As Imagens da Ciência

José Ribeiro, Universidade Aberta - Porto

1993


Não é por acaso que o aparecimento da fotografia em França coincide com o desenvolvimento da filosofia positivista de Comte, impulsionada pelo conhecimento exacto do mundo sensível. Este conhecimento científico "desmistificador" invadiu o mundo da biologia (Darwin), da medicina experimental (Claude Bernard), da estrutura social (Marx). A vida económica assente sobre o empirismo dos negócios requer o conhecimento exacto dos processos de produção, a estrutura dos mercados, o funcionamento das empresas e a quantificação dos resultados. A arte também aspirava a uma descrição mais científica e exacta do mundo: o impressionismo, o naturalismo literário, a crónica social. É nesta sociedade que nasce a fotografia (1827) como tecnologia cognitiva completamente nova. Situada no âmbito da informação óptica, amplia e completa outras tecnologias cognitivas da visão anteriormente utilizados pela ciência como o telescópio (fins do Séc. XVII) e o microscópio (fins do Séc. XVI).
Por outro lado há novas necessidades sociais: "Por altura de 1950 a evolução social e económica da França sofreu uma mudança que se repercutiu em novas necessidades" era um época de prosperidade económica, de crescimento da indústria e do comércio, a burguesia crescia e prosperava, a sociedade moderna tinha criado um gigantesco quadro de funcionários. Foi esta classe social, pequena e média burguesia, que contribuiu para o desenvolvimento da fotografia, Disderi cria uma verdadeira moda do retrato fotográfico ( Freund, 1989:67-69).
A fotografia, desde a sua origem, torna-se objecto de "violentos litígios", por um lado originária da cooperação com ciência e instrumentação do conhecimento científico
(1) "os recursos técnicos específicos da fotografia, destinavam-se a descrever uma visão analítica e selectiva da natureza" (Marbot, 1989: 148): Talbot 1844-46 elaborava impressões de plantas para os botânicos, fotografia de arquitectura para o desenvolvimento urbanístico (2) , fotografia médica (3), a ligação da fotografia ao microscópio e telescópio (4); por outro lado pretendia dar resposta a novas necessidades de expressões artísticas para um público cada vez mais alargado: "motivo exaltado, representação destacada do seu contexto natural" (Marbot, 1989:150) como os retratos realizados por Nadar (estética baseada sobretudo nas atitudes do corpo para sublinhar a expressão) ou mais tarde, tornados arte popular, para um grande público que se aglomerava em "intermináveis filas" diante do estabelecimento de Disderi "o que mais me surpreende nas inúmeras fotografias de Disderi é a falta de expressão individual... característica de Nadar... por detrás das imagens estereotipadas, as personalidades desaparecem quase por completo" (Freund, 1989:73).
Entre as partes da disputa, a fotografia, arte ou instrumentação da ciência, encontrou uma multiplicidade de funções: meio de reprodução da obra de arte; componente importante na comunicação de massa - ilustra as páginas dos jornais, associa-se à arte gráfica nos cartazes, autonomiza-se em exposições, anima-se no cinema, prolonga-se na televisão. Torna-se poder, instrumento político e denúncia social. Aperfeiçoa-se como expressão artística através de técnicas diversificadas, nomeadamente da fotomontagem (escolha criteriosa de fotografias que justapostas criam um significado novo) iniciada por John Heartfileld (5) (Helmut Herzfeld) (Helmut, 1977- John Heartfileld Monteur). A ciência continua a utilizar cada vez mais a fotografia como instrumentação de pesquisa, como memória de dados, como meio de comunicação dos resultados aos seus públicos.
A fotografia, como imagem fixa, não responde a algumas necessidades específicas da ciência, nomeadamente a do estudo do movimento. Experiências continuadas e aperfeiçoamentos progressivos conduziram à invenção do cinema e à superação desta insuficiência.
O desenvolvimento extraordinário da imagem animada no fim do sec. XIX teve a sua origem nas exigências da investigação científica: a análise e estudo do movimento: " para Muybridge, Marey, Demeny, o cinematógrafo (6) , ou os seus imediatos predecessores, tais como o cronofotógrafo (7) , são instrumentos de observação no estudo dos fenómenos da natureza, prestam o mesmo serviço que o microscópio ao anatomista" (Morin, 1980:14). Para Edgar Morin este invento do final do século passado contrasta, neste início, com um outro, o do avião, virado para vencer a barreira do som, arrancar-se à terra enquanto o cinema procura reflectir a realidade, a terra "isento de quaisquer fantasmas, esse olho de laboratório só pôde atingir a perfeição por corresponder a uma necessidade de laboratório: a decomposição do movimento" (Morin, 1980:11).
A imagem cinematográfica, imagem animada, constitui uma ilusão óptica gerada a partir da análise fotográfica da realidade visual dinâmica, decomposta em imagens estáticas consecutivas, e sua posterior síntese ou recomposição na fase da projecção no ecrã, assemelhando-se pela análise e síntese ao conhecimento intelectual orientando-se agora para a fisiologia da percepção visual humana. Baseado em dois importantes inventos do Séc. XIX, um da química - a fotografia, outra da mecânica - a câmara, o projector cinematográfico (Naden, 1980) - The Brothers Lumière), aplica o movimento às imagens fotográficas criando a ilusão da continuidade. O problema central consistiu em resolver o arrasto intermitente da película combinada com o rodar do obturador, peça reguladora do tempo de entrada de luz na câmara para impressionar a película e formar as imagens ou para permitir a projecção descontínua de um raio de luz sobre o ecrã. Esta descoberta antecedeu e impulsionou o conhecimento dos complexos fenómenos psicofisiológicos, englobados no que se denomina de forma imprecisa e inexacta de "persistência retiniana".
