TELECOMUNICAÇÕES E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO EM PORTUGAL E NA UE

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Manuel José Lopes da Silva, Universidade Nova de Lisboa



1. A Sociedade da Informação é uma Sociedade Global. A acção da UE deve ter por objectivo o estabelecimento dum quadro regulamentar comum, acordado para a protecção dos direitos de propriedade intelectual, de privacidade e de segurança da Informação na Europa e, se necessário, a nível internacional .

A protecção da propriedade intelectual é altamente prioritária, a defesa da propriedade dos Media não deve comprometer o mercado interno, e devem salvaguardar-se sobretudo o pluralismo e a concorrência (Relatório Bangemann, 1994)

Trata-se portanto duma perspectiva exclusivamente mercantilista.

No entanto há outras perspectivas, como as do Livro Verde da SI em Portugal.

 

2. Chegou-se a esta situação através do processo de Convergência das Telecom. com o AV e a Informática (3C : Comunicações, Computadores e Conteúdos).

 Em 1987 surgiu o Livro Verde das Telecomunicações que criou as condições para a existência dum Mercado Comum dos Serviços e equipamentos de Telecom. em toda a Europa, sendo um dos seus capítulos fundamentais o da restruturação do sector, particularmente a autonomização do Órgão de Regulação anteriormente dependente dos CTT:

Em Portugal surge a Lei de Bases das Telecomunicações (88/89 e 91/97), e a partir daí é aberto o sector aos interesses privados, embora de modo limitado, dada a amplitude de actuação permitida ao designado Serviço Público de Telecom.

A pressão dos sistemas informáticos torna-se evidente quando se estabelecem rêdes próprias para a transmissão de dados e mais tarde surge a Internet.

 

3 . No campo AV a primeira alteração em Portugal do modelo tradicional deu-se com a introdução da TV por Satélite . O sistema do AV nacional baseado no serviço terrestre foi confrontado com uma TV doutra natureza que só devido às barreiras linguísticas não teve consequências catastróficas para ele.

Mais tarde começa a expandir-se a TV por Cabo, com grande rapidez, dado que aproveitava na generalidade as anteriores estruturas de Telecomunicações.

É a primeira importante convergência - a das Comunicações com os Conteúdos.

Já anteriormente se tinha verificado uma outra convergência, a criação da Teledifusão de Portugal que alienou as redes de TV para a área das Comunicações.

Mas paralelamente ia surgindo também um importante mercado de cassetes video, não só privadas como também de aluguer.

O utilizador em situação multimedia tem um terminal doméstico único, com a possibilidade de visionar no mesmo écran conteúdos informativos das redes mundiais, ou conteúdos da rádio e TV nacionais e internacionais.

É um consumidor/ cliente, sujeito portador de direitos, e é consensual no âmbito da CE que com uma comunicação mais rica ele não deve perder a protecção jurídica adquirida.

 

4 . A TV comercial surgida em Portugal com a Lei da TV (58/90 e 31-A/98),vive das audiências que cria e, por isso, a concorrência é particularmente agressiva e tem características massificantes.

Rapidamente a sua programação deu origem a protestos devidos ao impacto causado nos grupos vulneráveis da sociedade, como sejam jovens, adolescentes, idosos e doentes.

Muitos elementos destes grupos são totalmente indefesos e incapazes de reagir, afectados pela tele- dependência, atrofia mental e falta de consciência cívica.

A protecção dos utilizadores da nova Comunicação face aos conteúdos é assegurada pelas Directivas comunitárias e pelos instrumentos Jurídicos nacionais – a Constituição, a Lei da TV e o Código de Publicidade.

 

5. O Serviço Público de Radiodifusão (Rádio e TV ) tem desempenhado em Portugal e no resto da Europa um papel fundamental de regulação do novo sistema emergente da Comunicação.

Na 4 ª Conferência Ministerial europeia sobre a “Política das Comunicações de massa ”, de Praga em 1994, foi fixado um quadro de defesa do Serviço Público de Radiodifusão, e também estabelecidos limites para a actuação dos canais privados.

Afirmando a preocupação pela incorrecta representação da violência sobretudo na TV, e pelo seu impacto sobre o público, os Ministros constatam que se tornam necessários Códigos de Conduta a nível europeu.

No Plano de Acção Estratégica, ponto 3, recomenda-se vigilância no modo por que as novas tecnologias possam comprometer os direitos do homem e os valores democráticos.

 

6. Quando os Ministros europeus se voltam a reunir em Tessalónica, em Dezembro de 97, acordaram numa agenda que tratava da nova Sociedade da Informação.

Verificam que os problemas postos pela TV não foram bem resolvidos nem ultrapassados, tendo surgido antes uma situação multimedia que exibe, além das mesmas disfunções, outras também muito negativas.

A constatação de que a digitalização dos sinais tinha permitido uma extraordinária multiplicação de canais, leva-os a regozijar-se pela possibilidade delas virem a constituir no futuro uma força motriz nas mutações tecnológicas, económicas e sociais, influenciando notavelmente o funcionamento da sociedade em geral e as relações entre indivíduos, grupos e países à escala mundial oferecendo, em particular, possibilidades acrescidas de comunicação e de intercâmbio de informação, especialmente devido à globalização.

Os Ministros manifestam-se também dispostos a velar por que um tal desenvolvimento contribua para a liberdade de expressão, a criatividade artística e para as trocas entre culturas, a educação e a participação dos indivíduos na vida pública, no respeito e ao serviço dos direitos do homem, dos valores democráticos e de coesão social.

Também insistem na necessidade de haver Códigos de Conduta acordados espontaneamente entre os Operadores comerciais.

São propostas acções particularmente nos domínios da violência e da intolerância que se têm revelado cada vez mais nevrálgicos.

