As Relações Públicas Internacionais nos currículos de Relações Públicas

 A abordagem do Rio Grande do Sul

Vagner de Carvalho Silva1

 

Índice

 

Resumo: Partindo da constituição das Relações Públicas no Brasil, o presente trabalho aborda o conceito internacional na formação dos profissionais de Relações Públicas. Relaciona as Relações Internacionais, buscando formar os pressupostos teóricos para as presentes modificações curriculares, que apresentam as Relações Públicas Internacionais nos currículos da habilitação. Passando pelos Sistemas Internacionais de Comunicação até chegar a visão atual do internacional na formação dos Relações Públicas.


As Relações Públicas Internacionais surgem no Brasil, atualmente, com aspectos diferenciados que requerem a busca por um entendimento de seu percurso de desenvolvimento. Apresenta-se um retrospecto histórico das Relações Públicas, assim como, do processo de formação dos profissionais, no que diz respeito às questões curriculares ligadas a questão internacional. Esta pesquisa busca entender o processo histórico do conceito internacional nos currículos de Relações Públicas, assim como apresentar o desenvolvimento inicial e os pressupostos das Relações Públicas Internacionais.
Quando as Relações Públicas se constituem no país, provenientes de diferentes correntes, já possuíam uma empresa canadense2 como a primeira a criar um departamento de Relações Públicas. As multinacionais vão então ser responsáveis pela ``cultura de valorização da comunicação, sobretudo na área de propaganda, publicidade e relações públicas'' (KUNSH, 199*, p.20).
Em 1950, surge a Associação Brasileira de Relações Públicas buscando o entendimento real da profissão. Em 1968, é aprovado pelo decreto-lei no 63.283 a atividade privativa aos bacharéis de comunicação, regulamentando de forma ``prematura'', como afirma Kunsh. Tendo estes pressupostos teóricos ainda não bem consolidados, as habilitações de Relações Públicas brasileiras foram constituídas de maneira diferenciada.

1  Os currículos

Em 1969, tendo instituído o currículo mínimo, os conteúdos básicos fundamentam a visão brasileira das Relações Públicas, ainda não ser percebe nenhum conteúdo direcionado a questão internacional, nem mesmo com as mudanças de 1978. Somente na resolução 02/84, que as Relações Internacionais se apresentam em função da corrente teórica3 vigente na comunicação, pensada por meio dos meios de comunicação da massa. Em que a disciplina de Sistemas Internacionais de Comunicação coloca-se na construção do objeto internacional, apresentando apenas uma percepção ``tecnológica'' da maneira como estavam funcionando os meios de comunicação no mundo.

A partir das diretrizes curriculares estabelecidas em 2001, as Escolas/Faculdades de Comunicação Social do Brasil estão discutindo as possibilidades de mudança para seus projetos pedagógicos, conforme a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -- LDB. As Diretrizes Curriculares são genéricas, porém apresentam parâmetros para os Cursos de Comunicação Social, com uma ou mais habilitações, permitindo que os currículos sejam diferenciados em todo o País.

O documento oficial contém características para a elaboração da nova estrutura curricular do curso, que deve ser dividida em duas partes: conteúdos básicos, relacionados ao contexto da sociedade, indicados pelo Ministério de Educação, e conteúdos específicos, definidos pela Instituição de Ensino Superior. Não existindo matérias/disciplinas obrigatórias e eletivas para o Tronco Comum e Parte Específica, há indicações de Tópicos de Estudo de conteúdos básicos e específicos para formulação dos conteúdos, havendo, então, a possibilidade de incorporar novos conteúdos de acordo com a necessidade.

A construção do currículo poderá ser diferenciada nas escolas, porém os conteúdos inerentes às atividades profissionais deverão ser abordados. Inclusive, os cursos podem não alterar o seu currículo vigente, continuando com o padrão anterior. A diversidade é uma possibilidade para as instituições de ensino elaborarem projetos pedagógicos/acadêmicos inovadores.

