As publicações eletrônicas dentro da comunicação científica

 

Marcelo Sabbatini, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).

 

1999

 

Resumo

O presente trabalho caracteriza e descreve o surgimento das publicações eletrônicas científicas na Internet, traçando o histórico de seu desenvolvimento e abordando também as principais questões envolvidas na transição do modelo de publicação baseado no papel para o modelo eletrônico, dentre as quais se destacam as questões dos direitos autorais, a questão econômica, a legitimidade acadêmica, a percepção de qualidade e o acesso e preservação destas publicações, que são tratadas no revisão da literatura sobre o tema. Dentro destas questões, uma grande relevância é dada em relação ao papel que as publicações eletrônicas terão dentro do sistema sócio-tecnológico presente atualmente na sociologia e nos processos comunicacionais da ciência.

 

1. Introdução

Por publicação eletrônica, entende-se qualquer tecnologia de distribuição de informação em uma forma que possa ser acessada e visualizada pelo computador e que utilize recursos digitais para adquirir, armazenar e transmitir informação de um computador para outro (Stanek, 1995). Uma definição complementar a esta é dada por Rush, para quem uma publicação eletrônica é simplesmente “uma publicação em forma adequada para o uso com o computador e que tecnicamente pode exisitir na forma de campos magnéticos ou de meios magnetizáveis, ou na forma de transformações físicas, químicas ou magnéticas de algum meio que possam ser detectadas por meio de luz (raio laser). É o aparato que permite aos humanos acessar e ler as publicações que é eletrônico” (Rush, 1996).

 

A publicação eletrônica científica apresenta uma série de vantagens em relação à publicação impressa convencional, tanto para o editor científico como para o usuário final da informação. Como vantagens para o editor, as publicações eletrônicas podem atingir uma grande audiência potencial, devido à disponibilidade universal da informação, oferecem disponibilidade para todas plataformas de hardware/software, baixo custo de investimento e de produção, eliminação dos custos de reprodução e transporte, permitem novas formas de apresentação (áudio, vídeo, interação com o usuário final da informação), integração com outros sites e documentos da WWW e indexação eletrônica, diminuem os atrasos de publicação, e possibilitam a submissão eletrônica de manuscritos. Já como vantagens para o usuário, podemos citar o baixo custo de acesso, a disponibilidade instantânea e global de uma informação mais rica em conteúdo do que outras mídias, a facilidade de cópia e impressão, informação mais atualizada e fácil de achar, através de mecanismos de busca, e a possibilidade de diálogo interativo com autores e editores.

 

No entanto a publicação eletrônica na Internet também impõem uma série de empecilhos, dentre os quais podemos destacar a proteção ao direito autoral sendo dificultada devido à possibilidade de reprodução ilimitada, as questões da legitimidade e da qualidade da informação, a cultura prevalecente do “tudo é de graça”, as preocupações com questões de segurança, as conexões lentas sendo um obstáculo para projetos multimídia e a dificuldade crescente de se obter visibilidade, devido à grande quantidade de informações e sites disponíveis.

 

Em termos técnicos, proliferam-se as ferramentas de editoração eletrônica, com o surgimento de vários padrões e alternativas. Também é importante ressaltar que o crescimento exponencial do número de documentos existentes na Internet, observado a partir de 1993, faz com que sistemas de organização e armazenamento de dados, como bibliotecas digitais sejam adotados pelo editor eletrônico.

 

Cabe ao pesquisador da área de comunicação levantar tais problemas, procurando uma abordagem crítica e reflexiva dos mesmos e identificando por sua vez, os padrões e modelos editoriais que irão prevalecer no futuro.

 

2. Breve panorama histórico do desenvolvimento das publicações científicas eletrônicas

 

No ano 1999, há a penas dois anos do século XXI, é inegável que a tecnologia mais importante e influente da sociedade mundial é o computador. Entre os tipos de computador em uso, o que se encontra mais disseminado, e o que se considera que operou a maior transformação em nossa sociedade é o microcomputador. Surgido na década de 70, popularizado na década de 80 e absolutamente presente na década de 90, o microcomputador está presente em todas facetas da vida moderna, de seu uso na indústria e comércio aos jogos recreativos, passando pelas aplicações domésticas, pelas transações financeiras, pela automatização e finalmente pelas telecomunicações.