O processo fundamental da "criação do movimento é a amostragem, quer dizer, um conjunto representativo de imagens, a partir do real, em condições tais que o sistema do espectador não apreenda o sistema dessa fragmentação por amostragem" (Moles, 1990:227). A síntese consiste num processo de ilusão óptica, isto é, uma série de imagens fixas tomadas do real, projectadas num ecrã, separadas por negro, resultante da ocultação temporária da objectiva do projector por uma janela rotativa, aquando do transporte da película de um fotograma ao seguinte, dá a impressão de continuidade e de movimento interno à imagem. Esta ilusão, frequentemente explicada pela teoria "totalmente irónica e por outro lado intrinsecamente absurda da "persistência retiniana" (Aumont,1991: 34), simula o mecanismo da percepção (quase percepção) que permite conceber que o movimento do cinema não pode ser psicologicamente distinto do movimento real, constitui uma ilusão perfeita, baseada nas características inatas do sistema visual (8).

Entre a invenção da fotografia, Nicéphore Nièpce - 1826 (9), e do aparelho reversível (que permitia filmar e projectar) a que os seus inventores Auguste e Louis Lumière chamaram de cinematógrafo, 1895, aconteceram muitas tentativas quer de aperfeiçoamento do suporte de registo fotográfico, quer dos processos mecânicos que permitiram a análise do movimento e a sua síntese na projecção. Estas tentativas interessantes para a arqueologia do cinema têm no âmbito deste trabalho pouco cabimento a não ser aquelas mais directamente ligadas ao estudo e investigação do fluxo dinâmico dos fenómenos ou acontecimentos.
Dentre estes destacamos em primeiro lugar as experiências desenvolvidas, em Palo Alto, entre 1873 e 1880, pelo fotógrafo Eadweard Muybridge, procurando demonstrar a tese, levantada numa aposta, pelo milionário e governador da Califórnia, Stanford, acerca do movimento do cavalo a galope. Muybridge criou um dispositivo constituído por uma bateria de 24 máquinas fotográficas, colocadas em linha, a curta distância umas das outras e, utilizando placas fotográficas cada vez mais sensíveis, conseguiu outras tantas fotografias que decompunham o movimento do cavalo confirmando a tese de Stanford. Este acontecimento talvez não passasse de uma curiosidade se a revista de divulgação científica, La Nature, não tivesse publicado, em 14 de Dezembro de 1888 a reprodução das fotografias e o comentário: "Recebemos do sr. E. L. Muybridge, de S. Francisco, uma série de fotografias de invulgar interesse. Tais fotografias oferecem a solução de um problema estudado infrutiferamente durante muito tempo, a qual consiste em mostrar o porte (dinâmica corporal do movimento) do cavalo a passo, a trote e a galope. Todos aqueles que já praticaram a fotografia instantânea compreenderão quantas dificuldades foi necessário vencer e reconhecerão que só por um prodígio de paciência e habilidade foi possível fixar nessas diferentes posições a imagem de um cavalo de corrida lançado a uma velocidade de quase vinte metros por segundo: a velocidade de um comboio expresso ou da tempestade" (Costa, 1988:86).
As reproduções fotográficas publicadas em La Nature motivaram a atenção do fisiologista francês, Jules Étienne Marrey, que inventara um complexo método gráfico para estudar o voo das aves, possibilitando um contacto entre ambos. Do encontro resultou a conclusão da impossibilidade de utilizar as experiências de Muybridge para o estudo do voo das aves, mas o conhecimento destas experiências e do revólver fotográfico - meio para observação dos astros - imaginado e construído pelo astrónomo francês, Janssen, director do observatório de Meudon, apresentado à Academia das Ciências em 1874 (10), desafiaram Marey para construir a espingarda fotográfica e mais tarde um aparelho cronofotográfico, ferramentas que lhe permitiram avançar no estudo científico sobre a locomoção. Estes aparelhos que permitiram tirar 12 fotografias por segundo, mais tarde o seu assistente Georges Demeny conseguiu 20 fotografias por segundo, tinham no entanto um inconveniente, não podiam empregar-se com eficiência a não ser para fotografar objectos, animais ou pessoas pintadas ou vestidas de branco sobre fundo rigorosamente negro. Demeny utilizou e aperfeiçoou o cronofotógrafo utilizando-o no estudo dos movimentos dos lábios durante a fala, "retratos vivos" ou "retratos falantes" e em 1882 registou a patente do phonoscope aparelho que "reproduzia a ilusão dos movimentos da palavra e da fisionomia, por visão directa ou por projecção por meio de uma luz forte".
Estas participações nem sempre se preocuparam com a projecção ou síntese do movimento, dando mais importância à sua análise, no entanto não deixaram de contribuir para a "longa caminhada para o cinematógrafo" e para a sua utilização na investigação científica. Em 1895, Auguste e Louis Lumière apresentavam primeiro, em Março, na "Société d'Encouragement pour l'Industrie Nationale", depois, na Sorbonne em 16 de Novembro e finalmente no "Salão Indiano" do Grand Café em Paris, para o público, em 28 de Dezembro, o cinematógrafo, o culminar de um longo percurso na evolução do suporte de registo fotográfico e dos processos mecânicos de análise e síntese. O cinematógrafo aparecia assim mais motivado para o registo dos fenómenos, dos acontecimentos do que para o espectáculo e para a indústria. Estes porém não tardariam a aparecer.
