De onda em onda: a evolução dos ciberdiários e a simplificação das interfaces

Rosa Meire Carvalho de Oliveira1
Faculdade Integrada da Bahia


Índice

Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar um breve mapeamento do desenvolvimento do fenômeno dos diários on-line. Estabelece-se, aqui, uma descrição de como se processou a evolução dos diários digitais no ciberespaço2, constatando-se que ela ocorre através de ``ondas''. A partir da simplificação de interfaces, nasce um dos fenômenos mais importantes da cultura digital contemporânea, os weblogs ou blogs. Procura-se demonstar que a criação de softwares facilitaram a simbiose entre o homem e a máquina, viabilizando a explosão da apropriação do diário digital em todo o mundo, especialmente como meio de expressão da subjetividade pessoal, embora essa não seja sua única função.

De guerras e testemunhos

O cidadão iraquiano, Salam Pax, como ele se autointitula, foi alvo de muitas desconfianças no recente cenário da guerra do Iraque. Dono do blog Where is Raed? desde o final do ano de 2002, Salam Pax chamou a atenção do mundo ao postar de Bagdá, onde supostamente morava com a família, entradas diárias sobre o conflito entre o seu País e a coalisão formada por americanos e ingleses. O blog tornou-se famoso por ser um local de resistência, sendo citado, inclusive, por noticiários de televisões americanas. Em Where is Raed Salam Pax descrevia o próprio estado de ânimo, da família e dos amigos diante da guerra e as preocupações com as movimentações do conflito.

Embora rico de emoção em suas descrições, Where is Raed? não deixou de ser alvo de ataques por muitos que questionavam a originalidade daqueles testemunhos, o que fez Salam Pax simplesmente sugerir no post do dia 21 de março: ``Se duvida, por favor, não leia o meu blog''3. Escrito em inglês, o weblog registra a última entrada em 24 de março de 2003 quando Pax lamenta o fato de ter ficado dois dias sem internet por causa da fragilidade dos sinais de telecomunicações durante a guerra. Até essa data, Where is Raed? chegou, inclusive, a ter um espelho (um link) num dos mais conceituados sites de ferramenta para a construção de weblogs, o Blogger (www.blogger.com).

Tanta desconfiança sobre os atributos de Where is Raed? - especialmente se o seu autor era realmente cidadão iraquiano e se o blog estava sendo postado de Bagdá - faz sentido. Entre os milhares de blogs relativos ao conflito, publicizados em todo o mundo, pelo menos dois ajudavam a reforçar alguma desconfiança sobre cidadãos iraquianos escrevendo sobre a guerra. Um americano resolveu dar voz a dois inimigos mortais americanos, Saddam Hussein e Osama Bin Laden, a partir de dois blogs postados na rede mundial de computadores.

Hospedados no Blogger, os sites levavam os títulos Saddam Hussein (www.saddamhussein.blogspot.com) e Osama Bin Laden (www.osamaladen. blogspot.com) e funcionaram como espaço de gozação, antítese para o caráter sério do conflito. Encarnando Saddam Hussein, o autor do blog satirizou as atitudes do presidente americano George W. Bush, testemunhando o conflito a partir do ponto de vista de seu personagem sobre o dia-a-dia em Bagdá e da ofensiva americana sobre os iraquianos. Fez o mesmo com Osama Bin Laden que se vangloriava de não ter sido apanhado pelo poderio americano.

Da mesma forma que weblogs se prestaram a testemunhos particulares, fictícios ou não, eles também exerceram na guerra Estados Unidos x Iraque outras centenas de importantes funções. Soldados americanos no Iraque puderam se comunicar com os familiares deixados na cidade de Kansas, no estado do Texas, através do blog especialmente criado para esse fim. Military Families Weblog4 transformou-se em pouco tempo no elo de ligações afetivas entre os soldados no front da guerra do Iraque e as famílias deixadas para trás. "All of the servicemen and women somewhere in the sandbox really appreciate the love and letters and emails that we get from back home," escreveu o soldado Joseph Carney. "It brightens our day. We wish we could be home with our families, but this is our job, and we wouldnt' be here if we didn't love it." (Post de 14/3/03).

