Hugo Assunção Sampaio
INTRODUÇÃO
No cenário político atual, costuma-se atribuir às pesquisas de opinião uma relevância excepcional, tornando-se difícil conceber uma campanha sem que se faça uso de pelo menos um punhado de consultas à tão propagada “opinião pública”. A modernização das técnicas de coleta de dados e da popularização destas sondagens permitiu o uso cada vez mais freqüente no planejamento de campanhas, conforme atesta Joseph Napolitan, um dos muitos “papas” do assessoramento político. Para ele, “uma estratégia correta pode sobreviver a uma campanha medíocre, mas até uma campanha brilhante pode fracassar se a estratégia for equivocada”. Diante disso, as pesquisas representam um papel preponderante no jogo político, seja como instrumento de planejamento, seja como ferramenta beligerante na “guerra publicitária”.
Recentes debates mostram que existem, no mínimo, três aspectos que determinam a utilização de pesquisas de opinião numa democracia: o desenvolvimento da técnica de realização das sondagens para estudar a opinião pública; o uso deste instrumento por parte dos políticos; ou ainda, a forma de transmissão da informação para um público mais amplo através dos meios de comunicação.
Neste trabalho analisaremos o jornal Diário do Povo no que diz respeito à forma como este veículo utiliza as pesquisas de opinião para construir seu noticiário durante o período que antecede a eleição majoritária 2000, no município de Teresina. Ou seja, buscaremos detectar se o jornal define a cobertura da campanha eleitoral a partir das diversas pesquisas que ele mesmo divulga. A opção pelo Diário do Povo se deve ao fato deste ser o único veículo da capital a possuir um instituto de pesquisas próprio, o DataPovo.
No caso específico do pleito 2000, um dos principais fatores que nos levou a creditar que as pesquisas poderiam influenciar e interferir na cobertura dos candidatos foi a observação prévia de que, em especial, o prefeito Firmino Filho figurou de maneira constante e em larga escala no noticiário durante o período que antecedeu a eleição.
Tendo em vista as premissas citadas e a observação de que os jornais se utilizam de pesquisas de opinião de forma intensa, pretendemos detectar qual o impacto e a importância que as pesquisas de opinião têm na cobertura jornalística realizada pelo jornal Diário do Povo na eleição 2000. Tal inquietação surgiu da observação de que não só o Diário, mas os outros dois principais jornais de Teresina (Meio Norte e O Dia) privilegiam certos candidatos, expondo de maneira muito superior aqueles que sempre aparecem em melhor posição nas pesquisas de opinião.
Para que o jornal defina a forma de exposição dos candidatos e sua linha editorial na campanha — excluindo-se inclinações partidárias e interesses comerciais — lança-se mão das pesquisas a fim de que o debate público gire em torno daqueles que possuem reais condições de vitória. Estas pesquisas, no momento em que são sistematicamente publicadas, portanto, podem definir a lista de candidatos que devem merecer maior atenção por parte do eleitorado. Supomos que o leitor/eleitor já receba as primeiras informações da campanha com um juízo de valor previamente definido pelo jornal através das pesquisas de opinião. No caso da reeleição do prefeito Firmino Filho, sua figuração no topo indica claramente que ele deve continuar no cargo.
Estruturado em quatro capítulos, o trabalho tem início com uma revisão bibliográfica acerca das questões relativas a opinião pública, a evolução das técnicas de sondagens e ao agendamento oferecido pelo jornal ao longo dos meses que antecedem o pleito. É importante dizer que nossa crença gira em torno da idéia de que as pesquisas, fartamente divulgadas, oferecem uma imensa contribuição para a definição do voto do leitor. Seja através da simples publicação de pesquisas, seja por meio de matérias de desdobramento e repercussão destas sondagens populares, acreditamos que o agendamento do jornal oferece a lista de possíveis indicados ao cargo. Contudo, o viés de estudo que este trabalho seguirá refere-se a utilização das pesquisas por um meio de comunicação, e não pelos leitores, fato que não exclui a possibilidade de, em determinados momentos, tecermos comentários sobre o poder de influência no eleitorado.
