O cão que não sabia não comunicar
Pragmática da comunicação humana

José Manuel Silva

Fevereiro de 1998

"Language is a virus from outerspace"
Laurie Andersen


 Os investigadores do Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto nas suas pesquisas sobre o comportamento humano vieram derrubar preconceitos há muito instalados na mente dos homens. Os axiomas, onde assentam todas as suas investigações, e que dizem que "é impossível não comunicar" e que "a realidade é criada pela comunicação" colocam em apuros um senso comum que sempre teve como dado adquirido o real, sentido e palpável, como único e objectivo.
 As ideias desenvolvidas pela escola californiana parecem cair por terra quando nos chega aos olhos uma banda desenhada que tem por nome "O cão mais zangado do mundo". David Lynch, o conhecido cineasta norte-americano, é o "pai" deste canídeo que nos interroga e desafia na sua crua imobilidade. O personagem, completamente hirto, cuja única demonstração de vida parece ser a audição de vozes dos humanos, que nunca aparecem à boca de cena, leva a duvidar das categóricas palavras dos investigadores daquele instituto californiano, mas torna-se o exemplo perfeito para questionar a realidade que nos cerca. Este personagem canino, aprisionado que está a uma realidade criada pela comunicação, oferece, no entanto, a possibilidade de questionar essa mesma realidade. Como defende Watzlawick, numa versão psicologizante do pragmatismo, "a ilusão mais perigosa de todas é a de que existe apenas uma realidade. Aquilo que de facto existe são várias perspectivas diferentes da realidade, algumas das quais contraditórias, mas todas resultantes da comunicação e não reflexos de verdades eternas e objectivas".
 O real deixa, assim, de ser monolítico para se tornar numa história contada em múltiplas vozes e pontuações, polifonias que podem nunca chegar a reencontrar-se numa ëcoisa em sií. Os "termos de sanidade e insanidade perdem os seus significados como atributos dos indivíduos", pois um dado comportamento só pode ser visto e estudado "no contexto onde ele figura".
 Antropomorfizando este cão desconcertante, tal como aparece na banda desenhada, podemos apontar semelhanças com os doentes do Dr Sacks, descritos no livro Despertares, vítimas da epidemia da doença do sono que se espalhou um pouco por todo mundo na década de 20 deste século. Referindo-se aos pacientes que adquiriram uma forma de aquinésia, o autor relata alguns desses casos nestes termos: "Ficavam conscientes e despertos - sem por isso ficarem completamente acordados; sentavam-se todo o dia nas suas cadeiras imóveis e mudos, completamente desprovidos de energia, de impetuosidade, de iniciativa, de motricidade, de apetite, de afecto ou de desejo; registavam o que se passava à sua volta sem atenção activa e com profunda indiferença".
 O cão, que muito adequadamente nem sequer tem nome, não se mexe, não dorme, manifesta-se por um imperceptível rosnar, acorrentado à sua trela, olha apenas especado, hirto e em fúria, aproximando-se de um estado de rigor mortis. Mas tal como nos doentes do Dr. Sacks, algo é pressentido na sua imobilidade de estátua ó "a inteligência, o humor mordaz e o seu discernimento para julgar os humanos". Oliver Sacks faz notar que alguns deste indivíduos, "que foram empurrados para as extremidades mais remotas e estranhas da possibilidade humana", viviam a sua situação "com uma perspicácia dessconcertante, retendo o poder de recordar, de comparar, de dissecar e de testemunhar. O seu destino, por assim dizer, foi o de se terem tornado testemunhas únicas de uma catástrofe única".
 Não se sabe se David Lynch terá ido buscar a sua ideia de personagem a Oliver Sacks, mas é curisoso notar as semelhanças, e tal como os doentes do Hospital de Mount Carmel, nas proximidades de Nova Iorque, que tinham sido vítimas de um vírus, que devastou ou matou perto de cinco milhões de pessoas antes desaparecer tão misteriosamente como surgira, também "o cão mais zangado do mundo" parece ter sido afectado por um vírus. Um vírus comunicacional, diriamos, que o deixou paralisado na sua ira, sabendo que faça o que fizer não pode escapar ao axioma proposto em Palo Alto.
