Paulo Serra, Universidade da Beira Interior
Março de 1999
Introdução
Grande parte dos teorizadores da "sociedade da informação"
(1) - que partilha, com os iluministas, da crença
optimista de que o conhecimento tem um carácter auto-formador e
emancipatório -, tende a pensar que mais informação
leva, necessariamente, a um acréscimo de conhecimento. (2)
No entanto, e a acreditarmos em autores como Postman e Baudrillard - que
podemos considerar, neste aspecto, como paradigmáticos -, o acréscimo
de informação não só não acarreta um
acréscimo de conhecimento como conduz, mesmo, ao seu decréscimo;
assim, e para citarmos a conhecida fórmula de Baudrillard, "estamos
num universo em que existe cada vez mais informação e cada
vez menos sentido", em que "à "inflação da informação"
corresponde uma "deflação do sentido". (3)
É certo que Postman e Baudrillard chegam a idêntica conclusão
a partir de pressupostos e argumentações diversos. Assim,
para Postman, a "deflação do sentido" deve-se, essencialmente,
ao facto de a "explosão da informação" (que, iniciada
com a imprensa, atinge o seu auge com o computador), originando um mundo
cada vez mais "improvável" - um mundo em que verdades, valores e
normas se multiplicam até ao infinito, tornando impossível
qualquer escolha fundada -, conduzir a uma desorientação
existencial cada vez mais acentuada. (4) Já para
Baudrillard, o problema da "deflação do sentido" coloca-se,
sobretudo, a partir da mudança de natureza dos media do regime clássico
da "representação" (assente na trilogia representante, representado
e medium) para o novo regime da "simulação" (que envolve
não só a "implosão" da mensagem no medium como a "implosão"
do próprio medium) - um regime que, ao produzir a indistinção
crescente entre representante, representado e medium, faz com que, quanto
maior seja a informação sobre o "referente" ou o "real",
mais nos afastemos dele (e, assim, do próprio "sentido"). (5)
Assumindo a (validade desta) conclusão de Postman e Baudrillard
pretendemos, no que se segue, abordar o problema da relação
entre informação e sentido (do sentido da informação)
a partir do tema da memória. E do tema da memória por duas
razões fundamentais:
i) O "mito da informação" - mito que, na perspectiva
de Baudrillard, é "o alfa e o omega da nossa modernidade" (6)-,
que tem uma das suas formulações essenciais com os Enciclopedistas,
centra-se, claramente, numa concepção do conhecimento e do
sujeito que tende a enfatizar o papel da memória (da memória
da informação, da informação como memória)
na construção (e determinação) do sentido.
ii) Esse "mito" e essa concepção regressam, hoje, pela
mão dos teorizadores da "sociedade da informação",
que tendem a olhar para os computadores (as Redes) como as máquinas
da memória cuja perfeição mnemotécnica permitirá,
enfim, a realização do sonho moderno de registar, conservar
e transmitir todas as memórias - garantindo, assim, a abundância
do sentido.
Procuraremos, em relação a cada um desses momentos (o
da Encyclopédie, o das Redes), mostrar que o projecto de construir
a memória a partir da informação envolve contradições
insuperáveis que apontam, em última análise, para
a sua impossibilidade; e que essa impossibilidade se deve, finalmente,
a uma concepção errada do conhecimento, do sujeito e da própria
memória. Ou, e para parafrasearmos (ainda) Baudrillard, que talvez
o projecto de construir uma "memória artificial", corporizada nos
media, seja a garantia maior de que "o esquecimento será perfeito".
(7)
O "mito da informação": a in-formação do (como) sentido
Numa das suas "novas inquirições", Jorge Luís Borges
refere a história do imperador chinês Shih Huang Ti que, tendo
vivido no século III AC e tendo-se auto-cognominado "O Primeiro",
ordenou, por um lado, a edificação da Muralha da China e,
por outro lado, que se queimassem todos os livros que mencionassem os imperadores
que o tinham antecedido. Na dupla ordem do Imperador vê Borges a
tentativa de controlar, simultaneamente, o espaço e o tempo, reduzindo
a realidade a um aqui e agora imune à corrupção das
coisas e à mortalidade dos homens, numa palavra, a toda e qualquer
mudança; reconstituir-se-ia, assim, de certa forma, o mundo como
era (como deveria ter sido) no seu início. Acrescenta Borges, em
reforço da sua interpretação, os outros actos do Imperador
que se seguem: a proibição de que se pronunciasse a palavra
"morte"; a procura do elixir da imortalidade; o seu encerramento num palácio
com tantas portas quantas os dias do ano; o ter tomado, para seu nome,
o de Huang-Ti - nome do lendário imperador a quem os Chineses atribuem
a invenção da escrita e da bússola. (8)
Retenhamos dos actos do Imperador os dois que parecem ter a ver, mais directamente,
com o nosso problema: em primeiro lugar, a ordem para se queimarem os livros
referentes ao passado e, assim, apagar da memória e da vida dos
homens, uma parte fundamental dessa vida e dessa memória (eliminando,
ao mesmo tempo, as alternativas ao presente presentes nesse passado e nessa
memória); por outro lado, a auto-atribuição do nome
do suposto inventor da escrita, que simboliza, aqui, a possibilidade de,
sobre as cinzas de uma memória antiga, construir uma nova memória
e um novo sentido - mediante a produção da informação
apropriada - e, assim, determinar o tempo e a história... (9)
No Ocidente, o projecto - a uma escala que se pretende, simultaneamente,
global e universal - de destruir uma memória antiga para, em seu
lugar, mediante a "informação" apropriada, construir uma
nova memória, foi assumido essencialmente pelos Iluministas, em
particular pelos mais directamente ligados à feitura e publicação
da Encyclopédie (Diderot e D'Alembert). É certo que o projecto
dos Enciclopedistas é, aparentemente, mais "altruísta" que
o do primeiro Imperador e não envolve, antes pelo contrário,
a queima de qualquer livro: trata-se, para eles, de destruir uma memória
identificada com a autoridade, os preconceitos, as superstições
(e, em termos de media, com a oralidade), para a substituir por uma memória
constituída pelos conhecimentos essenciais "das ciências,
das artes e dos ofícios", determinante de uma sociedade (supostamente)
mais racional e mais humana (e suportada, em termos de media, pela escrita
e pela imprensa).
