OS MEDIA, AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E O TURISMO



Rogério Santos



Um amigo meu foi, recentemente, aos Estados Unidos frequentar um curso universitário. Disse-me: “vou aproveitar para ver parentes com quem já não estou há anos”. Fez um desenho: “Aqui, fica o instituto, um dos meus familiares mora a cerca de trezentos quilómetros. Estou indeciso, não sei se alugo um carro, ou se vou de camioneta. A viagem demora umas quatro horas, no sábado sai às x horas, custa y, passa por z”.

Parecia uma conversa natural. Marcar uma reserva num autocarro é uma actividade normal. No entanto, tratava-se de ver as condições, os preços e as horas de um transporte que fica a milhares de quilómetros de Lisboa. O professor meu amigo navegara na Internet e ficou a conhecer um conjunto de dados, rápida e eficazmente. Endereços, preços, localizações, empresas de transporte de passageiros.

Do mesmo modo, um turista ou um apaixonado por Lisboa que queira, antes de chegar cá, saber hotéis, restaurantes, sítios ou transportes, faz uma pesquisa simples na Internet. Um dos sítios é http://www.fodors.com, onde se obtém um conjunto precioso de informações sobre a nossa cidade. Até o aviso a quem viaja de metro: cuidado com os pickpockets!

Ou ainda: um de nós vai a Londres, Paris ou Nova Iorque em viagem de trabalho ou negócios, e sabe que um determinado espectáculo está em representação numa dessas cidades, informação obtida na Internet ou num canal de televisão por cabo. Ao mesmo tempo que se marca a viagem e o hotel, faz-se reserva de lugar no espectáculo, em feliz combinação do trabalho e do lazer.

Há alguns anos atrás, as possibilidades de aceder a tal tipo de informações eram quase impossíveis. Um viajante acreditava apenas na agência de viagens, nos folhetos aí disponíveis, num ou noutro relato feito por um amigo ou num livro editado uns anos atrás. A Internet foi o último elo de um processo de desenvolvimento contínuo nas tecnologias da informação, a que temos assistido desde o começo da nossa vida pessoal. Hoje, há uma espécie de “faça você mesmo”, organize as suas próprias férias!

A viagem, antes de o ser, é uma procura. Dito de outra maneira, a realidade de um sítio é-nos conferida antes de o conhecermos. A viagem é também um encurtamento da distância: ir a Tóquio num avião hipersónico demorará o mesmo tempo que uma deslocação de automóvel ao Porto ou a Faro. Esta aceleração vertiginosa obriga a alterações do nosso mental-mapping, reduzido que está o mundo a uma estreiteza insuportável (Virilio, 1996: 43). A perspectiva disfórica de Virilio obriga a um repensar. Se há uma perda na relação corpo/mundo devido à teletransmissão, o arquitecto-filósofo aponta a redescoberta do tacto, o toque do andar e a navegação (no sentido que combina fruição com aventura e conhecimento) como o retorno à física, à matéria, à partilha da cidade nas suas praças e lugares, onde os homens se aproximam e comunicam.

É interessante fazermos um rápido quadro histórico das invenções ligadas às telecomunicações, ao entretenimento e à comunicação em geral (Santos, 1998), antes de partirmos para outras divagações que imbriquem estas áreas com o turismo. Assim, se recuarmos até ao último quarto do séc. XIX, Eadweard apresenta imagens fotográficas em movimento, Bell dá a conhecer o telefone e Edison apresenta a máquina de filmar. Nesse período, Eastman mostra o filme fotográfico, Hertz transmite ondas de rádio e Berliner apresenta o fonógrafo. É a época onde se faz a demonstração pública de cinema em França e Marconi desenvolve o telégrafo sem fios. Já no primeiro quarto do nosso século, os americanos experimentam o fax, faz-se a primeira gravação a partir de um microfone e usa-se o tubo de raios catódicos na produção de imagens de televisão. Entre 1926 e 1950, aparece o primeiro filme sonoro, iniciam-se as transmissões de televisão a preto e branco e propõem-se os princípios da televisão a cores, comercializa-se o gravador magnético, enquanto Von Neumann descreve os princípios do computador, lançam-se o disco de 33 rpm e o fax e inventa-se o transístor. De 1951 a 1975, surgem o receptor de rádio transistorizado, a estação de FM em estereofonia, a “cassete” (Phillips), a rede Arpanet, a floppy disk drive (Ahl) e o micro-computador (Altaïr). Nos últimos 25 anos, a Sony coloca no mercado o gravador vídeo Betamax, sistema batido pelo VHS da JVC, a Sony introduz o “Walkman”, a rede Arpanet divide-se em Milnet (militar) e Internet, enquanto se desenvolvem os jornais electrónicos e o correio “snail” (caracol, o do carteiro) dá origem ao e-mail.

