Sobre uma Nova Lista de Categorias

 (Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences 7 (1868), pp. 287-298.)

(original em inglês)

 

Charles Sanders Peirce

 

(tradução de Anabela Gradim Alves, Universidade da Beira Interior) 

 

          Sec. 1. Este estudo baseia-se na  teoria, já estabelecida, de que a função dos conceitos é reduzir a multiplicidade das impressões sensíveis à unidade, e de que a validade de uma concepção consiste na impossibilidade de reduzir o conteúdo da consciência à unidade sem a sua introdução.

         Sec. 2. Esta teoria dá origem a uma concepção da gradação entre aqueles conceitos que são universais. Pois um desses conceitos pode unificar a pluralidade das impressões dos sentidos, e contudo um outro  pode ser necessário para unir o conceito e a multiplicidade à qual é aplicado; e assim por diante.

         Sec.3.  Que o conceito universal que está mais próximo dos sentidos é o do presente em geral. Trata-se de um conceito, porque é universal. Mas, como o acto da atenção não possui qualquer conotação, mas é o puro poder denotativo da mente — isto é, o poder que dirige a mente para um objecto, distinguindo-se assim do poder de pensar algum predicado desse objecto — assim, a concepção do que é presente em geral, que nada mais é do que o reconhecimento geral do que está contido na atenção, não possui qualquer conotação, e portanto não possui unidade própria. Desta concepção de presente em geral, de ISSO em geral, dá conta a linguagem filosófica através da palavra “substância” num dos seus sentidos. Antes que qualquer comparação ou discriminação possa ser feita entre o que está presente,  o que está presente tem de ter sido reconhecido como tal, como “isso”, e subsequentemente as partes metafísicas que são reconhecidas por abstracção são atribuídas a este “isso”, mas o “isso” não pode ele próprio ser transformado num predicado. Este “isso” não é então nem predicado de um sujeito, nem está num sujeito, e consequentemente é idêntico à concepção de substância.

         Sec. 4. A unidade à qual o entendimento reduz as impressões é a unidade de uma proposição. Esta unidade consiste na ligação do predicado com o sujeito; e, logo, aquilo que é implicado na cópula, ou a concepção de ser, é o que completa o trabalho dos conceitos de reduzir a multipicidade à unidade.  A cópula (ou antes o verbo que é cópula num dos seus sentidos) significa existência actual ou possível, tal como nas duas proposições “não existe qualquer grifo” e “um grifo é um quadrúpede alado”. O conceito de ser contém apenas aquela junção de predicado a um sujeito no qual estes dois verbos concordam. Consequentemente, a concepção de ser, claramente, não tem conteúdo.

         Se dizemos “o  forno é negro”, o forno é a substância, da qual a negritude não foi diferenciada, e o é, enquanto deixa a substância tal como foi vista, explica a sua indiferenciação, aplicando-lhe a negritude como um predicado.

         Embora o ser não afecte o sujeito, implica uma indefinida determinabilidade do predicado. Pois se alguém pudesse conhecer a cópula e o predicado de qualquer proposição, como “... é um homem com cauda”, saberia que o predicado é aplicável a alguma coisa suposta, pelo menos. De acordo com isto, temos proposições cujos sujeitos são inteiramente indefinidos, como “existe uma bela elipse”, onde o sujeito é meramente algo actual ou potencial; mas não existem proposições cujo predicado é inteiramente indeterminado, pois não teria sentido dizer “A tem características comuns a todas as coisas”, pois não existem tais características comuns a todas as coisas.

         Assim a substância e o ser são o princípio e o fim de todo o conceito. A substância é inaplicável a um predicado, e o ser é-o igualmente em relação a um sujeito.