Esse projecto dos Enciclopedistas é visível em três
aspectos fundamentais (e claramente indissociáveis) da Encyclopédie:
1º. Os objectivos, que Diderot resume da seguinte forma: "Com
efeito, a finalidade de uma Enciclopédia é reunir os conhecimentos
dispersos pela superfície da terra, expor o seu sistema geral aos
homens com quem vivemos, e transmiti-lo aos homens que virão depois
de nós; a fim de que os trabalhos dos séculos passados não
tenham sido trabalhos inúteis para os séculos que se sucederão;
que os nossos descendentes, tornando-se mais instruídos, se tornem
ao mesmo tempo mais virtuosos e mais felizes, e que nós não
morramos sem termos desmerecido do género humano." (10)Reunir
(e sistematizar), expor (aos contemporâneos), transmitir (aos vindouros)
os conhecimentos obtidos no âmbito das ciências, das artes
e dos ofícios - a fim de que, sendo mais instruídos, os homens
do futuro possam ser mais virtuosos e mais felizes. Esta ideia de influir
no futuro mediante a constituição de uma "memória
artificial" torna-se ainda mais transparente na afirmação
feita por D'Alembert em carta a Sophie Volland: "Essa obra produzirá,
certamente, com o tempo, uma revolução nos espíritos,
e eu espero que os tiranos, os opressores, os fanáticos e os intolerantes
não ganharão nesse campo. Nós teremos servido a humanidade."
(11)
2º. A fundamentação epistemológica, que se
filia, explicitamente, no empirismo: em Locke (An Essay Concerning Human
Understanding) no que se refere à origem do conhecimento, em Bacon
(De Dignitate et Augmentis Scientiarum) no que se refere às ordenação
do sistema dos conhecimentos. Esta inspiração empirista do
projecto é altamente significativa, já que, como observa
Charles Taylor, se (e para utilizarmos as expressões já antigas,
mas consagradas por Locke), o espírito é uma "folha em branco"
e uma tabula rasa, então ele pode ser escrito/marcado de uma forma
ou outra - bastando, para isso, fornecer-lhe a "informação"
apropriada. (12) Analisemos, mais em pormenor, esta inspiração
empirista da Encyclopédie.
Em relação à questão da origem do conhecimento,
D'Alembert afirma, no "Discurso preliminar", que os conhecimentos humanos
podem dividir-se em: "conhecimentos directos" (ou sensações),
que recebemos de forma passiva (são, diz ele, conhecimentos que
"recebemos imediatamente, sem nenhuma operação da nossa vontade;
que encontrando abertas, por assim dizer, todas as portas da nossa alma,
nela entram sem resistência e sem esforço"); e "conhecimentos
reflexos", que resultam de uma operação (de unificação
e de combinação) do espírito sobre os conhecimentos
directos. Segue-se daqui, claramente, que "é às nossas sensações
que devemos todas as nossas ideias" - sendo, portanto, de recusar liminarmente
a tese cartesiana das ideias inatas. (13)
Em relação à questão da ordenação
enciclopédica dos conhecimentos - que decorre, nos seus traços
gerais, da resposta à questão da origem dos mesmos -, para
os Enciclopedistas ela tem o seu princípio na distinção
de três faculdades humanas fundamentais. Temos, em primeiro lugar,
a Memória, entendida como "a colecção puramente passiva
e como que maquinal desses mesmos conhecimentos" (directos), sobre a qual
se funda a História e que fornece, ao espírito, os materiais
indispensáveis ao seu trabalho de "reflexão". Dado que esse
trabalho de "reflexão" que o espírito exerce sobre a Memória
- trabalho de que resultam os conhecimentos reflectidos - pode ser de dois
tipos, temos duas outras faculdades: a Razão, que "raciocina sobre
os objectos das ideias directas", e a que corresponde a Filosofia; e a
Imaginação, "o talento de criar imitando", a que correspondem
as Belas-Artes.(14) Ora, como os conhecimentos reflectidos
(e a Razão-Filosofia e a Imaginação-Artes que lhes
correspondem) se fundam sobre os conhecimentos directos (e a Memória-História
a que correspondem), cabe a esta última constituir-se como a base
do edifício do conhecimento, já que ela "encerra a matéria-primeira
de todos os nossos conhecimentos", fornecendo ao filósofo e ao poeta
"os objectos sobre os quais se debruçam." (15)
Até porque, como acentua D'Alembert, "as ideias que se adquirem
pela leitura e pela sociedade são o germe de quase de quase todas
as descobertas. É um ar que respiramos sem nele pensar, e ao qual
devemos a vida." .(16)
Tal não equivale, no entanto, a negar a importância das
outras faculdades, bem pelo contrário - já que, como afirma
D'Alembert, "o número mais ou menos grande de ideias reflectidas,
e a natureza dessas ideias, constituem a diferença mais ou menos
grande que há entre os homens; (...) a reflexão, tomada no
sentido mais alargado que se lhe possa dar, forma o carácter do
espírito (...)." (17). Tal não equivale,
também, a esquecer que a erudição pode ter os seus
desvios, como aconteceu com muitos dos eruditos que, nos inícios
do Renascimento, se julgavam sábios pelo facto de terem lido muitas
das obras dos Antigos; há, por isso, que não confundir o
"país da erudição" e o "país da razão":
"O país da erudição e dos factos é inesgotável;
crê-se, por assim dizer, ver todos os dias aumentar a sua substância
pelas aquisições que aí se podem fazer sem custo.