De instrumento de invenção e de investigação científica, percepção do real e sua representação analógica (cinematógrafo), metamorfosea-se em linguagem e narrativa (cinema). As imagens tendem a manifestar um significado (abstracção - esquematização) e uma participação afectiva (restituição da presença); determinadas imagens, objectos nas imagens, e procedimentos técnicos tendem para a estereotipia e esta para a cristalização em regras gramaticais; como sistema narrativo, podem por virtude da sua construção interna tornar-se num verdadeiro discurso lógico e demonstrativo.
Poderemos afirmar que o cinema científico nasceu antes do cinema entretenimento. Talvez por isso o entronizaram na universidade, o trataram academicamente. No entanto, ascende rapidamente ao mundo dos sonhos e das emoções e do discurso, torna-se enigma " fruto da incerteza duma corrente que ziguezagueia entre o jogo e a pesquisa, o espectáculo e o laboratório, a decomposição e a reprodução do movimento; é o nó górdio entre a ciência e o sonho, a ilusão e a realidade que preparam a nova invenção" (Morin, 1980:18). Talvez esse enigma constitua razão para as crenças e dúvidas acerca deste meio nos processos científicos. Ou talvez a fotografia e os seus posteriores desenvolvimentos "cumpram a ambição dos espíritos da Renascença: tornar o homem senhor (maître) da natureza permitindo-lhe ver o imperceptível e estudar cientificamente o universo" (Marbot, 1989:125).
Até hoje a evolução técnica não deixou de avançar. Acelerou-se, multiplicaram-se os meios tecnológicos, diversificaram-se os produtos baseados na utilização da imagem animada ; a indústria cinematográfica, videográfica (do audiovisual) desenvolveu-se, mundializou-se; as câmaras invadiram os laboratórios, estudaram os comportamentos e as culturas, profissionalizaram-se mas também se tornaram brinquedo ou instrumento de pesquisa para um cada vez maior número de utilizadores, tornando-se doravante numa prática ao alcance de todos como ironicamente se refere U. Eco em "Do your movie yourself" (Eco, 1984:157-165).

Imagem como Instrumentação Científica

A utilização desta instrumentação parece pois uma preocupação de investigadores nas mais diversas áreas científicas. Margaret Mead afirma, no Congresso Internacional de Antropologia, realizado em Chicago em 1973, que os antropólogos deveriam apressar-se a utilizar no seu domínio métodos novos que simplificariam e melhorariam o seu trabalho no terreno e que o próprio congresso deveria " ter-se ocupado unicamente em discutir recentes conquistas teóricas que se apoiam na instrumentação mais avançada, tal como na validade de instrumentos mais dignos de confiança" (Mead, 1979:14) e entre estes instrumentos refere a importância da fotografia, do cinema, da videografia. Estes poderiam ter contribuído para registar e conservar durante séculos as imagens das civilizações que se extinguem, constituir uma memória dos informadores, por isso a antropologia deveria "enriquecer o seu capital instrumental", como afinal o fizeram todas as outras ciências.
Mas em quase todas as áreas ou disciplinas científicas, surgem novos e cada vez mais numerosos instrumentos científicos, responsáveis por uma produção crescente de imagens científicas: fotografias, filmes, diagramas, gráficos, que aparece a todo o momento nos ecrãs dos computadores, ou da televisão e na tela branca de uma sala de conferências (Brissot,1990 - Image, CNRS ).
A utilização da imagem animada tem, como instrumentação de pesquisa, a tradição e a solidez de mais de um século de experiências acumuladas, em áreas em que esteja implícito o movimento, quer se trate de comportamentos, de transformação da matéria ou de qualquer mudança no tempo e no espaço. O seu papel específico de registar acontecimentos ou fenómenos dinâmicos, oferece ao pesquisador uma multiplicidade de possibilidades de análise: fotografia a intervalos de tempo para análise de fenómenos lentos; registo em velocidade elevada dos fenómenos rápidos (efeito erroneamente denominado de câmara lenta); observação de fenómenos em lugares de difícil acesso: submarinos, espaciais, ambientes de muito elevadas ou muito baixas temperaturas, ou privados de luz - com técnicas especiais de iluminação ou meios técnicos específicos para o efeito, endoscópicos, etc.; obtenção de amplificação dos fenómenos pela ampliação dos detalhes (micro e macro cinematografia e videografia); percepção de fenómenos que decorram a grande distância, com a ajuda do telescópio e da telefotografia; repetição da observação em diferido dos fenómenos e acontecimentos; preservação de fenómenos e acontecimentos fugazes irrepetíveis ou difíceis de reproduzir; análise, estudo e medida de fenómenos dinâmicos, registos gráficos com o auxílio de outros meios tecnológios - nomeadamente informáticos.

