação de visões de propriedade privada e operadas pelo lucro, e portanto, não estão disponíveis a grupos sociais com poder desigual.
Lisa McLaughlin, porém, vai mais longe na sua análise e apresenta-se como uma das poucas feministas que tentam fazer a ligação entre as preocupações das críticas de Habermas e a forma como as diferenças são produzidas e como circulam pelas práticas de selecção, avaliação, ordenamento e enquadramento dos media (McLaughlin, 1998). O 'espaço do acontecimento mediático' constitui-se como um espaço público «mais contemporaneamente relevante, menos frágil, talvez mesmo conceptualmente mais material, onde as diferenças são hoje geridas» (McLaughlin, 1998: 73). O seu estudo do caso da cobertura mediática do caso O. J. Simpson mostra como este «oferece uma extraordinária oportunidade para analisar como os acontecimentos mediáticos podem abrir um forum para discussão pública de preocupações antes 'privadas', como a violência doméstica, e, ao mesmo tempo, permitir que a representação espectacular do assassínio e do poder e da celebridade actuem como escudos e como substitutos de debate público das questões» (McLaughlin, 1998: 81). Como 'acontecimento mediático', o caso Simpson ilustra o confronto entre o debate racional e o espectáculo. Um dedo numa das principais feridas da teoria dos media hoje.

Em busca da ligação necessária
Como se disse, as linhas de investigação que ligam o feminismo, os media e a esfera pública parecem percorrer caminhos paralelos e nem sempre convergentes, ainda que atravessadas não só pelas mesmas problemáticas, como pelas mesmas dificuldades e tensões em torno da formação de uma identidade colectiva que, como Melucci aponta, produz orientações e significados que os actores reconhecem em democracia. Mas a democracia é algo mais que um regime político: é também uma forma de organizar o espaço público, o espaço da comunicação. E, no entanto, a recíproca atenção aos media e à esfera pública nem sempre parece fazer-se.
Nos estudos sobre a relação dos movimentos sociais com os media parece prevalecer a noção de que estes estão associados à erosão da opinião pública, designadamente no esvaziamento das suas estruturas de comunicação, destacando-se o seu lado manipulador. Por isso, a identificação dos meios de comunicação como instrumentos intrinsecamente manipuladores, levou a abandonar um espaço privilegiado do processo de construção social a não ser numa perspectiva eminentemente instrumental, em que os media são apresentados como simples veículos para a disseminação de discursos, mesmo que a relação seja de necessidade mútua. Numa revisão da literatura sobre a ligação entre os media e os novos movimentos sociais, por exemplo, Gamson e Wolfeld descrevem a relação como sendo de interdependência. Do seu ponto de vista, os movimentos sociais precisam dos media para mobilizar os seus membros, estabelecer a sua credibilidade por validação exterior e alargar o alcance da disputa, incluindo mediadores na discussão. Os media precisam dos novos movimentos sociais para lhes fornecer notícias interessantes. O facto de este não ser um casamento de iguais pode contribuir para distorções sistemáticas da mensagem de um movimento, seja pelas próprias acções dos movimentos sociais, seja pelas pressões internas dentro das organizações noticiosas. Daí que muitos estudos apontem para as distorções das mensagens, quer pelo lado dos próprios movimentos sociais que pretendem obter cobertura, quer pelo lado dos media, em função da sua própria lógica de funcionamento (Gitlin, 1980).
Se do lado dos emissores a pesquisa não tem sido profícua, é-o no lado dos receptores. No entanto, as análises de recepção o próprio centramento sobre os conteúdos limitam-se frequentemente a valorizar cada actividade privada de consumo como oposicional e resistente, com a consequente reafirmação dos discursos dominantes que, de alguma maneira teriam perdido o controle das suas mensagens. Embora se valorize a mediação da experiência do mundo da vida, onde reside a ideologia, nem sempre se tem dado a devida atenção ao facto da existência da ideologia assentar na não-transparência do mundo da vida, numa não transparência que torna a interpretação sempre difícil e provisória. Como Garham chama a atenção, as dinâmicas deste processo e o relativo peso dentro dele das determinantes dos sistemas racionalizados e das experiências não racionalizadas do mundo da vida são uma área crucial e negligenciada pela pesquisa dos media e pelos estudos culturais (Garnham, 1989).
Questão importante, tanto mais que as várias dimensões dos novos movimentos sociais envolvem uma relação reflexiva para com os mundos objectivo, subjectivo, e social, na medida em que tematizam questões de identidade pessoal e social, contestam a interpretação social das normas, criam e acordam comunicativamente novas normas e propõem formas alternativas de se relacionar com os contextos. É nos complexos processos de mediação, com base nas experiências comunicacionais e das identidades formadas em seu torno, que chegamos às opiniões e acções mais abertamente racionais e políticas. Parece, pois, importante, na análise dos diversos movimentos sociais e nomeadamente nos estudos feministas, retomar a análise dos media em termos das suas estruturas comunicacionais enquanto elementos da esfera pública, e não como simples sistemas técnicos e económicos de produção, distribuição e consumo de informação.
