Reflexões sobre a convergência tecnológica: A TV digital interativa no Brasil

Adriana Cristina Omena dos Santos1


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Resumo: O texto apresenta algumas reflexões sobre convergência tecnológica em particular sobre a TV digital interativa no Brasil. Trata-se de um estudo interdisciplinar, inclui-se na perspectiva da análise sociológica e comunicacional-tecnológica uma vez que trata da convergência tecnológica surgida e desenvolvida no seio da sociedade informacional. O material selecionado para desenvolvimento do texto se consistiu especificamente em levantamento bibliográfico acerca do tema, uma vez que a proposta inicial é desenvolver um estudo exploratório teórico, filosófico e conceitual sobre a TV digital interativa, seguido de questionamentos sobre as implicações políticas e culturais da mesma na sociedade, abordando ainda que brevemente as necessárias adequações da comunicação visando as produções para os novos meios convergentes.

Palavras-chave: convergência tecnológica, novas tecnologias, TV Interativa.

Introdução

A maioria dos estudiosos em análise prospectiva acredita que se vive hoje uma etapa de transformação da sociedade industrial em uma sociedade pós-industrial, tecnotrônica, informacional, sobre dois eixos fundamentais e estritamente relacionados: as novas comunicações integradas, multimídias e interativas, e, a engenharia do conhecimento.

O estudo em questão trata dessa possibilidade de nova sociedade; das características da sociedade da informação e suas novas tecnologias, do fenômeno da convergência tecnológica que surge no bojo dessa nova sociedade, que exigirá estudos sobre os novos meios e suas implicações políticas e sociais além do posicionamento que devem ter públicos e profissionais de comunicação, uma vez que a convergência tecnológica em suas particularidades lida com o mais precioso dos bens dessa sociedade: a informação.

O texto é desenvolvido com características interdisciplinares, inclui-se na perspectiva da análise sociológica, dos efeitos da sociedade informacional, seus reflexos políticos e culturais como exclusão digital e políticas de comunicação, mas ao tratar da convergência tecnológica penetra no campo do estudo da comunicação e das novas tecnologias, dos novos meios, das características tecnológicas e das transformações que os mesmos podem trazer aos profissionais e às profissões relacionadas à comunicação, que hoje não lidam como antes somente com um veículo e suas características intrínsecas. Vive-se hoje na sociedade multimídia, os meios de ontem são hoje multimeios, com suas características cada vez mais simbióticas.

Sociedade da informação e convergência tecnológica

Para diversos observadores e teóricos, entre eles ROSNAY (1998) e LOJKINE (1999), hoje se presencia a chamada revolução informacional, que, partindo da retroalimentação e da sinergia de uma série de tecnologias, constituíram o que CASTELLS (1999) chama de a era da informação e do conhecimento.

Para explicar as mudanças e diferenças nos padrões e difusão das tecnologias de informação, surge, no final da década de 80, o termo ``tecnologia da informação'' que incorpora em seu conceito a idéia de envolvimento de um conjunto de áreas: informática, telecomunicações, comunicações, ciências da computação, engenharia de sistemas e de software. Para CASTELLS (1999), as tecnologias de informação fazem parte de um conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, telecomunicações, radiodifusão entre outras que usam de conhecimentos científicos para especificar as coisas de maneira reproduzível.

Deve-se salientar, no entanto que dentro dessa revolução informacional encontram-se dois fenômenos similares em magnitude, porém distintos em sua essência: mundialização e globalização.

De acordo com VILCHES (2001) a mundialização é um fenômeno cultural que surgiu da industrialização e que rompeu com as tradições obrigando a sociedade a uma rápida transformação ou a uma desaparição segura de características culturais heterogêneas. Conceituação similar é feita por LATOUCHE (1994) ao estudar o que ele chama de ocidentalização do mundo, afirma existir atualmente uma massificação da cultura ocidental sobre as orientais.