O capitão americano Eric Ruthman criou o blog Eric War Blog5, de onde relata a experiência como o principal líder na área de comunicação das tropas do exército e da marinha no deserto de Doha, no Kuwait. Jornalista de Cincinatti, Eric falou da oportunidade de ocupar o posto mais importante no setor de comunicações da campanha, enquanto testemunhava a ocupação do Iraque. Entre as preocupações estava o fato de ter de controlar o ímpeto dos soldados no momento em que possivelmente se depararia com as riquezas iraquianas e os dólares que esperava encontrar:

Believe me, we have all dreamed about finding millions of dollars and talked about what we would really do if we came across something like that. The temptation would be to keep some, but as an officer it's my responsibility to be one to keep the soldiers on the right track doing the right thing.6

Espaço de múltiplas subjetividades

Essa não foi a primeira vez que diários on-line serviram de palco para a expressão múltipla de subjetividades num conflito bélico. Em 1999, sites postados durante a Guerra do Kosovo inauguraram o uso do ciberespaço como espaço para denúncias e testemunhos das mais diferentes experiências relacionadas à guerra. Nessa função, uma tecnologia nova, a rede mundial de computadores, a internet, possibilitou com a hospedagem de sites sobre a guerra, dos mais diferentes organismos, das mais diferentes correntes e origens, além de cidadãos, a difusão ainda maior de informações pelo mundo.

Exemplo desses sites é o Kosovo News and Analyses- www.itmweb.com/kosovo.htm, um dos mais completos sobre a Guerra do Kosovo. É dividido por sessões, com informações oriundas da mídia regular, mídia independente, artigos de pano de fundo, centros de ação/informação,análise militar da OTAN, OTAN, governo iugoslavo, festas políticas do governo iugoslavo , sites sérvios, sites de Kosovo , sites de Montenegro .

No plano das iniciativas pessoais na internet, destacou-se o diário digital Sisters under siege7 - atualmente fora do ar -, pertencente à jornalista aposentada de Belgarado, Ivanka Besevic, à época com 74 anos, mantido desde o primeiro dia da Guerra do Kosovo. O site foi construído pela filha de Ivanka, que morava nos Estados Unidos, como uma forma de possibilitar à mãe um canal de expressão e, ao mesmo tempo, de fazer as pessoas refletirem sobre o que estava acontecendo na Yugoslávia. Da mesma forma, o cineasta de iniciais AG., também cidadão iugoslavo, hospedou na internet o site War Diaries8$,$ através do qual também relatou, em forma de um diário escrito e outro filmado, a Guerra do Kosovo.

A dor de Ivanka, dos familiares e amigos durante a experiência da guerra pôde atravessar fronteiras e gerar indignações de toda a ordem. No site Sister under siege aparecem fotos de Ivanka, do cachorro da família e, à esquerda, um calendário que cresce a partir de um marco zero, que coincide com o início da guerra. De forma crescente, a diarista narra os 77 dias em que viveu sob o cerco de bombas, tiros, execuções e atrocidades de toda a ordem. Do mesmo modo, A.G. documentou diariamente em seu diário on-line o sofrimento que vivia ao assistir a cidade sendo bombardeada e praticamente a vida toda mudar por causa da guerra que durou entre março e junho de 1999.

Diários on-line: a primeira onda

O desafio de postar diários pessoais na rede, entre o início e o final da década de 1990, fez parte do que a americana Chris Sherman, editora assistente do Search Engine Watch (http://www.searchenginewatch.com) chamou de ``primeira onda da web escriturável''. Segundo ela, este período esteve limitado pela oferta de ferramentas que facilitassem a postagem de diários on-line na rede: ``Você tinha a chance de usar um editor simples, providenciado por serviços grátis, como ofereciam os sites comunitários Geocities e Angelfire, ou usar os próprio recursos com editor html. Mas isto requeria conhecimentos''9, lembra. Sherman.

