Marcelo
Sabbatini, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
1999
O presente trabalho caracteriza e descreve o
surgimento das publicações eletrônicas científicas na Internet, traçando o
histórico de seu desenvolvimento e abordando também as principais questões
envolvidas na transição do modelo de publicação baseado no papel para o modelo
eletrônico, dentre as quais se destacam as questões dos direitos autorais, a
questão econômica, a legitimidade acadêmica, a percepção de qualidade e o
acesso e preservação destas publicações, que são tratadas no revisão da
literatura sobre o tema. Dentro destas questões, uma grande relevância é dada
em relação ao papel que as publicações eletrônicas terão dentro do sistema
sócio-tecnológico presente atualmente na sociologia e nos processos
comunicacionais da ciência.
1.
Introdução
Por publicação eletrônica,
entende-se qualquer tecnologia
de distribuição de informação em uma forma que possa ser acessada e visualizada
pelo computador e que utilize recursos digitais para adquirir, armazenar e
transmitir informação de um computador para outro (Stanek, 1995). Uma definição
complementar a esta é dada por Rush, para quem uma publicação eletrônica é
simplesmente “uma publicação em forma adequada para o uso com o computador e
que tecnicamente pode exisitir na forma de campos magnéticos ou de meios
magnetizáveis, ou na forma de transformações físicas, químicas ou magnéticas de
algum meio que possam ser detectadas por meio de luz (raio laser). É o aparato
que permite aos humanos acessar e ler as publicações que é eletrônico” (Rush,
1996).
A
publicação eletrônica científica apresenta uma série de vantagens em relação à
publicação impressa convencional, tanto para o editor científico como para o
usuário final da informação. Como vantagens para o editor, as publicações
eletrônicas podem atingir uma grande audiência potencial, devido à
disponibilidade universal da informação, oferecem disponibilidade para todas
plataformas de hardware/software, baixo custo de investimento e
de produção, eliminação dos custos de reprodução e transporte, permitem novas
formas de apresentação (áudio, vídeo, interação com o usuário final da
informação), integração com outros sites e documentos da WWW e indexação
eletrônica, diminuem os atrasos de publicação, e possibilitam a submissão
eletrônica de manuscritos. Já como vantagens para o usuário, podemos citar o
baixo custo de acesso, a disponibilidade instantânea e global de uma informação
mais rica em conteúdo do que outras mídias, a facilidade de cópia e impressão,
informação mais atualizada e fácil de achar, através de mecanismos de busca, e
a possibilidade de diálogo interativo com autores e editores.
No entanto a publicação eletrônica na
Internet também impõem uma série de empecilhos, dentre os quais podemos
destacar a proteção ao direito autoral sendo dificultada devido à possibilidade
de reprodução ilimitada, as questões da legitimidade e da qualidade da
informação, a cultura prevalecente do “tudo é de graça”, as preocupações com
questões de segurança, as conexões lentas sendo um obstáculo para projetos
multimídia e a dificuldade crescente de se obter visibilidade, devido à grande
quantidade de informações e sites disponíveis.
Em
termos técnicos, proliferam-se as ferramentas de editoração eletrônica, com o
surgimento de vários padrões e alternativas. Também é importante ressaltar que
o crescimento exponencial do número de documentos existentes na Internet,
observado a partir de 1993, faz com que sistemas de organização e armazenamento
de dados, como bibliotecas digitais sejam adotados pelo editor eletrônico.
Cabe ao
pesquisador da área de comunicação levantar tais problemas, procurando uma
abordagem crítica e reflexiva dos mesmos e identificando por sua vez, os
padrões e modelos editoriais que irão prevalecer no futuro.
2. Breve panorama histórico do desenvolvimento das
publicações científicas eletrônicas
No ano 1999, há a penas dois anos do século
XXI, é inegável que a tecnologia mais importante e influente da sociedade
mundial é o computador. Entre os tipos de computador em uso, o que se encontra
mais disseminado, e o que se considera que operou a maior transformação em
nossa sociedade é o microcomputador. Surgido na década de 70, popularizado na
década de 80 e absolutamente presente na década de 90, o microcomputador está
presente em todas facetas da vida moderna, de seu uso na indústria e comércio
aos jogos recreativos, passando pelas aplicações domésticas, pelas transações
financeiras, pela automatização e finalmente pelas telecomunicações.