Globalização por sua vez para VILCHES (2001) significa que as atividades industriais e econômicas se desenvolvem em escala global e não regional, ou seja, a globalização tem fundo econômico e expressa um certo grau de reciprocidade e interdependência das atividades repartidas nas diversas áreas internacionais.

Ao se observar às características da globalização no que diz respeito à informação e a comunicação, percebe-se, em primeiro lugar, que a emergência dos conglomerados dos multimídias internacionais são chaves para a difusão da informação. Em segundo lugar, que as novas tecnologias da informação, desde os satélites ao cabo, da microeletrônica à digitalização, têm um impacto social de efeitos até agora impossíveis de predizer em toda sua magnitude.

Tendo em vista que na sociedade da informação as novas tecnologias ocupam papel destacado, cabe um maior estudo sobre as mesmas. De acordo com a COMISSÃO EUROPEIA (1997), entre os exemplos de produtos e serviços oferecidos pelas novas tecnologias encontram-se: os serviços de dados sobre as plataformas de radiodifusão numérica; os lançamentos em rede das atualidades, dos esportes, dos concertos e outros serviços audiovisuais; operações bancárias on-line, chats e grupos de discussão, correio eletrônico, serviços específicos de internet como acesso aos dados da world wide web (www) por intermédio das pesquisas de celulares, ainda que sua utilização seja empresarial; e os serviços em linha combinados com a televisão dos sistemas de Web-TV ou em outros países a TV interativa com transmissor via cabo ou satélites numéricos.

Uma vez que entre os diversos segmentos que a Comissão Européia classifica de novas tecnologias a internet tem presença marcante, é pertinente fazer um breve relato conceitual sobre a mesma. De acordo com CARRAL (1998) de um ponto de vista técnico a Internet é um conjunto de normas e protocolos que permite interoperar os computadores que as respeitam, independente do fabricante da máquina, do sistema operativo em uso ou do meio físico usado para conexão.

Essa interconexão de redes é o que se conhece como ``interred'' ou Internet um termo anglo-saxão e de onde herda seu nome. A princípio o uso da Internet se limitava ao foro científico, seus usuários eram pessoas com alto conhecimento tecnológico e fácil acesso aos onerosos equipamentos informáticos, desde então passa por um crescimento contínuo e hoje é altamente disseminada, e, com os mais diferentes usos.

Cabe salientar, no entanto, que a internet é produto de pacote de redes, porém não pode ser compreendida como uma rede individual, mas como um sistema organizado cooperativamente e em forma global para o intercâmbio da informação.

Para VILCHES (2001), esta rede de redes se explora através do dispositivo do hipertexto, considerado como um texto que usa um sistema de conexão associativa ao qual se encontra associado outro dispositivo chamado hipermídia que permite ao hipertexto o emprego das multimídias (imagem, som, diferentes tipos de linguagens e suportes). Para o autor, a internet se diferencia dos meios de comunicação tradicionais por sua interatividade efetiva e sua extensão e popularização coincide com a época da fragmentação da audiência mundial em todos os meios de comunicação tradicional.

Com o surgimento da internet e seu uso crescente, assiste-se nos últimos anos, a uma convergência acelerada das telecomunicações e da comunicação permeadas pela informação. Esse fenômeno aparentemente recente já havia sido estudado anteriormente de maneira quase profética através de um relatório encomendado pelo governo Francês em 1978 em que a convergência recebe o nome de telemática; foi também estudado mais recentemente por DIZARD (1998) que o denomina de ``nova mídia''.

VILCHES (2001) afirma que começam a desaparecer as diferenças entre os meios tecnológicos (televisão, computador, rádio, telefone) ao mesmo tempo em que a diversificação de empresas tende a disseminação acelerada pelas alianças entre o setor público e privado. Vive-se deste modo frente a uma nova Babel não só -também - lingüística senão de corporações das telecomunicações, da informática e da indústria do entretenimento, ou seja, surge terreno fértil para o desenvolvimento de meios convergentes.