O fenômeno da primeira onda teve início em 1994 quando pessoas comuns começaram a realizar um ritual que foi ficando cada vez mais freqüente: construir um site pessoal e nele, diariamente, depositar o diário ou jornal íntimo on-line. Em 1994 quando começaram a surgir, as home pages de diaristas podiam ser contadas na rede. Atualmente isso não é mais possível. Seja a partir dos Estados Unidos, onde tudo começou, passando por outros países das Américas, como o Brasil, da Europa, ou da geograficamente distante Austrália, milhares de diaristas de várias partes do mundo utilizam a rede mundial de computadores para se expressar.

O início do fenômeno é um pouco controverso em relação à autoria. A americana Carolyn Burke é largamente alardeada como a primeira pessoa a manter um diário on-line. Em janeiro de 1995 ela postou na rede o Carolyn Diary10 e ficou bastante conhecida quando no outono americano de 1996 foi capa das revistas US News & Report World, ao ser citada por fazer parte do projeto 24 hours in Cyberspace. Envolvendo a produção de um livro de fotografias e um site na internet11, o projeto elencou pessoas e instituições que faziam a rede mundial de computadores mais humana.

Apesar da repercussão e da boa fama do site, o pioneirismo de Carolyn cai por terra quando confrontado com a ousadia e a performance de outro americano, Justin Allyn Hall. Em janeiro de 1994, com apenas 19 anos de idade, Hall inaugurou na rede o diário Justin's Link from de Underground 12, passando a fazer dele um livro aberto sobre a própria vida, publicando tudo em detalhes: bebedeiras, divagações à toa, as doenças sexualmente transmissíveis que contraiu, viagens, amizades, as aulas na faculdade, namoros, o suicídio do pai e até as próprias fotos, algumas delas tiradas nu ou urinando.

Desde então, mais pessoas foram se juntando ao pioneirismo de Justin Hall e Carolyn Burke e encontrando os mais diferenciados motivos para manter on-line a narrativa das próprias vidas. Seja como confessionário, local de catarse, partilha, promoção de autoconhecimento, milhares de escritores de diários íntimos encontram nesses e em outros parâmetros a justificativa para a decisão de escrevê-los e publicizá-los.

Justin Hall admite que entre os motivos que o movem a escrever um diário íntimo na rede está a necessidade de partilhar as experiências:

Porque nós estamos sozinhos. Nós necessitamos de mais amigos ou ouvidos simpáticos, pessoas que possam ouvir nossas histórias e falar-nos as suas próprias, ou nos dizer onde elas foram mudadas. Nós gostamos de ler as histórias de outras pessoas porque elas nos ajudam a afirmar a nós mesmos. Fora dali nós não estamos sozinhos (...) colocar nossas vidas on-line não significa conduzir nossas vidas on-line, mas utilizar um veículo de partilha sem precedentes. Nós interagimos no mundo real e usamos o ciberespaço para colaborar, dividir e conjurar novas possibilidades. 13

Desse jeito aberto, Justin foi conquistando fãs e atraindo cada vez maior número de leitores. Segundo Justin, ``a web é uma oportunidade para fazer bem nossos quinze minutos de fama. Já que as páginas da web atingem qualquer meio existente, você pode construir seu site em sua própria imagem. Você pode ser único, porque não existem expectativas''.14

Diários on- line: a segunda onda

Foi em 1999, um mês após o término da Guerra do Kosovo, que uma nova ferramenta foi criada, impulsionando com grande força o fenômeno dos diários pessoais na rede mundial de computadores. No mês de julho daquele ano, a empresa Pitas (www.pitas.com) criou o primeiro software grátis e em agosto o americano Evan Williams, da empresa Pyra Labs, criou ferramenta semelhante, o Blogger (www.blogger.com) , que se transformaria no ícone de um conceito que revolucionaria a criação e postagem de páginas pessoais na internet.

Depois destes, outros softwares despontariam, transformando radicalmente a alma da rede: Groksoup (www.grouksoup.com), Edith This Page (www.ediththispage.com) VelociNews (www.velocinews.com), Weblogger (www.weblogger.com), (Squishdot (http://squishdot.org), Grohol (www.grohol.com) GreyMater (www.noahgrey.com/greysoft) entre centenas de outros.

