Adriano Messias de Oliveira
UNI-BH - Centro Universitário de Belo Horizonte
Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai.
Esta que me deu corpo é minha Mãe.
Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te fizeram
Em espírito.
E esses foram sem número.
Sem nome.
De todos os tempos.
Deixaram o rastro pelos caminhos de hoje.
Todos os que já viveram
E andam fazendo-te dia a dia
Os de hoje, os de amanhã.
E os homens, e as coisas todas silenciosas.
A tua extensão prolonga-se em todos os sentidos.
O teu mundo não tem pólos.
E tu és o próprio mundo.
Cecília Meireles
``Som els dos supervivents. Jo, i l'altre, que és el meu odiós enemic. I al nostre voltant res més, in inacabable desert.'' Pàmies
Os astrofísicos e exobiólogos vertem seus olhares para as infindas planícies que se descortinam além da Terra, em busca de indícios de civilizações extraterrenas. Os geneticistas vasculham os vértices e as sutis ligaduras do DNA à procura dos vestígios dos antepassados. Os poetas e os bardos, os aedos e os sacerdotes, as pitonisas e os médiuns querem manter contato, há milênios, com o outro que não vêem. A saudade, o pranto, a dor, mas igualmente a ternura, a paixão, o sentimento fraterno tornam-se índices de que alguém por mim passou, ou de que um outro se faz presente em meu caminho.
Amizade e amor estão entre as palavras mais escritas nos anais do tempo. Desde a Antiguidade, filo, ágape e eros são elementos da empreitada humana, da construção social, da arquitetura da linguagem e do processo da comunicação. Não se pode pensar no ato comunicativo sem levar em consideração a saga da busca pelo Outro1 - entendendo a presença da intersubjetividade como vivência e como representação das grandezas e das mazelas de nossa espécie.
Ser humano é ser comunicante, é estar marcado pelo corte que nos separou, em antanho, do restante dos seres e das coisas do mundo; corte esse que se configura na capacidade de representação simbólica desse mesmo mundo, por intermédio da linguagem, exercitada e legitimada no âmbito da comunicação. E eis um desafio com o qual, desde o início do século, os estudiosos (sejam eles psicólogos, sociólogos, antropólogos, psicanalistas, cientistas políticos, filósofos, engenheiros, semioticistas, lingüistas, semiólogos ou comunicólogos) vêm lidando: a compreensão da intersubjetividade, do diálogo possível, da construção da identidade e dos laços sociais.
Este trabalho tem como proposta inicial trilhar brevemente os caminhos (e os descaminhos) tomados pelos homens, no decorrer do século XX, na busca do Outro, dentro da esfera comunicacional. Portanto, consta de um parte intitulada A voz olvidada dos subjugados, a qual enumera as escolas, as correntes e os pensadores que se preocuparam menos com a questão da alteridade na comunicação social; e de uma segunda parte, A cornucópia do desejo, com um histórico das linhas de pesquisa (e seus respectivos estudiosos) que lançaram um olhar mais ousado e profundo em torno da intersubjetividade. Uma terceira parte, O eu e o outro que se sagram pela linguagem, aborda a relação entre as subjetividades, relação esta marcada pela presença da linguagem. A Conclusão enfatiza os novos paradigmas da comunicação social do fim do século.
A Mass Communication Research, ou Pesquisa Norte-Americana, atuante na década de 30 e, sobretudo, na de 40, é a primeira escola que se insere no rol daquelas que tiveram outras preocupações no universo da comunicação dos media que não a relação entre as intersubjetividades. Com um caráter instrumental e pragmático, ela pretendia responder às necessidades e aos problemas da nova realidade comunicativa que se instaurava na primeira metade do século. Lasswell, Lazarsfeld, Lewin e Hovland foram seus quatro pesquisadores principais, imbuídos pelo estudo dos efeitos e das funções dos meios de comunicação de massa, observadores dos elementos internos do processo comunicativo.