Pelo contrário, o país da razão e das descobertas
é de uma extensão bastante pequena; e frequentemente, em
vez de aí se aprender o que se ignorava, não se chega à
força de estudo senão a desaprender o que se cria saber".
(18)
3º. O papel do medium - referimo-nos, nomeadamente, à escrita
e à imprensa -, visto como um prolongamento (artificial) da memória
que se revela essencial ao exercício desta (sendo impossível,
à memória humana, considerada quer individualmente quer colectivamente,
reunir, expor e transmitir o sistema dos conhecimentos). Desta forma, a
escrita e a imprensa são colocadas, pela Encyclopédie, como
parte da Lógica (que engloba a Arte de Pensar, a Arte de Reter e
a Arte de Comunicar) e, dentro desta, na Arte de Reter, a título
de "suplemento a memória". (19) Aliás,
é justamente a invenção da imprensa, e a reconstituição
(e a expansão) da memória que ela possibilita que - a par
da protecção dos Médicis e de Francisco I -D'Alembert
vê como um dos factores fundamentais que, possibilitando "uma dessas
revoluções que fazem com que a terra assuma uma nova face",
levaram ao fim da "barbárie" (medieval), permitindo que a luz renascesse
"de todas as partes". (20)
Uma memória desmedida
O projecto de constituição de uma "memória artificial"
simultaneamente sintética, completa, sistemática, actualizada
e relevante (não esqueçamos que "enciclopédia" significa,
etimologicamente, "educação completa") coloca alguns problemas
"internos", por assim dizer - problemas de que Diderot e D'Alembert se
apercebem, aliás, de forma clara -, que o tornam contraditório,
ou, pelo menos, paradoxal. Desses problemas parecem-nos particularmente
relevantes os seguintes:
1º Problema. A alteração constante dos conhecimentos
nas ciências e nas artes (Diderot fala em "revoluções")
- a que não é alheia a dinâmica de uma razão
que intenta libertar-se de todas as autoridades e dogmatismos e ultrapassar
constantemente os seus limites, que são os dos conhecimentos produzidos
(21)-, já marcante no século XVIII, conjugada
com o tempo que um projecto como a Encyclopédie não poderia
deixar de levar (não sendo, dos projectos similares, o mais moroso,
a publicação dos seus 17 volumes de texto e 11 volumes de
gravuras prolongou-se, no entanto, por cerca de 22 anos, entre 1751 e 1772),
não faz com que, no momento em que é publicada, a sua informação
já esteja (relativamente) desactualizada? Diderot é obrigado
a reconhecer que sim. (22) Para que tal problema seja
minimizado, exigir-se-ão actualizações permanentes
da Encyclopédie; mas, ao fazerem-se estas actualizações,
ir-se-ão alargando, cada vez mais, os limites da Encyclopédie
- contrariando, assim, um dos seus objectivos essenciais, que é
o de resumir o conhecimento relevante e actualizado das diversas áreas.
Não admira, assim, que - por muito paradoxal que possa parecer tal
afirmação - Diderot afirme que "o momento mais glorioso"
para uma Enciclopédia seria o momento subsequente a "uma revolução
que suspendesse, de forma súbita, os progressos das ciências
e os trabalhos das artes", e que pudesse fazer aparecer, em todo o seu
brilho, a Encyclopédie enquanto repositório do conhecimento
preservado. Ela cumpriria assim, de forma perfeita - isto é, preservando
todo o saber necessário, e um saber actualizado -, o seu papel de
"memória" da humanidade. (23)
2º Problema. Este problema - a que, seguindo a terminologia utilizada
por Kant, poderíamos chamar "arquitectónico" - pode formular-se
da seguinte forma: num mundo infinito, a que corresponde um conhecimento
também infinito, que princípio de ordenação
sistemática dos conhecimentos adoptaremos (já que, em princípio,
há uma infinidade de possibilidades, e a nossa escolha de uma delas
não poderá deixar de ser arbitrária)? Utilizando a
metáfora da "máquina", Diderot coloca o problema nestes termos:
"Em geral a descrição de uma máquina pode ser encetada
por qualquer das suas partes. Quanto maior e mais complicada for a máquina,
mais ligações haverá entre as partes, (e) menos conheceremos
essas ligações; mais diferentes planos de descrição
teremos." (24) E, pergunta-se Diderot - parafraseando
quase, avant-la-lettre, a "Biblioteca de Babel", de Borges - "que acontecerá
se a máquina for infinita em todos os sentidos; se se trata do universo
real e do universo inteligível, ou de uma obra que seja como que
a marca de ambos? O universo, quer real quer inteligível, comporta
uma infinidade de pontos de vista segundo os quais pode ser representado,
e o número dos sistemas do conhecimento humano (que são)
possíveis é tão grande como o desses pontos de vista."
(25) O único ser a quem seria possível
ter, sobre o universo infinito e sobre o conhecimento correspondente, um
ponto de vista não arbitrário (porque total), seria Deus...