O principal diferencial da nova ferramenta é que ela trouxe velocidade na criação, postagem e atualização dos ciberdiários, democratizando o acesso de não-especialistas em linguagem como html, ftp, dentre outras, à construção e manutenção das páginas pessoais. Com isso, qualquer pessoa que dominasse noções básicas de inglês poderia ter um weblog ou blog$,$como passaram a ser chamados os diários criados com este modelo de ferramenta que se assemelha a um editor de textos.

Embora o software tenha surgido em 1999, o termo weblog foi cunhado em dezembro de 1997 por outro americano, Jorn Barger, editor do robot wisdom weblog (www.robotwisdom.com), quando os blogs começavam a despontar na rede. Segundo uma das blogueiras pioneiras, a americana Rebecca Blood, autora de Weblogs: a history and perspective15, em 1999, o desenvolvedor da web Peter Merholz, em seu blog Peterme.com ( www.peterme.com), anunciou que passaria a chamá-los de wee-blog.

Com o uso, o termo foi inevitavelmente reduzido para blog e o dono do site passou a ser chamado de blogger (blogueiro). Quando o editor Jorn Barger cunhou em 1997 o termo weblog aos diários, ele o descreveu como: ``Um weblog (às vezes chamado de blog, uma página de notícia ou filtro) é uma página da web onde um weblogger (às vezes chamado de blogueiro ou pré-surfista) `loga' (linka) todas as outras páginas da web que ele/ela considera interessantes''16.

Rebecca revela que em 1998 quando os blogs podiam ser contados na rede, Jesse James Garrett, editor do blog Infosift (www.jjg.net/infosift), recolheu pela primeira vez endereços de 23 blogs existentes e depois mandou-os para Cameron Garrett, que os publicou no site que mantinha, o Camworld (www.camworld.com). A partir daí, outros editores de blogs passaram a mandar os endereços para serem incluídos na lista. Em 1999, outros anéis de site surgiram, como o Eatonweb Portal http://portal.eatonweb.com/portal/portal.php3), da blogueira Brigitte Eaton, considerado por Rebecca, "a mais completa lista de weblogs disponívelbegintex2html_deferred17.

Para ser incluído em anéis como o Eatonweb Portal, a exigência é que seja considerado um weblog, que tem por principal característica a presença de links e de "entradas datadas", marcas do software.

Blogs como diários íntimos

Em pouco tempo os diários virtuais no formato blog evoluíram de filtro de notícias para um conceito mais diretamente ligado aos tradicionais diários íntimos, antes trancados a sete chaves. De fato, muitos deles são utilizados como lugar exclusivo onde o blogueiro conta o dia-a-dia, faz confissões, desabafos, bem aos moldes do diarismo tradicional. Este uso também é facilitado pela estrutura de registro do blog$,$ com datas que se sucedem.

As múltiplas faces dos blogs

Mas, outros tantos blogs vão além da proposta de serem meros diários virtuais. Eles realizam uma mistura de página pessoal, fórum, com links, comentários e pensamentos pessoais, ensaios ou lugar onde se escreve de tudo ou sobre nada. O autor tem liberdade de escolha. O que vale é o simples fato de falar, de participar. ``As portas escancaradas de qualquer blog podem exibir desde críticas ácidas a determinados problemas sócio-políticos até baixarias (até então) impublicáveis. A liberdade internética inclui isso: cada um faz a sua opção do que ver''18, observa o jornalista Paulo Bicarato.

A efervescência do mundo blogger passa por uma multiplicidade de sites, com características tão variadas quanto permita a expressão humana. De perfil escrachado, reflexo da personalidade do blogger paulista Sérgio Farias, seu editor, o Catarro Verde (http://catarro.blogspot.com) não perdoa derrapadas de políticos, artistas, e está antenado com o que acontece no cenário nacional. Ao estilo do colunista Macaco Simão, da Folha de S. Paulo, o editor Sérgio Farias não poupa apelidos, as tiradas inteligentes e sarcásticas. Intitulando-se primeiro site brasileiro hospedado no editor Blogger (www.blogger.com), o Catarro Verde mistura tudo isso a informação, poesia e comentários da vida pessoal, tornando-se um dos mais atraentes da rede.

