Il Gesù:
antecedentes dos projectos de Vignola e Della Porta para a igreja de Jesus em Roma e influência destes sobre a arquitectura jesuítica.

Francisco Paiva, Universidade da Beira Interior
 

1.   A 27 de Setembro de 1540 a Companhia de Jesus obtinha aprovação por Paulo III, com a missão de levar a luz e o evangelho ao mundo inteiro, testemunhando a força do catolicismo face ao luteranismo.
Só em Itália, a Companhia de Jesus construiu mais de duzentas igrejas, casas professas, colégios e noviciados, facto demonstrativo do seu protagonismo nos séculos XVl e XVll.

1. 1  Arte na Companhia de Jesus

 Arte e fé encontram-se no comum intento de celebrar o heróico triunfo do espírito. Numa altura em que o Barroco pegava nos elementos tipológicos clássicos (cúpula, coluna, frontão), empregando-os mais pela referência simbólica do que pela função estática e construtiva, a Companhia de Jesus viu-se obrigada a ir ao encontro da época, não pelo lado aparente mas pelo fundamento do apostolado jesuítico: o Esercizi Spirituali.

Os edifícios eram sujeitos ao princípio de soberania exercido pelo Padre Generale, incumbido de avaliar se estes “siano igienici, solidi e adatti ad abitarvi e ad esercitarvi i nostri ministeri, ma tali che appaia in essi che non dimentichiamo la povertà religiosa; perciò non siano né sontuosi né ricercati”. Transformava-se o espaço interno das igrejas em signo de fé, esperança e caridade, aproximando realidades distantes: material e espiritual.
A Companhia de Jesus, instrumento directo do Concílio de Trento e das prescrições contra-reformistas, entendeu a arte, no dizer de Luciano Patetta, “come instrumenum regnum”.
A sua prolificidade testemunha a senda de «stare nel mondo», adaptando-se às situações históricas, evoluções culturais e condições sociais, pelo que não se pode afirmar terem possuído um estilo:   num primeiro período XVl, houve implantes tipológicos e decorativos simples, austeros (onde a utilitas e firmitas contavam mais que a venustas vitruvianas),  num segundo erigiram-se importantes sedes e colégios e  por último, em pleno século XVll, empenharam-se mais em complementos decorativos e cenográficos do que em novas fundações, sem, contudo refutarem o experimentalismo tipologico e formal, numa época rica em teorizações com vista à ortodoxia e normalização do homem.
A considerada censura, operada pelo Consiliarus Aedificiorum, era exercida mais no sentido do melhoramento funcional e contenção de custos do que por questões estilísticas, fiscalizando problemas essencialmente práticos: exigências litúrgicas e de culto.
Trabalharam para a Companhia tanto artistas internos como civis, conseguindo frequentemente a síntese entre as diversas disciplinas, como testemunham as geniais reestruturações e integrações cenográficas de templos, protagonizadas pelo padre Andrea Pozzo, com as suas máquinas, composições perspécticas e teatros sacros.

1. 2  Contra Reforma

A Reforma Católica deu especial atenção à eficácia liturgica e salubridade dos templos, traduzidas fundamentalmente por preocupações ao nível de: desenho da nave; vista do altar principal – centro espiritual do templo; decoro e controle do excesso; visibilidade da Eucaristia, sobretudo na quarantore, 40 h de devoção, em que o sacramento è posto em homenagem ao período que medeia entre a morte e ressurreição de Cristo; cerimónia centra-se na consagração da hóstia, como prova da transmutação do corpo e sangue de Cristo; espaço interno para o final da procissão  do Corpus Domini; Amplos interiores, clareza estrutural e equilíbrio visual (Sta Maria Nuova, Cortona, Vasari 1554, igualmente Santa Maria do Castelo de Estremoz (Pêro Gomes, 1559)); abolição do tramezzo, para que o ponto focal passasse para o altar (como no Santo Spirito de Filippo Brunelleschi), tarefa que empenharia Vasari na Reforma das igrejas de Florença; coro atrás da Capela-mor, para separar os frades (forma seguida por Palladio em San Giorgio Maggiore, Baltazar Álvares em S. Vicente de Fora e na Sé de ponta Delgada) mas pouco importante para os jesuítas, que no início não cantavam; exercício de culto como acto público de piedade implicando, por vezes, sacrifícios de monges e civis; acessibilidade das massas às imagens sacras; capelas que permitissem devoções privadas (fonte de rendimento) e visibilidade para os monumentos funerários.