         Sec. 5. Os termos “prescisão” e “abstracção”, que eram anteriormente aplicados a todo o tipo de separação, estão agora limitados, não meramente à separação mental, mas àquilo que brota da atenção para um elemento negligenciando outro. A atenção exclusiva consiste num conceito ou suposição definida de uma parte de um objecto, sem qualquer suposição de outra. A abstracção ou prescisão deve ser cuidadosamente distinguida de dois outros modos de separação mental, que podem ser chamados discriminação e dissociação. Discriminação tem a ver meramente com os sentidos dos termos, e apenas traça uma distinção no significado.  A dissociação é aquela separação que, na ausência de uma associação constante, é permitida pela lei de associação de imagens. É a consciência de uma coisa, sem a necessária simultânea consciência da outra. A abstracção ou prescisão, consequentemente, supõe uma separação maior que a discriminação, mas uma separação menor que a dissociação. Assim, posso discriminar o vermelho do azul, o espaço da cor, e a cor do espaço,  mas não o vermelho da cor. Posso abstrair o  vermelho do azul, e o espaço da cor (como é manifesto do facto de que acredito que existe um espaço incolor entre a minha face e a parede); mas não posso abstrair a cor do espaço, nem o vermelho da cor. Posso dissociar o vermelho do azul, mas não o espaço da cor, a cor do espaço, nem o vermelho da cor.

         A prescisão não é um processo recíproco. Sucede frequentemente que, enquanto A não pode ser prescindido de B, B pode ser prescindido de A. Dá-se conta desta circunstância da seguinte forma. Os conceitos elementares apenas surgem por ocorrência da experiência; isto é, são produzidos pela primeira vez de acordo com uma lei geral, da qual é condição a existência de certas impressões. Agora, se um conceito não reduz as impressões às quais se segue à unidade, é uma mera adição arbitrária a estas últimas; e os conceitos elementares não surgem assim arbitrariamente. Mas se as impressões pudessem ser definidamente compreendidas sem o conceito, este último não as reduziria à unidade. Donde as impressões (ou conceitos mais imediatos) não podem ser claramente concebidas ou objecto de atenção, negligenciando um conceito elementar que as reduz à unidade. Por outro lado, quando tal conceito foi obtido, não há, em geral, razão para que as premissas que o ocasionaram não devam ser negligenciadas, e consequentemente o conceito explicativo pode frequentemente ser prescindido dos conceitos mais imediatos e das impressões.

         Sec. 6. Os factos agora coligidos constituem a base para um método sistemático de pesquisa com vista a descobrir quaisquer conceitos universais elementares que possam intermediar entre a pluralidade da substância e a unidade do ser. Foi mostrado que a ocasião da introdução de um conceito universal elementar é, ou a redução da pluralidade da substância à unidade, ou a junção à substância de outro conceito. E foi ainda mostrado que os elementos conjuntos não podem ser supostos sem o conceito, enquanto o conceito pode geralmente ser suposto sem estes elementos. Agora, a psicologia empírica descobre a ocasião de introdução de um conceito, e apenas temos de averiguar que conceito já reside nos dados que são unidos ao de substância pelo primeiro conceito, e que não pode ser suposto sem este primeiro conceito, para encontrar o conceito  seguinte na ordem ao passarmos do ser à substância.

         Pode observar-se que, ao longo deste processo, não se recorre à introspecção. Nada se assume a  respeito dos elementos subjectivos de consciência que não possa ser seguramente inferido a partir dos elementos objectivos.

         Sec. 7. O conceito  de ser surge na formação de uma proposição. Uma proposição tem sempre, além de um termo para expressar a substância, um outro para expressar a qualidade dessa substância; e a função do conceito de ser é unir a qualidade à substância. Consequentemente, a qualidade, no seu sentido mais amplo, é o primeiro conceito na ordem, ao passarmos do ser à substância.