O Filme Científico

Mas a utilização das imagens não tem a ver apenas com o processo de investigação, de exploração ou de descoberta. A ciência precisa de comunicar os resultados da pesquisa a públicos diversificados, com objectivos também diversificados: ao "micro-meio", comunidade científica; aos iniciados, estudantes; ao público em geral; aos poderes políticos que acerca dela tomam decisões e económicos que a financiam e esperam dela resultados. A ciência, como a arte e a literatura, torna-se mercadoria (Moles, 1974:61-98). Tem um valor de custo proveniente do "tempo de gestação, concretização e embalagem", do "valor do criador", das "mais valias da instituição" e dos "preços dos materiais", tem um mercado restrito com "a sua organização", "critérios de valor", "modos de expressão e difusão", "sistemas de controlo" e um património acumulado, continuamente enriquecido - processo cumulativo. Constitui pois um sistema cultural específico, "micro-meio" aberto para o macro meio através dos processos de iniciação, de ensino, de divulgação para o grande público, de motivação (pressão) ou influência em relação aos poderes políticos e económicos.
A ciência através do seu sistema de controlo do "micro-meio", as instituições da ciência, já permitiu ou aceitou a utilização da imagem na pesquisa e na comunicação dos resultados, no entanto, mesmo nas disciplinas em que esta se torna indispensável, não lhe atribuiu ainda o prestígio da escrita ou dos números. Por outro lado e perante uma civilização cada vez mais iconófila, em que "os filmes ou as emissões científicas apresentam-se como instrumentos indispensáveis para atingir largas audiências, sensibilizar o público e principalmente os jovens para os objectivos, métodos e conquistas da investigação, para apresentar os seus actores, os seus processos de pesquisa, os seus conflitos e divergências" (Rumpf,1989:72), as instituições científicas vão mudando os seus hábitos, a sua tradição, a sua cultura.
Os discursos científicos são produzidos para serem comunicados "é apenas ciência, a ciência comunicável"... "sem partilha de uma linguagem comum não poderia existir comunidade científica" (Fayard, 1988:13 e 16), no entanto a linguagem especializada que utiliza, constitui como que um tesouro partilhado apenas pelos iniciados agindo com repulsa em relação aos profanos. Especializa o seu olhar com a elaboração de grelhas de leitura do real (11) e ao fazê-lo produz uma ruptura com as formas da percepção comum. Esta linguagem, afastada do senso comum, necessita no entanto de ser creditada pelas instituições científicas que emitem "os passaportes de entrada no círculo dos pares de uma disciplina".
As instituições científicas são pois um segundo elemento existente na definição de cultura científica. Estas reúnem os cientistas em "famílias disciplinares" defendendo e gerindo os seus interesses, asseguram o trabalho científico nas melhores condições possíveis, controlam a qualidade de pesquisa, comunicam nacional ou internacionalmente os seus resultados. Possuidoras de legitimidade e de poder económico constituem o poder científico, asseguram a continuidade de uma disciplina, doseiam a integração de novos saberes, constituem-se em guardiãs das ortodoxias, das "verdades", da determinação das fronteiras do conhecimento, da gestão das carreiras dos seus actores.
A ciência hoje gere também os seus públicos constituindo-se como "verdadeiras empresas específicas de produção, reprodução e tratamento estratégico da informação" ...observando com rigor "o seu vector essencial: as linguagens especializadas ... com acesso estritamente regulamentado" (Fayard, 1988: 20) e abrindo-as para esferas de não especialistas quer através de processos de iniciação empreendidos pelas escolas, quer através de processos de encenação e de comunicação científica dirigida para grandes públicos.
As imagens nestes contextos servem os objectivos e as estratégias das ciências (12) :
Em primeiro lugar têm uma função cumulativa, isto é, tendo um património continuamente enriquecido com novas produções, a instituição científica tem de motivar criadores a novas produções e integrá-las através do seu sistema de controlo. As imagens poderão assim constituir bancos de dados ou documentos visuais que possam servir e sustentar ulteriormente investigações; ou produtos acabados dirigidos à comunidade científica, com mais preocupações de rigor e de exactidão mais do que de acessibilidade. Obras de autor, objecto de estudo, de comparação, de reinterpretação, em que a fidelidade ao objecto e a metodologia rigorosa de controlo lhe permitam entrar no domínio do reconhecível pela instituição científica, as características da "linguagem" são frequentemente herméticas embora em determinados campos científicos mais abertas.
O segundo público da ciência é o conjunto dos iniciados, os estudantes, o sistema de ensino. Ao filme científico (13) para o ensino, ou ao produto audiovisual que vai tomando formas cada vez mais diversificadas, atribuímos-lhe essencialmente três posições institucionais:
A. Filme ou audiovisual para ensino directo, isto é, utilizado numa situação institucional de sala de aula, ou de trabalho individual e de grupo na biblioteca, videoteca ou mediateca da instituição educativa ou científica.
A linguagem científica, os seus conceitos e processos, não são os do quotidiano os do senso comum por isso a dificuldade de adesão e de compreensão da linguagem científica. A utilização da imagem parecia pois ser um meio que poderia garantir mais eficácia, tornando-a mais acessível aos alunos. O filme e o audiovisual na educação serviam para mostrar, demonstrar ou analisar processos dinâmicos, acontecimentos do passado, para visualizar experiências caras ou difíceis de repetir, ou acontecimentos dificilmente repetíveis. Serviam também para transmitir informação estruturada (filme didáctico); fazer a apresentação prévia de interrogações, situações e problemas que possam tornar-se objecto de trabalho de uma aula ou de uma unidade de ensino/aprendizagem a partir da análise do filme apresentado; recapitulação e síntese de actividades de uma unidade de ensino; poderiam ter ainda um função problematizadora para resolução em trabalho de grupo, ou de pesquisa através de outros meios complementares (Tosi, 1987:51,52).