 

Porém, apesar de sua grande utilidade para a pesquisa acadêmica, ao permitir o processamento de grande quantidade de informação e a realização de cálculos matemáticos complexos, até pouco tempo atrás o computador não foi capaz de mudar a organização social de disciplinas, nem as formas que tomam os produtos do conhecimento e os processos pelos quais a disseminação e armazenamento deste conhecimento são realizados (Harrison & Stephen, 1996). Assim, a inovação tecnologógica que mais poderá afetar as práticas e estruturas acadêmicas é a convergência de duas tecnologias, a saber a microcomputação e a rede de computadores, também denominada computação massiva paralela ou computação distribuída. Esta convergência tecnológica resulta numa revolução nas formas e métodos de como a informação é gerada, armazenada, processada e transmitida, sendo que uma de suas características mais notantes é a velocidade explosiva com a qual se processa. Cabe notar que os grandes impactos do binômio microcomputador/rede de computadores não se limitam ao meio acadêmico, do qual tratamos nesta análise, mas também afetam um número cada vez maior da vida profissional e cotidiana, além de impactar algumas das instituições mais sólidas em que nossa civilização se baseia, com a introdução do ensino a distância, da telemedicina, das bibliotecas digitais e do dinheiro eletrônico, por exemplo. Uma análise breve, porém abrangente, dos impactos econômicos, culturais e sociais envolvidos nesta revolução da informação pode ser encontrada no trabalho de Mandel, Simon e de Lyra (1997).

 

Dentro deste contexto, a Internet representa sem dúvida o maior pilar da computação em rede, pois pode ser definida, não rigorosamente, como uma “rede de redes” que alcança hoje praticamente todo o globo terrestre, além de proporcionar uma ampla variedade de ferramentas. É portanto, no início dos anos 90, que a humanidade assiste ao florescimento desta grande rede mundial de computadores, uma combinação de tecnologias de telecomunicações que começa a transformar a sociedade e a economia globais de forma profunda. Embora tenha nascido no final dos anos 60 a partir da interligação de quatro centros de pesquisa norte-americanos, em um projeto militar fechado, somente a partir de 1993 a Internet começa a ser incorporada em centros de pesquisa e universidades e a partir de 1995 é que observa-se a grande explosão de seu uso comercial[1]. As decorrências da adoção desta nova tecnologia são objeto de estudo das mais variadas disciplinas do saber humano, incluindo-se aí as Ciências da Comunicação (Newhagen & Rafaeli, 1995).

 

A Internet tem apresentado, desde seu surgimento, um impacto considerável no âmbito da comunicação científica, ou seja, em seu próprio berço de nascimento. Neste sentido a publicação eletrônica surge como ferramenta de intercâmbio de informações científicas, possibilitando o contato de pesquisadores espalhados ao redor de todo o globo. Em um primeiro momento, esta comunicação ocorre de forma interpessoal, através das mensagens de correio eletrônico e das listas de discussão baseadas nesta ferramenta. Somente em um segundo momento com o surgimento do recurso chamado World Wide Web e do uso do hipertexto serão criadas formas de comunicação mais sofisticadas (Guédon, 1994). O início das publicações eletrônicas é realizado na base de projetos de experimentação e cooperação, como o do projeto TULIP, abrangendo dezesseis universidades e a editora comercial Elsevier Science, e o Red Sage envolvendo os laboratórios AT&T Bell, a UCSF e a editora Springer-Verlag (Hunter, 1998). O projeto mais bem sucedido, porém, é considerado o de Paul Ginsparg, com seu servidor de preprints na área de física teórica, em Los Alamos (Ginsparg, 1994).