         A qualidade parece, à primeira vista, ser dada na impressão. Tais resultados da introspecção não são fiáveis. Uma proposição asserta a aplicabilidade de um conceito mediato a um conceito mais imediato.  Uma vez que isto é asserido, o conceito mais mediato é claramente encarado independentemente desta circunstância, pois de outro modo os dois conceitos não se distinguiriam, mas um seria pensado através do outro, sem que este último fosse de todo objecto de pensamento. O conceito mediato, então, para que possa ser asserido que é aplicável ao outro, tem primeiro de ser considerado sem relação a esta circunstância, e tomado imediatamente. Mas, tomado imediatamente, transcende o que é dado (o conceito mais imediato), e a sua aplicabilidade ao último é hipotética. Tome-se, por exemplo, a proposição “Este forno é negro”. Aqui o conceito de forno é o mais imediato, e o de negro a mais mediato, sendo que este último, para ser predicado do primeiro, tem de ser discriminado dele e considerado em si (1), não como aplicado a um objecto, mas simplesmente como incorporando uma qualidade, negritude. Agora, esta negritude é uma espécie pura ou abstracção, e a sua aplicação a este forno é inteiramente hipotética. Significa-se a mesma coisa com “o forno é negro” e com “há negritude no forno”. Incorporar a negritude é o equivalente de ser negro. A prova é esta: estes conceitos são indiferentemente aplicados  precisamente aos mesmos factos. Se, consequentemente, fossem diferentes, aquele que foi primeiro aplicado preencheria toda a função do outro; de forma que um deles seria supérfluo. Agora, um conceito supérfluo é uma ficção arbitrária, enquanto os conceitos elementares surgem apenas da exigência da experiência; de forma que um conceito elementar supérfluo é impossível. Mais ainda, o conceito de uma abstracção pura é indispensável, porque não podemos compreender um acordo de duas coisas, excepto como um acordo a respeito de algo, e este respeito é uma abstracção tão pura como a negritude. Uma abstracção tão pura, referência à qual constitui uma qualidade ou atributo geral, pode ser chamada um fundamento.

         A referência a um fundamento não pode ser prescindida do ser, mas o ser pode ser prescindido dela.
 
        Sec. 8. A psicologia empírica estabeleceu o facto de que apenas podemos conhecer uma qualidade por meio do seu contraste ou semelhança com outra qualidade. Por contraste e acordo uma coisa é referida a um correlato, se  este termo for utilizado num sentido mais abrangente que o habitual. A ocasião da introdução do conceito de referência a um fundamento é a referência a um correlato, e este é, consequentemente, o conceito seguinte na ordem da passagem do ser à substância.

    A referência a um correlato não pode ser prescindida da referência a um fundamento; mas a referência a um fundamento pode ser prescindida da referência a um correlato.

         Sec. 9.  A ocasião de referência a um correlato é obviamente feita por comparação. Este acto não tem sido suficientemente estudado pelos psicólogos, e será necessário, consequentemente, aduzir alguns exemplos para mostrar em que consiste. Suponhamos que desejamos comparar as letras p e b. Podemos imaginar que uma delas é virada sobre a linha de escrita que funciona como um eixo, e depois sobreposta à outra, e finalmente que se torne transparente de forma a que a outra possa ser vista através dela. Deste modo, formaremos uma nova imagem que media entre as imagens das duas letras, enquanto representa uma delas como sendo (quando voltada) a semelhança da outra. Novamente, suponhamos que pensamos num assassino como estando em relação com uma pessoa assassinada; neste caso concebemos o acto do assassínio, e nesta concepção é representado que correspondendo a todo o assassino (bem como a todo o assassínio) existe uma pessoa assassinada; e assim recorremos novamente a uma representação mediadora que representa o relacionado como estando por um correlato com o qual a representação mediadora está ela própria em relação. Novamente, suponhamos que vamos procurar a palavra homme num dicionário francês; encontraremos oposta a ela a palavra homem, que assim colocada, representa homme como representando a mesma criatura bípede que o próprio homem representa. Por uma posterior acumulação de exemplos, descobrir-se-á que toda a comparação requer, para além da coisa relacionada, do fundamento, e do correlato, também uma representação mediadora que representa o relacionado como sendo uma representação do mesmo correlato que esta representação mediadora ela própria representa. Tal representação mediadora pode ser chamada interpretante, porque desempenha a função de um intérprete, que diz que um estrangeiro diz a mesma coisa que ele próprio diz. O termo representação deve aqui ser tomado num sentido muito extenso, que pode ser explicado por exemplos muito melhor que por uma definição. Neste sentido, uma palavra representa uma coisa para o conceito na mente do ouvinte, um retrato representa uma pessoa à pessoa a quem pretende criar o conceito de reconhecimento, um catavento representa a direcção do vento para o conceito daquele que o compreende, um advogado representa o seu cliente para o juiz e o júri que ele influencia.