Porém, apesar de sua grande utilidade para
a pesquisa acadêmica, ao permitir o processamento de grande quantidade de
informação e a realização de cálculos matemáticos complexos, até pouco tempo
atrás o computador não foi capaz de mudar a organização social de disciplinas,
nem as formas que tomam os produtos do conhecimento e os processos pelos quais
a disseminação e armazenamento deste conhecimento são realizados (Harrison
& Stephen, 1996). Assim, a inovação tecnologógica que mais poderá afetar as
práticas e estruturas acadêmicas é a convergência de duas tecnologias, a saber
a microcomputação e a rede de computadores, também denominada computação
massiva paralela ou computação distribuída. Esta convergência tecnológica
resulta numa revolução nas formas e métodos de como a informação é gerada,
armazenada, processada e transmitida, sendo que uma de suas características
mais notantes é a velocidade explosiva com a qual se processa. Cabe notar que
os grandes impactos do binômio microcomputador/rede de computadores não se
limitam ao meio acadêmico, do qual tratamos nesta análise, mas também afetam um
número cada vez maior da vida profissional e cotidiana, além de impactar
algumas das instituições mais sólidas em que nossa civilização se baseia, com a
introdução do ensino a distância, da telemedicina, das bibliotecas digitais e
do dinheiro eletrônico, por exemplo. Uma análise breve, porém abrangente, dos
impactos econômicos, culturais e sociais envolvidos nesta revolução da
informação pode ser encontrada no trabalho de Mandel, Simon e de Lyra (1997).
Dentro deste contexto, a Internet
representa sem dúvida o maior pilar da computação em rede, pois pode ser
definida, não rigorosamente, como uma “rede de redes” que alcança hoje
praticamente todo o globo terrestre, além de proporcionar uma ampla variedade
de ferramentas. É portanto, no início dos anos 90, que a humanidade assiste ao
florescimento desta grande rede mundial de computadores, uma combinação de
tecnologias de telecomunicações que começa a transformar a sociedade e a
economia globais de forma profunda. Embora tenha nascido no final dos anos 60 a
partir da interligação de quatro centros de pesquisa norte-americanos, em um
projeto militar fechado, somente a partir de 1993 a Internet começa a ser
incorporada em centros de pesquisa e universidades e a partir de 1995 é que
observa-se a grande explosão de seu uso comercial[1].
As decorrências da adoção desta nova tecnologia são objeto de estudo das mais
variadas disciplinas do saber humano, incluindo-se aí as Ciências da
Comunicação (Newhagen & Rafaeli, 1995).
A Internet tem apresentado, desde seu
surgimento, um impacto considerável no âmbito da comunicação científica, ou
seja, em seu próprio berço de nascimento. Neste sentido a publicação eletrônica
surge como ferramenta de intercâmbio de informações científicas, possibilitando
o contato de pesquisadores espalhados ao redor de todo o globo. Em um primeiro
momento, esta comunicação ocorre de forma interpessoal, através das mensagens
de correio eletrônico e das listas de discussão baseadas nesta ferramenta.
Somente em um segundo momento com o surgimento do recurso chamado World Wide
Web e do uso do hipertexto serão criadas formas de comunicação mais
sofisticadas (Guédon, 1994). O início das publicações eletrônicas é realizado
na base de projetos de experimentação e cooperação, como o do projeto TULIP,
abrangendo dezesseis universidades e a editora comercial Elsevier Science, e o
Red Sage envolvendo os laboratórios AT&T Bell, a UCSF e a editora
Springer-Verlag (Hunter, 1998). O projeto mais bem sucedido, porém, é
considerado o de Paul Ginsparg, com seu servidor de preprints na área de física
teórica, em Los Alamos (Ginsparg, 1994).
A publicação eletrônica neste período é
melhor analisada porém por uma ampla pesquisa qualitativa realizada sobre a
amostra total de revistas eletrônicas em língua inglesa nas áreas de ciência,
tecnologia e medicina[2],
reconhecidas como os tipos mais caros de publicações acadêmicas, devido ao
grande número de tabelas e fórmulas matemáticas complexas a serem representadas
(Hitchcok, 1996). Apesar de ser detectado um aceleramento no número de
publicações eletrônicas, a grande conclusão da pesquisa foi de que o meio ainda
não era suficientemente explorado, na medida em que recursos inovativos como
vínculos de hipertexto, mecanismos de busca por palavra-chave, gráficos e
fotografias em cores, informação em áudio e vídeo e notificação de usuários
através do correio eletrônico eram escassamente implementados. Ainda dentro do
tema dos recursos adicionais que o meio eletrônica proporciona, outros
levantamentos identificam “bônus” que simplesmente não são possíveis na mídia
tradicional, como por exemplo grupos de discussão na Internet ligados à
publicação, referências vinculadas a base de dados bibliográficas e acesso aos
dados originais de pesquisa (Taubes, 1996a). Tais aspectos inovativos só seriam
incorporados na medida em que surgissem as revistas puramente eletrônicas ou
pelo comprometimento da comunidade acadêmica em exigir tais carácteres, com o
desenvolvimento de novos jornais, produtores e estruturas de publicação.