 

A publicação eletrônica neste período é melhor analisada porém por uma ampla pesquisa qualitativa realizada sobre a amostra total de revistas eletrônicas em língua inglesa nas áreas de ciência, tecnologia e medicina[2], reconhecidas como os tipos mais caros de publicações acadêmicas, devido ao grande número de tabelas e fórmulas matemáticas complexas a serem representadas (Hitchcok, 1996). Apesar de ser detectado um aceleramento no número de publicações eletrônicas, a grande conclusão da pesquisa foi de que o meio ainda não era suficientemente explorado, na medida em que recursos inovativos como vínculos de hipertexto, mecanismos de busca por palavra-chave, gráficos e fotografias em cores, informação em áudio e vídeo e notificação de usuários através do correio eletrônico eram escassamente implementados. Ainda dentro do tema dos recursos adicionais que o meio eletrônica proporciona, outros levantamentos identificam “bônus” que simplesmente não são possíveis na mídia tradicional, como por exemplo grupos de discussão na Internet ligados à publicação, referências vinculadas a base de dados bibliográficas e acesso aos dados originais de pesquisa (Taubes, 1996a). Tais aspectos inovativos só seriam incorporados na medida em que surgissem as revistas puramente eletrônicas ou pelo comprometimento da comunidade acadêmica em exigir tais carácteres, com o desenvolvimento de novos jornais, produtores e estruturas de publicação.

 

São identificadas ainda duas categorias diferentes de publicações eletrônicas, a saber a edição online, que simplesmente reproduz eletronicamente o conteúdo de uma revista já existente no modelo impresso e as revistas puramente eletrônicas. Em relação a estas últimas, observa-se uma dificuldade de se obter uma massa crítica de publicação, embora sejam relatados alguns exemplos bem sucedidos. A partir desta duas categorias irão se estabelecer duas visões competitivas da publicação eletrônica, a serem adotadas pelos atores envolvidos na publicação acadêmica (Okerson, 1991). A primeira, mais conservativa, mimetiza a publicação impressa, porém se apropria da vantagem da rapidez da transmissão da informação para se tornar uma peça fundamental da comunicação acadêmica. A mera substituição do meio é vista como uma atitude tímida, diante do potencial que o meio eletrônico apresenta e uma publicação mais arrojada incluiria o processo de revisão e crítica dos artigos sendo feito de modo online e aberto, através de um “open peer-review” (Harnad, 1996). Tal conceito revoluciona os modelos formais e informais de comunicação acadêmica e irá conduzir em grande parte o debate sobre o tema.

 

Outro trabalho significativo envolve a observação das tendências concernentes às publicações científicas acadêmicas, através de uma série de estudos realizados pela Faculdade de Ciências da Informação da Universidade do Tennessee e a empresa King Research (Tenopir & King, 1998). Através de várias pesquisas são determinadas as características das publicações científicas que se tornarão críticas na adoção de um modelo eletrônico de publicação. Entre os principais achados destacam-se o reconhecimento das publicações acadêmicas como fonte crítica de informação, a determinação de padrões de busca de informação e a determinação de padrões e freqüências de leitura. A partir destes dados, os autores afirmam ser possível estabelecer uma estratégia adequada para o estabelecimento de preços de publicações eletrônicas.

 

A partir da segunda metade dos anos 90, a publicação eletrônica passa a ser aceita como um fenômeno inexorável pela maioria dos atores do processo de comunicação científica, existindo um consenso que atualmente estamos em um período de transição entre o modelo baseado na publicação impressa e o modelo puramente eletrônico (Peek, 1996). Surgem propostas revolucionárias no âmbito das publicações, visando a quebra dos atuais paradigmas e a publicação eletrônica desenvolve-se como campo de estudo e de pesquisa, possuindo já uma vasta bibliografia de literatura crítica (Bailey, 1999).

 

Assim, na mesma medida em que a Internet cresce, as ferramentas de publicação multimídia voltadas para a World Wide Web se popularizam permitindo um crescimento ainda maior no número de publicações existentes e tornando o processo amplamente disponível, através de metodologias simples e acessíveis (Sabbatini & Sabbatini, 1998).

