As Imagens da Ciência
José Ribeiro, Universidade Aberta - Porto
1993
Não é por acaso que o aparecimento da fotografia em França coincide com o
desenvolvimento da filosofia positivista de Comte, impulsionada pelo conhecimento
exacto do mundo sensível. Este conhecimento científico
"desmistificador" invadiu o mundo da biologia (Darwin), da medicina
experimental (Claude Bernard), da estrutura social (Marx). A vida económica
assente sobre o empirismo dos negócios requer o conhecimento exacto dos
processos de produção, a estrutura dos mercados, o funcionamento das empresas e
a quantificação dos resultados. A arte também aspirava a uma descrição mais
científica e exacta do mundo: o impressionismo, o naturalismo literário, a
crónica social. É nesta sociedade que nasce a fotografia (1827) como tecnologia
cognitiva completamente nova. Situada no âmbito da informação óptica, amplia e
completa outras tecnologias cognitivas da visão anteriormente utilizados pela
ciência como o telescópio (fins do Séc. XVII) e o microscópio (fins do Séc. XVI).
Por outro lado há novas necessidades sociais: "Por altura de 1950 a
evolução social e económica da França sofreu uma mudança que se repercutiu em
novas necessidades" era um época de prosperidade económica, de crescimento
da indústria e do comércio, a burguesia crescia e prosperava, a sociedade
moderna tinha criado um gigantesco quadro de funcionários. Foi esta classe
social, pequena e média burguesia, que contribuiu para o desenvolvimento da
fotografia, Disderi cria uma verdadeira moda do retrato fotográfico ( Freund,
1989:67-69).
A fotografia, desde a sua origem, torna-se objecto de "violentos
litígios", por um lado originária da cooperação com ciência e
instrumentação do conhecimento científico (1) "os recursos técnicos específicos da fotografia, destinavam-se a
descrever uma visão analítica e selectiva da natureza" (Marbot, 1989:
148): Talbot 1844-46 elaborava impressões de plantas para os botânicos,
fotografia de arquitectura para o desenvolvimento urbanístico (2) ,
fotografia médica (3), a ligação
da fotografia ao microscópio e telescópio (4); por outro
lado pretendia dar resposta a novas necessidades de expressões artísticas para
um público cada vez mais alargado: "motivo exaltado, representação
destacada do seu contexto natural" (Marbot, 1989:150) como os retratos
realizados por Nadar (estética baseada sobretudo nas atitudes do corpo para
sublinhar a expressão) ou mais tarde, tornados arte popular, para um grande
público que se aglomerava em "intermináveis filas" diante do
estabelecimento de Disderi "o que mais me surpreende nas inúmeras
fotografias de Disderi é a falta de expressão individual... característica de
Nadar... por detrás das imagens estereotipadas, as personalidades desaparecem
quase por completo" (Freund, 1989:73).
Entre as partes da disputa, a fotografia, arte ou instrumentação da ciência,
encontrou uma multiplicidade de funções: meio de reprodução da obra de arte;
componente importante na comunicação de massa - ilustra as páginas dos jornais,
associa-se à arte gráfica nos cartazes, autonomiza-se em exposições, anima-se
no cinema, prolonga-se na televisão. Torna-se poder, instrumento político e
denúncia social. Aperfeiçoa-se como expressão artística através de técnicas
diversificadas, nomeadamente da fotomontagem (escolha criteriosa de fotografias
que justapostas criam um significado novo) iniciada por John Heartfileld (5) (Helmut
Herzfeld) (Helmut, 1977- John Heartfileld Monteur). A ciência continua a
utilizar cada vez mais a fotografia como instrumentação de pesquisa, como
memória de dados, como meio de comunicação dos resultados aos seus públicos.
A fotografia, como imagem fixa, não responde a algumas necessidades específicas
da ciência, nomeadamente a do estudo do movimento. Experiências continuadas e
aperfeiçoamentos progressivos conduziram à invenção do cinema e à superação
desta insuficiência.
O desenvolvimento extraordinário da imagem animada no fim do sec. XIX teve a
sua origem nas exigências da investigação científica: a análise e estudo do
movimento: " para Muybridge, Marey, Demeny, o cinematógrafo (6) , ou os
seus imediatos predecessores, tais como o cronofotógrafo (7) , são
instrumentos de observação no estudo dos fenómenos da natureza, prestam o mesmo
serviço que o microscópio ao anatomista" (Morin, 1980:14). Para Edgar
Morin este invento do final do século passado contrasta, neste início, com um
outro, o do avião, virado para vencer a barreira do som, arrancar-se à terra
enquanto o cinema procura reflectir a realidade, a terra "isento de
quaisquer fantasmas, esse olho de laboratório só pôde atingir a perfeição por
corresponder a uma necessidade de laboratório: a decomposição do
movimento" (Morin, 1980:11).
A imagem cinematográfica, imagem animada, constitui uma ilusão óptica gerada a
partir da análise fotográfica da realidade visual dinâmica, decomposta em
imagens estáticas consecutivas, e sua posterior síntese ou recomposição na fase
da projecção no ecrã, assemelhando-se pela análise e síntese ao conhecimento
intelectual orientando-se agora para a fisiologia da percepção visual humana. Baseado
em dois importantes inventos do Séc. XIX, um da química - a fotografia, outra
da mecânica - a câmara, o projector cinematográfico (Naden, 1980) - The
Brothers Lumière), aplica o movimento às imagens fotográficas criando a ilusão
da continuidade. O problema central consistiu em resolver o arrasto
intermitente da película combinada com o rodar do obturador, peça reguladora do
tempo de entrada de luz na câmara para impressionar a película e formar as
imagens ou para permitir a projecção descontínua de um raio de luz sobre o
ecrã. Esta descoberta antecedeu e impulsionou o conhecimento dos complexos
fenómenos psicofisiológicos, englobados no que se denomina de forma imprecisa e
inexacta de "persistência retiniana".
O processo fundamental da "criação do movimento é a amostragem, quer
dizer, um conjunto representativo de imagens, a partir do real, em condições
tais que o sistema do espectador não apreenda o sistema dessa fragmentação por
amostragem" (Moles, 1990:227). A síntese consiste num processo de ilusão
óptica, isto é, uma série de imagens fixas tomadas do real, projectadas num
ecrã, separadas por negro, resultante da ocultação temporária da objectiva do
projector por uma janela rotativa, aquando do transporte da película de um
fotograma ao seguinte, dá a impressão de continuidade e de movimento interno à
imagem. Esta ilusão, frequentemente explicada pela teoria "totalmente
irónica e por outro lado intrinsecamente absurda da "persistência
retiniana" (Aumont,1991: 34), simula o mecanismo da percepção (quase
percepção) que permite conceber que o movimento do cinema não pode ser
psicologicamente distinto do movimento real, constitui uma ilusão perfeita,
baseada nas características inatas do sistema visual (8).