Comunidades bloggers

A estrutura dos blogs permite que o usuário além de tecer sua própria performance, copie e cole links na sua página na internet. Isso tem favorecido a interligação dos blogs, cujos editores têm formado verdadeiras comunidades na web. Hoje, em todo o mundo, os blogs já passam de 800 mil, segundo informações do Blogger 19. No Brasil, os blogs foram aparecendo lentamente no início de 2000 e já no final daquele ano começavam a se formar as comunidades blogueiras que estão hoje ativas na rede.

Entre os primeiros divulgadores está o analista de sistemas de Brasília, Marcus Amorim, que criou em março de 2000, o blog (www.zamorim.eti.br) quando, segundo ele, ainda não existiam ciberdiários em português. O weblog traz comentários sobre temas variados como política, curiosidades científicas, informática e assuntos sem importância.

Logo foram surgindo outros blogs espalhados pelos quatro cantos do país, que se transformariam numa comunidade barulhenta, que agita a rede com entradas postadas a cada minuto e informações as mais variadas. Um verdadeiro burburinho se forma com as constantes idas e vindas de editores de blogs aos diários virtuais que circulam pela rede.

É comum quem tem um blog falar e/ou visitar o blog do outro, formando com isso verdadeiras vizinhanças dentro da rede. ``Quem acompanha o weblog de um invariavelmente acaba se deparando com comentários sobre o do outro. Alguns são pessoas que se conhecem há anos. Outros, gente nova que ao lançar o blog acaba se reunindo ao grupo'', observa o jornalista Pedro Dória20. ``As pessoas conversam entre os blogs, fazem links, citam o que um escreveu, o que o outro comentou. Vira uma pequena comunidade''21, confirma a blogueira e designer carioca, Lia Caldas (www.liacaldas.com/speed).

Não é difícil verificar a prática deste conceito de vizinhança. No mundo blogger de microportais, por onde circulam informações sem que seja necessário passar pelos grandes portais da rede, há muitos vizinhos famosos. A imprensa tem se incumbido de ressaltar o trabalho de muitos editores de blogs e eles acabam ficando mais conhecidos entre os vizinhos, que fazem questão de visitá-los.

Entre os mais citados estão blogueiros paulistas como a jornalista Flávia Durante (www.blahblahblog.rg3.net) - , o artista gráfico e webdesigner Mario AV (www.marioav.com), o designer Tom B (http://tom-b.com); Jean Boechat (www.boechat.com/tele), editor de Telescópica; Nando Pereira, autor de Wowblog do Nando (www.euviprimeiro.com.br/nando); Zamorim (www.zamorim.eti.br); Cristiano Dias (www.crisdias.com/weblog) e Fernanda Guimarães (www.fezocaon-line/blurbs), brasileiros nos Estados Unidos, por exemplo. Há também bloggers como Nemo Nox, autor do blog Por um Punhado de Pixels (www.nemonox.com/ppp), um brasileiro que agita de Nova York, onde vive, a comunidade blogger.

Blogs coletivos

Blogs coletivos também chamam a atenção, a exemplo do Delícias Cremosas (www.deliciascremosas.com), composto por 13 mulheres de Recife, Rio, Porto Alegre e São Paulo. Com uma linguagem solta e pra lá de pornográfica, as mulheres soltam a língua no diário, falando de temas que vão desde a poesia ao homossexualismo. As entradas são picantes e cheias de bom humor. No Delícias destaca-se a gaúcha Cris Camargo (http://lavanderiadacris.hpgig.com.br), com entradas irreverentes que alimentam os leitores do blog, como este desejo de Feliz Natal aos leitores, postado em 23 de dezembro:

Keridus leitores e leitoras, esta delícia cremosa que vos tecla, deseja que o Papai Noel erótico (aquele que não faz HoHoHo e sim ooooooh, ooooooh, oooooooohhhh) traga um saco de bucetas quentinhas para os hômi ( e pras muié que - nham! - sejam chegadas) e um contêiner de CARALHAS ciclópicas e insaciáveis para as muié (e para os homé que - ui! -não têm medo de serem felizes). FELIZ NATAL!!!!!!!!!!!!!