São identificadas ainda duas categorias diferentes
de publicações eletrônicas, a saber a edição online, que simplesmente
reproduz eletronicamente o conteúdo de uma revista já existente no modelo
impresso e as revistas puramente eletrônicas. Em relação a estas últimas,
observa-se uma dificuldade de se obter uma massa crítica de publicação, embora
sejam relatados alguns exemplos bem sucedidos. A partir desta duas categorias
irão se estabelecer duas visões competitivas da publicação eletrônica, a serem
adotadas pelos atores envolvidos na publicação acadêmica (Okerson, 1991). A
primeira, mais conservativa, mimetiza a publicação impressa, porém se apropria
da vantagem da rapidez da transmissão da informação para se tornar uma peça
fundamental da comunicação acadêmica. A mera substituição do meio é vista como
uma atitude tímida, diante do potencial que o meio eletrônico apresenta e uma
publicação mais arrojada incluiria o processo de revisão e crítica dos artigos
sendo feito de modo online e aberto, através de um “open peer-review”
(Harnad, 1996). Tal conceito revoluciona os modelos formais e informais de
comunicação acadêmica e irá conduzir em grande parte o debate sobre o tema.
Outro trabalho significativo envolve a
observação das tendências concernentes às publicações científicas acadêmicas,
através de uma série de estudos realizados pela Faculdade de Ciências da
Informação da Universidade do Tennessee e a empresa King Research (Tenopir
& King, 1998). Através de várias pesquisas são determinadas as
características das publicações científicas que se tornarão críticas na adoção
de um modelo eletrônico de publicação. Entre os principais achados destacam-se
o reconhecimento das publicações acadêmicas como fonte crítica de informação, a
determinação de padrões de busca de informação e a determinação de padrões e
freqüências de leitura. A partir destes dados, os autores afirmam ser possível
estabelecer uma estratégia adequada para o estabelecimento de preços de
publicações eletrônicas.
A partir da segunda metade dos anos 90, a
publicação eletrônica passa a ser aceita como um fenômeno inexorável pela
maioria dos atores do processo de comunicação científica, existindo um consenso
que atualmente estamos em um período de transição entre o modelo baseado na
publicação impressa e o modelo puramente eletrônico (Peek, 1996). Surgem
propostas revolucionárias no âmbito das publicações, visando a quebra dos
atuais paradigmas e a publicação eletrônica desenvolve-se como campo de estudo
e de pesquisa, possuindo já uma vasta bibliografia de literatura crítica
(Bailey, 1999).
Assim, na mesma medida em que a Internet
cresce, as ferramentas de publicação multimídia voltadas para a World Wide Web
se popularizam permitindo um crescimento ainda maior no número de publicações
existentes e tornando o processo amplamente disponível, através de metodologias
simples e acessíveis (Sabbatini & Sabbatini, 1998).
No Brasil, .também observam-se iniciativas
pioneiras no campo da publicação eletrônica científica. Os primeiros projetos
surgem através do Núcleo de Informática Biomédica (NIB) da Universidade
Estadual de Campinas, em 1994, com o surgimento do Hospital Virtual, um recurso
de informações médicas na Internet. O Hospital Virtual é seguido pela fundação
de do e*pub – Grupo de Publicações Eletrônicas em Medicina e Biologia, uma
divisão do NIB voltada para o desenvolvimento de revistas eletrônicas,
responsável pelo desenvolvimento de revistas eletrônicas como os Arquivos
Brasileiros de Cardiologia e o Online Journal of Plastic and Reconstructive Surgery.
Atualmente, o e*pub publica regularmente 13 revistas eletrônicas, entre versões
eletrônicas e títulos exclusivamente online.
