INTERNET, JORNAIS ELECTRÓNICOS E TELETRABALHO – ALGUMAS APOSTAS NO MERCADO DE TRABALHO

Rogério Santos

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Um estudo recentemente publicado apontava para a existência de um parque informático com 1,2 milhões de computadores em Portugal [1]. Segundo o mesmo trabalho, e para 1998, havia 750 mil pessoas com possibilidades de acesso à Internet, na escola, no emprego e no lar. Nas residências, por exemplo, o número ascendia já a cerca de cem mil, mas o contacto mais presente processava-se na escola. A maioria dos utilizadores da Internet usava-a há menos de um ano, estudava, possuía um grau elevado de instrução e provinha maioritariamente da área de Lisboa e Vale do Tejo.

Apesar de menos relevantes do que em outros países da Europa, estes números são já interessantes e merecem alguma reflexão. Por isso, o eixo principal desta comunicação assenta na aplicação dos computadores em domínios concretos, tais como a edição electrónica e o teletrabalho, fomentadoras de empregabilidade no presente e no futuro. Estamos a falar - convém frisar - de sectores englobando a informática, o multimedia, as telecomunicações e as tecnologias de informação, que caminham, elas próprias, para a convergência, como nós próprios escrevemos em livro recente[2]. Sectores que projectam, entre outras actividades, o desenvolvimento da videoconferência e as reuniões em rede, a aplicação dos computadores às tarefas de computação e o grafismo em três dimensões[3].

Vejamos em primeiro lugar as empresas. As actividades destas fazem-se acompanhar por um jogo contínuo de criação de novas organizações e de fusões e aquisições de empresas. Por exemplo, em 1998, a Microsoft comprou a Hotmail, a America Online (o maior portal da Internet, com mais de 38 milhões de visitantes em Fevereiro último[4]) adquiriu a Netscape e a Compaq fez o mesmo com a Digital. Isto tudo em empresas de informática, infotainment (mistura de informação e entretenimento) e telecomunicações. Já este ano, em Abril, a Yahoo comprou a Broadcast.com, fornecedora de serviço noticioso e de actualidade, que inclui som e vídeo, e serviços às empresas como videoconferência, tornando a nova empresa o segundo maior portal da Internet (mais de 31 milhões de visitantes em Fevereiro último). Hoje, há já cerca de 300 mil redes interligadas no mundo, com um crescimento anual de 100%[5]. Entre nós, a PT e a Microsoft assinaram um acordo, com esta a entrar no capital da TV Cabo, traduzível, para já, em serviços interactivos.

Em segundo lugar, analisemos a importância crescente do uso do computador na nossa sociedade. A um maior poder de processamento de informação nos computadores, juntam-se as funções de multimedia e da interactividade, resultado de equipamentos mais modernos e sofisticados e de mais ligações entre redes. As empresas já começaram a ver este fenómeno e integram a Internet na sua actividade, factor gerador de postos de trabalho. Seguindo o estudo do ICP citado inicialmente, sucedem-se fases como abertura ao exterior (criação de sítios institucionais e de promoção), interacção com parceiros (intranets com acesso de clientes e fornecedores) e integração da informação no quadro económico da empresa.

Como conclusão do ponto agora descrito, a um maior uso de computadores e da Internet corresponde a criação de novas empresas e de novos empregos, como a prestação de serviços de design, programação, marketing interactivo e alojamento de páginas. Do perfil do novo emprego, destacamos vários pontos fortes. Ao trabalho independente e criativo, na busca de novas projectos e soluções, junta-se a necessidade de constituir equipas multidisciplinares, enriquecedoras do conjunto de conhecimentos de cada indivíduo e de uma grande competitividade no seu conjunto. Metade das empresas do sector ligado à Internet nasceu depois de 1996 e tem um ambiente de micro-empresas quer em número de empregados quer em facturação. A origem jovem dos seus elementos é um outro factor a destacar.

Observemos agora, com maior detalhe, algumas das apostas futuras de emprego nestas áreas. Um exemplo de actividade é o jornalismo electrónico ou on-line[6]. As profissões ligadas à comunicação social estão na moda, embora nem tudo esteja a correr bem. No caso concreto do jornalismo electrónico, este combina texto, imagem e som. A transmissão na Web permite juntar os diversos géneros jornalísticos à sua volta - a notícia, a reportagem, a entrevista, a crónica -, com a acrescida vantagem tecnológica de procurar à frente ou voltar atrás, através do hipertexto[7]. Por este, o utilizador navega e descobre novos sítios e informações. Além disso, há terreno para novos conteúdos, com os fornecedores e os utilizadores a pesquisarem ao mesmo tempo[8], e que se repercute na função do jornalista, agora aberta a novas actividades ou profissões. Aqui, incluem-se os jornalistas na forma clássica de colectores de informação e produtores de notícias, mas também fotojornalistas, cartoonistas, arquivistas, operadores de câmara e técnicos de vídeo e áudio. Isto implica que o editor de um jornal electrónico, por exemplo, tem de possuir uma formação ecléctica, trabalhando quer o áudio quer o vídeo, escrevendo, acrescentando os hiperlinks e mantendo a necessidade de fechar a edição a tempo. Em Agosto de 1997 - e trata-se já de uma data distante para nós -, havia 3622 jornais editados na Internet, metade dos quais nascera nesse ano[9]. Muitas das estações de rádio e de televisão ligadas à Internet só existem na Web, sem nunca terem emitido através das ondas hertzianas.