 A paisagem onde "The angriest dog in the world" se insere é rarefeita, atingindo os limiares do minimal repetitivo. As únicas mudanças de vinheta para vinheta são vísiveis apenas no tempo: o dia e a noite, o sol e a chuva. Tudo o resto está petrificado. O cão encontra-se acorrentado, dentro de um pátio murado com uma paliçada de madeira à toda a volta do recinto. O cenário claustrofóbico é apenas pontuado pelos fumos das chaminés de uma fábrica que se vêem ao longe, e que nos dizem ser de lixo tóxico, apesar de ninguém explicar o seu significado. O único contacto que o cão tem com a realidade envolvente são as vozes humanas, pertencentes aos seus donos, e que são audíveis através de uma janela da casa. Os humanos nunca chegam a aparecer, e a figura do protagonista da história, com feições mais semelhantes a um pequeno tubarão do que propriamente a um cão, ocupa sempre toda a cena, na sua profunda prostração e imobilidade.
 Na página da Net que nos mostra "The angriest dog in the world", o narrador apresenta-nos o canídeo como "the dog who is so angry he cannot move. He cannot eat. He cannot sleep. He can just barely growl... Bound so tightly with tension and anger, he approaches the state of rigor mortis". A moral da história é explicada pelo narrador nos seguintes termos: "What valuable lesson did we learn? Do not feed angry dogs!".
 A única esperança que o cão tinha de escapar a esta situação grotesca é-lhe negada pelas vozes dos seus donos, que o alimentam continuamente na sua raiva e que o impedem de mexer um músculo sequer. E mesmo que "the humans and their babble are no more important than the toxic waste/factory shown (but never explained) in the background", o cão sem nome é um produto desse "meaningless dialog that the humans are engaged". A sua raiva torna-se insustentável porque não pode deixar de ser um elemento participante desse absurdo cenário. O vírus da comunicação, ainda que seja uma meaningless one, contagiou-o para sempre.
 Por estas razões, este personagem canino, aprisionado que está a uma realidade criada pela comunicação oferece-nos a possibilidade de questionar essa mesma realidade. A par dos doentes pós-encefalíticos do Dr Sacks há uma matéria que nos dá excelentes pistas de confronto com as investigações de Palo Alto acerca da comunicação.
 Na Pragmática da Comunicação Humana, Paul Watzlawick e outros fornecem as bases de compreensão desta teoria. Aqui comunicação e comportamento fundem-se, tornam-se sinónimos. Como afirmam "o comportamento não tem oposto". O indivíduo não pode não se comportar, não se pode colocar fora do universo da interaccionalidade. Mesmo que as suas atitudes sejam bizarras e completamente fora do alcance para os demais, elas encontram-se sempre dentro de quadros de referência.
 Tal como o movimento é relativo e só pode ser compreendido em relação a um ponto de referência, também a experiência humana da realidade só pode ser percebida se a virmos como uma relação.
 Diz-nos Watzlawick que "um fenómeno permanece inexplicável enquanto o âmbito de observação não for suficientemente amplo para incluir o contexto onde esse fenómeno ocorre". O autor, queixando-se das ciências de comportamento, que ainda estão enterradas nos conceitos positivistas do século passado e ainda não ampliaram os seus horizontes de abordagem, e se colocam numa posição incómoda de terem "uma visão monádica do indivíduo", sustentando-se "no método tradicional de isolar variáveis. Isto torna-se particularmente óbvio quando o objecto de estudo é o comportamento perturbado". Se houver uma ampliação de modo a "incluir os efeitos desses comportamento sobre outros, as reacções destes àquele e o contexto em que tudo isso ocorrer, o foco transfere-se da mónada artificialmente isolada para as relações entre as partes de um sistema muito mais vasto".
 O comportamento tem valor de mensagem num acção interaccional e por muito que o indivíduo tente negá-lo, como parece ser o caso do cão mais zangado do mundo, é impossível não comunicar. "Actividade ou inactividade, palavras ou silêncio, tudo possui um valor de mensagem; influenciam outros e estes outros, por sua vez, não podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão comunicando. (...) a mera ausência de falar ou de observar não constituiu excepção ao que acabamos de dizer".
 Essa comunicação poderia estar posta em causa nos casos em que não existe intencionalidade, a consciência do acto se perde, ou de todo não ocorra uma compreensão mútua entre os interlocutores. Mas nestas situações extremas acaba por acontecer a comunicação, mesmo que os participantes façam um esforço inglório para a contrariar.