3. As principais questões relativas às publicações
científicas eletrônicas
No mesmo período, observa-se uma
intensificação do debate a respeito da publicação eletrônica, na medida em que
esta ameaça o status quo do processo de comunicação acadêmica enquanto
sistema sócio-tecnológico. No modelo atual, os pesquisadores e cientistas
publicam não somente para se comunicar com seus pares, mas também para
estabelecer seus feitos sobre determinado resultado em determinado tempo, para
obter formas de reconhecimento profissional, para obter certificação
independente de seus resultados, para arquivar estes resultados para a
posterioridade e para se comunicar com as pessoas interessadas em seu trabalho
ou disciplina[3]. Em outras
palavras, basicamente trata-se de um modelo de recompensa ao esforço
individual, no qual o ato de publicar proporciona reconhecimento ao cientista,
sendo este reconhecimento atua como um dos principais valores dentro da
comunidade científica e de sua sociologia (Merton, 1960).
Dentro deste mesmo modelo, observa-se a
atuação de distintos atores, destacando-se as instituições de pesquisa, os
pesquisadores, as editoras comerciais e as bibliotecas acadêmicas. Do ponto de
vista econômico, hoje tal modelo é amplamente questionado. Enquanto as
instituições de pesquisa financiam os pesquisadores, que se utilizam das
publicações para divulgar resultados e obter reconhecimento, as mesmas
instituições devem pagar somas cada vez maiores às editoras para obter material
bibliográfico que elas mesmo geraram e continuar o processo de pesquisa[4].
As editoras comerciais, por outro lado limitam o acesso à informação através de
obstáculos como o direito autoral, mesmo que a distribuição ilimitada seja o
objetivo do pesquisador. Este autor aceita tal “barganha faustiana” pois sem o
editor, seu trabalho não seria publicado nunca (Harnad, 1995a).
A publicação eletrônica torna-se
revolucionária na medida em que possibilita eliminar o papel do editor comercial,
sendo a publicação realizada pelos próprios pesquisadores, um movimento que tem
sido denominado “author empowerment” (Taubes, 1996b). Em torno desta
questão, surgem duas linhas de pensamento, a primeira, mais otimista de que a
comunidade acadêmica com o uso da Internet irá produzir sua própria produção
literária científica (Harnad, 1995b, Odlyzko, 1995); já outra corrente defende
que o alto grau de especialização técnica envolvida na publicação eletrônica
exigirá a profissionalização desta atividade, cabendo às editoras comerciais se
adaptarem adequadamente (Rowland, 1995, 1996).
Outra questão que se torna prioritária é a
do processo de avaliação dos pares enquanto forma de certificação da qualidade
acadêmica. As questões em torno da natureza, estrutura e valor da avaliação
pelos pares torna-se um ponto crucial na aceitação do modelo eletrônico de
publicação (Langston, 1996). Assim, o processo tradicional parece passar por
uma crise metodológica, com a observação da existência de falhas, como a não detecção
de erros em artigos científicos e a inutilidade do ocultamento da identidade
dos revisores e autores, e vieses, como a seleção de trabalhos conforme a
avaliação de parâmetros como a posição acadêmica, currículo científico, e sexo
do pesquisador, além da a predominância geográfica e lingüística da ciência
anglo-saxã (Revuelta, 1998). Outro ponto de discussão é o papel que as novas
tecnologias poderiam representar no processo de avaliação por pares, aportando
soluções por um lado e colocando novos problemas (Sabbatini, 1998). No entanto,
as publicações eletrônicas, mesmo que adotem processos de análise e
certificação de qualidade, tendem ainda a serem consideradas de menor prestígio
do que as publicações tradicionais (Butler, 1994), dificultando o processo de
sua afirmação dentro do modelo de publicação acadêmica.
Além disso, à medida em que se adotassem
modelos inovativos de publicação, como o “open peer review” o conceito
de autoria também estaria sendo colocado em cheque (Grusin, 1994; Antonio, 1998),
com os papéis sequenciais de autor e leitor misturando-se simultaneamente para
o surgimento do criador/compilador/comentador. Uma vez que estes papéis
intermediários teriam menos autoridade, o sistema atual de avaliação e
reconhecimento também teria que ser adaptado a esta nova realidade, tarefa que
não se apresenta nem simples nem rápida.
Dentro do amplo debate, surgem posições
cautelosas em relação às publicações eletrônicas, definindo os principais
obstáculos à sua adoção, ao mesmo tempo em que identificam nela uma série de
qualidades.