Mas, mesmo que, por hipótese, o homem pudesse construir um tal sistema
total, tal sistema nem sequer seria vantajoso, na medida em que, nesse
caso, "que diferença haveria entre a leitura de uma obra em que
todas as extensões (ressorts) do universo estariam desenvolvidos,
e o estudo do próprio universo?" (26) Tal obra
seria, ela própria, tão infinita como o próprio universo,
e colocaria os mesmos problemas em termos de conhecimento. Desta forma,
"a perfeição absoluta dum plano universal não resolveria,
de forma alguma, a fraqueza do nosso entendimento (...)." (27)
Ora, um dos objectivos centrais da Encyclopédie é, justamente,
eliminar resolutamente a infinidade de pontos de vistas (dessa biblioteca
tendencialmente infinita de volumes que se acumulam), reduzindo o conhecimento
a limites comportáveis por cada ser humano - o que envolve, obviamente,
a adopção relativamente arbitrária de um ponto de
vista (no caso, o ponto de vista do homem e das suas faculdades) e o apagamento
da infinidade de todos os outros que também seria possível
adoptar. É interessante, neste aspecto - e muito actual - a previsão
de Diderot de um futuro em que os homens se dividirão em "duas classes":
de um lado, os que lendo pouco e fazendo as suas descobertas, irão
acrescentando novos volumes aos volumes já existentes; e, do outro
lado, a classe dos homens que, não descobrindo (e não se
preocupando em descobrir) nada, "se ocuparão a folhear dia e noite
esses volumes, e a separar aí o que eles julgarão digno de
ser recolhido e conservado." E, interroga-se Diderot, esta predição
"não começa já a realizar-se?". (28)
3º Problema. Que tipo de informação ("conhecimentos")
merece ser reunida, divulgada aos contemporâneos e transmitida aos
homens do futuro? Diderot distingue, claramente, neste aspecto, meios como
a (uma) Enciclopédia e o jornal. O que distingue estes meios é,
basicamente, o tempo (ou, se preferimos, a sua duração em
termos de memória): enquanto o jornal se preocupa com uma "história
momentânea", que se dirige à curiosidade evanescente e sempre
renovada dos leitores e deve ser imediatamente esquecida, a Enciclopédia
destina-se a conservar o memorável, o que - resultante das ciências,
das artes e dos ofícios, isto é, do conhecimento de e da
luta do homem contra a natureza - visa a "instrução geral
e permanente da espécie humana." (29) Ora, é
falhar a sua (da Encyclopédie) finalidade "divertir e agradar, quando
se pode instruir e comover (toucher)." (30)
Desde a época em que o projecto da Encyclopédie foi formulado,
esses problemas - todos e cada um deles - não deixaram de se agravar,
pondo cada vez mais em questão esse mesmo projecto. Avançaremos,
para esse agravamento, duas razões de ordem geral - a primeira,
relativa aos dois primeiros problemas, a segunda relativa ao terceiro:
i) A taylorização crescente da vida social em geral e
da actividade científica em particular levou a que, como já
Vannevar Bush (o inventor do "memex") observava em 1945, se tenha tornado
cada vez mais difícil, mesmo aos especialistas de cada área,
o "mapeamento" (actualizado e sintético) do trabalho que se vai
produzindo nessa área (um trabalho em quantidades cada vez maiores,
disperso por locais cada vez mais numerosos, veiculado em meios cada vez
mais diversificados, cada vez mais difícil de recolher e de seleccionar).
(31) Ao que acresce, para o cidadão comum, o problema,
que também não tem cessado de se agravar, da complexidade
crescente deste tipo de informação - e que será, aliás,
uma das razões que o levam a procurar a "informação",
muitas vezes com "preocupações culturais", mas mais acessível,
mais facilmente "digerível", que lhe é oferecida pelos mass
media. Torna-se patente, num e noutro caso, o conflito entre a disponibilidade
da informação, que é cada vez maior, e a sua acessibilidade,
cada vez mais problemática. Para o colocarmos em termos de "enciclopédia":
fragmentação da informação em múltiplas
enciclopédias, cada vez mais volumosas, cada vez mais especializadas,
cada vez mais difíceis - ou seja, cada vez menos "educação
completa" (egkyklos paideia).
ii) Ao caracterizar, da forma como o faz, o jornal (que, lembremo-lo,
tem no século XVIII o século da sua afirmação),
Diderot antecipa algumas das características fundamentais da "informação"
mediática (e, de uma forma mais geral, da "cultura de massas") que
se afirma com a penny-press e, um pouco mais tarde, com os meios audiovisuais
de "comunicação de massas" (nomeadamente a rádio e
a televisão): por um lado, uma informação que se dirige
à curiosidade evanescente e sempre renovada dos seus destinatários,
e que Heidegger - que retoma, neste ponto, o tema agustiniano da "concupiscência
do olhar", desse "desejo curioso e vão" que se disfarça "sob
o nome de 'conhecimento' e 'ciência'", e nos leva a desejar ver tudo,
mesmo que tal nos cause desprazer e mesmo horror (32)-
caracteriza como um pretender ver por ver e não para compreender,
um saltar de novidade em novidade, na procura de uma distracção
permanente, um querer saber não para o saber mas para o ter sabido
(33); por outro lado, uma informação que,
e para repetirmos a expressão de D'Alembert, se destina a "divertir
e agradar" em vez de "instruir e comover", apostando, decididamente, em
estratégias de sedução - que não impedem, antes
aconselham, o recurso ao choque, ao sensacionalismo e à dramatização
-, e que atingem a sua máxima expressão na linguagem publicitária,
nesta forma "inarticulada, instantânea, sem passado, sem futuro,
sem metamorfose possível". (34) E, sem querermos
retomar, aqui, a já longa discussão em torno da chamada "cultura
de massas" (35), não podemos deixar de nos referir
à importante questão, colocada, por exemplo, por Baudrillard
(36), de saber até que ponto toda a informação,
incluindo a referente às "ciências, artes e ofícios",
tem vindo a assumir, cada vez mais, as características da informação
massmediática, permitindo a realização daquele que
era um dos objectivos centrais do projecto da Encyclopédie (fazer
chegar, a todos os indivíduos, a informação) - mas
assumindo, essa realização, a forma de paródia. Ou
seja: fazendo chegar, a todos os indivíduos, uma informação
"atraente" e "interessante", mas que se destina a ser consumida para ser,
imediatamente, esquecida - sem o que os seus destinatários não
poderiam estar, permanentemente, disponíveis para assumirem o papel
de "recipientes" das informações que lhes chegam sem cessar.