Os investigadores actuais apontam (14) três etapas sobre a utilização dos meios no ensino, nomeadamente os meios audiovisuais e portanto o que denominamos neste trabalho por filme científico em determinado "enquadramento de comunicação".
A primeira, anos 60, denominada por Area Moreira (1991:33-88), como perspectiva técnico-empírica. Pressupunha-se que cada meio, ao ser uma entidade mais ou menos invariável de atributos estáveis e fixos, permitiria identificar os efeitos diferenciais entre si, facilitando assim a selecção dos mais eficazes para o ensino; tornar-se-ia assim possível identificar que meios seriam os pertinentes para determinadas matérias ou condições de ensino; supunha-se que as conclusões ou descobertas da investigação trariam consequências imediatas e seriam facilmente aplicáveis para a solução de problemas.
Nos anos 70, o objecto de pesquisa passava do hardware, dos aparelhos, para as linguagens, perspectiva simbólico-interactiva. Procurava-se descobrir que efeitos produzem determinadas modalidades e estruturações simbólicas em função das características dos sujeitos realizando tarefas específicas: as investigações mostravam que alterando a tecnologia, mantendo as demais componentes da situação (conteúdo, tarefa, estruturação simbólica), os seus efeitos na aprendizagem eram depreciáveis; que o impacto dos meios na aprendizagem não estava tanto nas mensagens como na forma de as codificar.
Concluía-se numa terceira fase a necessidade de interacção entre a estruturação simbólica das mensagens, as características cognitivas do sujeito e os contextos dos alunos receptores. A partir deste pressuposto estruturavam-se três modelos de utilização dos meios:
- O primeiro, partia da concepção do curriculum para o desenvolvimento dos meios: elaboração do curriculum, selecção e organização dos componentes, estratégias utilizadas, meios integrados na totalidade da realidade curricular;
- O segundo, modelo técnico racional, em que os materiais funcionavam como instrumentos de garantia à fidelidade curricular. A responsabilidade da sua produção pertencia agora a peritos na concepção dos meios - não seria da competência dos professores que não dispõem de conhecimentos e habilidades para os conceber e produzir. Este modelo, responsável pelo manual, poderia ter alguns inconvenientes no ensino directo: desprofissionalização dos professores que se tornavam meros executores e administradores do saber do livro, promoviam a unidireccionalidade e standardização da aprendizagem, garantiam no entanto o controlo curricular;
- No terceiro modelo, a produção dos meios fazia parte das tarefas de concepção curricular. Sugeria-se assim uma concepção alternativa de natureza mais participativa da parte do professor e integradora na realidade local: os meios tornavam-se recurso de apoio ao professor para o desenvolvimento curricular. Este modelo poderia integrar materiais diversificados produzidos localmente, os procedentes dos meios de comunicação de massa; potencializar o intercâmbio e distribuição de meios; possibilitar estratégias pessoais do professor. Esta situação ao criar uma maior autonomia do professor, reponsabiliza-o e cria-lhe novas exigências e necessidades de formação na concepção e produção dos meios.
B. Filme ou audiovisual para ensino a distância, difundido por antena ou para utilização do aluno, integrado com outros materiais nomeadamente escritos e enquadrado num processo que, embora de maior autonomia que o anterior, tem possibilidade de acesso a pares para debate e discussão de temas polémicos e complexos e de consulta ao professor ou tutor.
Para a Open University (Tosi,1987:177,178) a utilização do filme ou do audiovisual no ensino destinar-se-ia a:
- apresentar experiências e demonstrações que de outro modo se tornavam difíceis ou inacessíveis aos alunos;
- mostrar objectos, acontecimentos e lugares que o estudante normalmente não pode observar: vistas aéreas, experiências em laboratórios especializados, comportamentos humanos ou animais, objectos museológicos ou de difícil acesso aos alunos;
- tornar observáveis acontecimentos que só o podem ser através da instrumentação audiovisual devido à velocidade alta (percurso de um projéctil, micro acontecimento desportivo, acidente de trabalho, explosões, reacções químicas, etc), ou baixas (desabrochar de uma flor, crescimento e tropismos das plantas, crescimento urbano);
- fazer a apresentação real dos processos de investigação avançada: processos enquanto se realizam - instrumentação, actores, gestos materiais (técnicos) e rituais do processo;
- explicar conceitos de difícil compreensão através de diagramas e de modelos animados;
- apresentar cientistas eminentes, apresentando ou debatendo os seus trabalhos;
- apresentar o bom professor durante o seu trabalho.
C. Filmes ou audiovisuais produzidos pelos professores e pelos alunos, ou por ambos conjuntamente, no âmbito das actividades escolares ou extra-escolares mas que tenham como objecto temas de natureza científica. Normalmente realizados com materiais amadores e que, com o desenvolvimento dos equipamentos videográficos e da sua integração com os meios informáticos, permitem elaborar trabalhos com qualidade científica, técnica e estética satisfatória.