Discorrendo sobre o impacto da publicação
eletrônica nas bibliotecas acadêmicas, Bailey (1998b) identificou vários
problemas que tornarão o processo de transição do modelo impresso para o
eletônico mais lento. O primeiro é a dificuldade de se estabelecer mecanismos
de controle de acesso e de desenvolver modelos econômicos pagos de publicações
eletrônicas, partindo do princípio de que as editoras acadêmicas também estão
voltadas para o lucro. A digitalização de documentos e livros antigos envolve
despesas, complexidade e dificuldades legais que também impediriam as
bibliotecas de converter suas coleções à forma digital. Ainda, a adoção de leis
de censura à informação eletrônica, como o Communication Decency Act (CDA) proposto
pelo governo norte-americano e rejeitado no mesmo ano de 1996 faria com que
publicações impressas se tornassem legalmente mais seguras do que suas
congêneres eletrônicas. A adoção de um modelo eletrônico exigiria dos editores
investimentos altos em sistemas sofisticados de publicação e das bibliotecas e
instituições de ensino investimentos de maior grandeza em infraestrutura de
redes de computadores, ainda que a percepção das publicações eletrônicas como
meio legítimo de comunicação científica não estaria plenamente estabelecida.
Finalmente, a dificuldade de se implementar a proteção do direito autoral aos
meios eletrônicos impediria o desenvolvimento e implementação completa de um
modelo eletrônico. A questão do direito autoral tem sido abordada por diversos
autores (Halbert, 1991)
Já Raney afirma que a “publicação
eletrônica será adotada pela comunidade científica e técnica somente quando
alcançar as necessidades desta comunidade, superar os principais problemas da
publicação convencional e oferecer novas e compensadoras capacidades que
excedam aquelas das publicações convencionais” (Raney, 1998). Ainda assim,
reconhece que a alternativa eletrônica constituirá uma ferramenta de pesquisa
essencial.
Por sua
vez, John December, responsável ele próprio por um site e uma revista
eletrônica na Internet, a Computer Mediated Communication Magazine, trata de
desfazer alguns dos mitos da publicação na World Wide Web, combatendo a visão
tecnologicamente determinista de que os aspectos tecnológicos por si sós fazem
da publicação eletrônica uma ferramenta válida e reconhecida dentro do processo
acadêmico comunicação (December, 1997). Dentre os mitos analisados estão os de
que a tecnologia e a habilidade tecnológica conferem qualidade por si sós; que
a publicação eletrônica reduz dramaticamente tempos e custos, sem a
consideração de outros fatores e de que comundiades virtuais podem ser criadas
sinteticamente. Basicamente, os fatores que não são levados em conta e que
levam à criação destes falsos mitos são a competência humana, o próprio
conteúdo da informação a ser veiculada pelo meio e a estrutura sociológica
estabelecida no meio acadêmico. Assim, os editores eletrônicos deveriam
considerar três pontos básicos no desenvolvimento de seus produtos: o foco na
audiência, com o conhecimento desta e de suas necessidades de informação; o
reconhecimento de estruturas de poder não-tecnológicas na comunidade acadêmica,
procurando trazer para dentro de seu projeto os aspectos da esfera social em
que disciplina está contextualizada e finalmente o favorecimento de estruturas
sociais para o compartilhamento do conhecimento, com a tecnologia permitindo a
criação de espaços de comunicação cuja necessidade já existe.
Em um consenso geral, a publicação
eletrônica apresenta modelos de complementação em relação às publicações
impressas tradicionais, seja na disponibilizarão de informação ao usuário, seja
no controle e armazenamento desta informação. Em um primeiro momento, a
publicação eletrônica permite o uso da multimídia, isto é, o uso de informações
como áudio e vídeo, além dos gráficos e figuras (Stanek, 1995), enriquecendo a
publicação enquanto meio.
Além disso, são criadas novas capacidades,
como por exemplo as citações dinâmicas, que permitiriam a adição de citações
pós-publicação. Neste sentido, artigos online poderiam ter três listas de
citação distintas referências de bibliografia (citações utilizadas no texto),
bibliografia (lista de todos artigos pertinentes ao tema) e citações inversas
(lista dos artigos subsequentes que referenciam o próprio artigo).[5]
Outro elemento de grande importância é a
adoção de bases de dados bibliográficas eletrônicas, similares a tradicionais,
que registram e indexam a literatura científica, representando o mecanismo de
controle da promoção e visibilidade das publicações científicas. O
estabelecimento destes serviços de indexação, ao instaurar interconexões entre
os registros bibliográficos e os textos completos, permitindo acesso imediato,
ao mesmo tempo em que estes incorporam conexões para os registros
bibliográficos aumenta a visibilidade da informação e consolida o papel das
bases de dados bibliográficos (Packer, 1998).