De um lado, destaca-se a vertente experimental da nova ferramenta tecnológica, e do outro, a procura comercial e de negócio. Neste último, basta pensar no êxito da venda electrónica de livros por parte da Amazon. Uma razão do crescimento de jornais electrónicos é a multiplicidade de propostas, que vai dos meios informativos sobre tecnologias até às revistas de crítica e criação literária. A possibilidade experimental articula-se com novas linhas estéticas nos textos, nas imagens e nos grafismos que os acompanham, dando conta de uma jovem geração de agentes criativos que usam a Internet, o já chamado quarto medium. Além disso, num jornal electrónico, não há constrangimento de espaço e tempo como no diário que lemos ou no telejornal, isto é, os textos podem ter a dimensão de acordo com o nosso interesse e não se subordinam às páginas existentes ou à duração do telejornal. Por outro lado, devido ao hipertexto (links para outras áreas de interesse), salta-se de um texto para outro texto ou imagem.

Uma área mais global utilizando as designadas tecnologias de informação é o teletrabalho. Este define-se como o resultado de actividades e serviços que incluem a transmissão à distância de dados, imagens, textos. No sentido restrito do termo, o teletrabalho efectua-se no domicílio ou em telecentros; no sentido mais geral, é todo aquele que parte do posto de trabalho com um computador ligado em rede. Engloba actividades como a telegestão e a televigilância, isto é, actividades controladas remotamente por meio de aparelhos vídeo, electrónicos e computadores.

No sentido restrito atrás referido, as pessoas que praticam estas actividades são profissionais independentes na sua maioria, operando em programação informática, na tradução e na análise e controlo de máquinas, naquilo a que um autor americano chamou de profissionais simbólicos-analíticos[10], recorrendo a trabalho de investigação, de resolução e identificação de problemas e de intermediação estratégica. As acções de comunicação destes trabalhadores simbólicos-analíticos fazem-se acompanhar de modos de interligação como o correio electrónico, rede que corre a par da Internet.

Indo mais fino ao conjunto de actividades em torno do teletrabalho, não podemos deixar de referir algumas aplicações concretas usando a Internet. Uma delas é a telemedicina, que permite a troca de dados sobre estados de saúde e, até, acompanhar ou realizar operações à distância. O sucesso da telemedicina encontra-se na segurança em termos de transmissão e armazenamento de dados, na sua fiabilidade tecnológica e na confiança social que nela se deposita. Fazer uma operação por telemedicina exige, por um lado, uma grande habilidade por parte do médico operador e, por outro lado, a aceitação pública do sucesso de tal empreendimento. Nesta plateia, não fazemos tanto a apologia do médico perito em manipular máquinas à distância, mas à criação de empregos em torno desta actividade. Talvez surja daqui uma pequena fileira de profissionais, do fornecimento de equipamentos e sua manutenção à preparação de códigos de comunicação homem-máquina.

Outra das aplicações é usada pela banca, como o homebanking, já praticadas por muitos bancos. Isto quer dizer que muitas das transacções bancárias são já efectuadas por máquinas inteligentes. O mesmo ocorre com o comércio electrónico, definido como a condução de actividades comerciais entre empresas e particulares por intermédio de meios electrónicos. Áreas apontadas de grande expansão no comércio electrónico são os sectores de distribuição, automóvel e electricidade. Resolvidos que forem os problemas de confidencialidade, como os receios de roubo de códigos de acesso a cartões visa através da Internet, o comércio electrónico promete revolucionar as transacções envolvendo dinheiro. Os sucessos do multibanco e da via verde são dois bons exemplos.

Nesta curta intervenção, falámos das maravilhas do mundo novo. Mas não podemos esquecer o reverso, se quisermos ser realistas. O uso da Internet e das tecnologias de informação provoca um conjunto de oportunidades e de ameaças, com a criação de novas profissões e a requalificação de outras profissões. O aspecto negativo será o aumento da info-exclusão, problema que afecta as pessoas que não acompanham a evolução tecnológica ou com medo de operar as novas máquinas. Por outro lado, as áreas que temos vindo a referir são constituídas por nichos de mercado em constante mudança. O risco de obsoletização traduz-se em precariedade do negócio e do emprego. Além disso, e já visto atrás, o ambiente de micro-empresas significa a existência de poucos postos de trabalho por unidade produtiva. O problema do desemprego em vasta escala não se resolve com a criação de apenas algumas empresas, mas com a constituição de muitas e constituindo um feixe de actividades entrecruzadas. Mas o mercado não é elástico e o apoio a iniciativas individuais e de pequenos grupos precisa de ser multiplicado, tornando-se necessário um grande esforço em termos de imaginação.

 



[1] Instituto das Comunicações de Portugal (1999). Internet, telecomunicações e sociedade de informação, uma visão prospectiva (2000/2010) - conclusões. Lisboa: Instituto das Comunicações de Portugal

[2] Rogério Santos (1998). Os novos media e o espaço público. Lisboa: Gradiva

[3] Comunicações, revista da APDC (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações), número de Fevereiro de 1999, p. 37

[4] Público, 5 de Abril de 1999

[5] Notícias intercom, 12 de Abril de 1999

[6] Começa já a traduzir-se o conceito para língua portuguesa - jornalismo em linha

[7] Mark Deuze (1998). “The webcommunicators: issues in research into online journalism and journalists”. In First Monday <http://www.firstmonday.dk/issues/issue3_12/deuze/index.html>

[8] Helder Bastos (1999). “A viragem digital do jornalismo”, texto apresentado ao congresso da SOPCOM (Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação), na Fundação Calouste Gulbenkian

[9] Dados disponíveis em http//:www.towson.edu/~lieb/multimedia_syllabus.html

[10] Robert Reich (1993). O trabalho das nações. Lisboa: Quetzal, pp. 253-257