Sendo assim, esta pesquisa apresenta resultados parciais de uma análise do desenvolvimento da percepção do internacional nas Relações Públicas. Para isso, é necessário ter em mente que o currículo tem como objetivo preparar o profissional por meio de um saber e de um fazer, de maneira crítica e se constitui, nas Relações Públicas, pelo fato de que ``expresso no currículo não se dá apenas em um sentido ético e político, mas também pela instrumentalidade necessária do comunicador em apreender e discernir os fenômenos comunicativos, a sua inserção no plano das relações sociais (...)'' (Kunsh, 1986, p.236).

Este mundo que se apresenta levanta questionamentos em relação à atualização do profissional de Comunicação, mas principalmente do ensino superior, pela responsabilidade de formação que esse possui. Pensando em Relações Públicas, inicialmente se buscará definir os processo de inovação em ensino, para, então, analisar o conteúdo com objeto internacional nos currículos de Relações Públicas, em função dos aspectos apresentados até então e das mudanças curriculares que vêm surgindo após o parecer Ministério de Educação de 2001. Busca-se apontar a mudança e ou inovação ocorrida na visão do internacional frente aos conteúdos que serão apresentados.

2  Inovação e mudança

Entre os vários conceitos existentes sobre a inovação, tem-se o de Goldberg, um dos mais freqüentes na literatura, então ``Inovação é o processo planejado e científico de desenvolver e implantar no sistema educacional uma mudança, cujas possibilidades de ocorrer com freqüência são poucas mas cujos efeitos representam, um real aperfeiçoamento para o sistema". (GOLDBERG e FRANCO, 1977).

Não só as definições de conteúdo ou método interferem no processo de mudança, mas diversos aspectos humanos e institucionais. A resistência está presente nas diversas estruturas, considera-se aqui o professor como um dos fatores de maior relevância no processo. Desta forma, a mudança pode significar
``(...) uma ameaça para a identidade do professor, se representam mudanças de conteúdo e método, uma vez que o professor se identifica com o conhecimento de sua matéria e suas habilidades profissionais. Nisto se baseia sua auto-estima profissional. Se atuar de uma maneira inovadora significar defrontar-se com situações que suprimem competências adquiridas e exigir o desenvolvimento de outras, de modo que o professor se sinta incapacitado, é provável que se gere um forte desequilíbrio, que os professores tentarão resolver reduzindo espontaneamente o conteúdo das inovações, privilegiando certos objetivos em detrimento de outros e evidenciando a existência de um ajuste das inovações aos motivos pessoais daqueles que as executam'' (STENHOUSE, 1991).
Considera-se ainda que a inovação é desejável, mas ``se o valor e a relevância das propostas não forem pertinentes ao universo daqueles a quem a inovação se dirige, justifica-se uma oposição'' (JORGE, 1996). Nesse quadro, começa-se a questionar a qualidade do ensino que é ministrado. Quase que invariavelmente, os cursos tentam responder a essa crítica, de forma isolada e parcial, fazendo reformulações na sua estrutura interna, principalmente nos conteúdos curriculares. Estas tentativas não conseguem modificar o quadro geral de maneira marcante, principalmente, por serem experiências isoladas, sem a necessária dose de planejamento e também pelo fato de que "a mudança curricular não ocorre no vazio. Ao contrário, ela ocorre amparada e produzida por contextos socioeconômicos e políticos que o definem, possibilitam e geram" (MUÑOZ y GONZALEZ, 1981).

Este contexto conduz ao questionamento da necessidade e da forma como a mudança ou inovação curricular está ocorrendo; o último se apresenta como ``um aperfeiçoamento que se pode medir, deliberado duradouro e com poucas possibilidades de ocorrer com freqüência'' (Huberman, 1973) enquanto o movimento de mudança do ser humano caracteriza-se por reorganizações sucessivas na maneira de pensar e agir. Huberman menciona três tipos principais de modelos de inovação, ilustrando os caminhos que se dão às mudanças: modelo de investigação e desenvolvimento, modelo de interação social e modelo de solução de problemas (1973).

Tal como a imagem das reorganizações genéticas, a introdução de um elemento novo desencadeia alterações no lugar e no papel dos constituintes, que terminam por transformar o próprio organismo (Morin, 1999). Em função disto, o processo que se desenvolve de maneira, ainda embrionária, nos currículos de Relações Públicas, será tratado aqui, como um movimento de mudança por não ser possível afirmar que este conteúdo permanecerá vigente por longo tempo ou proporcionará uma mudança real nos métodos de ensino, partindo, assim, da exposição dos Sistemas Internacionais de Comunicação para explicitar a Mudança ocorrida nos currículos em questão.