Aliado a estes fatores, a economia das
publicações eletrônicas é analisada favoravelmente por diversos autores
(Varian, 1996), (Odlyzko, 1997) uma vez que os custos de impressão e
distribuição deixam de existir, com a adoção de mecanismos de armazenamento
puramente digitais. Tal fato é um fator adicional que vem consolidar a adoção
da publicação eletrônica entre a comunidade acadêmica, mesmo que esta ainda
considere o papel como o meio mais legítimo de publicação e armazenamento da
informação científica e tema seu fim[6].
Por um outro lado, surgem questionamentos
em relação às publicações eletrônicas, envolvendo principalmente a segurança e
a integridade da informação. Esta questão torna-se mais importante dentro do
contexto da Internet, com seu alto grau de abrangência e de interconectividade.
A origem e a resposta deste questionamento não é intrínseca à publicação
eletrônica, mas de todos os serviços e aplicações operados na rede.
No
momento em que se escreve, nota-se que o debate encontra-se aparentemente
parado, como se pode notar através do estudo comparativo de dois textos
escritos em épocas distintas. O primeiro, é uma revisão bibliográfica sobre o
debate apresentado acima, explorando questões como a das formas e estruturas a
serem adotadas na publicação eletrônica, sobre quem serão os indivíduos e
organizações produzindo-os, de onde virá o financiamento e quais os obstáculos
imediatos (Earl, 1996). O segundo texto é um informe apresentado pela revista
norte-americana Science, avaliando também quais as vantagens e obstáculos
propostos pela publicação eletrônica (Butler, 1999). A única diferença
considerável entre as questões apresentadas pelos dois artigos, é o relato mais
recente de que nos Estados Unidos as editoras acadêmicas e projetos de
publicação científica se unem para combater os custos crescentes das editoras
comerciais retornando o controle da publicação à comunidade acadêmica, além de
reportar algumas experiências na área do “open-peer-review”. Esta estagnação
pode ser considerada previsível, uma vez que as questões decisivas para o
sucesso ou não das publicações eletrônicas não reside somente no aspecto
técnico, porém em mudanças políticas e sociais que operam em um quadro
sócio-tecnológico já estabelecido.
4. Bibliografia
ANTONIO, Irati. Autoria e
cultura na pós-modernidade. [online]. Ciência da Informação. Brasília,
v. 27, n. 2, p. 110, . Available from World Wide Web: <URL:
http://www.ibict.br/cionline/artigos/2729812.pdf > [30/10/98].
Bailey,
Charles W., Jr. Bricks, bytes, or both? The probable impact of scholarly
electronic publishing on library space needs. [online]. In: Information
Imagineering: Meeting at the Interface, ed. Milton T. Wolf, Pat Ensor, Mary
Augusta Thomas, 89-99. Chicago: American Library Association, 1998. Available
from World Wide Web:<URL:http://info.lib.uh.edu/cwb/bricks.pdf>
[13/10/98].
BAILEY,
Charles.W., Jr. Scholarly electronic publishing bibliography: version 22.
[online]. Houston: University of Houston, 1999. Available from World Wide
Web: <URL:http://info.lib.uh.edu/sepb/sepb.html>.
BUTLER, H.
Julen. Where does scholarly electronic publication get you?. [online]. Journal
of Scholarly Publishing, v. 26, n. 4, p. 174-186, 1994. Apud: LANGSTON,
Lizbeth, Langston, Lizbeth. Proceedings
of Untangling the Web, University of California, apr. 1996. Available from
World Wide Web: <URL: http://www.library.ucsb.edu/untangle/langston.html>
[14/10/98].
BUTLER, Decan.
The writing is on the web for science journals in print. [online]. Nature,
n. 397, p 195-200, jan. 1999. Available from World Wide Web:
<URL:http://www.nature.com/server-java/Propub/nature/397195AO.docframe>
[22/01/99].
DECEMBER, John.
The myths and realities of World Wide Web publishing. Computer Mediated
Communication Magazine, may 1997. Available from World Wide Web: <URL:
inhttp://www.december.com/cmc/mag/1997/may/december.html> [04/06/98].
EARL, Leah.
Whither the electronic journal? SLS UK User Group, Yvonne Fullerton Memorial
Bursary 1996: winning paper. Available from World Wide Web: <URL:
http://www.lib.ic.ac.uk:8081/leah.htm> [14/10/98].
GINSPARG, Paul.
First steps towards electronic research communication. [online].
Computers in Physics, v. 8, n. 4, p. 390-396, 1994. Available from World
Wide Web: <URL:http://xxx.lanl.gov/blurb/blurb.ps.Z> [15/10/98].
GRUSIN,
Richard. What is an electronic author? Theory and the technological fallacy. [online].