Entre a invenção da fotografia,
Nicéphore Nièpce - 1826 (9), e do
aparelho reversível (que permitia filmar e projectar) a que os seus inventores
Auguste e Louis Lumière chamaram de cinematógrafo, 1895, aconteceram muitas
tentativas quer de aperfeiçoamento do suporte de registo fotográfico, quer dos
processos mecânicos que permitiram a análise do movimento e a sua síntese na
projecção. Estas tentativas interessantes para a arqueologia do cinema têm no
âmbito deste trabalho pouco cabimento a não ser aquelas mais directamente
ligadas ao estudo e investigação do fluxo dinâmico dos fenómenos ou
acontecimentos.
Dentre estes destacamos em primeiro lugar as experiências desenvolvidas, em
Palo Alto, entre 1873 e 1880, pelo fotógrafo Eadweard Muybridge, procurando
demonstrar a tese, levantada numa aposta, pelo milionário e governador da
Califórnia, Stanford, acerca do movimento do cavalo a galope. Muybridge criou
um dispositivo constituído por uma bateria de 24 máquinas fotográficas,
colocadas em linha, a curta distância umas das outras e, utilizando placas
fotográficas cada vez mais sensíveis, conseguiu outras tantas fotografias que
decompunham o movimento do cavalo confirmando a tese de Stanford. Este
acontecimento talvez não passasse de uma curiosidade se a revista de divulgação
científica, La Nature, não tivesse publicado, em 14 de Dezembro de 1888 a
reprodução das fotografias e o comentário: "Recebemos do sr. E. L.
Muybridge, de S. Francisco, uma série de fotografias de invulgar interesse. Tais
fotografias oferecem a solução de um problema estudado infrutiferamente durante
muito tempo, a qual consiste em mostrar o porte (dinâmica corporal do
movimento) do cavalo a passo, a trote e a galope. Todos aqueles que já
praticaram a fotografia instantânea compreenderão quantas dificuldades foi
necessário vencer e reconhecerão que só por um prodígio de paciência e
habilidade foi possível fixar nessas diferentes posições a imagem de um cavalo
de corrida lançado a uma velocidade de quase vinte metros por segundo: a
velocidade de um comboio expresso ou da tempestade" (Costa, 1988:86).
As reproduções fotográficas publicadas em La Nature motivaram a atenção do
fisiologista francês, Jules Étienne Marrey, que inventara um complexo método
gráfico para estudar o voo das aves, possibilitando um contacto entre ambos. Do
encontro resultou a conclusão da impossibilidade de utilizar as experiências de
Muybridge para o estudo do voo das aves, mas o conhecimento destas experiências
e do revólver fotográfico - meio para observação dos astros - imaginado e
construído pelo astrónomo francês, Janssen, director do observatório de Meudon,
apresentado à Academia das Ciências em 1874 (10),
desafiaram Marey para construir a espingarda fotográfica e mais tarde um
aparelho cronofotográfico, ferramentas que lhe permitiram avançar no estudo
científico sobre a locomoção. Estes aparelhos que permitiram tirar 12
fotografias por segundo, mais tarde o seu assistente Georges Demeny conseguiu
20 fotografias por segundo, tinham no entanto um inconveniente, não podiam
empregar-se com eficiência a não ser para fotografar objectos, animais ou
pessoas pintadas ou vestidas de branco sobre fundo rigorosamente negro. Demeny
utilizou e aperfeiçoou o cronofotógrafo utilizando-o no estudo dos movimentos
dos lábios durante a fala, "retratos vivos" ou "retratos
falantes" e em 1882 registou a patente do phonoscope aparelho que
"reproduzia a ilusão dos movimentos da palavra e da fisionomia, por visão
directa ou por projecção por meio de uma luz forte".
Estas participações nem sempre se preocuparam com a projecção ou síntese do
movimento, dando mais importância à sua análise, no entanto não deixaram de
contribuir para a "longa caminhada para o cinematógrafo" e para a sua
utilização na investigação científica. Em 1895, Auguste e Louis Lumière
apresentavam primeiro, em Março, na "Société d'Encouragement pour
l'Industrie Nationale", depois, na Sorbonne em 16 de Novembro e finalmente
no "Salão Indiano" do Grand Café em Paris, para o público, em 28 de
Dezembro, o cinematógrafo, o culminar de um longo percurso na evolução do
suporte de registo fotográfico e dos processos mecânicos de análise e síntese. O
cinematógrafo aparecia assim mais motivado para o registo dos fenómenos, dos
acontecimentos do que para o espectáculo e para a indústria. Estes porém não
tardariam a aparecer.
De instrumento de invenção e de investigação científica, percepção do real e
sua representação analógica (cinematógrafo), metamorfosea-se em linguagem e
narrativa (cinema). As imagens tendem a manifestar um significado (abstracção -
esquematização) e uma participação afectiva (restituição da presença); determinadas
imagens, objectos nas imagens, e procedimentos técnicos tendem para a
estereotipia e esta para a cristalização em regras gramaticais; como sistema
narrativo, podem por virtude da sua construção interna tornar-se num verdadeiro
discurso lógico e demonstrativo.
Poderemos afirmar que o cinema científico nasceu antes do cinema
entretenimento. Talvez por isso o entronizaram na universidade, o trataram
academicamente. No entanto, ascende rapidamente ao mundo dos sonhos e das
emoções e do discurso, torna-se enigma " fruto da incerteza duma corrente
que ziguezagueia entre o jogo e a pesquisa, o espectáculo e o laboratório, a
decomposição e a reprodução do movimento; é o nó górdio entre a ciência e o
sonho, a ilusão e a realidade que preparam a nova invenção" (Morin,
1980:18). Talvez esse enigma constitua razão para as crenças e dúvidas acerca
deste meio nos processos científicos. Ou talvez a fotografia e os seus
posteriores desenvolvimentos "cumpram a ambição dos espíritos da
Renascença: tornar o homem senhor (maître) da natureza permitindo-lhe ver o
imperceptível e estudar cientificamente o universo" (Marbot, 1989:125).