A utilização destes meios permite a animação de clubes de pesquisa e produção de filmes ou videogramas; estes podem contribuir para uma memória viva do trabalho desenvolvido na escola, fácil e agradavelmente acessível a futuras gerações de alunos, bastando para isso um minucioso trabalho de armazenamento, catalogação e conservação; criador de desafios de avaliação e superação do já produzido; motivar trocas com outras escolas envolvidas em projectos de natureza semelhante e contribuir para a criação de redes de video-correspondência nacionais e internacionais; organização de mostras locais, regionais, nacionais e internacionais de filmes científicos realizados por alunos e professores, promovendo a consequente abertura da escola à comunidade; contributo, mais acentuadamente a partir do filme etnográfico e do estudo das culturas locais ou das micro culturas grupais, para uma educação intercultural, interétnica - para a valorização e enriquecimento através das diferenças culturais; se associados à criatividade científica - a ciência constitui hoje a actividade criadora por excelência do espírito moderno -, à criatividade plástica de utilização e trabalho com dois meios da arte contemporânea, o vídeo e a informática, poderemos concluir que esta actividade constitui também um processo de educação para a criatividade e de educação pela arte, para a educação mediática que "consistiria em recuperar, catalisar, orientar a energia criativa bergsoniana, jubilation (15) (alegria criativa), ao serviço da activação da distanciação dialéctica" (Michel, 1992:334).
Filme ou audiovisual educativo também o entendemos como documento. A utilização deste em sala de aula, produzido pelos alunos ou pelo professor, constitui instrumentação importante a ter em conta em metodologias de projecto, em métodos de pesquisa, na valorização da observação em diferido, na análise minuciosa da imagem, no desenvolvimento de trabalho de grupo e sobretudo na ligação do estudo à observação da realidade. Pode ser utilizado para estudo a distância de um mesmo problema por várias instituições, por grupos a distância, etc. É a exploração da realidade exterior à escola com a câmara de vídeo, para na aula procedermos a uma observação em diferido, anotarmos as conclusões, nomeadamente as insuficiências dos registos para refazermos outros, posteriores, mais completos até à elaboração de conclusões e de um produto provisoriamente final, como, na realidade, é o espírito científico, ao elaborar sempre conclusões provisórias, progredindo nas explicações, não eliminando, porém, as contradições, as zonas de penumbra e as incertezas. Este assunto foi posteriormente desenvolvido na metodologia da "antropologia visual" e nas experiências realizadas.

O Filme Científico para o Grande Público

Abordamos finalmente a comunicação científica através do filme para o grande público, o que hoje se evita chamar divulgação científica. Procuraremos apenas encontrar algumas razões desta necessidade de expor a ciência ao grande público. Concordamos com Paul Caro (16) quando afirma que a indústria é um factor poderoso de difusão da cultura científica e técnica para a sociedade, porque utiliza instrumentos científicos, transformando-os em objectos que vão servir na vida quotidiana. A aplicação das descobertas científicas na sociedade faz-se sob a forma de caixa negra, uma vez que não se sabe como funciona. A indústria dá ideia de que uma certa magia é possível, pois apenas observamos os objectos sem sabermos como são feitos. Ao fabricar estas caixas negras, reforça-se um pouco a opacidade do sistema científico.
Por outro lado, os museus da ciência e o espectáculo científico não reduzem muito esta opacidade, celebram o seu poder, são como símbolos do sistema científico, traduzem a majestade da ciência enquanto instrumento que permite um exercício de um poder, afirma Paul Caro.
O filme científico dirigido para o grande público constitui uma necessidade da ciência e do cidadão.
Em primeiro lugar, tem a ver com a criação e aprofundamento de uma sociedade de cidadãos, baseada nos valores democráticos, no conhecimento e compreensão dos problemas das sociedades visando a participação nas escolhas científicas, técnicas, económicas, educacionais, etc.. Visando o controlo das decisões, o saber científico, veiculado pelos meios de comunicação (entre os quais o filme científico - televisão - ocupa lugar privilegiado), afirma-se como um quarto poder da informação ao mesmo tempo que desempenha uma função de quase ensino, actualizando os conhecimentos do público.
Em segundo lugar, o filme científico constitui como que uma estratégia de influência. Assemelha-se à comunicação de uma empresa, tem de comunicar para existir. Nesta situação tudo comunica: os produtos (discursos científicos), a organização, os actores (cientistas, gestores), os processos científicos, os equipamentos e tecnologias. Trata-se de identificar a cultura da instituição científica e do seu projecto, de definir uma estratégia global de comunicação, de concretizar uma política de coerência e sinergia de meios capaz de criar junto do público uma imagem forte e coerente, geradora de confiança, motivando para a participação, para a acção, enfim para a conquista das pessoas para o seu projecto. Visa assegurar o prestígio da instituição e através deste obter financiamentos e cooperação para projectos.
Em terceiro lugar, a utilidade do filme científico para grandes públicos tem a ver com o desenvolvimento das sociedades contemporâneas: por uma lado contribui para a mobilização das competências profissionais para o desenvolvimento; por outro lado antecipa a chegada às instituições escolares dos novos saberes e tecnologias pela informação e demonstração, motiva para a criação de ateliers e clubes científicos, estágios e formação de animação científica susceptíveis, eles próprios, de serem mediatizados e divulgados.