 Particularmente relevante dentro dos comportamentos ditos patológicos e que ilustram sobremaneira esta exposição, estão os exemplos do autismo e da esquizofrenia. Os cambiantes que extravasam a comunicação dita normal chegam a ser comoventes. Num diálogo mantido entre Oliver Sacks e um casal de autistas no livro do psiquiatra norte-americano designado bem a propósito "Um antropólogo em Marte" é bem evidente do tema que aqui se trata: "A sra B. referiu-se a si própria, num certo momento da conversa, como uma pessoa ënos limites da normalidadeí, mas depois tornou claro o significado desta expressão: ëSabemos as regras e as convenções das pessoas ënormaisí, mas não as chegamos a assimilar. Agimos como os outros, aprendemos as regras e obedecemos-lhes, mas... ëAprendemos a macaquear o comportamento humanoí, acrescentou o marido".
 Este "macaquear" o comportamento humano não é só sentido por este casal, mas por toda a humanidade, como uma necessidade vital. Apesar de a este casal de autistas lhe estar vedado o conhecimento do meandro e as regras que lhe estão subjacentes têm que fazer um esforço de mimetização dos comportamentos dos outros, numa espécie de jogo, que Whorf, Bateson e Jackson apelidam por uma "pontuação da sequência de eventos".
 A este propósito será útil lembrar a chamada hipótese de Sapir e Whorf àcerca da relatividade linguística. Apesar do estudo se debruçar sobre os aspectos semânticos da linguagem, arrasta nos seus desenvolvimentos ulteriores consequências pragmáticas que interessam aqui registar. Estes dois autores confrontados com a dificuldade que existe de relacionar a linguagem com o mundo exterior, colocam a hipótese de que a realidade em que vivemos é em grande parte constituída com base nos hábitos linguísticos onde nos inserimos. Para Whorf, por exemplo, não temos consciência do carácter ancestral da língua, tal como não temos consciência do ar que respiramos até que ele nos falte. Uma vez que categorizamos os objectos da experiência com o auxílio da linguagem, pode acontecer que a aprendizagem do mundo e da lingua sejam actos inseparáveis e, sendo assim, a nossa visão do mundo estará dependente da lingua que falamos. Se observarmos as outras linguas acabamos por concluir que uma lingua não é apenas a sonorização de ideias, mas é ela própria "formas de ideias" e que "dissecamos a natureza pelas linhas que foram traçadas pelas nossas linguas nativas". Esta ordem de ideias leva Sapir a um novo princípio da relatividade, segundo o qual nem todos os observadores são levados pela mesma evidência física a possuir a mesma imagem do mundo.
 Para que essa imagem seja senão idêntica pelo menos semelhante entre os indivíduos, que se movem no interior de um determinado grupo, há necessidade de pontuar todo o comportamento interaccional. Watzlawick refere que é esta pontuação que (pg51) "organiza os eventos comportamentais e, portanto, é vital para as interacções em curso. Culturalmente, compartilhamos de muitas convenções de pontuação que, embora não mais nem menos rigorosas do que outras concepções do que outras concepções dos mesmos eventos, servem para organizar comuns e importantes sequências de interacção".
 Esta pontuação sequencial, que passa despercebida à vista de todos, transforma-se radicalmente quando algo corre mal na comunicação. As discrepâncias que não chegam a ser resolvidas são fonte de problemas graves, levando a impasses interaccionais, onde se assiste a círculos viciosos de acusações mútuas de loucura ou maldade entre os intervenientes da disputa. É como se, diz-nos Watzlawick, pag86 "na raiz desses conflitos de pontuação residisse a convicção firmemenete estabelecida e usualmente incontestada de que só existe uma realidade, o mundo tal como eu o vejo, e de que qualquer ideia diferente da minha deve ser devida à irracionalidade ou má vontade do outro".
 No caso da esquisofrenia, os dilemas em pontuar as sequências interaccionais podem assumir formas extremadas, que nos fazem lembrar novamente o cão de David Lynch. Alguns pacientes chegam a comportar-se como se tentassem negar que estão a comunicar e depois, como explica Watzlawik, Pg67, "acham necessário negar que a sua negativa seja, em si mesma, uma comunicação.Mas é igualmente possível que o paciente pareça querer comunicar sem que aceite, porém, o compromisso inerente a toda a comunicação".