Até hoje a evolução técnica não deixou de avançar. Acelerou-se,
multiplicaram-se os meios tecnológicos, diversificaram-se os produtos baseados na
utilização da imagem animada ; a indústria cinematográfica, videográfica (do
audiovisual) desenvolveu-se, mundializou-se; as câmaras invadiram os
laboratórios, estudaram os comportamentos e as culturas, profissionalizaram-se
mas também se tornaram brinquedo ou instrumento de pesquisa para um cada vez
maior número de utilizadores, tornando-se doravante numa prática ao alcance de
todos como ironicamente se refere U. Eco em "Do your movie yourself"
(Eco, 1984:157-165).
Imagem como Instrumentação
Científica
A utilização desta instrumentação
parece pois uma preocupação de investigadores nas mais diversas áreas
científicas. Margaret Mead afirma, no Congresso Internacional de Antropologia,
realizado em Chicago em 1973, que os antropólogos deveriam apressar-se a utilizar
no seu domínio métodos novos que simplificariam e melhorariam o seu trabalho no
terreno e que o próprio congresso deveria " ter-se ocupado unicamente em
discutir recentes conquistas teóricas que se apoiam na instrumentação mais
avançada, tal como na validade de instrumentos mais dignos de confiança"
(Mead, 1979:14) e entre estes instrumentos refere a importância da fotografia,
do cinema, da videografia. Estes poderiam ter contribuído para registar e
conservar durante séculos as imagens das civilizações que se extinguem,
constituir uma memória dos informadores, por isso a antropologia deveria
"enriquecer o seu capital instrumental", como afinal o fizeram todas
as outras ciências.
Mas em quase todas as áreas ou disciplinas científicas, surgem novos e cada vez
mais numerosos instrumentos científicos, responsáveis por uma produção
crescente de imagens científicas: fotografias, filmes, diagramas, gráficos, que
aparece a todo o momento nos ecrãs dos computadores, ou da televisão e na tela
branca de uma sala de conferências (Brissot,1990 - Image, CNRS ).
A utilização da imagem animada tem, como instrumentação de pesquisa, a tradição
e a solidez de mais de um século de experiências acumuladas, em áreas em que
esteja implícito o movimento, quer se trate de comportamentos, de transformação
da matéria ou de qualquer mudança no tempo e no espaço. O seu papel específico
de registar acontecimentos ou fenómenos dinâmicos, oferece ao pesquisador uma
multiplicidade de possibilidades de análise: fotografia a intervalos de tempo
para análise de fenómenos lentos; registo em velocidade elevada dos fenómenos
rápidos (efeito erroneamente denominado de câmara lenta); observação de
fenómenos em lugares de difícil acesso: submarinos, espaciais, ambientes de
muito elevadas ou muito baixas temperaturas, ou privados de luz - com técnicas
especiais de iluminação ou meios técnicos específicos para o efeito,
endoscópicos, etc.; obtenção de amplificação dos fenómenos pela ampliação dos
detalhes (micro e macro cinematografia e videografia); percepção de fenómenos
que decorram a grande distância, com a ajuda do telescópio e da telefotografia;
repetição da observação em diferido dos fenómenos e acontecimentos; preservação
de fenómenos e acontecimentos fugazes irrepetíveis ou difíceis de reproduzir;
análise, estudo e medida de fenómenos dinâmicos, registos gráficos com o
auxílio de outros meios tecnológios - nomeadamente informáticos.
O Filme Científico
Mas a utilização das imagens não
tem a ver apenas com o processo de investigação, de exploração ou de
descoberta. A ciência precisa de comunicar os resultados da pesquisa a públicos
diversificados, com objectivos também diversificados: ao
"micro-meio", comunidade científica; aos iniciados, estudantes; ao
público em geral; aos poderes políticos que acerca dela tomam decisões e
económicos que a financiam e esperam dela resultados. A ciência, como a arte e
a literatura, torna-se mercadoria (Moles, 1974:61-98). Tem um valor de custo
proveniente do "tempo de gestação, concretização e embalagem", do
"valor do criador", das "mais valias da instituição" e dos
"preços dos materiais", tem um mercado restrito com "a sua
organização", "critérios de valor", "modos de expressão e
difusão", "sistemas de controlo" e um património acumulado,
continuamente enriquecido - processo cumulativo. Constitui pois um sistema
cultural específico, "micro-meio" aberto para o macro meio através
dos processos de iniciação, de ensino, de divulgação para o grande público, de
motivação (pressão) ou influência em relação aos poderes políticos e
económicos.
A ciência através do seu sistema de controlo do "micro-meio", as
instituições da ciência, já permitiu ou aceitou a utilização da imagem na
pesquisa e na comunicação dos resultados, no entanto, mesmo nas disciplinas em
que esta se torna indispensável, não lhe atribuiu ainda o prestígio da escrita
ou dos números. Por outro lado e perante uma civilização cada vez mais
iconófila, em que "os filmes ou as emissões científicas apresentam-se como
instrumentos indispensáveis para atingir largas audiências, sensibilizar o
público e principalmente os jovens para os objectivos, métodos e conquistas da
investigação, para apresentar os seus actores, os seus processos de pesquisa,
os seus conflitos e divergências" (Rumpf,1989:72), as instituições científicas
vão mudando os seus hábitos, a sua tradição, a sua cultura.
Os discursos científicos são produzidos para serem comunicados "é apenas
ciência, a ciência comunicável"... "sem partilha de uma linguagem
comum não poderia existir comunidade científica" (Fayard, 1988:13 e 16),
no entanto a linguagem especializada que utiliza, constitui como que um tesouro
partilhado apenas pelos iniciados agindo com repulsa em relação aos profanos. Especializa
o seu olhar com a elaboração de grelhas de leitura do real (11) e ao
fazê-lo produz uma ruptura com as formas da percepção comum. Esta linguagem,
afastada do senso comum, necessita no entanto de ser creditada pelas instituições
científicas que emitem "os passaportes de entrada no círculo dos pares de
uma disciplina".
As instituições científicas são pois um segundo elemento existente na definição
de cultura científica. Estas reúnem os cientistas em "famílias
disciplinares" defendendo e gerindo os seus interesses, asseguram o
trabalho científico nas melhores condições possíveis, controlam a qualidade de
pesquisa, comunicam nacional ou internacionalmente os seus resultados. Possuidoras
de legitimidade e de poder económico constituem o poder científico, asseguram a
continuidade de uma disciplina, doseiam a integração de novos saberes,
constituem-se em guardiãs das ortodoxias, das "verdades", da
determinação das fronteiras do conhecimento, da gestão das carreiras dos seus
actores.