A convergência tecnológica da internet com outros meios (TV, rádio e telefones de última geração) assegura a entrada de todos os consumidores em uma fase de globalização telemática, ou seja, pode-se dizer que os computadores e a convergência tecnológica tornam possível a teoria pós-moderna.

Ainda que tal fenômeno não seja tão marcante no Brasil, as redes telemáticas e a televisão convergirão muito rápido. Já é realizada em diversos países da Europa e nos EUA, e sua chegada ao Brasil é inevitável. Tal afirmação pode ser corroborada com as experiências realizadas pela Rede Globo em parceria com a Microsoft na cidade de Sorocaba no início de 2001, onde 200 domicílios testaram a TV digital interativa. 2

O advento da telemática ou convergência tecnológica colocará certamente novas questões, que demandarão também o aperfeiçoamento das matrizes teóricas vigentes. Um questionamento, por exemplo, é sobre como será o comportamento das pessoas frente à televisão interativa, quando já habituadas à passividade ou pseudo-interação da televisão atual. Também relevante são questionamentos acerca de como serão as produções comunicacionais para os meios convergentes, e, quais os reflexos políticos e culturais destes na sociedade, sendo estes os questionamentos que orientam o presente trabalho.

Diante do exposto até o momento é correto afirmar que a introdução das novas tecnologias em geral, e, da convergência tecnológica em particular, é aparentemente um fato irreversível, conduzido pela lógica de mercado das grandes empresas transacionais e baseado em avanços científicos e tecnológicos.

De acordo com WOODARD (1994), a convergência tecnológica trará consigo mudanças significativas para a televisão devido à mídia interativa. A idéia padronizada que se tem é que a TV será incorporada à mídia interativa não sendo mais vista como um meio isolado.

As profissões de comunicação têm como ferramenta de trabalho além da informação, os meios de comunicação e as características intrínsecas de cada um. Com o advento da convergência tecnológica um problema para os comunicólogos será como padronizar as produções comunicacionais para meios convergentes, onde alguns poderão ter características interativas como a TV interativa e outros não.

A TV digital interativa na sociedade

De acordo com SABATINNI (2000), TV interativa não é um conceito novo, em muitos países europeus começou com o videotexto e o teletexto, embora o videotexto não seja totalmente interativo. Outro sistema surgido é a Web-TV que também não é totalmente interativo, pois embora agregue dois aparelhos, TV e internet, os mesmos não são usados simultaneamente, ou se assiste TV ou se navega na internet.

A TV interativa propriamente dita é uma tecnologia que integra o acesso à Internet e a recepção de canais de vídeo, uma interface combinada de Internet/TV/telefone ou Internet e TV a cabo, no mesmo aparelho o que permite inclusive, no segundo caso, dispensar a linha telefônica. O autor salienta que para este novo meio convergente não existem limites conhecidos.

Segundo STANDKE (2002), há algum tempo as emissoras têm buscado interagir com o telespectador. Alguns exemplos são os programas em que você decide o final ou elimina quem participa, onde perguntas são respondidas pela internet ou frases que aparecem nos programas de domingo.

O autor enfatiza, no entanto, que nada ainda se apresentou no país tão interativo quanto o programa "Hugo", da TV Gazeta. Tratava-se de um jogo em que o telespectador participava utilizando os botões do telefone para mover o personagem Hugo para cima, esquerda ou direita, desviando assim os obstáculos. Pode-se afirmar, que este método foi uma das primeiras experiências com interatividade na televisão aberta brasileira.

Para MORAES (1998) o termo interatividade e seus correlatos - interativo, interação,...- são cada dia mais ampla e livremente utilizados, o que pode levar a incorreções em seu uso. Para a autora a interação significa ``ação entre entes'', e se pressupõe desta forma uma ação mútua entre os meios e os receptores.