Outro diário coletivo é o Telescópica (www.boechat.com/tele), escrito por Jean Boechat, Ale Boechat e Leo Boechat. Há ainda o Absurdetz (www.mundissa.com/absurdetz), site criado para criticar os erros cometidos contra a língua portuguesa, encontrados em blogs e na web.

Anéis reforçam vizinhança

Outro blog igualmente bem citado na mídia e no ranking do Topblogs é o Concatenum.com, do paulista Denis Dias, que tem como lema "tecnologia, internet e conversa fiadabegintex2html_deferred23. Além de se ater à proposta, Denis Dias é responsável por fazer o blog funcionar como um anel, reunindo de uma só vez mais de mil sites brasileiros.

O weblog possui um dispositivo chamado Controle Remoto que permite ao blogueiro ou qualquer visitante entrar e sair de até 80 blogs como se estivesse mudando de canal. Ele é também o primeiro site hospedeiro que pode ser acessado por computadores de mão da linha Palm.

No Brasil, o anel de site Arredores (http://ring.cabaretvoltaire.com/arredores), criado pelos blogueiros Caio Costa e Jean Boechat, sedia 911 blogs (30/12/2001), reforça o sentimento de comunidade. "Estar linkado ao Arredores fortalece a sensação de vizinhança'', diz Caio Costa.22

Como não poderia deixar de faltar, há portais para blogcams, como o Blogcams, the Ring (http://metzeger.ws/blogcams), reunindo 84 membros (dezembro 2001) e o Weblogs with Webcams, postado pela primeira vez em setembro de 2000 e que reúne 89 membros ativos em dezembro de 2001. No Brasil, além dos já citados Concatenum, ativo desde outubro de 2000 e o portal Arredores (http://ring.cabaretvoltaire.com/arredores), sediando 911 sites (30/12/2001); há outros como o Exquisite (www.exquisite.com), que sedia 12 blogs.

À guisa de conclusão: o novíssimo diário e a interface simplificada

A editora do Search Engine Watch, Chris Sherman, não poderia ter utilizado melhor metáfora para definir as duas fases que marcam até agora o fenômeno do diarismo on-line$. $As duas ondas da ``web escriturável'' apontam para pelo menos duas características ligadas à própria natureza deste fenômeno: o movimento e a capacidade de, com sua textura fluida, ir construindo ou desconstruindo desenhos nas areias dessa praia chamada ciberespaço.

O diário on-line contemporâneo, ou como podemos já o denominamos24, o novíssimo diário, trouxe de volta a web a seus primórdios, ao tempo da escrita, no qual, por deficiências tecnológicas, o texto era prioridade em qualquer site. Como lembra o designer e blogger brasileiro, Nemo Nox25:

Numa sociedade dominada pelos meios audiovisuais, voltávamos subitamente ao domínio do texto. Depois, com a aproximação da mítica banda larga, a web começou a ser invadida pelo visual e fomos inundados por sites bonitos, porém, desprovidos de conteúdo. Para muitos que não tinham o que dizer, numa paráfrase de mau gosto a McLuhan, o design passou a ser a própria mensagem, a única mensagem.

O mérito deste retorno está no fato de que a rede mundial de computadores, como apontou Sherman, tende para o que vislumbrara Tim Berners Lee, seu criador. Ser um recurso, uma mídia participatória onde todos pudessem ler e publicar documentos. ``(...) poucos imaginavam que poderia haver tanta verborragia espalhada pelo mundo, e legiões de escribas se lançaram à web mal os obstáculos para a publicação foram contornados", observa Nemo Nox26.

Os "obstáculos" a que o blogueiro Nemo Nox se refere, são as interfaces que, simplificadas, mudaram radicalmente a face da rede. Quando em janeiro de 1994 Justin Hall postou pela primeira vez seu diário on-line na web, antes teve que aprender códigos de linguagem html (hipertext, markup language) e entender de protocolos ftp (file transfer protocol) para poder vê-la no ar.