No capítulo 2 analisaremos a forma como o Diário do Povo utiliza a linguagem na divulgação das onze reportagens publicadas dentro do período abrangido por este trabalho. Trata-se da observação minuciosa de características particulares contidas no discurso gráfico e verbal — podemos adiantar a supervalorização espacial das reportagens e a citação privilegiada do candidato a reeleição pelo PSDB Firmino Filho —, para computarmos, logo após, no capítulo III, as aparições dos candidatos de maneira a obtermos a verificação da hipótese de que as pesquisas influenciam o noticiário.
Para encerrar, entrevistamos o jornalista Zózimo Tavares, editor-chefe do Diário do Povo, que revela a existência de certos fatores (por exemplo, a capacidade pessoal, a viabilidade política do candidato e a atuação das assessorias de imprensa na divulgação de notícias) que contribuem para a desigualdade da cobertura realizada pelo jornal. Aproveita, ainda, para fazer um mea culpa ao admitir que tal postura acaba polarizando a campanha.
CAPÍTULO I
Inúmeras são as tentativas de definir, ao longo dos anos, por parte de sociólogos, políticos e de especialistas em comunicação, o que viria ser conhecido atualmente como “opinião pública”. Herbert Blumer parte da definição de “público” para então explicitar o que vem a ser chamado de “opinião pública”. Público designa um “grupo de pessoas envolvidas em certa questão, divididas em suas posições diante desta questão e que discutem a respeito do problema”. Portanto, “opinião pública” deve ser tida como produto coletivo. Não constitui, dessa maneira, uma opinião unânime. Blumer explica:
“Sendo um produto coletivo, a opinião pública representa o público como um todo, da forma como vem sendo mobilizado para agir naquela questão, e nesse sentido possibilita a ação em conjunto que não está necessariamente baseada em consenso ou no alinhamento de escolhas individuais. A opinião pública está sempre se dirigindo para uma decisão, mesmo que essa decisão nunca chegue a ser unânime”. (Herbert Blumer, 1985)
A instauração do voto universal masculino e o desenvolvimento de organizações coletivas tais como sindicatos, partidos políticos e associações de classe contribuíram para o amadurecimento gradual do conceito de “opinião pública”, pois o que vigorava até então era a atribuição desta expressão a indivíduos autorizados informalmente a prestarem opinião frente às opiniões ditas comuns ou vulgares. Segundo o alemão Jürgen Habermas (1962) o caráter público trazido por esta opinião autorizada, “após o reconhecimento das instituições políticas, tendia, de fato, a ser reduzido à opinião majoritária das instâncias parlamentares”.
Neste contexto, não existia uma opinião genuinamente oriunda do povo. Tratava-se da simples mediação feita por agentes competentes do ponto de vista político para realização de tal função. Somente no final do século XIX surge uma nova “opinião pública” que no dizer do sociólogo francês Patrick Champagne (1998, p-64), apesar de ser igualmente “qualificada de ‘pública’, detém um outro sentido exigido pela lógica política: é, pelo menos aparentemente, a opinião do próprio público”. Muitos estudos mostram que o posicionamento que vigorou, em larga escala, até aproximadamente o início dos anos de 1960, foi o da formação da opinião advinda de grupos de pressão ou lobbies, que tentavam influenciar as instituições políticas através de campanhas na mídia. Esses grupos de pressão procuram conquistar a simpatia, o apoio e a lealdade de grupos desinteressados. Como observa Walter Lippmann (in BLUMER, 1985), a adesão dos desinteressados determina qual das correntes de pensamento postas em discussão merecem adequar-se a uma ação final.
Gabriel Tarde (1ª ed., 1901) viria a ser o primeiro a lançar as bases para uma teoria sobre a relação entre a formação dos públicos e o aparecimento na cena política dessa nova “opinião pública”. Um desses públicos seria a imprensa que, na política, contribui maciçamente para dar valor às coisas.