Mesmo - sobretudo? - quando a informação que se procura transmitir
e veicular é uma informação "séria" e com intuitos
"culturais", ela não pode deixar de se eximir à lógica
do consumo imediato e do esquecimento instantâneo; assim, também
"as ciências, as artes e os ofícios" têm, hoje, os seus
mecanismos de produção em série, o seu mercado publicitário,
as suas instâncias de vendas a retalho. Deriva, essa lógica,
das leis do mercado ou do desenvolvimento dos próprios media? Ou,
simultaneamente, de ambos os processos? Borges - que exemplifica, a este
respeito, a posição de muitos intelectuais deste século
que têm expressado os seus receios de que o desenvolvimento dos media
alternativos ao livro, e nomeadamente os media electrónicos, levem
ao desaparecimento daquele - atribui, ao livro, e exclusivamente ao livro,
a função (e a capacidade) de preservar a memória:
" (...) um jornal lê-se para se esquecer, um disco também
se ouve para depois se esquecer, é uma coisa mecânica, portanto
fútil. Um livro lê-se para se reter na memória." (37)
Podendo-se concordar globalmente com esta afirmação, impõe-se,
no entanto, perguntar até que ponto não é menos verdade,
hoje em dia, que lemos muito livros para (os) esquecer? E que há,
pelo contrário, filmes ou discos que nunca esqueceremos (e moldarão,
assim, a nossa memória e a nossa vida)? O problema não residirá,
portanto, apenas na mudança de natureza dos media, mas também
na sua submissão à lógica de mercado, patente desde
a invenção da imprensa.
O projecto dos Enciclopedistas desemboca, assim, numa contradição
(aparentemente) insuperável: de um lado, uma informação
que mereceria ser memorizada mas que, dada a sua exponencialidade e a sua
hiper-complexidade, se torna impossível memorizar (pelo menos nos
termos propostos pelos Enciclopedistas); do outro lado, uma informação
que, dirigida a uma curiosidade e um desejo de distracção
insaciáveis, não pode deixar de ser esquecida no acto mesmo
de ser absorvida. Em qualquer dos casos, impossibilidade de uma memória
e de um sentido.
A "máquina da memória" - ou as limitações de uma metáfora
Sendo certo que não podemos deixar de pensar o acontecimento
(a novidade) em função de conceitos e metáforas que
lhe são anteriores (logo, inadequados), a enciclopédia (virtual)
tem sido uma das múltiplas metáforas a partir das quais tem
sido pensada, nos últimos tempos, a "hiper-memória" das Redes.
E, à primeira vista, a Internet parece realizar, de forma mais perfeita
que a Enciclopédia real - que, apesar do seu desejo de totalização,
não pode deixar de operar selecções e, consequentemente,
eliminações de partes importantes da informação
-, de forma absolutamente perfeita, essa ideia típica da nossa modernidade
(ideia que subjaz não só ao projecto enciclopédico
como à constituição de "heterotopias" como a biblioteca
e o museu), "de tudo acumular, (...) de constituir uma espécie de
arquivo geral, a vontade de encerrar num lugar todos os tempos, todas as
épocas, todas as formas, todos os gostos, a ideia de constituir
um lugar de todos os tempos que esteja, ele mesmo, fora do tempo, e inacessível
à sua erosão, o projecto de organizar, assim, uma espécie
de acumulação perpétua e indefinida do tempo num lugar
que não se alteraria (ne bougerait pas) (...)." (38).
Com efeito, ao constituir-se como uma "memória artificial" virtualmente
infinita (porque infinitamente virtual), a Internet resolve os problemas
que, como vimos atrás, se colocavam (se colocam) ao projecto enciclopédico:
i) encontra-se permanentemente actualizada, ao eliminar, praticamente,
o tempo de intervalo entre a produção (publicação)
e a recolha (consulta) da informação; ii) faz coexistir "princípios
organizativos" em número praticamente ilimitado (tantos quantos
os potenciais utilizadores), devido à sua estrutura hipertextual
e aos diversos instrumentos de pesquisa utilizados; iii) torna disponíveis
não só a informação relativa às "ciências,
artes e ofícios" como todos os tipos e formas de informação.
(39). No entanto, não realizará a Internet,
de forma demasiado perfeita, essa ideia de reunir, expor e transmitir,
a todos os homens, de todos os tempos, lugares e condições,
toda informação?
A ficção "Funes, o memorioso", de Borges (40),
ilustra de forma perfeita os problemas (de constituição de
sentido) que se colocam a uma memória absoluta, que tudo nota, tudo
regista e tudo recorda - todos os objectos, todas as sensações,
todos os sonhos, nos seus mais ínfimos pormenores. Impossibilitado
de esquecer, Funes vive um excesso mnésico em que se confundem passado,
presente e futuro, substituídos por uma espécie de simultaneidade
transparente, e que o leva à lamentação de que "A
minha memória, senhor, é como um despejadouro de lixo". (41)
Neste "despejadouro", todas as lembranças se acumulam e se equivalem,
tornando impossível distinguir o memorável e o desprezível.
Toda a tentativa de classificação e de ordenação
das lembranças está, antecipadamente, votada ao fracasso,
na medida em que, sendo virtualmente infinitas, tal tarefa exigiria um
tempo também ele infinito. Tal fracasso decorre, também,
da incapacidade de Funes em pensar, já que, como nota Borges, "Pensar
é esquecer diferenças, é generalizar, é abstrair.
No abarrotado mundo de Funes não havia senão pormenores,
quase imediatos." (42) Na realidade, a memória
absoluta de Funes já não é humana: Funes é,
não pode deixar de ser, a metáfora borgiana de uma gigantesca
máquina de captação e de registo de informações,
de uma espécie de simbiose entre a objectiva da mais potente máquina
de filmar (ou de um conjunto de máquinas de filmar acopladas umas
às outras, de forma a nada deixarem escapar) e a prodigiosa memória
de um computador da última geração (ou de uma rede
de computadores com a memória aumentada até ao infinito).
Ora, não será que a Internet apresenta hoje, e cada vez
mais, os problemas implicados na (pela) hiper-memória de Funes?