3  Situação mundial

Em meio a uma nova situação mundial em que a ``aldeia global4'' já se tornou realidade, a ``terceira onda5'' cobriu o mundo, mesmo com proposições menos otimistas6 de uma revolução das relações via redes computadorizadas. O mundo se encontra em uma nova perspectiva das relações, no qual as economias tornam-se cada vez mais interdependentes e o processo de globalização, ou internacionalização, ou mundialização7 é inegável. As organizações apresentam, a cada dia, mais condições de se inter-relacionarem através das fronteiras em virtude da formação de blocos de países como o Mercosul, a União Européia, a ALCA8, a Aladi9, entre outros. Os aspectos dessas relações estão cada vez mais complexos, ao ponto em que se faz a metáfora de que uma borboleta batendo asas no Japão pode causar um maremoto nos Estados Unidos.

Passando agora alguns aspectos da realidade universitária, percebe-se que a internacionalização pode ser vista também nas universidades, como apresentado pela UNESCO
A internacionalização do ensino superior é, antes de mais nada, uma reflexão do caráter universal do aprendizado e da pesquisa. É reforçada pelos procedimentos correntes de integração econômica e política, assim como pela necessidade crescente de entendimento intercultural. A expansão do número de estudantes, professores e pesquisadores que trabalham, vivem e se comunicam num contexto internacional atesta essa tendência. A considerável expansão de vários tipos de redes e outros tipos de ligação entre as instituições, professores e estudantes é facilitada pelo avanço contínuo da informação e das tecnologias de comunicações (UNESCO, 1999, p.17).
Destaca-se aqui a ``crescente necessidade de entendimento intercultural'', fator colocado não como algo preciso, mas necessário, considerando, ainda, que o profissional de Relações Públicas trabalha na relação com o público, observando-se a relevância dessa afirmação para sua atuação.

A complexidade dos processos de relacionamento mundiais contam, cada vez mais, com uma gama crescente de condições, que ao se pensar nas organizações se relacionando com seu público, deve-se levantar para discussão a necessidade de estudar, de maneira mais abrangente, os aspectos internacionais.

4  Relações Públicas

Pressupondo o papel do profissional de Relações Públicas como responsável por desenvolver a formação de públicos e o seu relacionamento. Ainda, ``Relações Públicas designa os esforços empreendidos por um indivíduo ou uma empresa para criar um clima de confiança e de boas relações com seu público'' (Legrain,1992, p.9). Percebe-se que a Realidade Virtual pode assumir um papel preponderante se vislumbrarmos a idéia de uma interação em tempo real com os públicos formando uma relação ``simétrica de duas mãos'', em que a troca de informações é constante.

Yanaze coloca que o profissional de Relações Públicas ``planeja e executa ações que visam melhorar as relações da empresa com seus públicos'' (1997, p.55). ``É papel preponderante das relações públicas lidar com o clima humano -- sentir seus direcionamentos, analisá-lo, ajustar-se a ele, ajudar a dirigi-lo'' (Lesly, 1995). Como podemos ver não basta proporcionar uma relação com os públicos se não houver uma estratégia que permita a utilização da linguagem correta, permitindo a benefício do público a que se busca comunicar, dirigir a mensagem.

Público pode ser definido ainda, como o ``envolvimento de pessoas, com opiniões diferentes, na discussão de qualquer assunto, por meio da interação pessoal ou dos veículos de comunicação'' (Kunsch, 1997, p.76). Para Lesly, público significa: ``qualquer grupo de indivíduos que um programa de Relações Públicas procura influenciar. Um comitê de três pessoas pode ser um público; do mesmo modo os acionistas de uma firma; seus empregados; seus clientes; sua comunidade; da mesma maneira o poder legislativo, a nação inteira e o mundo'' (1995, p. 37). Barbieri conceitua público de modo geral como: ``povo, mas para efeitos de Relações Públicas considera-se público qualquer grupo humano que se distingue de outros por certas características'' (ibidem).