A ciência hoje gere também os seus públicos constituindo-se como
"verdadeiras empresas específicas de produção, reprodução e tratamento
estratégico da informação" ...observando com rigor "o seu vector
essencial: as linguagens especializadas ... com acesso estritamente
regulamentado" (Fayard, 1988: 20) e abrindo-as para esferas de não
especialistas quer através de processos de iniciação empreendidos pelas
escolas, quer através de processos de encenação e de comunicação científica
dirigida para grandes públicos.
As imagens nestes contextos servem os objectivos e as estratégias das ciências (12) :
Em primeiro lugar têm uma função cumulativa, isto é, tendo um património continuamente
enriquecido com novas produções, a instituição científica tem de motivar
criadores a novas produções e integrá-las através do seu sistema de controlo. As
imagens poderão assim constituir bancos de dados ou documentos visuais que
possam servir e sustentar ulteriormente investigações; ou produtos acabados
dirigidos à comunidade científica, com mais preocupações de rigor e de
exactidão mais do que de acessibilidade. Obras de autor, objecto de estudo, de
comparação, de reinterpretação, em que a fidelidade ao objecto e a metodologia
rigorosa de controlo lhe permitam entrar no domínio do reconhecível pela
instituição científica, as características da "linguagem" são
frequentemente herméticas embora em determinados campos científicos mais abertas.
O segundo público da ciência é o conjunto dos iniciados, os estudantes, o
sistema de ensino. Ao filme científico (13) para o
ensino, ou ao produto audiovisual que vai tomando formas cada vez mais
diversificadas, atribuímos-lhe essencialmente três posições institucionais:
A. Filme ou audiovisual para ensino directo, isto é, utilizado numa situação
institucional de sala de aula, ou de trabalho individual e de grupo na biblioteca,
videoteca ou mediateca da instituição educativa ou científica.
A linguagem científica, os seus conceitos e processos, não são os do quotidiano
os do senso comum por isso a dificuldade de adesão e de compreensão da
linguagem científica. A utilização da imagem parecia pois ser um meio que
poderia garantir mais eficácia, tornando-a mais acessível aos alunos. O filme e
o audiovisual na educação serviam para mostrar, demonstrar ou analisar
processos dinâmicos, acontecimentos do passado, para visualizar experiências
caras ou difíceis de repetir, ou acontecimentos dificilmente repetíveis. Serviam
também para transmitir informação estruturada (filme didáctico); fazer a
apresentação prévia de interrogações, situações e problemas que possam
tornar-se objecto de trabalho de uma aula ou de uma unidade de
ensino/aprendizagem a partir da análise do filme apresentado; recapitulação e
síntese de actividades de uma unidade de ensino; poderiam ter ainda um função
problematizadora para resolução em trabalho de grupo, ou de pesquisa através de
outros meios complementares (Tosi, 1987:51,52).
Os investigadores actuais apontam (14) três
etapas sobre a utilização dos meios no ensino, nomeadamente os meios
audiovisuais e portanto o que denominamos neste trabalho por filme científico
em determinado "enquadramento de comunicação".
A primeira, anos 60, denominada por Area Moreira (1991:33-88), como perspectiva
técnico-empírica. Pressupunha-se que cada meio, ao ser uma entidade mais ou
menos invariável de atributos estáveis e fixos, permitiria identificar os
efeitos diferenciais entre si, facilitando assim a selecção dos mais eficazes
para o ensino; tornar-se-ia assim possível identificar que meios seriam os
pertinentes para determinadas matérias ou condições de ensino; supunha-se que
as conclusões ou descobertas da investigação trariam consequências imediatas e
seriam facilmente aplicáveis para a solução de problemas.
Nos anos 70, o objecto de pesquisa passava do hardware, dos aparelhos, para as
linguagens, perspectiva simbólico-interactiva. Procurava-se descobrir que
efeitos produzem determinadas modalidades e estruturações simbólicas em função
das características dos sujeitos realizando tarefas específicas: as
investigações mostravam que alterando a tecnologia, mantendo as demais
componentes da situação (conteúdo, tarefa, estruturação simbólica), os seus
efeitos na aprendizagem eram depreciáveis; que o impacto dos meios na
aprendizagem não estava tanto nas mensagens como na forma de as codificar.
Concluía-se numa terceira fase a necessidade de interacção entre a estruturação
simbólica das mensagens, as características cognitivas do sujeito e os
contextos dos alunos receptores. A partir deste pressuposto estruturavam-se
três modelos de utilização dos meios:
- O primeiro, partia da concepção do curriculum para o desenvolvimento dos
meios: elaboração do curriculum, selecção e organização dos componentes,
estratégias utilizadas, meios integrados na totalidade da realidade curricular;
- O segundo, modelo técnico racional, em que os materiais funcionavam como
instrumentos de garantia à fidelidade curricular. A responsabilidade da sua
produção pertencia agora a peritos na concepção dos meios - não seria da
competência dos professores que não dispõem de conhecimentos e habilidades para
os conceber e produzir. Este modelo, responsável pelo manual, poderia ter
alguns inconvenientes no ensino directo: desprofissionalização dos professores
que se tornavam meros executores e administradores do saber do livro, promoviam
a unidireccionalidade e standardização da aprendizagem, garantiam no entanto o
controlo curricular;
- No terceiro modelo, a produção dos meios fazia parte das tarefas de concepção
curricular. Sugeria-se assim uma concepção alternativa de natureza mais
participativa da parte do professor e integradora na realidade local: os meios
tornavam-se recurso de apoio ao professor para o desenvolvimento curricular. Este
modelo poderia integrar materiais diversificados produzidos localmente, os
procedentes dos meios de comunicação de massa; potencializar o intercâmbio e
distribuição de meios; possibilitar estratégias pessoais do professor. Esta
situação ao criar uma maior autonomia do professor, reponsabiliza-o e cria-lhe
novas exigências e necessidades de formação na concepção e produção dos meios.
B. Filme ou audiovisual para ensino a distância, difundido por antena ou para
utilização do aluno, integrado com outros materiais nomeadamente escritos e
enquadrado num processo que, embora de maior autonomia que o anterior, tem
possibilidade de acesso a pares para debate e discussão de temas polémicos e
complexos e de consulta ao professor ou tutor.