No caso do feminismo, em causa deverá estar não só o estudo das questões de representação do género, mas a comunicação enquanto estudo do papel da comunicação na vida política e do espaço em que se trocam os discursos discrepantes dos actores que, em democracia, têm oportunidade de se expressar publicamente. Os media põem em jogo referentes interpretativos para as subjectividades. Mas poderão esses referentes dissociar-se da forma da sua circulação nos media nomeadamente enquanto simples 'soundbites'? Será a comunicação dos media uma forma de expressão e discussão que mantém uma ligação aos contextos dessa expressão pública? Reterá a sua dimensão política? Na verdade, o velho slogan feminista 'o pessoal é político' corre no risco de assumir, nos media, dimensões particulares – da simulação à privatização - que urge pensar.
Refiram-se, a título de exemplo, os retratos da vitimização das mulheres e da sua ausência de poder que enchem os media. Noticiários, talk shows, jornais, videos e filmes escrevem os seus próprios textos com as palavras e imagens do discurso feminista. Os talk shows e as telenovelas, em particular, estão cheios de preocupações originalmente articuladas pelas feministas radicais: violação, pornografia, incesto, abuso sexual, etc.. Pode ver-se, nesse discurso, uma oportunidade para referir temas que dizem respeito às mulheres e essa é a posição de muitas análises. A apropriação dos media dos temas feministas e os prazeres da resistência na leitura das mensagens dos media tem levado a uma considerável produção, nomeadamente no seio dos estudos culturais. São análises normalmente associadas os prazeres da cultura popular e de que são exemplo algumas análises de telenovelas que colocam a ênfase sobre o trabalho criativo efectuado pela audiência na produção de leituras negociadas e oposicionais, celebrando a polissemia do texto e a resistência da audiência. Em termos gerais, defende-se que embora mergulhados no idioma do sensacionalismo e numa linguagem que em tudo se opõe ao modelo racional-crítico de Habermas, os 'talk shows' constituem foruns públicos que articulam discursos não técnicos, não burgueses, sobre o social e o político, constituindo assim um contra-público capaz de contestar as instituições que impõem a sua desvantagem (Carpignano, 1993). O argumento é que as formas espectaculares de publicidade se tornaram mais interactivas e democráticas, produtoras de um saber prático que desafia as interpretações oficiais e hegemónicas. Nas recentes discussões sobre as possibilidades democráticas dos novos media, o ambiente parece ser de um optimismo generalizado, mais uma vez em torno da formação de comunidades e de novas formas de contra-públicos.
Mas, na verdade, essas análises não são muito diferentes do tratamento as tendências hegemónicas dos media como aproblemáticas. O que lhes falta é a dimensão pública dos textos, dado que as representações em causa, por exemplo da violência sexual, surgem como individualizadas e privatizadas. Enquanto as feministas radicais ligaram o pessoal ao político, nestas análises não há política no pessoal porque o pessoal é privatizado e as 'políticas do sexo' naturalizadas. O privilégio patriarcal é despolitizado por uma imensidão de tragédias femininas individualizadas. Com isso, os media poderão chamar a atenção das mulheres, mas não mudam a sua vida. Pelo contrário, escondem as complexidades do feminismo.
Na verdade, a retirada para práticas de consumo 'privadas' e a celebração de alegadas 'comunidades' resistentes constituídas por fãs de alguns conteúdos mediáticos pode conduzir ao encorajamento do consumismo e à não participação, perpetuando os discursos hegemónicos enraízados em práticas exclusionárias, pondo em perigo a democracia e a mudança social, mascarando formas de dominação e suprimindo grupos oposicionais com base no género, raça e classe. Às feministas competirá repolitizar o que os media despolitizam.
A questão torna-se, então, saber até que ponto as políticas de identidade são, na sua actual forma, minadas pela natureza aparentemente a-política da esfera pública mediatizada. Até onde se pode levar uma política de identidade dado o facto de que, dentro da esfera pública contemporânea mass-mediada, a identidade cultural pode ser interpretada como uma forma de desempenho, uma forma espetacular de auto-construção?