Também na Internet não há, hoje, uma biblioteca, um
museu, uma enciclopédia - mas uma multiplicidade, cada vez mais
confusa, desorganizada e mesmo repetitiva de bibliotecas, museus e enciclopédias
(e de muitas outras coisas, como bordéis, cafés, cidades,
empresas, universidades, indivíduos, etc. etc.). Estrutura hipertextual?
Certamente. Motores de busca e directórios? Sem dúvida. Empresas
de data mining? Obviamente. Mas os instrumentos de pesquisa - por mais
que o seu aperfeiçoamento consiga acompanhar o crescimento exponencial
da informação que circula nas Redes (43)
- não resolve aquele que é o problema essencial que se colocaria
a Funes, se lhe fosse possível esquecer (e que é, também,
o nosso problema): o da selecção, em cada momento, entre
a informação relevante (o que merece ser lembrado) e o lixo
(o que deve ser esquecido). (44). A possibilidade dessa
selecção pressupõe que o cibernauta já possua,
previamente à sua entrada no ciberespaço, informação
(conhecimento) sobre a informação que lhe interessa procurar
- o mapa do território. E se não possuir tal mapa? Resta-lhe
navegar às cegas, saltitando de site para site, de informação
para informação, até deparar com a informação
mais fácil, ou a mais atractiva, ou mesmo a mais chocante...(45)
O que nos conduz ao paradoxo, já referido por Platão, no
Fedro, a propósito da escrita: a informação (importante)
só tem utilidade para quem está informado (e conhece); a
quem não está informado (nem conhece), de nada serve procurar
essa informação. Podemos, assim, distinguir dois tipos de
cibernautas: por um lado, aquela minoria que é capaz de, na Internet,
procurar a informação relevante, e para quem a Rede é,
sobretudo - como dizia o rei Tamuz ao deus Thoth, a propósito da
escrita -, não "um remédio para a memória, mas para
a rememoração" (46); por outro lado, a
imensa maioria (em que se inclui também, pelo menos episodicamente,
a minoria anterior) daqueles para quem, a Internet é, acima de tudo,
um óptimo meio de diversão, distracção e esquecimento
(aproximando-se cada vez mais, neste aspecto, da televisão).
Também aqui, como diria Baudrillard, a perfeição
(mnemotécnica) do sistema acaba por "implodir" no seu contrário.
Ou, por outras palavras: a garantia de que nada será esquecido (pela
máquina) é a melhor garantia de que nada - ou, pelo menos,
nada de importante - será lembrado (pelo homem). Assim, só
com a Internet parece ganhar pleno sentido a afirmação baudrillardiana
(feita a propósito da televisão) de que, "hoje em dia, por
toda a parte, são as memórias artificiais que apagam a memória
dos homens, que apagam os homens da sua própria memória".
(47)
Conclusão
A ser verdade que, como afirma Kundera pela boca de um dos seus personagens,
"a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra
o esquecimento" (48), então essa luta contra o
"poder" e o "esquecimento" passa hoje pela luta contra a ideia de que é
possível construir, mediante as "tecnologias da informação"
(e damos, a esta expressão, o seu sentido mais lato), uma "memória
artificial" perfeita, uma mnemotécnica sem falhas que seria o suporte
(maquínico) das tarefas - essas sim, verdadeiramente "humanas" e
"criativas" - da reflexão, na sua dupla vertente racional (filosófica)
e imaginativa (estética), para utilizarmos a linguagem dos Enciclopedistas;
uma memória que, sem a imperfeição e a finitude da
memória humana, garantiria a abundância (a plenitude) do sentido,
de um sentido.
Uma apologia da memória (humana)? Mas não é, a
memória, a mais mecânica (e, por assim dizer, a menos humana)
das nossas faculdades? A faculdade-serva que se limita a fornecer, às
faculdades-mestras (a razão, a imaginação) os materiais
brutos que suscitam a verdadeira actividade espiritual? Nada mais falso
- se não continuarmos a adoptar, em relação à
memória, a visão mecanicista e associacionista que, iniciada
com Aristóteles (49), veio a ser adoptada pelas
diversas formas do empirismo moderno e contemporâneo - empirismo
que, como vimos, enforma o pensamento dos Enciclopedistas (e, de forma
mais ou menos implícita, o de muitos dos apologistas da "sociedade
da informação").
Como acentuou Bergson, na sua obra pioneira sobre a memória
(50)- e, a um nível mais literário e pessoal,
é magnificamente ilustrado pelo De Profundis Valsa Lenta, de José
Cardoso Pires (51) -, a memória é tão
essencial à construção (e definição)
da subjectividade, da identidade individual, como à interpretação,
à atribuição de sentido. (52)Todo
o acto de interpretação, de doação de sentido
inclui, em maior ou menor grau, a memória, num processo em que o
passado investe e se investe no presente para lhe dar sentido e nos permitir
agir - ao mesmo tempo que a memória não pode deixar de incluir,
em si, a percepção que a actualiza, que a traz, do estado
de pura virtualidade, à cena do presente. (53)
Na mesma direcção nos parece apontar, aliás, a tematização
heideggeriana e gadameriana do "círculo hermenêutico", ao
colocar o problema do sentido a partir da temática do "adquirido",
do "pré-conceito", da "antecipação", da "tradição
- vendo nestes o que, em última análise, determina(rá)
o horizonte da compreensão do que será compreendido (e, posteriormente,
explicitado como compreensão). Como diz Heidegger, de forma lapidar:
"O sentido, estruturado pelo já adquirido (acquis) e pelo ponto
de vista (vue) prévios e a antecipação, constitui,
para todo o projecto, o horizonte a partir do qual toda a coisa será
compreendida enquanto tal ou tal." (54)
Que na fragilidade, na finitude e na imperfeição da nossa
memória ("humana, demasiado humana") - e não na perfeição
mnemónica das "tecnologias da informação" - resida
a possibilidade do sentido, é mais um dos paradoxos da nossa condição.