As datas e muitas das invenções não as irei explorar por falta de tempo e investigação. Quero apenas pegar em duas ou três coisas e discorrer sobre elas. Uma é a ideia da velocidade com que surgem as invenções ligadas à electricidade, ao movimento, à imagem, à comunicação e ao entretimento, e a sua massificação rápida, originando a designada globalização (ou harmonização de valores de consumo). Se alguns dos media actuais, como o cinema ou o telefone, nasceram no século passado e se encontram actuais, um leque de meios e tecnologias nasceram ou tiveram aplicação comercial da segunda guerra para a frente: a televisão ou o computador, por exemplo.

As invenções, quando aplicadas comercialmente, trouxeram uma gama nova de profissões. Sem querer ser profundo, saliento o teletrabalho, ou trabalho à distância: programação de software, tratamento de textos, secretariado, televendas, atendimento de pessoas. Algumas destas áreas de trabalho cruzam-se com o turismo e a aplicação das tecnologias de informação à actividade. Sem ser dramático, há, no campo do turismo, alterações significativas. Primeiro, o ambiente de trabalho: o computador alia-se ao telefone e ao fax e já pôs no caixote da história o telex. Depois, a relação entre um operador turístico e o cliente ganha porque há mais informação e é mais actual. Novos profissionais surgem. Se, até há pouco, as técnicas de negociação, de marketing e de apresentação eram fundamentais, agora, também, o uso correcto dos equipamentos, a capacidade de conhecer novas rotas e novos equipamentos de lazer surgem associadas às tecnologias de informação. Claro que a banalização das tecnologias de informação nos leva de novo ao mais importante: a relação interpessoal estabelecida entre operador e cliente.

Uma terceira ideia é a do comércio electrónico, que reduz o custo do processamento das transacções (Silva, 1998: 200), em especial entre o retalhista e o consumidor. Hoje, o sucesso da Amazon, na venda de livros através da Internet, é um dos exemplos mais apontados. Altera-se todo o processo de verificação de reservas - o computador liga a agência de viagens à companhia aérea ou de outro tipo de transportes e evita formas de intermediação. Claro que o comércio electrónico ainda vive num momento de afirmação, pois falta ainda um ambiente de confiança e enquadramento legal internacional. Por vezes, surgem-nos histórias de cartões visa “esvaziados” por um hacker.

Outra ideia articula-se com a parafernália de meios electrónicos de comunicação, extensão inaudita da realidade que nos traz casa dentro povos, arquitecturas e culturas e desperta em nós uma enorme vontade de viajar. A velocidade e a forma de contacto usado pelos diferentes media cruzam-se e dão informações complementares que incentivam a descoberta desses povos e gentes. Isto é, apesar do lar estar cheio de ferramentas comunicacionais que nos permitem conhecer o mundo (Silverstone e Hirsch, 1996; Fang, 1997), aumentou a vontade individual de viajar.

Combinam-se tecnologias da informação, cidade virtual e telemóveis, num permanente destaque de errâncias, aventuras e curiosidades, mas onde, por outro lado, o medo do desconhecido, se reduz, pois há sempre um conhecimento do local ou um contacto possível a fazer. Os sítios, os modos de viver e as tecnologias fluem no mapa traçado no écran do computador, graças ao CD-ROM (off-line) ou à página da Internet (on-line); os espaços são eliminados pela ligação permanente do telemóvel.

Os vários media utilizados na actual comunicação chegam-nos de modo diverso. Diz-se dos media nascidos no final do séc. XIX (telégrafo, telefone, fax) que são analógicos (equivalência entre som/imagem e frequência), lentos, discretos, no máximo bidireccionais. Ao invés, os media do nosso século, em especial da segunda metade (computador, Internet, e-mail), são digitais (recomposição binária em 0 e 1). Enquanto os primeiros introduzem ruído (degradação da transmissão), os segundos são fiéis (o código binário aparece blindado aos erros de transmissão). Além disso, os segundos possuem um lado criativo e reconstrutivo. Se o livro é uma obra acabada (em termos de produção, não em termos de interpretação, como indicou Umberto Eco), o texto electrónico permite a manipulação, a alteração, a recomposição.

Hoje, qualquer um de nós pode ser um Marcel Duchamp e pintar bigodes à Gioconda de Leonardo da Vinci. O texto fixado no papel é retrabalhado no computador. Chamaria a isto surrealismo internetiano (estou a pensar na escrita automática dos poetas surrealistas, que escreviam aquilo que lhes vinha imediatamente à cabeça, sem reflectirem no nexo das palavras ou frases). A escrita automática dos surrealistas transfigura-se em velocidade na Internet e na possibilidade de resposta imediata em qualquer ponto do mundo pelo e-mail. Claro que isto traduz, por outro lado, um excesso informacional, obrigando a escolher e optar.