 Seja a rigidez "rigor mortis" do cão mais zangado do mundo, seja a tagarelice mais desenfreada demonstrada amiúde por outros pacientes, a esquisofrenia assume "uma linguagem que deixa ao ouvinte fazer a escolha entre muitos significados possíveis, os quais são não só diferentes mas podem até ser mutuamente incompatíveis".
 Coloca-se, pois, a questão de se saber se se pode efectuar uma distinção entre uma comunicação "sã" e uma "doente", já que, como diz Watzlawick, pg32 "o comportamento que está fora do contexto ou que manifesta certas outras espécies e causalidade ou carência de limitação específica imediatamente impressiona-nos como muito mais inadequado do que os meros erros sintácticos ou semânticos na comunicação". Sabe-se que tem de haver um modelo, um padrão pelo qual se possa regular a conduta perante os demais parceiros comunicacionais e mesmo que pareça "que conhecemos essas regras sem saber que as conhecemos", a fronteira entre a dita "normalidade" e "anormalidade" é esbatida e torna-se algo que nos foge constantemente debaixo dos pés.
 Esta ideia divisionista entre normalidade e anormalidade iniciou o seu percurso nas primeiras pesquisas psiquiátricas, visando a classificação e separação dos pacientes. Não questionando o valor prático de tal abordagem, que até conseguiu transportar-se para uma linguagem jurídica, onde ainda é bem patente a dicotomia entre os termos "sanidade" e "insanidade", este tipo de aproximação vai perdendo a sua força explicativa, quando se percebe que, afinal, qualquer comportamento para ser entendido tem de estar num determinado contexto onde é figurado. Como sublinha Watzlawick pg42 "toda a noção de ëanormalidadeí torna-se muito discutível, dado ser geralmente aceite, hoje em dia, que a condição do paciente não é estática mas varia com a situação interpessoal, assim como com as inclinações pessoais do observador. Além disso, quando os sintomas psiquiátricos são vistos como comportamentos apropriados a uma interacção em curso, surge um quadro de referência que é diametralmente oposto à concepção clássica da psiquiatria". Mais à frente no texto, o autor refere o exemplo da esquisofrenia que pode até ser vista como "a única reacção possível a um contexto absurdo ou insustentável de comunicação (uma reacção que obedece e, portanto, perpetua as regras de tal contexto) são duas coisas inteiramente diferentes; e, no entanto, a diferença reside na incompatibilidade das duas estruturas conceptuais, enquanto o quadro clínico a que eles se aplicam é o mesmo em ambos os casos".
 Não será o cão da nossa história, afinal, produtor e produto acabado de uma acção/reacção que obedece a um contexto que se perpetua no tempo e no espaço? A este respeito parece até que o personagem pressente esta absurda existência como algo de inescapável. Se não se pode separar do seu eu, logo também é lhe impossível não comunicar a sua zanga permanente com o mundo.
 Neste ponto da questão, importa saber, afinal, onde está a realidade? Quem garante que existe uma realidade?
 A Escola de Palo Alto dá a certeza que essa realidade nos constitui, somos nós que a fazemos através da comunicação. O homem tem de comunicar com os outros para que ganhe consciência do seu próprio eu. As experiências recentes sobre a privação sensorial vieram demonstrar que o próprio homem é incapaz de manter o seu equilíbrio emocional quando se encontra em comunicação exclusiva consigo mesmo durante longos períodos de tempo.
 Os homens, vistos como organismos funcionando como sistemas abertos, não podem ser estudados separando-os do seu meio circundante. A sua estabilidade e ascensão a estados mais complexos é conseguida através de um intercâmbio constante de energia e informação com o "seu" mundo, pontuando o processo de avaliar e seleccionar as milhares de impressões sensoriais que o homem recebe a cada instante, vindas do seu meio interno e externo. Então, a realidade é aquilo que a fazemos ser e daí decorre, muito naturalmente, que não existe uma única realidade.