Configurations, v. 2, n. 3, p. 469-483, 1994. Apud: Langston, Lizbeth. Proceedings of
Untangling the Web, University of California, apr. 1996. Available from
World Wide Web: <URL: http://www.library.ucsb.edu/untangle/langston.html>
[14/10/98].
GUÉDON,
Jean-Claude. Why are electronic publications difficult to classify?: the
orthogonality of print and digital media. [online]. 1994. Available from
World Wide Web:
<URL:http://poe.acc.virginia.edu/~pm9k/libsci/guedon.html> [14/10/98].
GUÉDON, Jean-Claude.
The Seminar, the Encyclopedia and the Eco-Museum as possible future forms of
electronic publishing. In: PEEK, R.P., NEWBY, G.B. (eds.). Scholarly
publishing: the electronic frontier. Cambridge: MIT Press, 1996. 363
p. p. 71-89.
Halbert,
Martin. Copyright, Digital Media, and Libraries. [online]. The Public-Access
Computer Systems Review, v. 2, no. 1, 1991, p. 164-170. Available from
World Wide Web: <URL:http://info.lib.uh.edu/pr/v2/n1/halbert.2n1>
[13/10/98].
HARNARD,
Stevan. Scholarly skywritting and the prepublication continuum of scientific
inquiry. [online]. Psychological Science, n. 1, p. 342-343, 1991. Available
from World Wide Web:<URL:ftp://princeton.edu/pub/Harnad/harnad90.skywritting> [13/10/98].
_____________. Electronic
scholarly publication: Quo Vadis? [online]. Serials Review, v. 21,
n. 1, p. 70-72, 1995 (a). Available from World Wide Web:
<URL:ftp://cogsci.ecs.soton.ac.uk/pub/harnad/Harnad/harnad95.quo.vadis>
[14/10/98].
_____________. The
post-Gutenberg galaxy:how to get there from here. The Information Society,
v. 11, n. 4, p. 285-91, 1995 (b). Available from World Wide Web:
<URL:ftp://cogsci.ecs.soton.ac.uk/pub/harnad/Harnad/harnad91.postgutenberg>
[14/10/98].
_____________.
Implementing peer review on the Net: scientific quality control in scholarly
journals. . In: PEEK, R.P., NEWBY, G.B. (eds.). Scholarly publishing: the
electronic frontier. Cambridge: MIT Press, 1996. 363 p. p.103-118.
HARRISON,
Teresa M., STEPHEN, Timothy. Computer Networking, Communication and
Scholarship. In: HARRISON, Teresa M., STEPHEN, Timothy (eds.). Computer
networking and scholarly communication in the twenty-first-century university.
State Universtiy of New York Press, 1996. 468 p. p. 3-36.
Hitchcock, Steve, Carr, Leslie, Hall, Wendy. A Survey of STM Online Journals 1990-95: The
Calm Before the Storm. [online]. jan. 1996. Available from World Wide Web:
<URL:http://journals.ecs.soton.ac.uk/survey/survey.html> [11/12/98].
Hunter, Karen. Electronic journal
publishing: observations from inside. [online]. D-Lib Magazine, jul./aug.
1998.. Available from World Wide Web:
<URL:http://www.dlib.org/dlib/july98/07hunter.html> [14/10/98].
LANGSTON,
Lizbeth. Scholarly Communication and electronic publication: implications for
research, advancement and promotion. [online]. Proceedings of Untangling the
Web, University of California, apr. 1996. Available from World Wide Web:
<URL: http://www.library.ucsb.edu/untangle/langston.html> [14/10/98].
MANDEL,
Arnaldo, SIMON, Imre, de LYRA, Jorge L. Informação: computação e comunicação. [online].
Revista USP, n. 35, set./out./nov. 1997. Available from World Wide Web:
<URL: http://www.usp.br/geral/infousp/imre/imre.htm> [15/04/99].
MERTON,
Robert K. La sociologia de la ciencia, v. 2. Madrid:
Alianza, 1960.
NEWHAGEN, John E., RAFAELI,
Sheizaf. Why communication researchers should study the Internet: a dialogue.
[online]. Computer Mediated Communicaton Maganize, v. 4, 1995. Available
from World Wide Web:
<URL:http://www.december.com/magazine/v4/rafaeli.html> [12/01/98].
ODLYZKO, Andrew M. Tragic loss
or good riddance? The impending demise of traditional scholarly journals. [online].
International Journal of Human-Computer Studies v. 42, n.1, p 71-122,
1995. Available from World Wide Web: <URL:
http://www.research.att.com/~amo> [10/10/98]..