Numa época de crise das ideologias e de desacralização das crenças, como a nossa, a ciência constitui um valor de referência, isto é, permite explicar o mundo, compreender e orientar-se nele. "O discurso científico conquistou a legitimidade de definir a interpretação do real graças aos seus métodos e instrumentos. Centraliza em si a autoridade que lhe permite dizer a constituição do universo e onde se situa o lugar do homem na sua história" (Fayard, 1988:76). Ocupa hoje um lugar semelhante à religião e ao mito, baseando-se na lógica dos heróis e das estrelas; mas funciona também como intermediário entre o real quotidiano e o essencial da interpretação ou da crença. Neste sentido é-lhe pedido que forneça, aos grandes públicos, dados para um sistema de valores, que confira sentido e significado às mutações, rupturas, desequilíbrios. O filme científico para o grande público não pode apenas celebrar o mito, tem de "saber interrogar-se sobre os pressupostos ideológicos e filosóficos que servem de base à sua actividade ... e as relações implícitas que estabelece com o restante corpo social" (Fayard, 1988: 79); promover a integração da multiplicidade das ciências na explicação dos problemas; acentuar os valores éticos e humanos que controlem o curso e as consequências dos processos de antecipação e construção do futuro empreendidos pela ciência; apresentar os limites da ciências "o novo espírito científico consiste em fazer progredir a explicação, não em eliminar a incerteza e a contradição" (Morin, 1982:180), exercendo um olhar crítico e epistemológico.
O filme científico de divulgação pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura científica e esta para a redução de conflitos de interesse que venham a manifestar-se entre o individual e o social, o individual e o político. Estes, podem diluir-se com o desenvolvimento de uma cultura científica, uma vez que a compreensão da ciência e da tecnologia é útil para todos os que vivem numa sociedade. Os indivíduos informados estão mais apetrechados para tomar decisões em matérias como o consumo, a segurança pessoal, a formação profissional, os cuidados de saúde, a influência de decisões, e para se tornarem cidadãos activos e eficazes. As instituições, os produtores, a sociedade beneficiam desta actividade: uma economia de mercado tecnologicamente avançada requer consumidores com um mínimo de bagagem científica, assim como o direito de influenciar decisões, ou o exercício de uma profissão ou de uma competência técnica, social ou profissional.

Notas:

1) Esta função abre as vias de exploração mais diversas e cria uma nova atitude de espírito "o pensar através das representações que geralmente traduziam o que os artistas queriam ver" (Collier, 1973:4) era substituído pela "observação em diferido" pela análise minuciosa da imagem (impressão) fotográfica como índice do referente.
2) Exploração sistemática, através da fotografia, das velhas ruas de Paris, destinadas à demolição para posterior implantação dos projectos de Haussman em 1959; mais tarde o interesse pela fotografia de arquitectura ou de engenharia de pontes, estações, vias de caminho de ferro.
3) A fotografia médica teve um desenvolvimento considerável no séc. XIX, esta, essencialmente, testemunha as descobertas que não cessam de se multiplicar. A sua superioridade em relação ao desenho era a característica de autenticidade da transcrição ou impressão. Com o desenvolvimento dos raios X e dos infravermelhos a fotografia permitia ver o até aí inacessível, o interior, e servir de auxiliar de diagnóstico. A fotografia médica serviu ainda para organizar arquivos iconográficos dos acidentes ou aberrações, hoje diferenças, da natureza humana (Examen d' un Hermaphrodite, Nadar 1860) (Heilbrun, 1989:185- 186 e 197).
4) A investigação através da fotografia "do infinitamente pequeno e do infinitamente grande", graças à invenção do microscópio e do telescópio, desenvolve-se a partir de 1850, constitui como que um sistema do abstracto, uma "arte" abstracta, aparentemente desnudado de qualquer sentido de representação figurativa, uma vez que reproduzia motivos que não pertenciam aos esquemas mentais criados a partir da realidade existente do mundo visível; constitui, no entanto, a afirmação realista da natureza por uma infinidade de conteúdos estranhos à nossa percepção. A fotografia astronómica confirma, através da representação fotográfica, a forma redonda da terra, as fotografias da superfície do sol, do espectro das estrelas, as imagens da lua servem também objectivos científicos. Mas o "infinitamente pequeno e o infinitamente grande" representado na fotografia alimenta também um imaginário abstracto, que os artistas plásticos não deixarão de explorar na "arte abstracta" (Néagu, 1989:215-219).
5) A vida, obra e contexto social e artístico da sua obra e as técnicas de fotomontagem utilizadas por John Heartfileld estão documentadas no filme citado. O processo de fotomontagem, associação de fotografias ou elementos de fotografias diferentes numa só, com o intenção de criar uma significação diferente é semelhante ao da montagem no cinema, distinguem-se essencialmente pelo facto de uma ter uma dimensão espacial e outra uma dimensão temporal (Helmut, 1977).
6)O nome de cinematógrafo não foi inventado ou utilizado apenas pelos irmãos Lumière, há dois aparelhos patenteados em França com esse nome por Guilhaume Bouly que permitiam quer a filmagem quer a projecção e outro nos Estados Unidos construido por Acmé Le Roy. Aqui entendemos por cinematógrafo o aparelho simultaneamente de registo e projecção, utilizando película fotográfica de 35 mm perfurada, (perfurações redondas) concebido por Louis e Auguste Lumière, considerado ainda hoje um extraordinário objecto de design, executado em série por Julles Carpentier. O aparelho está minuciosamente descrito no videograma indicado na filmografia (Naden:1980) (transmitido na RTP) e no registo de patente formulado pelos conceptores e transcrito em Costa (1988:160-163).
7) Aparelho inventado pelo fisiologista francês Étienne-Jules Marey para estudo do movimento. Este fisiologista, interessado nos resultados conseguidos por Muybridge e pela invenção do astrónomo Janssem de um aparelho para estudo do movimento dos astros que denominou revólver fotográfico, construiu vários aparelhos dos quais o mais eficaz para o objecto da sua pesquisa foi o cronofotógrafo que permitia registos temporizados de objectos, animais ou pessoas desde que pintados ou vestidos de branco, passando sobre fundo rigorosamente negro. O fisiologista conseguia assim esquematizar o movimento.