 

No Brasil, .também observam-se iniciativas pioneiras no campo da publicação eletrônica científica. Os primeiros projetos surgem através do Núcleo de Informática Biomédica (NIB) da Universidade Estadual de Campinas, em 1994, com o surgimento do Hospital Virtual, um recurso de informações médicas na Internet. O Hospital Virtual é seguido pela fundação de do e*pub – Grupo de Publicações Eletrônicas em Medicina e Biologia, uma divisão do NIB voltada para o desenvolvimento de revistas eletrônicas, responsável pelo desenvolvimento de revistas eletrônicas como os Arquivos Brasileiros de Cardiologia e o Online Journal of  Plastic and Reconstructive Surgery. Atualmente, o e*pub publica regularmente 13 revistas eletrônicas, entre versões eletrônicas e títulos exclusivamente online.

 

3. As principais questões relativas às publicações científicas eletrônicas

 

No mesmo período, observa-se uma intensificação do debate a respeito da publicação eletrônica, na medida em que esta ameaça o status quo do processo de comunicação acadêmica enquanto sistema sócio-tecnológico. No modelo atual, os pesquisadores e cientistas publicam não somente para se comunicar com seus pares, mas também para estabelecer seus feitos sobre determinado resultado em determinado tempo, para obter formas de reconhecimento profissional, para obter certificação independente de seus resultados, para arquivar estes resultados para a posterioridade e para se comunicar com as pessoas interessadas em seu trabalho ou disciplina[3]. Em outras palavras, basicamente trata-se de um modelo de recompensa ao esforço individual, no qual o ato de publicar proporciona reconhecimento ao cientista, sendo este reconhecimento atua como um dos principais valores dentro da comunidade científica e de sua sociologia (Merton, 1960).

 

Dentro deste mesmo modelo, observa-se a atuação de distintos atores, destacando-se as instituições de pesquisa, os pesquisadores, as editoras comerciais e as bibliotecas acadêmicas. Do ponto de vista econômico, hoje tal modelo é amplamente questionado. Enquanto as instituições de pesquisa financiam os pesquisadores, que se utilizam das publicações para divulgar resultados e obter reconhecimento, as mesmas instituições devem pagar somas cada vez maiores às editoras para obter material bibliográfico que elas mesmo geraram e continuar o processo de pesquisa[4]. As editoras comerciais, por outro lado limitam o acesso à informação através de obstáculos como o direito autoral, mesmo que a distribuição ilimitada seja o objetivo do pesquisador. Este autor aceita tal “barganha faustiana” pois sem o editor, seu trabalho não seria publicado nunca (Harnad, 1995a).

 

A publicação eletrônica torna-se revolucionária na medida em que possibilita eliminar o papel do editor comercial, sendo a publicação realizada pelos próprios pesquisadores, um movimento que tem sido denominado “author empowerment” (Taubes, 1996b). Em torno desta questão, surgem duas linhas de pensamento, a primeira, mais otimista de que a comunidade acadêmica com o uso da Internet irá produzir sua própria produção literária científica (Harnad, 1995b, Odlyzko, 1995); já outra corrente defende que o alto grau de especialização técnica envolvida na publicação eletrônica exigirá a profissionalização desta atividade, cabendo às editoras comerciais se adaptarem adequadamente (Rowland, 1995, 1996).

 

Outra questão que se torna prioritária é a do processo de avaliação dos pares enquanto forma de certificação da qualidade acadêmica. As questões em torno da natureza, estrutura e valor da avaliação pelos pares torna-se um ponto crucial na aceitação do modelo eletrônico de publicação (Langston, 1996). Assim, o processo tradicional parece passar por uma crise metodológica, com a observação da existência de falhas, como a não detecção de erros em artigos científicos e a inutilidade do ocultamento da identidade dos revisores e autores, e vieses, como a seleção de trabalhos conforme a avaliação de parâmetros como a posição acadêmica, currículo científico, e sexo do pesquisador, além da a predominância geográfica e lingüística da ciência anglo-saxã (Revuelta, 1998). Outro ponto de discussão é o papel que as novas tecnologias poderiam representar no processo de avaliação por pares, aportando soluções por um lado e colocando novos problemas (Sabbatini, 1998). No entanto, as publicações eletrônicas, mesmo que adotem processos de análise e certificação de qualidade, tendem ainda a serem consideradas de menor prestígio do que as publicações tradicionais (Butler, 1994), dificultando o processo de sua afirmação dentro do modelo de publicação acadêmica.