Nenhuma utopia, tecnológica ou política (ou ambas as coisas,
como hoje parece ser o caso) pode, por maior que seja a sua força,
eliminar tais paradoxos - mas apenas ocultá-los, e nunca por demasiado
tempo...
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1-Referimo-nos, nomeadamente, aos autores e obras seguintes: Daniel Bell, O Advento da Sociedade Pós- Industrial, S. Paulo, Cultrix, 1977; Alvin Toffler, A Terceira Vaga, Lisboa, Livros do Brasil, s/d; John Naisbit, Megatrends, New York, Warren Books, 1982; Nicholas Negroponte, Ser Digital, Lisboa, Caminho, 1996; e, a um nível mais político: Comunidades Europeias. Comissão, Crescimento, Competitividade e Emprego: os desafios e as pistas para entrar no século XXI (Livro Branco), Luxemburgo, Boletim das Comunidades Europeias, Suplemento 6/93; Martin Bangemman et alii, A Europa e a Sociedade Global da Informação: Recomendação ao Conselho Europeu, Bruxelas, 1995; Missão para a Sociedade da Informação, Livro Verde da Sociedade da Informação (Versão 0.1), Lisboa, Ministério da Ciência e da Tecnologia, 1997.
2-Tomamos aqui "informação" no sentido, que nos parece suficientemente geral, de "conhecimento objectivado sob a forma de uma mediação"; e, inversamente, "conhecimento" no sentido de "informação apropriada subjectivamente mediante um acto de atribuição de sentido". Quanto ao conceito de "sentido", esse "problema moderno por excelência", no dizer de Taylor, entendê-lo-emos na dupla acepção apontada por esse autor, isto é, quer como "ponto de apoio existencial" quer como "significado das proposições (que pretendem, na visão moderna, facultar aquele)." Cf. Charles Taylor, Sources of the Self. The Making of the Modern Identidty, Cambridge, Cambridge University Press, 1994, pp. 17-19.
3-Cf. Jean Baudrillard, Simulacros e Simulação, Lisboa, Relógio D'Água, 1991, pp. 103-104.
4-Cf. Neil Postman, Tecnopolia. Quando a Cultura se Rende à Tecnologia, Lisboa, Difusão Cultural, 1994.
5-Cf. Jean Baudrillard, op. cit.
6-Cf. Jean Baudrillard, "A implosão do sentido nos media", in Simulacros e Simulação, Lisboa, Relógio D'Água, 1991, p. 104.
8-Cf. Jorge Luís Borges, "A muralha e os livros", in Novas Inquirições, Lisboa, Editorial Querco, s/d, pp. 9-12.
9-Tudo leva a crer, portanto, que o "Primeiro Imperador" concebesse a sociedade como uma (espécie) de "máquina" (cibernética) em que cada uma das "peças" (instituições, grupos, indivíduos) e o todo "funcionam" de acordo com a informação que possui pelo que, alterar a informação que constitui a sua "memória" implica alterar, mais cedo ou mais tarde, de forma mais ou menos profunda, as suas formas de funcionamento. A ser assim, a sua concepção não se afastaria muito da que, a partir da Teoria Cibernética e da Teoria dos Sistemas, é defendida por grande parte das Escolas de Comunicação que essas teorias influenciam (por exemplo pelos autores da "Nova Comunicação" e da Escola de Palo Alto). Cf. Y. Winkin (Sel. E Int.), La Nueva Comunicación, Barcelona, Editorial Kairós, 1990.
10-Diderot, "Encyclopédie", in Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, Tome I, Milão-Paris, Franco Maria Ricci Ed., 1977, Vol. 14 (Tomo 5 do original), E, 99. Cf. também D'Alembert, "Discours Préliminaire des Éditeurs", in Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, Tome I, Milão-Paris, Franco Maria Ricci Ed., 1977, Vol. 13 (Tomo 1 do original), pp. i-xlv.
11-Lettre de Diderot à Sophie Volland, 26 de Setembro de 1762, disponível em http://www.bnf.fr./web-bnf/edagos/dossitsm/embleme.htm.
12-Cf. Charles Taylor, Sources of the Self. The Making of the Modern Identity, Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p. 170. Não admira, assim, que Taylor classifique John Locke como "o grande mestre (teacher) do Iluminismo", combinando os dois factores fundamentais (e complementares) que definem o Self moderno, e que encontram, posteriormente, a sua máxima expressão em Kant: i) uma teoria da nova ciência (da natureza); ii) uma teoria do controlo racional do Self. Idem, p. 174.
13-Cf. D'Alembert, op. cit., pp. i-ii.
14-Cf. Idem, p. xvi. Um resumo das respostas às duas questões da origem e da ordenação dos conhecimentos é fornecido, a seguir ao "Discurso preliminar", na "Explanação detalhada do sistema dos conhecimentos humanos": "Os seres físicos agem sobre os sentidos. As impressões desses Seres excitam as percepções no Entendimento. O Entendimento não se ocupa das suas percepções senão de três maneiras, de acordo com as suas três faculdades principais, a Memória, a Razão, a Imaginação. Ou o Entendimento faz uma enumeração pura e simples das suas percepções pela Memória; ou as examina, as compara, e as digere pela Razão; ou ele se compraz a imitá-las e a contrefazê-las pela Imaginação. Do que resulta uma distribuição geral do Conhecimento humano que parece bastante bem fundada: em História, que diz respeito à Memória; em Filosofia, que emana da Razão; e em Poesia, que nasce da Imaginação." Cf. Idem, p. xlvii.
16-Idem, p. xx Tem todo o sentido, portanto, que, no último período do "Discurso", se atribua, apenas "ao público que lê", que deve ser distinguido "daquele "que fala", o julgar do trabalho dos Enciclopedistas. Idem, p. xlv.
19-Cf. "Explanação detalhada do sistema dos conhecimentos humanos", p. xlviii.
20-Cf. D'Alembert, op. cit., p. xx.
21-Cf. Diderot, op. cit., p. E, 103.