Para a Open University (Tosi,1987:177,178) a utilização do filme ou do
audiovisual no ensino destinar-se-ia a:
- apresentar experiências e demonstrações que de outro modo se tornavam
difíceis ou inacessíveis aos alunos;
- mostrar objectos, acontecimentos e lugares que o estudante normalmente não
pode observar: vistas aéreas, experiências em laboratórios especializados,
comportamentos humanos ou animais, objectos museológicos ou de difícil acesso
aos alunos;
- tornar observáveis acontecimentos que só o podem ser através da
instrumentação audiovisual devido à velocidade alta (percurso de um projéctil,
micro acontecimento desportivo, acidente de trabalho, explosões, reacções
químicas, etc), ou baixas (desabrochar de uma flor, crescimento e tropismos das
plantas, crescimento urbano);
- fazer a apresentação real dos processos de investigação avançada: processos
enquanto se realizam - instrumentação, actores, gestos materiais (técnicos) e
rituais do processo;
- explicar conceitos de difícil compreensão através de diagramas e de modelos
animados;
- apresentar cientistas eminentes, apresentando ou debatendo os seus trabalhos;
- apresentar o bom professor durante o seu trabalho.
C. Filmes ou audiovisuais produzidos pelos professores e pelos alunos, ou por
ambos conjuntamente, no âmbito das actividades escolares ou extra-escolares mas
que tenham como objecto temas de natureza científica. Normalmente realizados
com materiais amadores e que, com o desenvolvimento dos equipamentos
videográficos e da sua integração com os meios informáticos, permitem elaborar
trabalhos com qualidade científica, técnica e estética satisfatória.
A utilização destes meios permite a animação de clubes de pesquisa e produção
de filmes ou videogramas; estes podem contribuir para uma memória viva do
trabalho desenvolvido na escola, fácil e agradavelmente acessível a futuras
gerações de alunos, bastando para isso um minucioso trabalho de armazenamento,
catalogação e conservação; criador de desafios de avaliação e superação do já
produzido; motivar trocas com outras escolas envolvidas em projectos de
natureza semelhante e contribuir para a criação de redes de
video-correspondência nacionais e internacionais; organização de mostras
locais, regionais, nacionais e internacionais de filmes científicos realizados
por alunos e professores, promovendo a consequente abertura da escola à
comunidade; contributo, mais acentuadamente a partir do filme etnográfico e do
estudo das culturas locais ou das micro culturas grupais, para uma educação
intercultural, interétnica - para a valorização e enriquecimento através das
diferenças culturais; se associados à criatividade científica - a ciência
constitui hoje a actividade criadora por excelência do espírito moderno -, à
criatividade plástica de utilização e trabalho com dois meios da arte
contemporânea, o vídeo e a informática, poderemos concluir que esta actividade
constitui também um processo de educação para a criatividade e de educação pela
arte, para a educação mediática que "consistiria em recuperar, catalisar,
orientar a energia criativa bergsoniana, jubilation (15) (alegria
criativa), ao serviço da activação da distanciação dialéctica" (Michel,
1992:334).
Filme ou audiovisual educativo também o entendemos como documento. A utilização
deste em sala de aula, produzido pelos alunos ou pelo professor, constitui
instrumentação importante a ter em conta em metodologias de projecto, em
métodos de pesquisa, na valorização da observação em diferido, na análise
minuciosa da imagem, no desenvolvimento de trabalho de grupo e sobretudo na
ligação do estudo à observação da realidade. Pode ser utilizado para estudo a
distância de um mesmo problema por várias instituições, por grupos a distância,
etc. É a exploração da realidade exterior à escola com a câmara de vídeo, para
na aula procedermos a uma observação em diferido, anotarmos as conclusões,
nomeadamente as insuficiências dos registos para refazermos outros,
posteriores, mais completos até à elaboração de conclusões e de um produto
provisoriamente final, como, na realidade, é o espírito científico, ao elaborar
sempre conclusões provisórias, progredindo nas explicações, não eliminando,
porém, as contradições, as zonas de penumbra e as incertezas. Este assunto foi
posteriormente desenvolvido na metodologia da "antropologia visual" e
nas experiências realizadas.
O Filme Científico para o Grande
Público
Abordamos finalmente a
comunicação científica através do filme para o grande público, o que hoje se
evita chamar divulgação científica. Procuraremos apenas encontrar algumas
razões desta necessidade de expor a ciência ao grande público. Concordamos com
Paul Caro (16)
quando afirma que a indústria é um factor poderoso de difusão da cultura
científica e técnica para a sociedade, porque utiliza instrumentos científicos,
transformando-os em objectos que vão servir na vida quotidiana. A aplicação das
descobertas científicas na sociedade faz-se sob a forma de caixa negra, uma vez
que não se sabe como funciona. A indústria dá ideia de que uma certa magia é
possível, pois apenas observamos os objectos sem sabermos como são feitos. Ao
fabricar estas caixas negras, reforça-se um pouco a opacidade do sistema
científico.
Por outro lado, os museus da ciência e o espectáculo científico não reduzem
muito esta opacidade, celebram o seu poder, são como símbolos do sistema
científico, traduzem a majestade da ciência enquanto instrumento que permite um
exercício de um poder, afirma Paul Caro.
O filme científico dirigido para o grande público constitui uma necessidade da
ciência e do cidadão.
Em primeiro lugar, tem a ver com a criação e aprofundamento de uma sociedade de
cidadãos, baseada nos valores democráticos, no conhecimento e compreensão dos
problemas das sociedades visando a participação nas escolhas científicas,
técnicas, económicas, educacionais, etc.. Visando o controlo das decisões, o
saber científico, veiculado pelos meios de comunicação (entre os quais o filme
científico - televisão - ocupa lugar privilegiado), afirma-se como um quarto
poder da informação ao mesmo tempo que desempenha uma função de quase ensino,
actualizando os conhecimentos do público.
Em segundo lugar, o filme científico constitui como que uma estratégia de influência.
Assemelha-se à comunicação de uma empresa, tem de comunicar para existir. Nesta
situação tudo comunica: os produtos (discursos científicos), a organização, os
actores (cientistas, gestores), os processos científicos, os equipamentos e
tecnologias. Trata-se de identificar a cultura da instituição científica e do
seu projecto, de definir uma estratégia global de comunicação, de concretizar
uma política de coerência e sinergia de meios capaz de criar junto do público
uma imagem forte e coerente, geradora de confiança, motivando para a
participação, para a acção, enfim para a conquista das pessoas para o seu
projecto. Visa assegurar o prestígio da instituição e através deste obter
financiamentos e cooperação para projectos.