2.  No primeiro decénio a Ordem não sente necessidade de fornecer instruções detalhadas sobre os edifícios, limita-se a dizer que devem ser lugares salubres, longínquos de outros institutos religiosos e em zona onde possam recrutar noviços e religiosos. Mas, com o aumento de património, este precisa de ser cuidado e controlado, para que não se façam palácios de nobres, perdendo de vista os primeiros valores: higiene, robustez e modéstia. Perseguindo estes propósitos, passa a submeter-se à aprovação do Padre Geral (Revisiore Romano) a forma e modo dos edifícios.

2. 1  A fórmula Modo Nostro não indica categorias estilísticas, mas serviria para recordar a atenção ao método, materiais e coerência funcional.
A ideia de traças comuns levou Giovanni di Rosis (1575-1583) a encarregar o Generale Mercuriano a traçar seis igrejas de médias dimensões, com soluções diversas. Depressa abandonado, em favor de maior liberdade projectual, aparecendo em Nápoles e Génova o arquétipo cincunx. Dando-se preferência à planta oval ou poligonal a partir do final XVll, inserindo-se no gosto do tempo.
Rosis pretende instituir o Modo Nostro, enviando plantas tipo, a usar como modelo das novas igrejas, que embora enfatizem o eixo longitudinal e  nave única apresentam soluções diversas na ábside, transepto e capelas. O documento1 que roga o uso destes tipos é exemplar testemunho das preocupações dos padres:  poder passar-se sob e sobre a igreja; confessionários acomodados de modo que não estejam expostos à passagem, nem impeçam os que celebram a missa; coro cujo acesso permita não passar pela igreja; púlpito que permita acesso da casa; que as igrejas sejam luminosas, mas que se possam obscurecer, bem como as capelas; campanário situado na fachada mais distante da casa; sacristia próxima da casa, espaçosa e com oráculos onde o sacerdotes se possam retirar em oração; tribuna mais oval que recta; a cornija mestra seja tão grande que permita andar em volta, para purgar a igreja, assim como abrir as janelas.

Atentemos no canon 34 do De Ratione Aedificorum, que regula a construção de estabelecimentos jesuíticos, pois ele esclarece com acuidade a pertinência do projecto: ”no se edifique cosa que sea de costa en casa, o colegio, o yglesia nuestra sin traça, o disegno, y en manera que se tenga respecto a la prepetuidad, como lo encomienda un decreto de la Primera Congregación, porque finalmente sale mas barato, aunque coste mas que lo que se edifica para durar poco, y sin traça, porque conviene muchas veces por tal respecto derribar lo edificado”.2
Consta que Valeriano redigiu um tratado de arquitectura, distinto dos de Vitruvio e de Alberti, fornecendo ilustrações e relevando o desempenho do desenho para identificar com precisão os elementos.
Possevino, foi outro padre que tratou a arquitectura em tom maior: “l’architettura non si basa tanto sui cinque ordine...quanto su altri principi...su quelli che la constituiscono integralmente: invenzione, dotrina, precettistica, osservazione, pratica; loro, per cosi dire fonte e guida è lárte del disegno...” 3

2. 2 «Tipo»