 No prefácio a um outro livro seu "A Realidade é Real?", Watzlawick afirma que muitas das ilusões humanas advêm deste agarrar-se do homem à "sua" realidade como uma verdade eterna e objectiva, impossível de ser posta em causa. O autor dá um exemplo sugestivo para sustentar que em vez de existir uma única realidade há sim múltiplas perspectivas da realidade, socorrendo-se de uma história de Akutagawa, "Na Floresta". (pag66) A mesma sequência de acontecimentos: a violação de uma mulher, o assassínio do seu marido por um bandido, tudo isto testemunhado por um lenhador, é vista pelos olhos dos quatro personagens. O que se sucede é "o aparecimento de tantas realidades quantas as personagens", levando o leitor "a reconhecer a impossibilidade de decidir qual dessas realidade é ërealí".
 Continuando no mundo da literatura podemos apontar que o mesmo fenómeno acontece em "O Quarteto de Alexandria", de Lawrence Durrell.  Este autor numa nota de introdução ao segundo livro da série de quatro dá a entender os seus propósitos de uma narrativa em busca do princípio da relatividade eisteiniana. "A literatura moderna não nos oferece nenhum exemplo de Unidades, e em consequência disso voltei-me para a ciência e tentei realizar um romance em quatro dimensões cuja forma assenta no princípio da relatividade". Os personagens "sobrepõem-se, entrecruzam-se" e actuam como "sósias" numa Alexandria que se transfigura, conforme ela é vista, sentida e dita por Justine, Baltasar, Mountolive e Clea. Cada um deles nas relações que estabelecem com os outros forma uma unidade diferente das outras e o romance jogado a quatro vozes vive desta multiplicidade de partituras que cada personagem dirige.
 Estas unidades de que Lawrence Durrel se apercebe são muito semelhantes às teses de clausura defendidas em psicologia e neurobiologia por Maturana e Francisco Varela. Este último autor num livro intitulado "The Invented Reality", curiosamente editado e comentado por Paul Watzlawick, esboça uma teoria de um "world of strange loops". Ao explicar o que apelida de círculos criativos e 'strange loops' Varela dá como exemplo a gravura de Escher, onde duas mãos se desenham uma à outra, especificando mutuamente as suas condições de produção. Este tipo de processo retratado por Escher assenta bem sobre as relações do sujeito com o mundo através da linguagem: partes que mutuamente se especificam a si próprias. O processo vai ser denominado por Varela 'closure of operations' - "...whereby products are in the same level as productions. Within this organization, the usual distinctions between producer and product, beginning and end, or input and output cease making sense" (Varela, sd: 312).
 Depois de examinar a clausura operacional quer na vida quer nos sistemas formais ditos indecidíveis, Varela passa à cognição para concluir que é impossível escapar aos domínios especificados pelo corpo e sistema nervoso: "There is no world except that experienced through those processes given to us and wich make us what we are... Much like the young man in the Escher engraving, we see a world that turns into the very substratum wich produces us, closing the loop and intercrossing domains. As in the engraving, there is nowhere to step out into" (Varela, sd: 320).
 A partir de agora, objectividade e subjectividade são noções que deixam de fazer sentido, pois que se trata já de verdadeira participação: sujeito e objecto fundem-se irremediavelmente. Neste quadro, o homem olha o mundo como um espelho, que não nos diz o que ele é ou não é, apenas revela que a nossa experiência é viável. O resultado é só um: "A world where 'no-ground' and 'no-foundations' can become the basis for understanding that the age-old ideal of objectivity and communication as progressive elimination of error is, by its own scientific standards, a chimera" (Varela, sd: 323).
 A loucura talvez esteja na incapacidade dos homens em habitar, em dimensionar essa multiplicidade, em constituirem-se como unidades com o mundo, e saber de antemão, tal como acontece com o cão criado por David Lynch, não haver outro lugar para onde ir.
 

Bibliografia:
 

Watzlawick, Paul e Helmick Beavin, Janet e D. Jackson, Don, Pragmática da Comunicação Humana, sd, Editora Cultrix, São Paulo

Watzlawick, Paul, A Realidade é Real?, sd, Colecção Antropos, Relógio de Água, Lisboa

Sacks, Oliver, Despertares, 1992, Colecção Antropos, Relógio de Água, Lisboa

Sacks, Oliver, Um Antropólogo em Marte - Sete Histórias Paradoxais, 1995, Colecção Antropos, Relógio de Água, Lisboa

Palmer, F.R, A Semântica, 1979, Edições 70, Colecção Signos

Durrel, Lawrence, Quarteto de Alexandria, 1992, Editora Ulisseia

Varela, Francisco, The Invented Reality, sd, W.W. Norton & Company, New York