         Toda a referência a um correlato, então, reune à substância o conceito de  referência a um interpretante; e este é, consequentemente, o conceito seguinte na ordem da passagem do ser à substância.

         A referência a um interpretante não pode ser prescindida da referência a um correlato; mas a última pode ser prescindida da primeira.
 
         Sec. 10. A referência a um interpretante é tornada possível e justificada por aquilo que torna possível e justifica a comparação, e isso é claramente a diversidade das impressões. Se só possuíssemos apenas uma impressão, esta não requeriria ser reduzida à unidade, e não necessitaria, consequentemente, de ser pensada como referida a um interpretante, e o conceito de referência a um interpretante não surgiria. Mas como existe uma pluralidade de impressões, temos um sentimento de complicação ou confusão, que nos conduz a diferenciar esta impressão daquela, e então, tendo sido diferenciadas, elas exigem ser conduzidas à unidade. Agora elas não são conduzidas à unidade até que as concebamos conjuntamente como sendo nossas, isto é, até que as refiramos a um conceito que seja seu interpretante. Assim, a referência a um interpretante surge a partir da junção de diversas impressões, e consequentemente não reúne um conceito à substância, como as outras duas referências fazem, mas une directamente a pluralidade da própria substância. É, consequentemente, o último conceito na ordem da passagem do ser para a substância.

         Sec. 11. Os cinco conceitos assim obtidos, por razões que serão suficientemente óbvias, podem ser chamados categorias. Isto é,

         SER

         Qualidade (Referência a um Fundamento),
         Relação (Referência a um Correlato)
         Representação (Referência a um Interpretante)

         SUBSTÂNCIA

   Os três conceitos intermédios podem ser chamados acidentes.

         Sec. 12. Esta passagem do múltiplo para o uno é numérica. O conceito de um terceiro é o de um objecto que está de tal forma relacionado a dois outros, que um destes tem de ser relacionado com o outro da mesma forma  que o terceiro é relacionado com esse outro. Agora, isto coincide com o conceito de um interpretante. Um outro é claramente equivalente a um correlato. O conceito de segundo difere do de outro, ao implicar a possibilidade de um terceiro. Do mesmo modo, o conceito de si próprio implica a possibilidade de um outro. O Fundamento é o eu abstraído da concretude que implica a possibilidade de um outro.

         Sec. 13. Uma vez que nenhuma das categorias pode ser prescindida das que lhe são superiores, a lista de objectos supostos que elas comportam é,

         O que é.

         Quale - aquilo que se refere a um fundamento
         Relate - aquilo que refere a um fundamento e a um correlato
         Representamen -  aquilo que refere a um fundamento, a um correlato, e a um interpretante.

         Isso.

         Sec. 14. Uma qualidade pode ter uma determinação especial que impede que seja prescindida da referência a um correlato. Donde há dois tipos de relação.

         Primeiro. Aquela de relacionados cuja referência a um fundamento é uma qualidade prescindível ou interna.

         Segundo. Aquela de relacionados cuja referência a um fundamento é uma qualidade não-prescindível ou relativa.

         No primeiro caso, a relação é uma mera concorrência dos correlatos numa característica, e o relacionado e correlato não são distinguidos. No último caso o correlato é  colocado contra  o relacionado, e existe, num certo sentido, uma oposição.

         Os relacionados do primeiro tipo são postos em relação simplesmente pelo seu acordo. Mas o mero desacordo (não reconhecido) não constitui relação, e consequentemente relacionados do segundo tipo são postos em relação por correspondências de facto.

         Uma referência a um fundamento pode também ser tal que não pode ser prescindida de uma referência a um interpretante. Neste caso pode ser chamada uma qualidade imputada. Se a referência de um relacionado ao seu fundamento puder ser prescindida da referência a um interpretante, a sua relação ao seu correlato é uma mera concorrência ou comunidade na posse de uma qualidade, e consequentemente a referência a um correlato pode ser prescindida da referência a um interpretante. Segue-se que há três tipos de representações.

         Primeiro. Aquelas cuja relação aos seus objectos é uma mera comunidade nalguma qualidade, e estas representações podem ser chamadas Semelhança.