Com o surgimento de centenas de ferramentas de edição, como o Blogger (www.blogger.com), da empresa Pyra Labs, ou o Manila (www.weblogger.com), da empresa UserLand (www.userland.com), as facilidades de postagem de diários virtuais na internet aumentaram consideravelmente. Não há mais necessidade de ser especialista em construção de páginas para editar e postar conteúdo pessoal num dos milhares de blogs que circulam na rede mundial de computadores. O processo é simples e rápido e pode ser feito de qualquer computador ligado à internet, o que antes, com o uso de editores na linguagem html, isso não era possível. O filosófo francês Pierre Lévy lembra que:

No momento em que a maioria dos usuários definitivamente não é mais informata profissional, quando os problemas sutis da comunicação e da significação suplantam os da administração pesada e do cálculo bruto que foram os da primeira informática, a interface torna-se o produto nodal do agenciamento sociotécnico (LÉVY: 1998, p. 177).

O autor diz que o objeto técnico, com suas redes de interfaces, vem se espraiando desde sempre no universo social provocando mudanças e, muitas vezes, sem que sejam necessárias grandes inovações. `As vezes bastam pequenas reformas nas sociedades das coisas para gerar grandes efeitos na ecologia social. Gutenberg passou anos regulando problemas na prensa, na tinta, na liga de chumbo e estanho...", observa (id. Ibidem, p. 181).

Da mesma forma, podemos dizer que os desenvolvedores de softwares do Vale do Silício passaram alguns anos regulando a "prensa" do browser que permitiria a facilidade de acesso à edição e postagem de diários virtuais na rede. Antes disso, revoluções já tinham atingido o mundo da informática, a partir da década de 1940, afetando diretamente a relação do homem com a máquina. Entre 1940 e 1960 a Revolução da Tecnologia da Informação foi impulsionada pelo chamado "complexo acadêmico-industrial-militar". Neste período, o governo americano investiu, através das agências do Departamento de Defesa, somas consideráveis para o desenvolvimento do computador e sua aplicação no sistema de defesa e no comando e controle de guerras.

A segunda revolução, que Manuel Castells27 chama de a "revolução dentro da revolução", ocorre a partir de 1970. O microprocessador foi inventado em 1971, no Vale do Silício, Califórnia, por um engenheiro da Intel, o que levou à criação do microcomputador, o Apple, por Steve Wozniack e Steve Jobs, em 1976.

No final da década de 1970, um conjunto de interfaces que originou o Desktop Publishing (DTP) afetou a estrutura da editoração eletrônica, possibilitando maior automação de indivíduos, organizações e empresas no processo de produção gráfica. "Ao abrir novos espaços para a publicação descentralizada, o DPT impôs pouco a pouco toda uma reorganização dos circuitos de comunicação das empresas, das pequenas edições e do jornalismo", lembra Lévy (Op. Cit. p. 178). A partir da década de 1980, o mouse permite manipular ícones e janelas, aprofundando ainda mais a relação homem-máquina.

Para Lévy, a noção de interface pode ser usada para analisar todas as tecnologias intelectuais. Na relação homem/máquina ele a define como "o conjunto de programas e aparelhos materiais que permitem a comunicação entre um sistema informático e seus usuários humanos" (Op. Cit., p. 176). Neste caso, a interface tem como função facilitar a comunicação entre o indivíduo e a máquina, propondo-se enquanto dispositivo, a simplificar o alcance dos objetivos que se procura estabelecer.

Simplificada da primeira para a segunda onda, a interface para edição e postagem de diários virtuais estendeu, como vimos, o alcance da "web escriturável". Permitiu que literalmente milhares de usuários a utilizassem para postar na rede uma espécie de ato performático individual nos diários on-line, que contêm desde informação de caráter pessoal, íntimo, passando por expressões literária, política, jornalística e narrativas individuais de toda ordem.