O jesuíta Giovanni Tristano projectou a primeira importante sede –Nonciadella del Collegio Romano com a Chiesa dell’Anunziatina, c.1558, com fachada de dois andares de pilatras dóricas no térreo e jónicas sobre plintos no andar superior, encimada por frontão e interiormente alternando tramos rítmicos de dois andares sobre cujas capelas havia balaustradas, fixando o esquema ideal da igreja de prática comum (nave segundo o modelo da Basílica de Maxêncio), demolida em 1650 para dar lugar ao cruzeiro de Sant’Ignazio. O esquema ad aula, com vasto espaço interno, permitia maior participação no evento litúrgico, as capelas laterais permitiam celebrar em sincronia mais missas, o desenvolvimento longitudinal era enfatizado pelo transepto pouco pungente ou inscrito no perímetro base, articulado com coro rectangular pouco profundo, pois a companhia havia suprimido o ofício coral. A testeira plana era própria à prédica, momento fundamental da doutrina. Da cúpula, sentia-se apenas a luz.
Ao longo dos muros, sobre as capelas e coro, abriam-se varandas ao nível das habitações da comunidade colegial, algo voyeuristas, que lhe permitiam assistir ao rito sem se misturar com os fiéis. Esta parede membrana tinha o seu quê de.
A membratura evidente como único recurso decorativo nas primeiras sedes lembrava o quattrocento (Francesco di Giorgio).
Sob o tipo longitudinal, o Gesù romano e S. Fedele de Milão, lugares das repectivas casas professas, foram os modelos mais importantes.
O Gesù romano (1562), projecto de Vignola, fora informado pelo de Nanni di Baccio Bigio (1553), de nave única com seis capelas laterais não comunicantes, transepto inscrito  e ábside, não executado pela recusa de Girolamo Altieri (que dava nome à praça) em ceder o seu palácio e de outros proprietários em ceder os terrenos. Também as ideias de Michelangelo Buonarroti (1554), crente ferveroso, que havia-se disponibilizado a conduzir as obras gratuitamente e as de Tristano, de nave única com três capelas laterais, sistema complexo de transepto, cúpula e quatro capelas rotondas, à maneira de um organismo de planta central, ábside e abóbada de volta, (contrária à vontade do padre), foram inequívocas fontes.
Embora todos tivessem em comum a igualdade entre os comprimentos da nave vs capela-mor+largura do transepto, a relação proporcional entre comprimento e largura da nave difere, sendo na planta actual 2*a (raíz de 4), c=2*l do transepto, largura e comprimento do transepto iguais à nave.
Os colégios de estudo, abertos tanto ao clero como a laicos, no início sediados em instalações monásticas preexistentes, em palácios nobiliários ou em instalações recém construídas, localizavam-se no tecido urbano, preferencialmente nas cercanias de uma igreja para os ofícios, e os novos, cujo projecto base devia ser aprovado em Roma, implicavam geralmente demolições ou reconstruções condicionadoras da implantação, embora se procurasse sempre a geometria (em Coimbra, a igreja não se situava a meio da fachada para estar localizada a eixo com a rua então existente, quebrando a rigidez da planta cruciforme do todo do colégio).
Em Roma, o colégio construído por Tristano previa a localização central da igreja face ao lote, porém, devido a problemas nas expropriações, esta localizou-se no ângulo, como viria a ser também Santo Inácio e o do Bairro de São Roque em Lisboa.


2. 3 Il Gesù

A relativa autonomia dos projectistas é testemunhada nas cartas entre os encomendadores e arquitectos, de que são bom exemplo as do Cardeal Alessandro Farnese a Giacomo Barozi Vignola, por ocasião da construção do Gesù (após polémica sobre a forma de cobertura, que Vignola queria em abobadada e o prior em madeira), onde o cardeal pede que segundo as boas regras da arquitectura, a igreja seja bem proporcionada, não de três, mas de uma só nave, com “capella da una banda et d’altra...facciata verso la strada...et que habbia de coprire de volta, et non altramente, se bene a questo fanno certe dificultà per conto de le prediche, parendoli che la voce resonerebbe poco intelleggibile per causa del ecco che da quella forma responderia, como credano, più che dal palco. Il che a me non pare verosimile, com l’exempio di alte chiese etiam di molto maggiore capacità,che si veggano bene atte a la voce de predicatori, et al Auditorio. Pertanto servate queste cose... de la spesa, de la proporzione, del sito, et de la volta, mi remetto nel resto al guidcio et parecer vostro...” 4

A abóbada construída denuncia as articulações funcionais e a cúpula sintetiza a pulverização de volumes num mecanismo ascensional.   Esta cobertura, melhorou acusticamente pela intersecção com as superfícies perpendiculares ao seu eixo destinadas ao vão das janelas, atenuadoras da reverberação.
A igreja já não pretende ser símbolo do absoluto mas do processo que leva a humanidade à salvação, instrumento espiritual de mediação entre a terra (matéria) e o céu (espírito). As capelas profundas, intercomunicantes, contrastam com a luminosidade da nave. As paredes de mediação, apenas com o vão das portas de intercomunicação, tornam-se, como de resto, no templo de Mântua, o esqueleto de sustentação da ampla abóbada em duplas pilastras colossais.