Em terceiro lugar, a utilidade do filme científico para grandes públicos tem a
ver com o desenvolvimento das sociedades contemporâneas: por uma lado contribui
para a mobilização das competências profissionais para o desenvolvimento; por
outro lado antecipa a chegada às instituições escolares dos novos saberes e
tecnologias pela informação e demonstração, motiva para a criação de ateliers e
clubes científicos, estágios e formação de animação científica susceptíveis,
eles próprios, de serem mediatizados e divulgados.
Numa época de crise das ideologias e de desacralização das crenças, como a
nossa, a ciência constitui um valor de referência, isto é, permite explicar o
mundo, compreender e orientar-se nele. "O discurso científico conquistou a
legitimidade de definir a interpretação do real graças aos seus métodos e
instrumentos. Centraliza em si a autoridade que lhe permite dizer a
constituição do universo e onde se situa o lugar do homem na sua história"
(Fayard, 1988:76). Ocupa hoje um lugar semelhante à religião e ao mito,
baseando-se na lógica dos heróis e das estrelas; mas funciona também como
intermediário entre o real quotidiano e o essencial da interpretação ou da
crença. Neste sentido é-lhe pedido que forneça, aos grandes públicos, dados
para um sistema de valores, que confira sentido e significado às mutações,
rupturas, desequilíbrios. O filme científico para o grande público não pode
apenas celebrar o mito, tem de "saber interrogar-se sobre os pressupostos
ideológicos e filosóficos que servem de base à sua actividade ... e as relações
implícitas que estabelece com o restante corpo social" (Fayard, 1988: 79);
promover a integração da multiplicidade das ciências na explicação dos
problemas; acentuar os valores éticos e humanos que controlem o curso e as
consequências dos processos de antecipação e construção do futuro empreendidos
pela ciência; apresentar os limites da ciências "o novo espírito
científico consiste em fazer progredir a explicação, não em eliminar a
incerteza e a contradição" (Morin, 1982:180), exercendo um olhar crítico e
epistemológico.
O filme científico de divulgação pode contribuir para o desenvolvimento de uma
cultura científica e esta para a redução de conflitos de interesse que venham a
manifestar-se entre o individual e o social, o individual e o político. Estes,
podem diluir-se com o desenvolvimento de uma cultura científica, uma vez que a
compreensão da ciência e da tecnologia é útil para todos os que vivem numa
sociedade. Os indivíduos informados estão mais apetrechados para tomar decisões
em matérias como o consumo, a segurança pessoal, a formação profissional, os
cuidados de saúde, a influência de decisões, e para se tornarem cidadãos
activos e eficazes. As instituições, os produtores, a sociedade beneficiam
desta actividade: uma economia de mercado tecnologicamente avançada requer
consumidores com um mínimo de bagagem científica, assim como o direito de
influenciar decisões, ou o exercício de uma profissão ou de uma competência
técnica, social ou profissional.
Notas:
1) Esta
função abre as vias de exploração mais diversas e cria uma nova atitude de
espírito "o pensar através das representações que geralmente traduziam o
que os artistas queriam ver" (Collier, 1973:4) era substituído pela
"observação em diferido" pela análise minuciosa da imagem (impressão)
fotográfica como índice do referente.
2) Exploração sistemática, através da fotografia, das
velhas ruas de Paris, destinadas à demolição para posterior implantação dos
projectos de Haussman em 1959; mais tarde o interesse pela fotografia de
arquitectura ou de engenharia de pontes, estações, vias de caminho de ferro.
3) A fotografia médica teve um desenvolvimento
considerável no séc. XIX, esta, essencialmente, testemunha as descobertas que
não cessam de se multiplicar. A sua superioridade em relação ao desenho era a
característica de autenticidade da transcrição ou impressão. Com o
desenvolvimento dos raios X e dos infravermelhos a fotografia permitia ver o
até aí inacessível, o interior, e servir de auxiliar de diagnóstico. A
fotografia médica serviu ainda para organizar arquivos iconográficos dos
acidentes ou aberrações, hoje diferenças, da natureza humana (Examen d' un
Hermaphrodite, Nadar 1860) (Heilbrun, 1989:185- 186 e 197).
4) A investigação através da fotografia "do
infinitamente pequeno e do infinitamente grande", graças à invenção do
microscópio e do telescópio, desenvolve-se a partir de 1850, constitui como que
um sistema do abstracto, uma "arte" abstracta, aparentemente
desnudado de qualquer sentido de representação figurativa, uma vez que
reproduzia motivos que não pertenciam aos esquemas mentais criados a partir da
realidade existente do mundo visível; constitui, no entanto, a afirmação
realista da natureza por uma infinidade de conteúdos estranhos à nossa
percepção. A fotografia astronómica confirma, através da representação
fotográfica, a forma redonda da terra, as fotografias da superfície do sol, do
espectro das estrelas, as imagens da lua servem também objectivos científicos. Mas
o "infinitamente pequeno e o infinitamente grande" representado na
fotografia alimenta também um imaginário abstracto, que os artistas plásticos
não deixarão de explorar na "arte abstracta" (Néagu, 1989:215-219).
5) A vida, obra e contexto social e artístico da sua
obra e as técnicas de fotomontagem utilizadas por John Heartfileld estão
documentadas no filme citado. O processo de fotomontagem, associação de
fotografias ou elementos de fotografias diferentes numa só, com o intenção de
criar uma significação diferente é semelhante ao da montagem no cinema,
distinguem-se essencialmente pelo facto de uma ter uma dimensão espacial e
outra uma dimensão temporal (Helmut, 1977).
6)O nome de cinematógrafo não foi inventado ou
utilizado apenas pelos irmãos Lumière, há dois aparelhos patenteados em França
com esse nome por Guilhaume Bouly que permitiam quer a filmagem quer a
projecção e outro nos Estados Unidos construido por Acmé Le Roy. Aqui
entendemos por cinematógrafo o aparelho simultaneamente de registo e projecção,
utilizando película fotográfica de 35 mm perfurada, (perfurações redondas)
concebido por Louis e Auguste Lumière, considerado ainda hoje um extraordinário
objecto de design, executado em série por Julles Carpentier. O aparelho está
minuciosamente descrito no videograma indicado na filmografia (Naden:1980)
(transmitido na RTP) e no registo de patente formulado pelos conceptores e
transcrito em Costa (1988:160-163).