Neste momento torna-se necessário observar que de acordo com França (1997) o critério de público interno, externo e misto já não satisfaz mais as condições atuais de relacionamento das organizações por não abranger todos os públicos de seu interesse, não os definindo adequadamente, e também não é preciso quanto ao tipo, dimensão e extensão de relacionamento deles com a organização. Apresentadas as condições para o entendimento da visão de Relações Públicas e da maneira como ocorrem às mudanças, retorna-se ao a observação da ``evolução'' dos conteúdos.

5  Sistemas Internacionais de Comunicação

Sistemas Internacionais de Comunicação apresentam uma característica peculiar ao seu momento histórico, em que os constantes avanços tecnológicos surpreendiam a todos, desde a televisão via satélite, a telefonia móvel, etc. Enfim, um aparato de novos mecanismos de comunicação que agora já se tornaram cotidianos. Além disso, o controle desses sistemas de comunicação passava a ter aspectos internacionais, pois transcendem fronteiras, culturas e idiomas. Este conteúdo, então se apresenta no Vade-Mécum da Comunicação seguindo a Resolução 02/84, consta:
Sistemas Internacionais de Comunicação -- O processo de internacionalização da comunicação, sua relação com os processos sociais, econômicos e políticos. Ordenamento e estrutura internacional de comunicação (Santos, 1991).
Este alinhamento se deve a perspectiva da comunicação como mecanismo de influência e da busca por uma análise dos meios de comunicação de massa (MCMs), o que se deve a visão de comunicação como mecanismo de influência e de poder no sistema internacional, como aponta Thussu, Luhmann e outros.

Trabalhando o ordenamento e a estrutura internacional de comunicação, vê-se aporte a conteúdos como o crescimento do telégrafo, a abrangência dos sinais de rádio, o crescimento das redes de televisão, o desenvolvimento dos sistemas de comunicação via satélite, no século XXI, e suas implicações nos processos sociais, políticos e econômicos. No entanto, com o advento da Internet, as relações se modificaram e foram além da relação de governo-governo como se apresentava até então. Desta forma, o escopo de análise se modificou, pois a comunicação passa a apresentar relações de business-to-business e people-to-people (Thussu, 2000). Também se pode observar, que os aspectos abordados são gerais em relação à comunicação, não tendo enfoque em uma das habilitações, mas tendo seu foco de observação na estrutura de funcionamento das comunicações.

A complexidade das comunicações internacionais em função gama de fatores que influenciam os processo mundiais leva ao pensamento de que já não basta analisar estruturas de funcionamento dos sistemas de comunicação, mas ir além disto. Já pensando em uma análise das Relações Públicas Internacionais, parte-se ao pensamento de um novo enquadramento mais amplo desta complexidade internacional, observando-a por meio dos olhos da teoria de Relações Internacionais.

6  Relações Públicas Internacionais

Neste cenário fica a questão de como se defrontar com um mundo de relações interculturais e trabalhar as relações organizacionais sem entender como se dão as Relações Internacionais? Torna-se inviável trabalhar em um ambiente de maneira eficaz sem possuir o conhecimento necessário para realizar as funções que condizem ao profissional de Relações Públicas, assim como não se pode chegar a uma noção de Relações Públicas Internacionais, sem passar pela definição, possivelmente, mais ampla, de Relações Internacionais.

As Relações Internacionais possuem várias visões e definições, o que já se estabelece como uma semelhança, em sua diversidade, com as Relações Públicas. Configura-se de maneira ampla que ``as relações internacionais podem ser definidas como o conjunto de relações e comunicações que os grupos sociais estabelecem através das fronteiras'' (Phillipe Braillard e Mohamma-Reza Djalili, 1988, p.5). Essas variadas definições da realidade das relações internacionais podem ser sintetizadas em dois grandes grupos: o primeiro deles é aquele cujas definições compreendem os fenômenos paz e guerra; armas nucleares e desarmamento; imperialismo e nacionalismo; as relações assimétricas entre sociedades ricas e sociedades pobres; preservação do meio ambiente; combate ao narcotráfico; combate ao terrorismo internacional; defesa dos direitos humanos; influência das instituições religiosas; organizações internacionais, processos de integração regional; formação e fragmentação dos Estados; comércio e ação das corporações multinacionais; raça e gênero em todo o mundo; desenvolvimento e transferência de tecnologia; globalização.