Um colega meu lançou muito recentemente um livro, a que chamou Narrativa nova (Silva, 1998). Para ele, engenheiro de telecomunicações com propensão para a filosofia, o ponto de partida foi o texto de Lyotard (1985). Nomeando as fábulas, mitos e lendas como as grandes narrativas, o autor francês descreve o seu declínio face ao progresso das técnicas e das tecnologias (Lyotard, 1985: 77). Acabou-se o tempo das grandes descrições, viva o paradoxo, o fragmentário, a moda! O engenheiro Francisco Silva, no entanto, entende que há uma nova narrativa, a da sociedade da informação. Optimista, considera que o mundo das telecomunicações galga rapidamente as diferenças entre nações e aproxima-as a um ponto médio comum. A febre contemporânea dos telemóveis e o rápido uso da Internet podem explicar este optimismo. Claro que se podia discutir aqui a infoexclusão ou a infofobia ou a capacidade de adaptação das pessoas às novas tecnologias, mas quero olhar apenas para o aspecto positivo do multimedia, em que meios interactivos, com a colaboração das telecomunicações, fazem crescer os serviços e as ligações.

A nova narrativa associa-se ao mundo do turismo. Conforme disse atrás, o prazer de descobrir e/ou planear a viagem, aliado ao sucesso de pesquisa na Internet, marca o nosso tempo. A actividade do turismo não pode ignorar esta transformação. Se Júlio Verne encontrava na biblioteca os livros sobre atmosferas e cheiros de sítios onde nunca foi mas que alimentaram a trama dos seus romances, um navegador da Internet é capaz de conceber circuitos e estadias não previstos nos planos de uma agência ou companhia de viagens. A adaptabilidade, traçando percursos destinados a um só cliente, pressupõe flexibilidade e capacidade de resposta a desejos individuais.

Para além do lar e do trabalho, a viagem constitui hoje uma espécie de terceiro sítio, conceito que roubei a Oldenburg (1997). Ou melhor dizendo: um mix, visível no turismo de habitação rural ou nos centros de férias com alojamento em famílias de acolhimento, locais onde se podem aprender línguas ou costumes, numa aproximação à prática da antropologia.

No excurso sobre invenções ocorridas nos últimos 125 anos, algumas delas, e posteriores inovações, tiveram uma importância crucial para o turismo. Retenhamos apenas o peso do cinema, da fotografia e da gravação vídeo. A maior parte das imagens que temos dos sítios aonde gostaríamos de nos deslocar é-nos dada por esses meios de comunicação. Os meios e as tecnologias de informação permitem-nos guardar (registar, arquivar, reproduzir) – passo importante para o turismo de massa que se operou a partir da década de 60, mais ou menos.

Melhores meios de informação disponibilizam um melhor conhecimento e uma maior capacidade de selecção e escolha (McQuail e Siune, 1998). Muitas das rotas do turismo são marcadas pelos media – Katmandu, no final dos anos 60, o Brasil das telenovelas, no final dos anos 70 e anos 80, as rotas do oriente exótico ainda nos anos 80, a África das savanas e as praias quentes das Caraíbas, mais perto de nós. Mas também os museus do norte da Europa, o campo na Inglaterra, os santuários naturais da América do Norte e do Canadá.

Deixei, ao longo do texto, duas perspectivas distintas: (1) a disfórica, de medo da perca do mundo real, e (2) a optimista, com reganho social graças às novas tecnologias. Sem alimentar o número de nenhuma das hostes, aceito a importância das tecnologias da informação e a sua inevitabilidade mas sem a admiração absoluta das suas vantagens. As coisas do mundo caminham com a absorção das tecnologias, compatibilizando-as com técnicas mais antigas. No exemplo do turismo, não se debitam apenas os sítios por onde passamos, mas têm de se estabelecer contactos com pessoas e entidades. E isso significa estar nos locais, vivê-los – sem os consumir sofregamente.





 

Bibliografia

Fang, Irving (1997). A history of mass communication – six information revolutions. Boston, Oxford, Joanesburgo, Melburne, Nova Deli, Singapura: Focal Press

Lyotard, Jean-François (1985). A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva

McQuail, Denis, e Karen Siune, eds. (1998). Media policy – convergence, concentration & commerce. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage

Oldenburg, Ray (1997). The great good place. Nova Iorque: Marlowe & Company

Santos, Rogério (1998). Os novos media e o espaço público. Lisboa: Gradiva

Silva, Francisco (1998). Narrativa nova. Lisboa: Caminho

Silverstone, Roger, e Eric Hirsch (eds.) (1996) Los effectos de la nueva comunicación. Barcelona: Bosch