 

2. 4  Fachada

Ao lombardo Giacomo Della Porta (1540-1602), mais novo 33 anos do que Vignola, caber-lhe-á concluir a fachada. Altera o projecto reduzindo o recuo das alas das capelas laterais, tornando a fachada num plano de pouca ligação construtiva ao corpo do edifício, constituída por dois andares de pilastras separados por um pesado entablamento (plinto transversal sobre a cornija). Esta horizontalidade é estabilizada pelas volutas oblíquas que atenuam a altura do elemento central. Volutas estas, que farão sucesso em toda a Europa, até ao século XX na resolução da transição entre a altura da nave central para as laterais.

Aparecendo assim com um leve claro/escuro, apenas perturbado pela premeditada transgressão compositiva (maneirista?): uso pleonástico do frontão triangular dentro do circular; pilastra e coluna adossada ladeando o portal, sobre o qual está também um frontão; intensificação do ritmo para o centro enfatiza e desestabiliza o portal; frontão cimeiro interrompido pelo adiantamento do módulo central; interrupção da pilastra colossal pelo pequeno friso divisor do pseudo andar das portas laterais dos nichos escultóricos e brasão central. Toda a composição possui indesmentível analogia com Santa Maria Novella (1460), que por sinal invocava o medieval, também florentino, San Miniato Al Monte (1018-1063).

As várias faces do templo são estudas, no que respeita às proporções, em função do entorno, com uma modelação abstracta da superfície, em requadros crus, que lembram a arquitectura militar dos arrudas ou as igrejas de Francesco di Giorgio Martini. Partido mais tarde seguido por Juan de Herrera no Escorial e por Baltazar Álvares em S.Vicente.

3.   Consequências

Ver na Igreja do Gesù de Roma (1562), a madre da Companhia e consequentemente o símbolo de autoritarismo, protótipo imposto, modelo perfeito contra-reformista deriva de uma análise um tanto arbitrária das obras e dos desenhos.

A igreja projectada por Vignola, teve certamente inúmeras cópias, não só nas obras Jesuíticas, que curiosamente tiveram outro paradigma, mais tardio: S. Fedele de Milão (Pellegrino Tibaldi), cuja planta longitudinal, sem capelas laterais e com o transepto contratto, nave dividida em duas zonas e cabeceira recta.
Estes dois tipos eram sugeridos até para as igrejas paroquiais nas Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae do cardeal Carlo Borromeo (1577).
Apareciam, embora menos frequentemente, plantas de três naves, e até plantas centralizadas, pouco coerentes com a prática, pois não garantiam o claro rapport entre fiel, altar e púlpito (St.Andrea al Quirinale, Bernini (1658); Collegio Balbi em Genova (1634) e Gesù de Montepulciano de Pozzo (1688-72), ou os complexos organismos de S. Francesco Saverio em Palermo (1684) e o Colegio di Pollizzi Generosa).
No Gesú de Genova (1583) e no Gesù Nuovo de Nápoles, ambos projectados por Valeriano, remanesce a cincunx bramantesca de São Pedro.
Nos colégios de Roma e de Florença resolveu-se o problema de apresentação à cidade com uma fachada de palácio, de novo tipo, nem privado nem residencial.
Para S. Fedele, Tibaldi idealizara uma vasta aula com ábside de ¾ de círculo, ladeada de capelas quadradas, colunas sobre altos plintos e, ao longo dos muros, duas capelas pouco recuadas às quais correspondem varandas.
Foi consequência directa em Sant’Ignazio, no que concerne à organização do colégio mas também na igreja repete-se o esquema da dupla pilastra, que sustentam o entablamento daquela abóbada que o afresco de A. Pozzo, Gloria de Sant’Ignazio, irrealiza e, em trompe l’oeil, prolonga até ao infinito.