O segundo grupo apresenta as relações internacionais como o resultado das relações entre os Estados. Enquanto no primeiro grupo de definições a realidade das relações internacionais é apresentada como extremamente ampla, incluindo fenômenos que dizem respeito a diversos domínios da vida em sociedade e relativos a situações tanto de conflito, como de cooperação, no segundo grupo, essa realidade é apresentada como, fundamentalmente, constituída por conflitos entre os interesses respectivos a cada Estado. No primeiro grupo, qualquer um dos fenômenos citados pode assumir a condição de objeto de análise das Relações Internacionais; no segundo, por sua vez, tais fenômenos são concebidos como produto das relações diplomáticas, militares e estratégicas que os Estados (China, Bélgica, Venezuela, Alemanha, Japão, Estados Unidos, etc) estabelecem entre si10 .

Como se vê, as visões de Relações Internacionais são diversas e podem facilmente ser relacionadas com as Relações Públicas ao pensarmos essa
Como ciência, Relações Públicas abarca o conhecimento científico que explica, prevê e controla o exercício de poder no sistema organização-públicos. Como atividade, Relações Públicas é o exercício da administração da função (subsistema) política organizacional, enfocado através do processo de comunicação da organização com seus públicos. (Simões, 1995, p.42)
Ainda, Relações Públicas, pela visão da ABRP (Associação Brasileira de Relações Públicas) é apontada como o ``esforço deliberado, planificado, coeso e contínuo de alta administração para estabelecer e manter uma compreensão mútua entre uma organização pública ou privada e seu pessoal, assim como entre a organização e todos seus grupos aos quais está ligada, direta ou indiretamente''. Essas visões podem ser facilmente enquadradas nas Relações Internacionais se referenciarmos Braillard e Djalili, pois essas a apontam como um ``conjunto de relações e comunicações'' (1988).

É preciso lembrar que, não só as multinacionais e as empresas exportadoras, dos mais diferentes portes, estabelecem relações com outros países, existem também as ONGs, os governos e os povos como um todo. As relações que se estabelecem são do âmbito das Relações Internacionais, mas quando essas partem para o âmbito das organizações encontram-se no campo das Relações Públicas. Este enquadramento leva a pensar qual seria a noção de Relações Públicas Internacionais, mas antes disso é importante observar que as Relações Públicas no Brasil tiveram um enfoque diferente de sua origem, os Estados Unidos, em que as Relações Públicas estão ligadas diretamente à questão da imagem e vinculada principalmente às relações políticas governamentais, um enfoque aos negócios, à área administrativa. No Brasil, as Relações Públicas partiram para uma visão comunicacional ao serem vinculadas às faculdades de comunicação e jornalismo. Em complemento a isso, as ambições brasileiras e as visões apresentadas de esforço nacional para a consolidação de relações internacionais nunca se demonstraram como prioridade na política brasileira. Estes fatores políticos podem ser justificados de diferentes formas, a exemplo disso, temos o fato de o Brasil ser um país continental, seus condicionamentos históricos, até mesmo de independência, entre outros fatores11.

Após uma busca, se pode encontrar pouco na bibliografia brasileira sobre as Relações Públicas Internacionais. Brasil apresenta a seguinte definição
Relações Públicas internacionais são o conjunto de medidas, iniciativas, esforços e formas práticas de ação e expressão, que visam obter mais estreito e produtivo relacionamento entre os povos, no sentido de estimular e facilitar o entendimento, a coexistência e a cooperação entre ele); no sentido também de fomentar melhores e mais amplas atividades de intercâmbio comercial e industrial; e finalmente, com o objetivo de ampliar os níveis de cultura geral, através de mútuas facilidades de acesso aos respectivos patrimônios e instrumentos de cultura (1977, p.21)
Além desta definição, encontra-se traduzido apenas um texto de Canfield apontando as diferentes Relações Públicas no mundo e uma definição apontada por Andrade como ``método de ação que visa a fomentar a compreensão entre os povos, utilizando-se de técnicas próprias, ajustadas às culturas, tradições e características raciais locais. (Definição proposta pela turma do 7o semestre de RR.PP. da ECA/USP, em 1985.)'' (Andrade, 1994, p,125). Nos dias de hoje as Relações Públicas Internacionais podem ser vistas através dos estudos deste autor12 e no recente artigo de Anely Ribeiro13.