 

Além disso, à medida em que se adotassem modelos inovativos de publicação, como o “open peer review” o conceito de autoria também estaria sendo colocado em cheque (Grusin, 1994; Antonio, 1998), com os papéis sequenciais de autor e leitor misturando-se simultaneamente para o surgimento do criador/compilador/comentador. Uma vez que estes papéis intermediários teriam menos autoridade, o sistema atual de avaliação e reconhecimento também teria que ser adaptado a esta nova realidade, tarefa que não se apresenta nem simples nem rápida.

 

Dentro do amplo debate, surgem posições cautelosas em relação às publicações eletrônicas, definindo os principais obstáculos à sua adoção, ao mesmo tempo em que identificam nela uma série de qualidades.

 

Discorrendo sobre o impacto da publicação eletrônica nas bibliotecas acadêmicas, Bailey (1998b) identificou vários problemas que tornarão o processo de transição do modelo impresso para o eletônico mais lento. O primeiro é a dificuldade de se estabelecer mecanismos de controle de acesso e de desenvolver modelos econômicos pagos de publicações eletrônicas, partindo do princípio de que as editoras acadêmicas também estão voltadas para o lucro. A digitalização de documentos e livros antigos envolve despesas, complexidade e dificuldades legais que também impediriam as bibliotecas de converter suas coleções à forma digital. Ainda, a adoção de leis de censura à informação eletrônica, como o Communication Decency Act (CDA) proposto pelo governo norte-americano e rejeitado no mesmo ano de 1996 faria com que publicações impressas se tornassem legalmente mais seguras do que suas congêneres eletrônicas. A adoção de um modelo eletrônico exigiria dos editores investimentos altos em sistemas sofisticados de publicação e das bibliotecas e instituições de ensino investimentos de maior grandeza em infraestrutura de redes de computadores, ainda que a percepção das publicações eletrônicas como meio legítimo de comunicação científica não estaria plenamente estabelecida. Finalmente, a dificuldade de se implementar a proteção do direito autoral aos meios eletrônicos impediria o desenvolvimento e implementação completa de um modelo eletrônico. A questão do direito autoral tem sido abordada por diversos autores (Halbert, 1991)

 

Já Raney afirma que a “publicação eletrônica será adotada pela comunidade científica e técnica somente quando alcançar as necessidades desta comunidade, superar os principais problemas da publicação convencional e oferecer novas e compensadoras capacidades que excedam aquelas das publicações convencionais” (Raney, 1998). Ainda assim, reconhece que a alternativa eletrônica constituirá uma ferramenta de pesquisa essencial.

 

Por sua vez, John December, responsável ele próprio por um site e uma revista eletrônica na Internet, a Computer Mediated Communication Magazine, trata de desfazer alguns dos mitos da publicação na World Wide Web, combatendo a visão tecnologicamente determinista de que os aspectos tecnológicos por si sós fazem da publicação eletrônica uma ferramenta válida e reconhecida dentro do processo acadêmico comunicação (December, 1997). Dentre os mitos analisados estão os de que a tecnologia e a habilidade tecnológica conferem qualidade por si sós; que a publicação eletrônica reduz dramaticamente tempos e custos, sem a consideração de outros fatores e de que comundiades virtuais podem ser criadas sinteticamente. Basicamente, os fatores que não são levados em conta e que levam à criação destes falsos mitos são a competência humana, o próprio conteúdo da informação a ser veiculada pelo meio e a estrutura sociológica estabelecida no meio acadêmico. Assim, os editores eletrônicos deveriam considerar três pontos básicos no desenvolvimento de seus produtos: o foco na audiência, com o conhecimento desta e de suas necessidades de informação; o reconhecimento de estruturas de poder não-tecnológicas na comunidade acadêmica, procurando trazer para dentro de seu projeto os aspectos da esfera social em que disciplina está contextualizada e finalmente o favorecimento de estruturas sociais para o compartilhamento do conhecimento, com a tecnologia permitindo a criação de espaços de comunicação cuja necessidade já existe.

 

Em um consenso geral, a publicação eletrônica apresenta modelos de complementação em relação às publicações impressas tradicionais, seja na disponibilizarão de informação ao usuário, seja no controle e armazenamento desta informação. Em um primeiro momento, a publicação eletrônica permite o uso da multimídia, isto é, o uso de informações como áudio e vídeo, além dos gráficos e figuras (Stanek, 1995), enriquecendo a publicação enquanto meio.