7) Aparelho inventado pelo fisiologista francês
Étienne-Jules Marey para estudo do movimento. Este fisiologista, interessado
nos resultados conseguidos por Muybridge e pela invenção do astrónomo Janssem
de um aparelho para estudo do movimento dos astros que denominou revólver
fotográfico, construiu vários aparelhos dos quais o mais eficaz para o objecto
da sua pesquisa foi o cronofotógrafo que permitia registos temporizados de
objectos, animais ou pessoas desde que pintados ou vestidos de branco, passando
sobre fundo rigorosamente negro. O fisiologista conseguia assim esquematizar o
movimento.
8) Gurbern (1987:256, 257) apresenta uma síntese da
pesquisa acerca da percepção do movimento no cinema, referenciando um recente
trabalho de Joseph e Barbara Anderson "The Motion Perception in Motion
Pictures" publicado em "The Cinematic Apparatus" de Teresa de
Lauretis e Stephen Healt, Londres, 1980. " Os estímulos luminosos activados
em intervalos cada vez mais breves produzem cinco modalidades de percepção
sucessivas no observador: simultaneidade, movimento parcial, movimento óptico,
movimento phi e sucessão. É precisamente o fenómeno phi o responsável da ilusão
da imagem cinematográfica e formula-se, explicando, que quando se olha um
número de detalhes luminosos por segundo até alcançar uma frequência chamada de
fusão, então o processamento mental da informação no cérebro transforma o
estímulo descontínuo numa projecção de luz contínua e estável"
9) Esta data é diferentemente apontada por diversos
autores: uma recente "Cronologia dos Suportes Audiovisuais" elaborada
por Frantz Schmit, Março de 1992, publicada como documento inédito pelo INA
-Dossiers de l'Audiovisuel, Nº 45 Outubro de 1992 indica a data de 1827, Freund
(1989:37), indica 1826, outras datas são ainda sugeridas por outros autores:
1816.
10) A comunicação à academia transcrita em (Costa,
1988:103,104) referia a ideia de que captando uma série de imagens a intervalos
regulares muito curtos, através do aparelho que concebera, revolver
fotográfico, poderia observar o movimento dos astros (contactos na passagem do
planeta Vénus).
11) Philippe Roqueplo apresenta uma metáfora acerca
desta especialização: Se no oceano só existem peixes de tamanho inferior a 5 cm
não poderemos pescar com redes de 5 cm. Urge para aceder à matéria, modificar a
"espessura da aparelhagem e das instalações complexas e das teorias que as
organizam" (Fayard, 1988: 15).
12) Francine Prevost do Centro Científico da
Universidade de Orsay, participante activa em festivais do filme científico,
apresenta orientações pragmáticas do Centro em relação ao filme científico:
servem objectivos de "comunicação - promoção", de apoio ao ensino, de
instrumento ao serviço da pesquisa, contributo à memória colectiva e à vocação
pedagógica (testemunho de pesquisa), janela aberta sobre o mundo (serviço de
videoteca da Universidade), apresentador dos grandes pensadores científicos
(promoção de "stars" científicos), objecto de formação (no
departamento de ciências e técnicas físicas e desportivas, STAPS, (matéria
ensinada, instrumento pedagógico e de análise do comportamento desportivo em
directo e em diferido) (1988:14,15).
13) Entendemos por filme científico "a obra
audiovisual que permite a aquisição ou a comunicação de um saber do domínio de
qualquer área da ciência e que testemunha uma abordagem científica a um
objecto, ou assunto determinado " (Meusy, 1986:23) quer o seu suporte seja
óptico - químico, ou electromagnético - analógico ou digital. Estes abrangem um
espectro de produtos largamente diversificados que vão dos documentos de
pesquisa aos filmes de divulgação diferenciados entre si pelo que Francesco
Cassetti denomina de "enquadramento de comunicação" entendido estes
como tipo ou género e posição institucional.
14) Almenara, (1989: 23-43) apresenta estas mesmas
três etapas em cinco momentos: o primeiro, que denomina de "etapa
pré-histórica", caracterizado pelo pouco desenvolvimento dos meios e do
"primado do livro", punha-se, no entanto, a hipótese de criação de
outros meios, não verbais, para o ensino das crianças; o segundo momento é o da
sobrevalorização dos meios, paráfrase bíblica de Kaufman "no princípio
eram os meios", o desenvolvimento das ciências físicas e da engenharia
contribuíram para a reprodutividade técnica de imagens e do desenvolvimento dos
meios técnicos e os consequente fascínio que estes criam; o terceiro momento é
baseado na valorização dos estímulos e na psicologia do comportamento, deu origem
às máquinas de ensinar e ao ensino programado, ao aperfeiçoamentos das
linguagens, dos sistemas simbólicos (modelo cibernético); o quarto momento é o
da perspectiva sistémica, de natureza processual, baseada na análise e
definição do problema, selecção ou concepção de uma solução a partir de um
conjunto de alternativas, implantação, gestão, avaliação e revisão, e,
finalmente a implementação e o controlo; o quinto momento é um movimento
renovador e de aperfeiçoamento do anterior, mais reflexivo e baseado sobretudo
em encontrar as bases filosóficas do modelo sistémico e a sua abordagem
pluridisciplinar e holística, isto é, depende da percepção global do problema,
da metodologia projectual.
15) Sentimento resultante da criação pessoal, energia
bergsoniana de superação do dipolo autodistanciação/Identificação, projecção,
transferência, em relação aos media, para outro dipolo mais libertador da
criação - actividade criativa alargada - integração/ apropriação (Michel, 1992:
248,249).
16) Paul Caro é um dos responsáveis científicos do
"Museé des Sciences La Villette", as afirmações referidas foram
feitas na sua conferência "Le "Mandala" de la Vulgarisation
Scientifique", colóquio "La Culture Scientifique, Porquoi,
Comment", em Março de 1992, Institut Franco-Portugais, Lisboa.
Bibliografia
ALMASY, Paul (1986), " Les
Pouvoirs de L'Image Photografique" em Communication et Langages, nº 70,
Paris.
ALMENARA, J. Cabero (1989), Tecnología Educativa: Utilización Didáctica del
Vídeo, 1ª ed., PPU, Barcelona.
ALSINA, Miguel Rodrigo (1989), Los Modelos de la Comunicación, Editorial
Tecnos, Madrid.
ANCESCHI, BAUDRILLARD, Allii (1990) Videoculturas de fin de siglo, Ed. Cátedra,
Madrid.
ARENAS-GONZALES, José Manuel e ALMENARA, Júlio (1990) " El Video en la
Aula " em Revista de Educación nº 291 e 292.