Nave única, plano em cruz latina, fachada em dois andares serão características das igrejas desta época. Todavia, expressões mais sumptuosas surgirão na fachada lateral de S. João de Latrão, ou nas capelas de Santa Maria Maior (Domenico Fontana).
A nave de Maderna para S. Pedro, encomendada por Paulo V (1605), viria a transformar a igreja (agora Catedral) num sistema análogo ao Gesù, embora com 43 anos de atraso (ferindo de morte o princípio gerativo de Michelangelo).
Andrea Palladio repetiria no Il Redentore o esquema das paredes de mediação como contrafortes da abóbada, desta vez bem legíveis do exterior e contributos para o aumento da  volumetria do templo. Aqui a cúpula também está praticamente sobre o altar-mor, invisível da porta e de grande parte da nave. Palladio considera o tipo um modelo, de repetição, mas também esquema dento do qual há graus de liberdade.
Este tema da dupla pilastra e cruz grega alongada será paradigma dos organismos neoclássicos franceses e também de algumas exemplos italianos qualificados de Galeazzoi Alessi (S. Maria Carignano de Genova).

3. 2  Em Espanha, Bartolomé de Bustamante está por detrás da fundação da generalidade de casas professas e colégios, sendo exemplares o Noviciado de Medina del Campo, o também classicista Colégio de Plasencia (cujos paredes entre as capelas se prolongam como contrafortes), o de Múrcia, a casa professa de Granada, Sevilla ou Trigueros. Para este último fora apresentado (1579) um plano de claustros justapostos com igreja entalada, análogo ao da Sofia que não foi concluído. Alcalá, nas cercanias de Toledo, viria a ser a igreja mais parecida com o Gesù romano, na substituição dos arcos das capelas imediatas ao transepto por portas adinteladas e pelo ritmo alternado das duplas pilastras, embora aqui a cúpula não se emancipe a fachada será uma indubitável cópia.

Aparecem algumas cabeceiras rectas e coberturas em madeira (por razões acústicas, mas tb económicas), como na de Madrid que Bustamante projectou, mas cujos trabalhos encarregou a Juan Garcia.

3. 3  Em Portugal, ao longo da segunda metade do século XVI, desenvolver-se-ão os modelos ditos chão (Kubler, Baptista Pereira), que Pais da Silva designara por maneiristas.

O despojamento decorativo acentuara-se aquando da construção das sés por D. João lll, com acentuada sobriedade e rigor planimétrico, derivados da construção militar (A. Rodrigues, Manuel Pires e arrudas). O estilo chão, acentuadamente clássico vai no sentido da internacionalização divulgada pelos tratados, mas em breve adaptar-se-á aos desígnios do Império.

As duas construções fundamentais são a igreja do Espírito Santo de Évora (1566) e a Igreja de S. Roque em Lisboa.

A primeira, encomenda directa do Cardeal D.Henrique, dotava o recém fundado Colégio de Jesus de uma versão actualizada da tardo-gótica de S.Francisco. A igreja do Espírito Santo de Évora é formada por nave única com 5 capelas laterais intercomunicantes, transepto inscrito e capela-mor quadrada e pouco profunda.

     S. Roque tem um transepto mais curto do que as capelas, e a capela-mor é pouco recuada, abrindo, tal como as colaterais, em arco. Aqui optou-se por cobertura em madeira e encimando os arcos das capelas por varandas/tribunas. A fachada existente no Espírito Santo é a original, conservando o seu galilé, presumindo-se que a de São Roque seria semelhante à de Sant’Iago de Braga.

Estas fachadas são de dois andares simplificados, no entanto aparecem soluções mais eruditas (Porto, Goa, Diu, Macau Santarém ou Coimbra). Do modelo erudito, que seria cruzado com outros, São Vicente de Fora, apresenta algumas semelhanças, mas também diferenças com o de Vignola:  a capela-mor está mais próxima do San Giorgio de Palladio, sem tribunas sobrepujando as capelas laterais e sem zimbório. Além deste diálogo, haveria de juntar-se-lhe o modelo com duas torres, tão luso.

Deve, ainda, ter-se em conta a Igreja da Luz em Carnide, encomendada pela infanta D. Maria na década de 40 a Jerónimo de Ruão para que fosse das melhores cousas da Europa, como de facto é (soberbos os retábulos).

A mutação do gosto e a nova espacialidade religiosa emergiram no primeiro renascimento português, pós Manuelino (em que se havia garantido a isonomia  e isotropia), com o mecenato de D. Miguel da Silva nas obras de caixa lisa do norte (R.Moreira p.339), onde a proporção de duplo quadrado com púlpito a meio seria premonitória (do pretenso estilo jesuítico e do 1º São Roque). As naves suprimidas eram sugeridas pelo arco triunfal ladeado de dois menores na parede fundeira.