Funcionando como excepcionais líderes de opinião, os jornalistas participam cada vez mais estreitamente das manifestações, e, assim, de acordo com Tarde, “contribuem para a fabricação desses novos grupos que são os públicos: diferente das multidões, os públicos existem essencialmente pela imprensa e para a imprensa”. No entanto, o posicionamento da imprensa não é tão isento de sentido como podem pensar alguns. O discurso de Tarde advoga, que “esse poder do jornalismo que difunde uma corrente contínua de informações está submetida a uma lógica do tipo econômica já que o público dos leitores é igualmente uma clientela comercial” (Tarde apud Champagne, 1998, p-68).
É nesta perspectiva que surge a figura do jornalista como influente “líder de opinião”. Conforme observa Champagne, os jornalistas expressam sua opinião “que julgam ser também a opinião dos seus leitores e essa opinião pré-ajustada ao público, lida pelos leitores, tende a tornar-se a opinião dos leitores e, por conseqüência, um importante componente do que é percebido como opinião pública”. (Champagne, 1998, p-71)
1.1 - Institutos e a importância das pesquisas
Desde 1970 percebeu-se um incremento intenso dos institutos de pesquisa no jogo político, que passaram a ter uma importância vital na estruturação das ações políticas mediante o fornecimento sistemático de pesquisas: a todo instante são encomendadas sondagens até mesmo para aferir a repercussão e o desempenho de uma simples entrevista que um político venha a conceder a determinado órgão de imprensa. Como atribuições desses institutos, podemos enumerar a coleta de dados que representam a opinião privada (que não passam de respostas a questões de opinião), de uma parcela estatisticamente escolhida, para posterior transformação em opinião pública através da — como não poderia deixar de ser — publicação dos resultados. No caso da função de divulgação dos resultados, ficam responsáveis aqueles que encomendam esse tipo de trabalho, pois estes esperam algum “efeito pós-publicação”. Enquanto isso, os representantes dos institutos procuram negar sua parcela de contribuição na formação da “opinião pública” — de certo, por reconhecimento do papel desempenhado pelas pesquisas na cena política — alegando que sua atividade é limitada a apreender opiniões anteriormente existentes e que, até mesmo, “a publicação dos resultados das sondagens na imprensa não exerce praticamente qualquer influência sobre a ‘escolha feita pelos cidadãos’”. (Champagne, 1998, p-117)
Ao publicar as pesquisas na primeira página o propósito do jornal é claramente despertar ao menos a curiosidade das pessoas. As reações são sucessivas: compra, leitura e formulação de uma opinião. Isto explica, em parte, o interesse dos jornalistas pelas pesquisas de opinião devido à possibilidade econômica incomensurável que pode render às empresas jornalísticas uma enorme receita de capital monetário e político. Por isso, a pesquisa, antes de tudo, é tida como um produto, ofertado às empresas de imprensa com a finalidade de vender jornais; naturalmente, o órgão buscará os lucros que a divulgação dos resultados pode trazer.
O sucesso da técnica
das pesquisas é justificado pelo fato de ter permitido a introdução prática de
uma forma moderna de democracia e ainda por garantir uma certa aparência de
ciência. A áurea de ciência, muito bem encarnada pelas pesquisas, é aludida em
um artigo publicado na década de 70 pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Nesta publicação ele aponta a característica da técnica utilizada nas pesquisas
de opinião de “postular que todo mundo tem uma opinião sobre tudo, que todas as
opiniões são equivalentes e têm a mesma força social, em particular, pelo
simples fato, aparentemente técnico, de adicioná-las e reduzi-las a uma
porcentagem”. (Bourdieu apud Champagne, 1998, p-16).