 

7, O Sistema Produtor de Políticas da Comunicação de Portugal contém três Órgãos de regulação do Estado : o Instituto das Comunicações de Portugal, ICP, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, AACS e o Instituto da comunicação Social, ICS.

O ICP tem efectivamente contribuído bastante para uma evolução relativamente pacífica do sector.

Mas o saldo de actuação da AACS não é da mesma forma positivo. O sistema de Rádio e TV degradou-se, o abaixamento da qualidade da programação acentuou-se cada vez mais, a regulação neste caso salda-se por um malogro.

Não há auto- regulação dos Operadores comerciais de TV, porque devido aos interesses que prevalecem no mercado sempre se recusaram a estabelecer um pacto.

O Livro Verde da Convergência 3C não defende, surpreendentemente, os direitos dos utilizadores como fazem os documentos que antes referimos. A referência à protecção dos Menores transfere o problema para a Directiva “ TV sem fronteiras” mas submetendo-o ao princípio da proporcionalidade, ou seja, que não fira os interesses do Mercado.

Todo o livro verde deixa transparecer uma grande preocupação em defender as regras dum mercado da comunicação aberto e concorrencial que torne a vida fácil aos Operadores.

Para assinalar a emergência da nova sociedade é publicado o “ Livro Verde para a sociedade da informação em Portugal” produzido pela Missão para a SI (97 ), onde são recolhidas as posições referidas, mas onde se faz também um inventário das zonas de incidência das NTIC no pais e se propõem medidas para facilitar uma transição suave e propícia .

 

8. Os desenvolvimentos recentes dos sistemas de comunicação dão-se através da Internet na TV por Cabo e da TV Digital.

O desenvolvimento da Internet está a dar-se independentemente do tipo de suporte do canal, e por isso a guerra TV cabo/telefone é uma luta puramente económica.

Mas já com a TV Digital o caso é diferente, porque há valores sociológicos e políticos em jogo.

As enormes potencialidades da TV Digital são positivas na medida em que oferecem novas oportunidades aos utilizadores. Todavia ela deve ser proporcionada a todos os sectores da sociedade, respeitando o princípio da Universalidade de Acesso.

Os custos de Acesso devem ter mais em conta as possibilidades do público do que os lucros dos empresários. O seu valor deve ser comportável pela maioria das pessoas, o que não acontece actualmente.

A Indústria de conteúdos passa a ter nestes sistemas uma responsabilidade acrescida de defesa da Cultura nacional.

As políticas da programação da TV Digital devem promover a qualidade, a pluralidade e a diversidade, e o Serviço Público deve estar presente nas modalidades essenciais de fornecimento de programas .

A TV Digital deve ser regulada por instrumentos jurídicos apropriados de modo a evitar os abusos da Comunicação que se verificam actualmente.

O ambiente Multimedia que está a emergir com estes novos sistemas, que complementam os anteriores, cria a necessidade dum cuidada Educação para os Media e justifica a intervenção de Grupos Cívicos para defesa dos Utilizadores.

 

9. A possibilidade que os computadores oferecem de criação de imagens artificiais,

“ imagens de síntese”, e a utilização da Internet para aceder a locais de convivência electrónica tem proporcionado a alguns espíritos especulativos o ensejo de falar no surgimento dum novo mundo “ virtual”, duma nova convivência já não com pessoas reais mas com entidades artificiais .

De facto é incorrecto falar em novas formas de convivialidade, já que o utilizador do computador continua a fechar-se cada vez mais sobre si próprio.

O acesso a este mundo virtual é reclamado pela designada pos- modernidade como uma das grandes aquisições da humanidade.

Daniel Innerarity afirma a este propósito que o acordo secreto entre filosofia pos – moderna e sociedade da informação para desmaterializar o mundo, transformando-o em imagens, signos e representações, anulou tendencialmente a diferença entre realidade e ficção.

Toda a vida social é afectada pela nova situação e particularmente a vida política.

À medida que avançam as possibilidades técnicas de comunicação confirma-se o temor ante a possibilidade de que aumente também a impotência ante o engano e a simulação.

A vida política passa a estar submetida a uma progressiva teatralização.

Os seus pilares são a comunicação e a gestão económica : o seu destino, transformar-se em espectáculo

Do princípio liberal da discussão pública só se mantém um simulacro, em que tudo é simbólico até os próprios argumentos.

A opinião pública é então uma ficção : o que há é um entrelaçado de opiniões privadas organizadas colectivamente. Na realidade o discurso público é uma mera aparência, e o compromisso de interesses obedece à lógica do equilíbrio de forças não susceptível de racionalização.

Habermas tira destes argumentos a conclusão de que há uma crise política de deslegitimação e de desmotivação na nossa sociedade tardo- capitalista.

 

10. Tendo de concluir estas reflexões sobre a Sociedade da Informação convém fazer um recuo global e avaliar a situação à distância segundo a proposta de Wolton. Sem dúvida que os sistemas de informação e de comunicação caracterizam a nossa sociedade e, como qualquer instrumento do homem, podem ser usados para o bem ou para o mal.

O perigo reside no modo por que estão a ser usados, que é o duma perspectiva nominalista de que a filosofia da linguagem é paradigma.

O nominalismo é desde os tempos de Filopónio e Abelardo uma das alternativas paralelas na história da Filosofia. Os filósofos têm sabido ultrapassa-lo recuperando os seus aspectos positivos, como sucedeu também com a Escola de Paris de Sec. XIV.

O nominalismo actual começou com Descartes e Galileu, que na Física já foram ultrapassados pelas teorias contemporâneas.

Devemos esperar que a filosofia actual encontre também uma via fecunda para o ultrapassar, na esteira dum Heidegger ou dum Husserl.