ARISTARCO, Guido e Teresa (1990) O Novo Mundo das Imagens Electrónicas, Arte e
Comunicação, Ed. 70., Lisboa.
ARISTU, Jesús H. (1984) Acción Comunicativa e Intervención Social - Trabajo
Social, Educación Social, Supervisión, Editorial Popular, S.A., Madrid.
AUMONT, Jacques (1991) L'Image, Ed. Nathan, Paris.
BALANDIER, Georges (1987) "Images, Images, Images", em Cahiers
Internationaux de Sociologie, vol LXXXII - Nouvelles Images Nouveau Réel, PUF,
Paris.
BARTHES, Roland (1973) Mitologias,
Edições 70, Lisboa.
BARTHES, Roland (1981) A Câmara Clara, Edições 70, Lisboa.
BARTOLOMÉ, Antonio R. (1989) Nuevas Tecnologias y Enseñanza, 1ª ed., Editorial
Graó, Barcelona.
BARTOLOMÉ, Antonio R. (1990) Video Interactivo, Editorial Laertes, Barcelona
BOUHOT, Gérard e PAILLÉ - " La part du cinéaste e du Scientifique
",em Films & Documents nº 364, Féderation Française du Cinéma
Educatif.
BOURDIEU, Pierre (1965) Un Art Moyen - Essai sur les Usages Sociaux de
la Photographie, 2ª ed., Ed. de Minuit, Paris.
BOURRON, Y.; CHAPUIS, Jean-Pierre; CANONVILLE, C.; COLIN, P. (1988) Audiovisuel
- Mode D' Emploi Langage et Pratique, Les Editions D' Organisation, Paris.
BOURRON, Y.; DENNEVILLE, J. (1991) Se Voir en Vidéo - Pédagogie de l'
Autoscopie, Les Editions D' Organisation, Paris.
CORNARD, Jérome (1975) " Sur
deux films de Dziga Vertov: Kino Glaz et L' Homme à la Camera" em La Revue
du Cinema, Image et Son, 297, 55-62.
COSTA, Henrique Alves (1988) - A Longa Caminhada para a Invenção do
Cinematógrafo, Cineclube do Porto.
COUSIN, Jean-Pierre (1991)- En Diagonale, vingt ans de recherches sur
l'image au Cinéma, Art Press/H. S. 12, Paris.
CREMONINI, Giorgio (1983) La Scena e
il Montaggio Cinematografico, Società Editrice il Mulino, Bologna.
DE FRANCE, Claudine (1983) - " L' Analyse Praxiologique, Ordre et
Articulation D'un Procés ", em Techniques et Culture nº1, pp147-170.
DUBOIS, Philippe (1991) O Acto Fotográfico, Vega, Lisboa.
EGLY, Max (1986) "Argumentation et Persuasion. La Polysémie est-elle soluble dans le totalitarisme?",
DIMED 86, pp 247 a 285 Instituto Português de Ensino a Distância, Lisboa.
FAYARD, Pierre (1989) La Communication Scientifique Publique - De la
Vulgarisation à la Médiatisation, Chronique Sociale, Lyon.
FREUND, Gisele (1989) Fotografia e Sociedade, Vega, Lisboa.
GAUTHIER, Guy (1986)- Veinte Lecciones sobre la Imagen y el Sentido, Catedra,
Madrid.
GUBERN, Román (1987) La Mirada Opulenta - Exploración de la Iconosfera
Contemporánea, Editorial Gustavo Gili, Barcelona.
MARIANO GAGO, José (1990) Manifesto para a Ciência em Portugal, 1ª ed.,
Gradiva, Lisboa.
MARSOLAIS, Gilles ( 1974 ) - L' Aventure du Cinéma Direct, Editions
Seghers, Paris.
MARTIN, Michel (1982) Sémiologie De
L'Image et Pédagogie, PUF, Paris.
MCDOUGALL, David (1979) "Au delà du Cinéma d'Observation", em Cahiers
de l'Homme - Pour une Anthropologie Visuelle, Mouton Editeur, Paris.
MEAD, Margaret (1979) "L'Anthropologie Visuelle dans une Discipline
Verbale", em Cahiers de l'Homme - Pour une Anthropologie Visuelle, Mouton
Editeur, Paris.
MICHEL, Jean-Luc (1992) - La Distanciation, Essai sur la société médiatique,
L'Harmattan.
MORIN, Edgar (1980) O Cinema ou o Homem Imaginário - Ensaio de Antropologia, 2ª
ed., Moraes Editores, Lisboa.
MORIN, Edgar (1982) Ciência com Consciência, Publicações Europa-América, Mem
Martins.
PESSIS, Georges (1989) Film et Vidéo - Miroirs de l'Entreprise, Les
Editions d'Organisation, Paris.
RIBEIRO, José (1993), Da Minúcia do
Olhar ao Olhar Distanciado. Dissertação de Mestrado em Comunicação Educacional
Multimédia, Universidade Aberta, Lisboa (texto policopiado).
SCHAEFFER, Jean-Marie (1990) La Imagem Precaria - Del Dispositivo Fotográfico,
Ed. Cátedra, Madrid.
SCHIELE, Bernard e BOUCHER, Louise - "L' Exposition Scientifique: Une
Manière de Représenter la Science" em Les Réprésentations Sociales,
Presses Universitaires de France, Paris.
TOSI, Virgilio (1986) - "Le Film Scientifique selon Gottingem", em
Cineaction nº38: 26-29.
TOSI, Virgilio (1987) - Manual de Cine Científico, Unam - Unesco, México.
TURKLE, Sherry (1989) O Segundo Eu - Os Computadores e o Espírito Humano, 1ª
ed., Editorial Presença, Lisboa.
Filmografia
BRISSOT, Jacques (1990), Image, CNRS Images Media, Antenne 2, Anabase
Productions.
HELMUT Herbert (1977), John Heartfield, Fotomonteur, Cinegrafifik, Hamburg e Elefant
Press, Berlim.
LABARTE, André S. e CHAPOUILÉ Jean-Marc (1995) Lumières, Ardèches Images
Production e Planète Cable.
LAJOUX, Jean Dominique (1973) Jules Etienne Maray, CNRS.
LEENNHARDT, Roget (1945), Naissance du Cinéma, Les Films du Compas.
NADEN, David (1980), The Brothers Lumiére, Georges Mélies, Edison, Granada
Television, UK.
José Ribeiro
Antropólogo
josesribeiro@mail.telepac.pt