          Segundo. Aquelas cuja relação aos seus objectos consiste numa correspondência de facto, e estas podem ser chamadas Índices ou Signos.

         Terceiro. Aquelas nas quais o fundamento da relação com os seus objectos é uma característica imputada, que são o mesmo que signos gerais, e estas podem ser chamadas Símbolos.

         Sec. 15. Mostrarei agora como os três conceitos de referência a um fundamento, referência a um objecto, e referência a um interpretante são os conceitos fundamentais de pelo menos uma ciência universal, a ciência da Lógica. A Lógica trata das segundas intenções enquanto aplicadas às primeiras. Conduzir-me-ia demasiadamente longe do assunto em apreço discutir a verdade desta afirmação; irei portanto adoptá-la simplesmente como uma que me parece compreender uma boa definição do objecto desta ciência. Agora, as segundas intenções são os objectos do entendimento considerados como representações, e as primeiras intenções às quais se aplicam são os objectos dessas representações. Os objectos do entendimento, considerados como representações, são símbolos, isto é, signos que são pelo menos potencialmente gerais. Mas as regras da lógica mantém-se para quaisquer símbolos, para aqueles que são escritos ou enunciados como para aqueles que são pensados. Elas não têm aplicação imediata à semelhança ou aos índices, porque nenhuns argumentos podem ser construídos a partir destes sozinhos, mas aplicam-se a todos os símbolos. Todos os símbolos, na verdade, são, num certo sentido, relativos ao entendimento, embora apenas no sentido em que também todas as coisas são relativas ao entendimento. Por causa disto, consequentemente, a relação ao entendimento não necessita ser expressa na definição da esfera da lógica, uma vez que não determina qualquer limitação dessa esfera. Mas pode ser feita uma distinção entre os conceitos que são supostos não terem existência excepto enquanto estão actualmente presentes ao entendimento, e os símbolos externos, que ainda retêm o seu carácter de símbolos conquanto sejam passíveis de serem entendidos. Como as regras da lógica se aplicam a estes últimos tanto como aos primeiros (e embora a aplicação apenas através dos primeiros, contudo esta característica, uma vez que pertence a todas as coisas, não é uma limitação) segue-se que a lógica tem por objecto todos os símbolos, e não meramente conceitos (2). Chegamos, portanto, a esta conclusão, que a lógica trata da referência dos símbolos em geral aos seus objectos. Nesta visão, constitui um ramo de um trivium de ciências concebíveis. A primeira trataria das condições formais dos símbolos que têm significado, isto é, da referência dos símbolos em geral aos seus fundamentos ou características imputadas, e poderia ser chamada gramática formal; a segunda, a lógica, trataria das condições formais de verdade dos símbolos; e a terceira trataria das condições formais da força dos símbolos, ou do seu poder de apelar a uma mente, isto é, da sua referência em geral aos interpretantes, e esta poderia ser chamada retórica formal.

         Haveria uma divisão geral dos símbolos, comum a todas estas ciências, nomeadamente em,

         1. Símbolos que apenas determinam directamente os seus fundamentos ou qualidades imputadas, e não são mais do que somas de marcas ou termos;

         2. Símbolos que também determinam independentemente os seus objectos por meio de outro termo ou termos, e assim, expressando a sua própria validade objectiva, se tornam capazes de verdade ou falsidade, isto é, são proposições; e,

         3. Símbolos que também determinam independentemente os seus interpretantes, e assim determinam as mentes às quais apelam, ao colocarem como premissas uma proposição ou proposições que tal mente deve admitir. Estes são argumentos.

         E é notável que, entre todas as definições de proposição, por exemplo, como a de oratio indicativa, como o subsumir de um objecto sob um conceito, como a expressão da relação de dois conceitos, e como a indicação do fundamento mutável da aparência, não exista, talvez, nem uma na qual o conceito de referência a um objecto ou correlato não seja o que é importante. Do mesmo modo, o conceito de referência a um interpretante ou terceiro, é sempre proeminente nas definições de argumento.