 

Além disso, são criadas novas capacidades, como por exemplo as citações dinâmicas, que permitiriam a adição de citações pós-publicação. Neste sentido, artigos online poderiam ter três listas de citação distintas referências de bibliografia (citações utilizadas no texto), bibliografia (lista de todos artigos pertinentes ao tema) e citações inversas (lista dos artigos subsequentes que referenciam o próprio artigo).[5]

 

Outro elemento de grande importância é a adoção de bases de dados bibliográficas eletrônicas, similares a tradicionais, que registram e indexam a literatura científica, representando o mecanismo de controle da promoção e visibilidade das publicações científicas. O estabelecimento destes serviços de indexação, ao instaurar interconexões entre os registros bibliográficos e os textos completos, permitindo acesso imediato, ao mesmo tempo em que estes incorporam conexões para os registros bibliográficos aumenta a visibilidade da informação e consolida o papel das bases de dados bibliográficos (Packer, 1998).

 

Aliado a estes fatores, a economia das publicações eletrônicas é analisada favoravelmente por diversos autores (Varian, 1996), (Odlyzko, 1997) uma vez que os custos de impressão e distribuição deixam de existir, com a adoção de mecanismos de armazenamento puramente digitais. Tal fato é um fator adicional que vem consolidar a adoção da publicação eletrônica entre a comunidade acadêmica, mesmo que esta ainda considere o papel como o meio mais legítimo de publicação e armazenamento da informação científica e tema seu fim[6].

 

Por um outro lado, surgem questionamentos em relação às publicações eletrônicas, envolvendo principalmente a segurança e a integridade da informação. Esta questão torna-se mais importante dentro do contexto da Internet, com seu alto grau de abrangência e de interconectividade. A origem e a resposta deste questionamento não é intrínseca à publicação eletrônica, mas de todos os serviços e aplicações operados na rede.

 

No momento em que se escreve, nota-se que o debate encontra-se aparentemente parado, como se pode notar através do estudo comparativo de dois textos escritos em épocas distintas. O primeiro, é uma revisão bibliográfica sobre o debate apresentado acima, explorando questões como a das formas e estruturas a serem adotadas na publicação eletrônica, sobre quem serão os indivíduos e organizações produzindo-os, de onde virá o financiamento e quais os obstáculos imediatos (Earl, 1996). O segundo texto é um informe apresentado pela revista norte-americana Science, avaliando também quais as vantagens e obstáculos propostos pela publicação eletrônica (Butler, 1999). A única diferença considerável entre as questões apresentadas pelos dois artigos, é o relato mais recente de que nos Estados Unidos as editoras acadêmicas e projetos de publicação científica se unem para combater os custos crescentes das editoras comerciais retornando o controle da publicação à comunidade acadêmica, além de reportar algumas experiências na área do “open-peer-review”. Esta estagnação pode ser considerada previsível, uma vez que as questões decisivas para o sucesso ou não das publicações eletrônicas não reside somente no aspecto técnico, porém em mudanças políticas e sociais que operam em um quadro sócio-tecnológico já estabelecido.

 

4. Bibliografia

 

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[1] A aceitação e uso da Internet a nível comercial varia a nível regional, conforme a disseminação da tecnologia. No Brasil, podemos considerar 1996 como o ano da Internet.

[2] É utilizado o termo STM, significando Science, Technology and Medicine, utilizado amplamente entre editores científicos de língua inglesa.

[3] O tema é amplamente conhecido, porém pode-se consultar Hunter, 1998.

[4] No Brasil, observa-se uma menor participação de editoras comerciais e a prevalescência de publicações subsidiadas pelas agências de fomento em pesquisa.

[5] Tal sistema já é adotado, como pode se ver em Hitchcock, 1996.

[6] A questão do fim do papel costuma causar reações apaixonadas nos editores científicos, como foi presenciado pessoalmente, durante o VII Encontro de Editores Cientiíficos, promovido pela Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), em outubro de 1998.