29-Cf. Idem, pp. E, 120; E, 121.
31-Cf. Vannevar Bush, "As we may think", in The Atlantic Monthly, Nº 176, July 1945, pp. 101-108. Para resolver o problema da recolha e da selecção desse material, Bush propõe o dispositivo a que chama "memex". Este dispositivo, baseado na "indexação associativa" (e já não na tradicional indexação alfabética), mais consentânea com a forma como (supostamente) funciona a nossa inteligência, é geralmente encarado como o antepassado da arquitectura hipertextual dos actuais computadores e da "biblioteca virtual" que ela permite. Cf. George P. Landow, Hipertexto, Barcelona-Buenos Aires-Mexico, Ediciones Paidós, 1995, pp. 26 ss.
32-Cf. Stº Agostinho, Confissões, Livro X, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1959, p. 281.
33-Cf. Martin Heidegger, L'Être et le Temps, Paris, Gallimard, 1964, pp. 210-213.
34-Jean Baudrillard, op. cit, p. 113.
35-Remetemos para a síntese dessa discussão - a que, aliás, parece difícil acrescentar algo de novo - que aparece em Umberto Eco, Apocalípticos e Integrados, Lisboa, Difel, 1991, pp. 51-87.
36-Como é sabido, para Baudrillard, toda a informação - seja qual for o seu objecto e o seu "nível" - acaba por se inserir na mesma estratégia de "promoção cultural" e de "reciclagem cultural" característicos da "sociedade de consumo". Cf. Jean Baudrillard, A Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições 70, 1976, pp. 155-175.
37-Jorge Luís Borges, "O livro", in Borges Oral, Lisboa, Vega, s/d, p. 28.
38-Michel Foucault, "Des espaces autres", in Dits et Écrits, Vol. IV, Paris, Gallimard, 1994 (or. 1967), p. 759. Sobre a noção de heterotopia, cf. pp. 755 ss.
39-Cf. Manuel Castells, La Era de la Información: Economia, Cultura y Sociedad, Vol. 1 (La Sociedad Red), Madrid, Alianza Editorial, 1997, pp. 403-405.
40-Cf. Jorge Luís Borges, "Funes, o memorioso", in Ficções, Lisboa, Livros do Brasil, s/d, pp. 115-125.
41-Jorge Luís Borges, op. cit., p. 122.
43-Podem pôr-se, a este propósito, as questões seguintes: mesmo supondo que o aperfeiçoamento dos instrumentos de pesquisa consegue acompanhar o crescimento exponencial da Internet, de forma a podermos "mapear" a sua geografia (permanentemente) variável, até que ponto a complexidade crescente desses instrumentos de pesquisa não tornará necessário, a curto prazo, que - e aplicando, à Internet, a metáfora do mapa construído pelos cartógrafos do Império chinês, também introduzida por uma história de Borges - tenham de ser, eles próprios, "mapeados"? E, depois, não será necessário um novo mapa deste mapa? E assim sucessivamente?
44-A título de exemplo: uma pesquisa sobre "An Essay Concerning Human Understanding" (John Locke), feita às 11 horas e 50 minutos do dia 18 de Março de 1999, deu os resultados seguintes (em nº de páginas Web): Altavista - 642 ; MSN - 305; Infoseek - 553; Lycos e Snap - não indicam o nº, mas são muitos, também...
45-Até porque, e ao contrário do que acontece, por um lado, com as bibliotecas e os museus reais (em que há um sujeito que, eventualmente, nos guia) e, por outro lado, com as enciclopédias (com a sua organização alfabética), a Internet anula toda a mediação humana entre o sujeito e a informação - colocando, no lugar dessa mediação humana, a mediação tecnológica. Isto é, mais informação.
46-Cf. Platão, Fedro, 275 a, Lisboa, Guimarães Editores, 1989, p. 121.
47-Jean Baudrillard, Simulacros e Simulação, Lisboa, Relógio D' Água, 1991, p. 67
48-Milan Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento, Lisboa, Círculo de Leitores, p. . Esta conclusão surge na sequência da descrição do episódio do "apagamento" do militante comunista Clementis - que viria a ser acusado de traição e enforcado -, da fotografia que fixava o momento em que, em Fevereiro de 1948, o dirigente comunista Klement Gottwald se dirigia, em Praga, a centenas de milhares dos seus concidadãos. O referido dirigente encontrava-se acompanhado dos seus camaradas, entre os quais Clementis - que, num gesto de amizade fraterna, lhe tinha cedido o gorro a fim de proteger a cabeça nua do frio violento que fazia; este gorro, que nunca viria a ser apagado da cabeça de Gottwald, foi o único sinal que restou de Clementis na fotografia.
49-Cf. Aristóteles, "On memory and recollection", in On the Soul. Parva Naturalia. On Breath, Cambridge-London, Harvard University Press, 1997.
50-Cf. Henri Bergson, Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, S. Paulo, Martins Fontes, 1990.
51-Cf. José Cardoso Pires, De Profundis, Valsa Lenta, Lisboa, D. Quixote, 1999, especialmente pp. 25-26.
52-Deixamos aqui de lado a questão, central em Bergson, da relação entre cérebro e memória (e que o filósofo vê como uma variante do problema antigo da relação entre matéria e espírito). Por outro lado, e muito antes de Bergson, a identificação entre memória e identidade aparece já no Livro X das Confissões de Santo Agostinho.
53-Como diz Bergson: "E, de uma maneira mais geral, prestar atenção, reconhecer com inteligência, interpretar, constituiriam uma única e mesma operação pela qual o espírito, tendo fixado o seu nível, tendo escolhido em si mesmo, em relação às percepções brutas, o ponto simétrico da sua causa mais ou menos próxima, deixaria escoar para essas percepções as lembranças que as irão recobrir." Henri Bergson, op. cit.,p. 94. Cf. também p. 123.
54-Martin Heidegger, L'Etre et le Temps, Paris, Gallimard,
1964, p. 188.