         Numa proposição, o termo que separadamente indica o objecto do símbolo é chamado o sujeito, e o que indica o fundamento é chamado predicado. Os objectos indicados pelo sujeito (que são sempre potencialmente uma pluralidade - pelo menos, de fases ou aparências) são consequentemente afirmados pela proposição relacionados uns com os outros tendo por fundamento  a característica indicada pelo predicado. Agora, esta relação pode ser quer uma concorrência, quer uma oposição. As proposições de concorrência são aquelas que são usualmente consideradas em lógica; mas mostrei num trabalho sobre a classificação de argumentos que é também necessário considerar separadamente proposições de oposição, se queremos dar conta de argumentos tais como o seguinte: -

         Tudo o que seja metade de alguma coisa é menor que aquilo do qual é a metade:

        A é metade de B:
        A é menor que B.

         O sujeito de tal proposição é separado em dois termos, um “sujeito nominativo” e um “objecto acusativo”.

         Num argumento, as premissas formam uma representação da conclusão, porque indicam o interpretante do argumento, ou a representação que o representa representando o seu objecto. As premissas podem proporcionar uma semelhança, índice ou símbolo da conclusão. No argumento dedutivo, a conclusão é representada pelas premissas como por um signo geral sob o qual está contida. Na hipótese, prova-se algo semelhante à conclusão, isto é, as premissas formam uma semelhança da conclusão. Tome-se, por exemplo, o seguinte argumento:

        M é, por exemplo, P’, P’’, P’’’, e P’’’’;
        S é P’, P’’, P’’’, e P’’’’:
        [Ergo,] S é M.

         Aqui a primeira premissa resume-se a isto, que P’, P’’, P’’’, e P’’’’ são uma semelhança de M, e assim as premissas são ou representam uma semelhança da conclusão. Que tal não sucede com a indução será mostrado com outro exemplo.

        S’, S’’, S’’’ e S’’’’ são tomados como amostras da colecção M;
        S’, S’’, S’’’, e S’’’’ são P:
        [Ergo,] Todo o M é P.

         A primeira premissa resume-se a dizer que S’, S’’, S’’’, e S’’’’ é um índice de M. Donde se segue que as premissas são um índice da conclusão.

         As outras divisões dos termos, propsições e argumentos surgem da distinção entre extensão e compreensão. Proponho-me tratar este assunto num trabalho subsequente. Mas anteciparei pelo menos que existe, primeiro, a referência directa de um símbolo aos seus objectos, ou à sua denotação; segundo, a referência do símbolo ao seu fundamento, através do seu objecto, isto é,  a sua referência às características comuns dos seus objectos, ou a sua conotação; e terceiro, a sua referência aos seus interpretantes através do seu objecto, isto é,  a sua referência a todas as proposições sintéticas nas quais os seus objectos em comum são sujeito ou predicado, e a isto chamo a informação que comporta. E como toda a adição ao que denota, ou ao que conota, é efectivada por meio de uma proposição distinta deste tipo, segue-se que a extensão e a compreensão de um termo estão numa relação inversa, enquanto a informação permanece a mesma, e que todo o aumento de informação é acompanhado pelo aumento de uma ou outra destas duas quantidades. Pode observar-se que extensão e compreensão são muitas vezes tomados noutros sentidos, sentidos esses nos quais esta última proposição não é verdadeira.

         Esta é uma visão imperfeita da aplicação que as concepções - que, de acordo com a nossa análise, são  as mais fundamentais - encontram na esfera da lógica.  Acredita-se, todavia, que é suficiente mostrar que algo de útil pode, pelo menos, ser sugerido ao considerar esta ciência a esta luz.

    Notas:

1. Isto concorda com o autor de De Generibus et Speciebus, Ouvrages Inédits d’Abélard, p. 528.

2. Herbart diz: “Unsre sämmtlichen Gedanken lassen sich von zwei Seiten betrachten; theils als Thätigkeiten unseres Geistes, theils in Hinsicht dessen, was durch sie gedacht wird. In letzterer Beziehung heissen sie Begriffe, welches Wort, indem es das Begriffene bezeichnet, zu abstrahiren gebietet von der Art und Weise, wie wir den Gedanken empfangen, produciren, oder reproduciren mögen.” Mas a diferença entre um conceito e um signo externo está naqueles aspectos de que a lógica deveria, segundo Herbart, abstrair.