____________________. The economics of electronic
journals. [online]. First Monday, v. 2, n. 8, 1997. Available from World
Wide Web: <URL:http://www.firstmonday.dk/issues/issue2_8/odlyzko/index.html>
[30/09/98].
PACKER, Abel. SciELO: uma
metodologia para publicação eletrônica [online]. Ciência da Informação,
Brasília, v. 27, n. 2, p. 110. Available from World Wide Web: <URL: http://www.ibict.br/cionline/artigos/2729802.pdf>
[31/10/98].
PEEK, Robin P.
Scholarly publishing, facing the new frontiers. In: PEEK, R.P., NEWBY, G.B.
(eds.). Scholarly publishing: the electronic frontier. Cambridge:
MIT Press, 1996. 363 p. p. 3-15.
RANEY, R.
Keith. Into a Glass Darkly. [online]. The Journal of Electronic Publishing,
v. 4, n. 2, dec. 1998. Available from World Wide Web:
<URL:http://www.press.umich.edu/jep/04-02/raney.html> [03/12/98].
REVUELTA, Gemma. La revisión
revisable. Congreso Internacional sobre publicaciones biomédicas basadas en el
sistema peer review y comunicación global. Barcelona, Quark – Ciencia,
Medicina, Comunicación y Cultura, n. 10, ene./mar. 1998. Available from World Wide Web:
<URL: http://www.imim.es/quark/num10/cronica.htm> [03/06/99].
RUSH, James. E.
Foreword. In: PEEK, R.P., NEWBY, G.B. (eds.). Scholarly publishing: the
electronic frontier. Cambridge: MIT Press, 1996. 363 p. p. vii-xiii.
ROWLAND,
Fitton. Electronic journals: neither free nor easy. The Information Society,
v. 11, n. 4, p. 273-4, 1995.
________________.
The need for management of electronic journals. In: PEEK, R.P., NEWBY, G.B.
(eds.). Scholarly publishing: the electronic frontier. Cambridge:
MIT Press, 1996. 363 p. p.
243-250.
SABBATINI, Marcelo. A
Internet Como Ferramenta de Qualidade Científica. [online]. Mídia Fórum,
São Bernardo do Campo, v3. n. 8, set. 1998. Available from World Wide Web:
<URL:http://www.webpraxis.com/msabba/mf001.htm> [10/09/98].
SABBATINI, Marcelo, SABBATINI,
Renato M. E. Publicações Médicas na Internet. [online] Revista Informática
Médica, Campinas, v.1, n. 3, mai./jun. 1998. Available from World Wide Web:
<URL:http://www.epub.org.br/informaticamedica/n0103/sabbatini.htm>
[10/06/98].
Stanek, W.
R., Purcell, L. et al. Electronic
Publishing Unleashed. Sams Publishing, 1995.
TAUBES, Gary. Science
journals go wired. Science, v. 271, n. 5250, feb. 1996 (a).
_____________.
Electronic preprints point the way to “author empowerment”. Science, v. 271, n.
5250, feb. 1996 (b).
TENOPIR, Carol,
KING, Donald W. Designing electronic journals with 30 years of lessons from
print. [online]. The Journal of Electronic Publishing, v. 4, n. 2, dec.
1998. Available from World Wide Web: <URL:http://www.press.umich.edu/jep/04-02/king.html>
[03/12/98].
Varian,
Hal R. The information economy: the economics of the internet, information
goods, intellectual property and related issues. [online]. Berkeley: School
of Information Management and Systems, University of California, Berkeley,
1994-96. Available from World Wide Web:
<URL:http://www.sims.berkeley.edu/resources/infoecon/index.html>
[14/10/98].
[1] A aceitação e uso da Internet a nível comercial varia a nível regional, conforme a disseminação da tecnologia. No Brasil, podemos considerar 1996 como o ano da Internet.
[2] É utilizado o termo STM, significando Science, Technology and Medicine, utilizado amplamente entre editores científicos de língua inglesa.
[3] O tema é amplamente conhecido, porém pode-se consultar Hunter, 1998.
[4] No Brasil, observa-se uma menor participação de editoras comerciais e a prevalescência de publicações subsidiadas pelas agências de fomento em pesquisa.
[5] Tal sistema já é adotado, como pode se ver em Hitchcock, 1996.
[6] A questão do fim do papel costuma causar reações apaixonadas nos editores científicos, como foi presenciado pessoalmente, durante o VII Encontro de Editores Cientiíficos, promovido pela Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), em outubro de 1998.