Como Garham chama a atenção, o tipo de espaço público produzido pelos media difere das esferas públicas discursivas oferecendo também uma forma diferente de publicidade. No seu interior constróem-se formas mais ambíguas de publicidade e a possibilidade de uma comunicação estruturada em redes que não estabelece o mesmo grau de responsabilidade mútua e reflexividade típica da comunicação na esfera pública. «Mais do que um espaço, os media globais formam uma rede. Nessa rede temos publicidade sem uma esfera pública», diz Garnham (Garnham, 1989: 212). Em vez de constituírem um público, os media podem ser usados para criar uma audiência agregada, mais 'anónima', onde se não faz necessariamente o uso público da razão e onde, como tantas vezes se tem vindo a afirmar, reside o perigo de, em vez de cidadãos, termos consumidores passivos de imagens.
É aqui que entram de novo as análises feministas da esfera pública, nomeadamente pela noção contra-público,
Questionando a pretensão a universalismo na esfera pública, as oposições binárias rígidas usadas nos discursos que dividem a associação de mulheres com a esfera privada da associação de homens com a esfera pública, e a dicotomização das experiência e racionalidade, como vimos, o encontro das feministas com o trabalho de Habermas funde-se com a crítica feminista mais vasta aos projectos que iluminam a parcialidade do género dentro da distinção público/privado da teoria liberal e dentro da filosofia política mais em geral. Mas estas críticas não impedem as virtudes do impulso gerado pela abordagem habermasiana. Quando, como vimos, muito do estudo dos mass media na perspectiva feminista é excessivamente centrado apenas nos próprios media, a virtude da abordagem pela esfera pública é focar a ligação indissolúvel entre as instituições e as práticas da comunicação de massas e as instituições e práticas da política democrática. O problema da representação dos media, no sentido mediador da palavra, limita-se, em grande parte, a colocar a questão em termos de como os vários media reflectem, bem ou mal, o equilíbrio existente das forças políticas, a agenda política e o seu efeito sobre a acção política e sobre a auto-compreensão das mulheres. Mesmo sendo questões importantes, são questões que falham a questão essencial e mais urgente que é a levantada pela relação emergente entre os media e as identidades, sendo eles próprios uma parte central e integral da estrutura e do processo político de formação dessas mesmas identidades. A par do potencial emancipador, por exemplo das questões de agenda e da tematização, – representar é também re-apresentar, apresentar algo que está ausente - é preciso pensar que os media têm também uma lógica de visibilidade fragmentária, dispersa e indutora de consumo privado.
Por outro lado, a omissão dos media nos estudos feministas sobre a esfera pública resulta, essencialmente, do seu enfoque frequentemente singular no funcionamento interno, oposicional da contra-esfera pública feminista. Isto tem o efeito de alargar a noção de esfera pública, em princípio, para permitir a participação dos antes excluídos, ou de definir esferas públicas múltiplas, alternativas que procedem a sua actividade discursiva própria, igualmente valiosa, para espaços que se afastam da esfera pública oficial. Mas, mais do que uma expansão numérica, essa inclusão cria também um espaço socialmente diferenciado. Os cidadãos participam nele como portadores de diferentes interesses, identidades culturais, papeis sociais e conhecimento diferencialmente distribuído. No entanto, o exclusivo centramento em cada uma das identidades tem a consequência de focar na identidade interna, oposicional, à custa de uma consideração do papel dos media e, portanto, dificultando o estabelecimento de um espaço representativo necessário para a democracia.
Como já referido, a situação tem-se vindo a complexificar com os chamados "dilemas de diferença" que têm atravessado os discursos públicos, em torno da constituição das identidades, passando pelas práticas académicas e políticas de feminismo, originando divisões entre as 'anti-essencialistas' que são cépticas sobre identidade e diferença considerando-as como construções discursivas por um lado e os 'grupos multiculturais' que celebram e promovem todos os tipos de diferença e identidade de grupo. Por vezes, estas divisões parecem constituir um sopro fatal para a política feminista e para o seu potencial de desenvolver relações de solidariedade que façam a ponte entre identidades diferentes das mulheres, reconhecendo-as e legitimando-as. Se as pretensões à diferença forem levadas ao extremo, o risco é o de uma fragmentação dos movimentos em segmentos auto- assertivos e fechados.
Sem dúvida que o uso público da razão é agora instanciado nas capacidades de comunicar numa esfera pública socialmente diversa e complexa. Mais do que um espaço neutro e abstracto, a esfera pública torna-se diferenciada por identidades culturais e papeis sociais, em que os participantes não são apenas 'pessoas privadas' no sentido abstracto, mas pessoas particulares com vários papeis sociais e institucionais em virtude dos quais se dirigem aos outros. Esta mediação na comunicação significa que as igualdades universais já não podem ser garantidas: «numa situação de comunicação mediada, o acesso tanto aos canais como aos meios depende da mobilização de recursos materiais escassos, cuja distribuição depende das próprias estruturas de poder económico e político que os processos democráticos de debate pretendem controlar» (Garnham, 1989).