Para complementar esse pensamento, observa-se que Thussu (2000) coloca que, no mundo contemporâneo, comunicação internacional abrange interesses políticos, econômicos, sociais, culturais e das forças armadas, e, enquanto se torna mais difundida e multifacetada, a necessidade do estudo adquire mais urgência.

O interesse da pesquisa em aspectos internacionais da cultura e dos meios de comunicação cresceu como resultado da globalização da mídia e das indústrias culturais. Os estudos de Comunicação ampliam-se para incluir estudos culturais e estudos da mídia. A questão internacional ganha destaque no novo contexto nacional em que vem, ano após ano, aumentando os incentivos ao aprimoramento e ao desenvolvimento científico e profissional de áreas relacionadas, a exemplo disso temos o Programa San Tiago Dantas de Apoio ao Ensino de Relações Internacionais.

Para construir a noção de Relações Públicas Internacionais é necessário observar que, de acordo com BLACK, ``é a intenção de conseguir uma compreensão mútua salvando um vazio geográfico, cultural ou lingüístico ou todos eles de uma vez. O termo utiliza-se, também, para indicar atividades de Relações Públicas que se leva ao término ou tem uma positiva importância fora do seu país de origem'' (1994, p.119). Já para Wilcox, Aut e Agee ``o esforço planejado e organizado de uma companhia, instituição ou governo para estabelecer relações mútuas benéficas com públicos de outras nações'' (1986, p.370).

Percebe-se que as Relações Públicas Internacionais se diferenciam das Relações Internacionais por ocuparem o campo organizacional e que por outro ângulo é um segmento das Relações Públicas, pois atua apenas com um determinado enfoque, de relacionamento, de comunicação com os públicos. Desta forma avançamos com a percepção de que as de que as Relações Públicas Internacionais encontram-se em um campo multidimencional e que sua natureza encontra-se nas duas áreas. Desta forma, a apresentação dessa disciplina no currículo de Relações Públicas necessita apresentar características de natureza das duas categorias para que possa abarcar as suas dimensões.

7  A mudança de abordagem do internacional

Ao enquadrar essa perspectiva de mudança de abordagem, que se inicia, fundamenta-se na pesquisa de Moura (2002), que aponta com 61,5% das universidades gaúchas de comunicação contendo o conteúdo de Sistemas Internacionais de Comunicação. Logo, em 2004, com as mudanças curriculares já se percebe os primeiros passos de uma nova visão do internacional. A PUCRS e a UNISC apresentam em seu currículo disciplinas de Relações Públicas Internacionais e Relações Públicas Internacionais e Mercosul, respectivamente, demonstrando, assim, uma iniciativa de manter os olhos voltados às questões mundiais sem perder o referencial regional, principalmente no caso da UNISC.

Deve-se se salientar que, de acordo com a resolução do MEC14, anterior às normas vigentes, a disciplina de Sistemas Internacionais de Comunicação era indicada no Tronco Comum. A mesma( ) apresenta um conteúdo relacionado às estruturas técnicas e físicas das comunicações internacionais, tendo explicitado em seu conteúdo a existência de satélites e redes conectando um país a outro, em fim estruturas e sistemas. A nova disciplina apresenta conteúdos mais diversificados como pode ser visto na ementa da UNISC15:
Estudar o papel do Relações Públicas internacionais no contexto da globalização política e econômica mundial. Conhecer os fenômenos que provocam as transformações mundiais para melhor eficácia das ações da comunicação organizacional e das relações públicas. Políticas empresariais e públicas dos países do Mercosul.
A disciplina denota em seu conteúdo um direcionamento específico às Relações Públicas, o que já a torna peculiar e diferenciada da abordagem anterior de Sistemas Internacionais de Comunicação em relação ao internacional. A UNISC optou ainda por um direcionamento ao Mercosul, o que vem ao encontro das perspectivas do MEC quanto às especificidades regionais16.