8) Gurbern (1987:256, 257) apresenta uma síntese da pesquisa acerca da percepção do movimento no cinema, referenciando um recente trabalho de Joseph e Barbara Anderson "The Motion Perception in Motion Pictures" publicado em "The Cinematic Apparatus" de Teresa de Lauretis e Stephen Healt, Londres, 1980. " Os estímulos luminosos activados em intervalos cada vez mais breves produzem cinco modalidades de percepção sucessivas no observador: simultaneidade, movimento parcial, movimento óptico, movimento phi e sucessão. É precisamente o fenómeno phi o responsável da ilusão da imagem cinematográfica e formula-se, explicando, que quando se olha um número de detalhes luminosos por segundo até alcançar uma frequência chamada de fusão, então o processamento mental da informação no cérebro transforma o estímulo descontínuo numa projecção de luz contínua e estável"
9) Esta data é diferentemente apontada por diversos autores: uma recente "Cronologia dos Suportes Audiovisuais" elaborada por Frantz Schmit, Março de 1992, publicada como documento inédito pelo INA -Dossiers de l'Audiovisuel, Nº 45 Outubro de 1992 indica a data de 1827, Freund (1989:37), indica 1826, outras datas são ainda sugeridas por outros autores: 1816.
10) A comunicação à academia transcrita em (Costa, 1988:103,104) referia a ideia de que captando uma série de imagens a intervalos regulares muito curtos, através do aparelho que concebera, revolver fotográfico, poderia observar o movimento dos astros (contactos na passagem do planeta Vénus).
11) Philippe Roqueplo apresenta uma metáfora acerca desta especialização: Se no oceano só existem peixes de tamanho inferior a 5 cm não poderemos pescar com redes de 5 cm. Urge para aceder à matéria, modificar a "espessura da aparelhagem e das instalações complexas e das teorias que as organizam" (Fayard, 1988: 15).
12) Francine Prevost do Centro Científico da Universidade de Orsay, participante activa em festivais do filme científico, apresenta orientações pragmáticas do Centro em relação ao filme científico: servem objectivos de "comunicação - promoção", de apoio ao ensino, de instrumento ao serviço da pesquisa, contributo à memória colectiva e à vocação pedagógica (testemunho de pesquisa), janela aberta sobre o mundo (serviço de videoteca da Universidade), apresentador dos grandes pensadores científicos (promoção de "stars" científicos), objecto de formação (no departamento de ciências e técnicas físicas e desportivas, STAPS, (matéria ensinada, instrumento pedagógico e de análise do comportamento desportivo em directo e em diferido) (1988:14,15).
13) Entendemos por filme científico "a obra audiovisual que permite a aquisição ou a comunicação de um saber do domínio de qualquer área da ciência e que testemunha uma abordagem científica a um objecto, ou assunto determinado " (Meusy, 1986:23) quer o seu suporte seja óptico - químico, ou electromagnético - analógico ou digital. Estes abrangem um espectro de produtos largamente diversificados que vão dos documentos de pesquisa aos filmes de divulgação diferenciados entre si pelo que Francesco Cassetti denomina de "enquadramento de comunicação" entendido estes como tipo ou género e posição institucional.
14) Almenara, (1989: 23-43) apresenta estas mesmas três etapas em cinco momentos: o primeiro, que denomina de "etapa pré-histórica", caracterizado pelo pouco desenvolvimento dos meios e do "primado do livro", punha-se, no entanto, a hipótese de criação de outros meios, não verbais, para o ensino das crianças; o segundo momento é o da sobrevalorização dos meios, paráfrase bíblica de Kaufman "no princípio eram os meios", o desenvolvimento das ciências físicas e da engenharia contribuíram para a reprodutividade técnica de imagens e do desenvolvimento dos meios técnicos e os consequente fascínio que estes criam; o terceiro momento é baseado na valorização dos estímulos e na psicologia do comportamento, deu origem às máquinas de ensinar e ao ensino programado, ao aperfeiçoamentos das linguagens, dos sistemas simbólicos (modelo cibernético); o quarto momento é o da perspectiva sistémica, de natureza processual, baseada na análise e definição do problema, selecção ou concepção de uma solução a partir de um conjunto de alternativas, implantação, gestão, avaliação e revisão, e, finalmente a implementação e o controlo; o quinto momento é um movimento renovador e de aperfeiçoamento do anterior, mais reflexivo e baseado sobretudo em encontrar as bases filosóficas do modelo sistémico e a sua abordagem pluridisciplinar e holística, isto é, depende da percepção global do problema, da metodologia projectual.
15) Sentimento resultante da criação pessoal, energia bergsoniana de superação do dipolo autodistanciação/Identificação, projecção, transferência, em relação aos media, para outro dipolo mais libertador da criação - actividade criativa alargada - integração/ apropriação (Michel, 1992: 248,249).
16) Paul Caro é um dos responsáveis científicos do "Museé des Sciences La Villette", as afirmações referidas foram feitas na sua conferência "Le "Mandala" de la Vulgarisation Scientifique", colóquio "La Culture Scientifique, Porquoi, Comment", em Março de 1992, Institut Franco-Portugais, Lisboa.

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José Ribeiro
Antropólogo
josesribeiro@mail.telepac.pt