Lévy diz que a interface é o dispositivo que opera as duas dimensões do devir: "o movimento e a metamorfose". Para ele, o computador não comporta uma visão estática ou logicizante porque a interface é o elemento que vai encarnar a mudança. Esta imagem traduz bem a outra imagem trazida por Chris Sherman sobre as "duas ondas da web escriturável". Agenciando a interface a comunicação de um conteúdo cada vez mais pessoal na rede, possibilita-se aquilo que Lévy diz passar através da interface: "outras interfaces". Chega-se aqui neste caso específico, aos diários on-line, cheios de conteúdo pessoal, de subjetividade individual, carregados de uma de suas principais características: a presença de links. Links estes atualizados a cada segundo, que conduzem a nós de um imenso hipertexto, metamorfoseante na velocidade dos bits, sem que seja possível definir seus contornos e seus limites.

Neste cenário do ciberespaço o ator, peça principal de um coletivo pensante, inteligente, desempenha um papel fundamental. Segundo Lévy, ao ser orientado pela natureza da interface, o ator "abre, fecha e orienta os domínios da significação, de utilizações possíveis de uma mídia". É ele quem tem em vista "outros atores e outras interfaces a captar, deslocar, envolver, desviar e deformar, conectar e metabolizar" (Op. Cit., p. 182). No caso dos diários on-line$,$é quem agencia, no meio metamorfoseante do ciberespaço, a cada onda, o renovar dos desenhos na areia.

Bibliografia



Notas de rodapé

... Oliveira1
Jornalista, mestra em Comunicação e Cultura Contemporâneas Facpm/UFBa, área de concentração Cibercultura; professora do curso de Comunicação/habilitação em Jornalismo da Faculdade Integrada da Bahia. E-mail:rosameire8@uol.com.br
...co2
Segundo Pierre Lévy em sua obra Cibercultura, ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores, especificando não só os próprios seres humanos, mas o universo de informações e os próprios seres humanos que o movimentam.
... blog''3
Disponível em http://dear_raed.blogspot.com . Acesso em 25/3/03

... Weblog4
Diponível em: www.kansascity.com/mld/kansascity/news/special_packages/iraq/families/. Acesso em 21.abril.2003
... Blog5
Disponível em: <www.wcpo.com/specials/2003/iraq/stories/warblog/ > . Acesso em: 26.abril.2003
... thing.6
Disponível em: http://wcpo.com/specials/2003/iraq/stories/warblog/04/25.html . Acesso em 27/4/03
... siege7
Disponível em: < www.keepfaith.com > . Acesso em: 24.jun.1999
... Diaries8
Disponível em: < www.webcinema.org/war-diaries/ >. Acesso em 22.abril.1999
... conhecimentos''9
SHERMAN, Cris. Pass me the Blog, please. Disponível em: http://www.searchengine.com/searchday/01/sd0614-blog.html . Acesso em: 12.dez.2001
... Diary10
www.carolyn.org
... internet11
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Disponível em: http://www.links.net> . Acesso em: 01.dez.1998
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Disponível em: <http://www.links.net/webpub/whyweb.html >. Acesso em: 01.Out.1998
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< http://www.no.com.br/revista/noticia/22355/991278097000 >. Acesso em: 26.out.2001

... comunidade''21
CALDAS, Lia. Apud VERSIGNASSI, Alexandre. Disponível em: <http://www.uol.com.br/folha/informatica/ult124u3961.shl >. Acesso em: 19.nov.2001
... Costa.22
COSTA, Caio Apud ZANDONADI, Viviane. Disponível em: http://epoca.globo.com/edic/ed07052001/soci2a.htm>. Acesso em: 26.out.2001
... fiadabegintex2html_deferred23
Disponível em: <www.concatenum.com>. Acesso em: 26.out.2001
... denominamos24
O conceito de novíssimo diário, ligado ao diário on-line,l foi definido na dissertação Diários Públicos, Mundos Privados: diário íntimo como gênero discursivo e suas transformações na contemporaneidade, de minha autoria, defendida no Mestrado de Comunicação e Cultura Conteporâneas Facom/UFBa, em fevereiro de 2002.
... Nox25
Disponível em: <http://www.burburinho.com/nn010711.html > . Acesso em: 26.out.2001
... Nox26
Idem, ibidem
... Castells27
Autor da obra A Sociedade em Rede, publicada no Brasil pela Paz e Terra. No Volume I, Castells examina com extensão e profundidade a sociedade da informação e os efeitos fundamentais da tecnologia da informação no mundo contemporâneo.