Deste modo, se os meios passam a ter em suas características a capacidade de ação mútua com o receptor, os processos comunicacionais e, portanto os comunicólogos devem adaptar-se a essa nova realidade, uma vez que, em breve, não saberemos dizer se uma televisão é uma televisão, um computador ou se o sistema telefônico existe somente para transportar o som através do espaço, interconectando à distância, duas pessoas que não se vêem.

Como dito anteriormente, essas mudanças passam pelas grandes empresas de telecomunicações e comunicações que exigirão do estado, como vem acontecendo na Europa (COMISSÃO EUROPEIA, 1997), um estudo para adequação de leis visando a regulamentação das novas tecnologias, alternativas para lidar com as conseqüências políticas e culturais da mesma como, por exemplo, a exclusão digital e também adequação da produção comunicacional, para satisfazer de maneira eficaz as exigências dos meios surgidos da convergência tecnológica.

O questionamento que surge juntamente com as novas tecnologias é justamente como deve proceder a sociedade frente às implicações políticas, culturais e sociais dos novos meios e como a comunicação deve adequar sua produção para a convergência tecnológica tendo em vista que uma mesma mensagem deve satisfazer diferentes características dos meios convergentes entre os quais alguns são passivos, outros reativos e outros interativos.

Outro questionamento que se segue ao acima se refere às complicações políticas e culturais que o surgimento da TV Interativa traz à sociedade, uma vez que a maior parte da população ainda não tem completo e irrestrito acesso à internet, um dos meios envolvidos e imprescindíveis na convergência tecnológica.

Considerações Finais

Não há como não perceber o que grande parte dos estudiosos defende, que vivemos em meio a grandes transformações onde a comunicação ocupa papel destacado na chamada ``sociedade da informação''.

As transformações citadas anteriormente são de origem econômica, políticas e sociais e desembocam nessa nova sociedade onde os meios de comunicação também têm sofrido alterações em suas estruturas e funções para adaptarem-se a esse novo modelo de desenvolvimento. Como exemplo dessas alterações e adaptações temos a convergência tecnológica, especificamente a TV interativa e suas formatações que possivelmente serão impostas às profissões e profissionais de comunicação e à sociedade de uma maneira geral.

Desse modo, apesar do assunto ser relativamente novo, é necessário aprofundar discussões que pensem acerca da necessidade de adaptação das produções comunicacionais os meios convergentes, uma vez que uma das características da comunicação é sua facilidade de adaptação aos diferentes meios de maneiras distintas, fato que com a convergência dos meios pode soar paradoxal e inviável.

Em resumo, o texto teve como principal objetivo alertar à sociedade sobre as transformações culturais e sociais surgidas com a convergência tecnológica, de maneira a induzir à reflexões futuras; além de alertar aos comunicólogos, em particular aos que trabalham diretamente com produção para TV, que tal atividade enquanto profissão e produção deverão repensar e discutir sua postura a fim de que a heterogeneidade e dialogismo dos discursos dos meios de comunicação não inviabilizem as produções para meios convergentes como a TV interativa.

Tal preocupação nasce da constatação de que as novas redes estão desenhando um mundo baseado em comunidades informacionais, que enlaçam governos, instituições e empresas, alterando os velhos vínculos determinados pela proximidade e obrigando os espaços globais, porém restritos de simultaneidade, a adaptações emergenciais. Nessa sociedade informacional, surgem novos meios nascidos da convergência tecnológica e que exigirão estudos sobre seus reflexos na sociedade, dos novos formatos e adaptação dos comunicólogos para os formatos comunicacionais específicos e surgidos especificamente para os meios convergentes, em particular a TV interativa e Web-TV.

Referências Bibliográficas



Notas de rodapé

... Santos1
Publicitária, Mestre e Doutoranda em Ciências da Comunicação: Novas Tecnologias pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, sob orientação do Prof. Dr. Artur Matuck.
... interativa.2
A transformação na mídia. Mídia&Mercado. Outubro de 2001, p.15.