A queixa desses sociólogos com as pesquisas é relacionada à falsa impressão de que as sondagens estão coletando uma opinião genuinamente popular. Sobre esta questão, Champagne escreve:
“Se a maioria dos entrevistados dá respostas às questões colocadas, incluindo as que lhes parecem absurdas ou incompreensíveis, é não somente porque, de antemão, os que aceitaram ser interrogados manifestam, pelo menos, uma certa ‘boa vontade’ para entrarem no jogo do questionário, mas também porque as respostas que lhes são pedidas se limitam, em geral, à simples aprovação ou desaprovação de opiniões já formuladas e à designação de respostas pré-codificadas. Por outras palavras, isto significa que tais pesquisas não coletam diretamente ‘opiniões’, mas somente ‘respostas’ a questões de opinião que podem, em proporções variáveis segundo os grupos sociais e os temas abordados, corresponder ou não a opiniões efetivas.” (Champagne, 1998, p-106)
Contudo, ainda que as pesquisas sejam precárias do ponto de vista científico, é inegável que são muito fortes do ponto de vista político. Mesmo não existindo uma verdadeira “opinião pública” — já que conhecemos apenas uma definição social daquilo que é invocado por certos públicos com claro interesse de manipular esta “opinião pública” — o foco da nossa discussão é, para efeito deste trabalho de pesquisa, a utilização das pesquisas de opinião no noticiário do jornal Diário do Povo durante o período que antecede as eleições municipais 2000 em Teresina. Trataremos, portanto, do comportamento do noticiário desse órgão de imprensa, possuidor de um instituto de pesquisas próprio, diante do resultado das pesquisas.
A inquietação que nos move é a forte indicação de que os editores de jornais direcionam a cobertura feita pelo veículo de acordo com o desempenho dos candidatos nas pesquisas de opinião.
1.2 - A publicação das pesquisas e a hipótese do agenda-setting
O surgimento da imprensa se confunde com o desenvolvimento e ascensão da sociedade capitalista. Este momento provoca a corrida das empresas modernas pela obtenção de lucro a todo custo. Ao assumirem uma postura abertamente capitalista, as empresas de comunicação passam a tratar a notícia como o grande filão — palavra usualmente utilizada pelo marketing — fornecido pela sociedade para tais fins e que será devolvido para ela própria sob a forma de jornal, programa de TV ou de rádio. Para isso, a notícia deve passar por uma espécie de tratamento, onde serão enaltecidos alguns aspectos, antes de ser publicada. Este tratamento será de vital importância para a empresa jornalística e, consequentemente, a notícia adquire um caráter de mercadoria.
Atualmente os processos comunicativos são vistos segundo a ótica dos efeitos tomados como conseqüências de longo prazo. Isto por que percebeu-se que a comunicação não intervém diretamente no comportamento explícito. “Tendem, sim, a influenciar o modo como o destinatário organiza sua imagem do ambiente” (ROBERT, 1972 in WOLF, 1992). Estes efeitos são, portanto, cumulativos, levam um certo tempo até se tornarem perceptíveis.
Agindo dessa maneira, os mass media revelam uma característica de acumulação, ou seja, eles possuem uma “capacidade de criar e manter a relevância de um tema a partir do resultado global (obtido após um determinado período) do modo como funciona a cobertura informativa no sistema de comunicações. Isto é, não são efeitos pontuais mas conseqüências ligadas à repetição contínua da produção de comunicação.” (WOLF, 1992, p-128)
Como o quadro temporal é amplo, fica evidenciada a importância da divulgação sistemática de pesquisas de opinião no que diz respeito à tarefa de estruturar a realidade social e formar a opinião. Sobre a influência que os media têm no momento em que filtram, estruturam e realçam certas atividades públicas, Lang e Lang dizem:
“Não só durante a campanha, mas também nos períodos intermediários os mass media fornecem perspectivas, modelam as imagens dos candidatos e dos partidos, ajudam a promover os temas sobre os quais versará a campanha e definem a atmosfera específica e a área de relevância e de reatividade que assinala cada competição eleitoral.” (Lang-Lang, 1962)
Neste sentido, em se tratando de períodos eleitorais, os meios de comunicação exercem influência quando oferecem mais do que a simples intermediação das mensagens entre a política dos partidos e o público.
Na medida em que os mass media filtram, manipulam, realçam e estruturam atividades públicas, suas ações não são limitadas a apenas transmitir proclamações de porta-vozes e afirmações de candidatos. Muito comum é a postura adotada por certos meios em definir uma posição quanto ao candidato que melhor corresponda com suas expectativas editoriais.