A prova de que a nova arquitectura exigia planimetria encontra-se na Rua da Sofia de Coimbra, a então mais larga rua da Europa, fundada para corresponder à reforma do ensino, e onde se encontra um receituário de modelos clássicos único no Mundo. No que concerne aos colégios mas sobretudo às igrejas, onde Diogo de Castilho se destacou, sendo imprescindível referir as de S. Bento, do Carmo e da Graça (anteriores a 1550).

4.  Reside certamente nesta instituição o maior contributo dos povos ibéricos para a arte universal. As duas monarquias uniam-se na acção missionária desde o Brasil ao Extremo Oriente.

A arquitectura dos jesuítas foi dominante nas regiões coloniais: de risco austero, plantas rectangulares e concepção distante da invenção barroca. A igreja da Baía é disso um paradigma: nave única com oito capelas, sacristia transversal na cabeceira, com os alçados laterais reduzidos ao essencial, e fachada composta por um jogo de portas e janelas sobre fundo branco (base das composições barrocas portuguesas). Mas as riquezas sul-americanas brevemente a rechearam com talha e relíquias. 

     Por exemplo, na província do Paraguai (província fundada em 1604 entre o Brasil e Argentina) os jesuítas fundaram mais de trinta povoados  com colégios monumentais, de grande significado religioso e artístico. Permito-me destacar apenas San Miguel, onde em posição central, na grande praça, surge a igreja com fachada em dois andares de pilastras, e sector central encimado por frontão. Atribuída ao padre Ribera, as referências ibéricas surgem também, à imagem do Gesù, na transição de um andar para outro com volutas.

Embora os capitéis possam ser reinventados com motivos autóctones, os portais em arcos trilobados ou abatidos, não há diferenças de conceito no desenho das plantas quer dos templos, colégios, praças ou habitações.

As intervenções urbanísticas em cidades consolidadas ou em expansão representaram o grosso da obra da Companhia, mas nunca realizaram tanto a utopia quanto a criação dos povoados coloniais, único modelo de cidade produzido (construido) pela cultura renascentista (Chueca Goitia)

Os  países ibéricos aderiram aos valores romanos, muito antes da desmesurada duração do barroco, integrando-os na vida cívica.

 

sobraldesãomiguel.maiode2001

1   Francesco Cospi - Requisiti d’una chiesa della Compagnia di Gesù... in  L’architettura della Compagnia di Gesù

  in Italia, XVl-XVlll sec. p.24)

2  padre E. Lamalle, ~1570, cit p. VALLERY-RADOT, Jean – Le Recueil des plans d’edifices de la Compagnie de  

  Jésus conservè a la Bibliotheque Nationale de Paris; Ed Institutum Historicum S.I., Roma , 1960, p.76

3  ibidem, p20, ~1593

 ibidem, p25

AAVV - Colóquio em Mafra: Barroco: Perspectivas de Estudo, 05 de Jan.00. IPPA

AAVV - L’architettura della Compagnia di Gesù in Italia, XVl-XVlll sec., ed Grafo, 1990 Catalogo a cura de Luciano Patetta

BOSSI, Agostino; FUSCO, Ludovico M. - Le Reducciones Gesuitico-Guaraníes: percorso tra natura, architettura e utopia in DOMUS nº789, janeiro 1997 pp.107, 112.

GUTIERREZ de CEBALLOS, Alf. Rodriguez – Bartolomé de Bustamante y las orígenes de la arte jesuítica en España,  Ed. Institutum Historicum  S.I.,  Roma , 1967

MOREIRA, Rafael – Arquitectura: Renascimento e classicismo in História da arte portuguesa, Ed. Círculo de Leitores, pp.302-365

STAKOVSKI, Leon – Giorgio Vasari, Architect and Courtier, Princeton, 1993

PEREIRA, Fernando A. Baptista, História da Arte Portuguesa, Ed. Universidade Aberta

VALLERY-RADOT, Jean – Le Recueil des plans d’edifices de la Compagnie de Jésus conservè a la Bibliotheque Nationale de Paris; Ed Institutum Historicum S.I.,

Roma , 1960