Tanto na PUCRS como na UNISC, se pode encontrar a busca pela eficácia da comunicação organizacional em função das transformações mundiais. ``Atualmente, tudo nos conduz a olhar mais longe: a complexidade dos problemas tanto em nível nacional como internacional (CHANLAT, 1993, p. 25)''. Esta necessidade de entendimento das transformações mundiais justifica o enfoque dado até aqui ao cruzamento das Relações Públicas Internacionais as Relações Internacionais para alcançar uma definição da primeira.

Considera-se relevante salientar uma diferenciação entre a PUCRS e a UNISC; na primeira, a disciplina é oferecida no sexto nível, enquanto, na segunda, ela já é oferecida no terceiro nível. Além disso, o curso de Santa Cruz está previsto para nove semestres, enquanto o de Porto Alegre está previsto para oito. Estas diferenças podem interferir diretamente na bagagem de conhecimento que o aluno trás consigo até o estudo da disciplina, não se define aqui qual das duas opções é a melhor, mas sim, a possibilidade de haverem diferenças que venham a influenciar o processo de ensino.

O contexto da globalização deve ser visto com a percepção de que a nova ordem internacional após a segunda guerra fez emergir gradativamente um grande número de organizações supranacionais (FMI, ONU, UNESCO, FAO, CEE, Banco Mundial, BIDI, etc.). Assim como uma série de regulamentações comerciais, bancárias e jurídicas (Acordo GATT, Acordo Bretton Woods, IATA, etc.) com objetivos de supervisionar, regular, coordenar e mesmo intervir nos negócios mundiais.

O que se pode dizer por enquanto, é que o conteúdo de Relações Públicas Internacionais recebe um grau de importância que não havia recebido até então, por não possuir disciplinas específicas nos currículos da habilitação. Portanto, ``Trata-se de achar uma qualificação acadêmica adequada às necessidades sociais do desempenho profissional'' (Kunsh, 1986, p. 254). Declaração que justificou aprofundar e desenvolver uma avaliação dos fatores importantes a serem abordados neste conteúdo curricular, mas também, buscar pressupostos teóricos para esse conteúdo.

8  Bibliografia

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Documentos


PARECER CNE/CES 492/2001. Despacho do Ministro em 04/7//2001, publicado no Diário Oficial da União de 09/7/2001, Seção 1, p. 50.

RESOLUÇÃO NORMATIVA N.o 43, de 24 de agosto de 2002. Publicada no DOU - No 209 -- Seção 1, segunda-feira, 28 de outubro de 2002.

1
Bacharel em Relações Públicas e mestrando em Comunicação Social pela PUCRS. Áreas de estudo: Tecnologias da Comunicação e Relações Públicas Internacionais. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino e Prática de Relações Públicas - PUCRS - Brasil. E-mail: vagnerdecarvalho@yahoo.com.br
2
The São Paulo Tramway Light and Power Company Limited.
3
Esta observação pode ser facilmente encontrada em Mattelart (2002), Hohlfeldt (1999), entre outros.
4
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg : a formação do homem tipográfico. São Paulo : Nacional, 1972. 390 p.
5
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 7. ed. Rio de Janeiro : Record, 1980.
6
WOLTON, Dominique. Internet, e depois? uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre: Sulina, 2003.
7
São colocados aqui os três termos para situação atual em alguns momentos contraditórias, similares e até mesmo iguais, para os fenômenos que estão ocorrendo, não serão aprofundados aqui por não ser o foco do trabalho.
8
ALCA - Área de Livre Comércio das Américas
9
Aladi - Associação Latino-Americana de Integração
10
Esta divisão de visões de Relações Internacionais está baseada na obra Relações Internacionais de Willians
11
Estas questões são amplamente trabalhadas nas obras de Paulo Vizentini
12
Estudos em andamento
13
Ribeiro, Anely. Aspectos sobre relações públicas internacionais, cultura e linguagem. INTERCOM, 2004.
14
Referência a Resolução No 02/84, aprovada em 24 de janeiro de 1984.
15
A Ementa da PUCRS não será demonstrada aqui pelo fato de não ter sido liberado qualquer utilização da mesma, além da consulta, por fim não poderia ser publicada ou chegar a acesso de outras pessoas.
16
Considerando o fato do Rio Grande do Sul ser considerado o estado centro do Mercosul, em que está Porto Alegre está instituída como a cidade do Bloco.