Mais importante que a celebração da diferença pela diferença e resistência pela resistência é a politização das diferenças dentro da esfera pública pela localização do seu potencial transformador. Para que as interpretações sejam influentes nas relações de poder, é a vida pública, não a retirada para o consumo privado, que abre possibilidades de formas transformadoras de resistência.
É na esfera pública que se discutem experiências e situações de vida diferentes, estando em jogo as nossas visões do mundo. É assim, não só porque as experiências do sujeito precisam de algum tipo de reconhecimento, mas porque é apenas na esfera pública que se é capaz de fazer exigências com bases na necessidade de rever velhas e tradicionais interpretações da lei e noções de justiça. É pelo processo da luta de levar os outros às discussões na arena pública que se podem proteger os interesses próprios como pessoas autónomas privadas e como cidadãos portadores de direitos legais.
Habermas, apesar das críticas que lhe foram feitas pelas feministas, oferece uma teoria da ética discursiva com base na constituição intersubjectiva da identidade e originada e mediada pela comunicação e, ao ligar a esfera pública a uma teoria do discurso, a utilidade da sua teoria não está só no facto de permitir um diagnóstico político da modernidade. Ao reconceptualizar radicalmente o sujeito e ao marcar a formação intersubjectiva da auto-identidade, ele oferece um ideal normativo das relações Eu/Outro e dos contextos discursivos em que elas são negociadas, fazendo a ponte entre o público e o privado, o pessoal e o político.
Mas, de facto, fica por resolver o problema específico da mediação: como é que a comunicação mediada muda a natureza da interacção discursiva, permitindo certos modos de acção social e impedindo outros? As interrogações sobre a esfera pública procuram, em parte, responder a esta questão, mas, na medida em que não tematizam especificamente os media, muito fica por responder. O próprio veredicto de Habermas nestas questões é ambíguo. A sua caracterização do declínio, do que ele chama a "refeudalização" da esfera pública, centra-se justamente no ressurgimento da identidade ou da particularidade, na forma da exibição teatral e auto-apresentação das figuras públicas dentro dos media - a substituição da política pelas técnicas de administração de imagem. Na sua opinião, como a política se faz nesses contextos organizados em torno do consumo e se torna sujeita às suas regras e normas interpretivas, o público perde a sua função crítica e transforma-se numa simples audiência de espectadores e consumidores de imagem. Por outro lado, Habermas vê os mass media como fenómenos ambivalentes que contêm potenciais autoritários e emancipadores. Embora estejam ao serviço da manipulação, mantêm-se media de comunicação e nunca estão completamente protegidos contra a capacidade dos actores discordarem (Habermas, 1994).
A tarefa estará, pois, em encontrar uma relação adequada dos movimentos com o duplo carácter destes desenvolvimentos institucionais. Como diz João Pissarra Esteves, os movimentos sociais, dinamizados pela própria lógica mediática que favorece a segmentação das audiências «convergem na aspiração comum de atingirem uma expressividade pública relevante. Esta dinâmica social repercute-se nos media, sob a forma de uma pressão objectiva sobre estes mesmos media com vista à sua abertura a novas formas de expressão, que assume, de forma geral, uma forte ligação aos contextos mais imediatos da experiência e às interpretações da vida quotidiana» (Esteves, 1998:240).
Uma consideração dos media, vista como um problema contínuo e com possibilidade para a democracia, é central a uma consideração da esfera pública. Os meios de comunicação de massas, tal como estão presentemente organizados, constituem uma esfera necessária para a comunicação não distorcida e debate racional que é essencial para a constituição de uma democracia baseada na capacidade de reconciliar identidades múltiplas frequentemente conflituantes e entender, criticar e viver com interpretações contraditórias de identidade? Ou as forças económicas das indústrias de cultura global significam que o tipo de discurso racional descrito como característico da modernidade só constitui media 'figurais' onde a identidade ou a particularidade só se afirma na forma da exibição teatral, procedendo à substituição da política pelas técnicas de administração de imagem?
Os estudos dos media têm o potencial para ajudar imensamente a crítica feminista, problematizando o 'carácter público' do movimento. Haverá que explorar o seu potencial de desenvolvimento para avançar causas oposicionais e explorar o desenvolvimento eventual dos media estruturalmente transformados, sem perder de vista o papel dos media na hegemonia e as formas de mediação seleccionadas e organizadas pelas suas práticas hegemónicas. Daí, a necessidade, como defende Lisa McLaughlin, de «uma teoria feminista da esfera pública que responda pelos media e estudos de media feministas que respondam pela esfera pública» (McLaughlin, 1993:614).
 
 

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