Desta corrente surgiu a Teoria dos Efeitos (Teoria Hipodérmica), alicerçada no binômio estímulo-resposta (a partir dos estudos de Pavlov), e no objetivismo behaviorista (embasada nas pesquisas de Watson), que, transpostos para a área da comunicação, conferiam onipotência aos meios de comunicação de massa (MCM2). De acordo com os estudos realizados, cada indivíduo, desconsiderando-se os fatores históricos, sociais e emocionais de sua vida, era diretamente atingido e manipulado pelas mensagens veiculadas. Tal linha de pesquisa surgiu no período entre guerras - marcado pelos regimes totalitários - e dava crédito à manipulação das massas por meio da mídia. As relações interpessoais não interessavam, e cada pessoa era encarada como um ser passivo e submisso, sem vontade própria, cujo pensamento era complemente inibido quando estava agrupada a alguma massa (teoria da psicologia social de Le Bon). Em 1921, FREUD, citado por MATTELART (1999), já criticava tal postura:
``Se o indivíduo isolado na multidão abandona sua singularidade e se deixa sugestionar pelos outros, fá-lo porque nele existe a necessidade de estar de acordo com eles, mais do que, em oposição, fazendo-o pois talvez, afinal de contas, `por amor a eles'.'' (MATTELART, 1999: p.25).
Para a Teoria dos Efeitos, havia um grande interesse em se compreender o mecanismo da persuasão. A mídia agia como agulha hipodérmica, inoculando suas ``verdades'', modificando o comportamento social por meio de manipulações, e buscando a organização ótima das mensagens.
Paralela à Teoria Hipodérmica e à Abordagem Empírico-Experimental3, estava a Teoria Funcionalista, que, como o nome indica, se preocupou com as funções dos MCM e adotou uma linha sóciopolítica: ela saiu do indivíduo e concentrou-se na sociedade. Foram estabelecidos modelos e funções (como os de Wright, o de Lasswell4 e o de Lazarsfeld-Merton), visando a compreender como a dinâmica do sistema social definia o campo de interesse de uma teoria dos mass media. Nos anos 40 e 50, a sociologia funcionalista da mídia redescobriu a importância dos grupos primários (o Two-Step-Flow).
A Teoria dos Efeitos Limitados (Two-Step Flow5 ou Abordagem Empírica de Campo) tentou mostrar que os efeitos não podem ser atribuídos totalmente à esfera do indivíduo, mas também à rede de relações. Abriu-se a possibilidade para a influência das relações informais entre as pessoas no resultado, por exemplo, de uma campanha publicitária. O processo de influenciação é indireto e depende da presença não apenas dos MCM em si, mas, sobretudo, de líderes de opinião. A comunicação é analisada como ato verbal, consciente e voluntário.
Ainda no âmbito funcionalista, devemos destacar os estudos de Kurt Lewin sobre a ``decisão de grupo'', o fenômeno do formador de opinião, as ``reações'' de cada membro no interior do grupo e diante de uma mensagem comunicada por diferentes vias. Lewin procura mostrar que a conduta de um indivíduo resulta de suas relações com o meio físico e social que age sobre ele.
Houve, nos anos 50, uma voz dissidente: Wright Mills, iniciador dos estudos culturais (cultural studies) americanos, que buscou relacionar as experiências pessoais vividas na realidade cotidiana às questões do dia a dia cristalizadas nas estruturas sociais. Ele inovou ao perguntar que tipo de homem e de mulher a sociedade estava criando.
Claude Shannon e Warren Weaver são dois nomes que se destacaram na busca da formalização do processo comunicativo. Ambos engenheiros matemáticos, tentaram realizar um estudo quantitativo de engenharia da comunicação. A Teoria Matemática da Comunicação ou Teoria da Informação estabelecia a comunicação como sistema (e não como processo) de transmissão de uma mensagem, por meio de uma fonte de informação, através de um canal, a um destinatário. A comunicação, para eles, tinha um modelo linear, unidirecional. Com Shannon e Weaver abrem-se as primeiras referências substantivas para o estudo da complexidade (Teoria da Informação e da Cibernética).
A famosa Teoria Crítica (ou Escola de Frankfurt) foi composta pelos judeus Adorno, Marcuse e Horkheimer, além de outros acadêmicos, influenciados, principalmente, por Marx e Freud (psicologia do profundo), mas, ainda, por Hegel, Kant, Nietzche e Shopenhauer. Seus pensadores buscavam a crítica da sociedade como um todo, preocupados com a superestrutura ideológica e com a cultura. Abordaram sobremaneira a indústria cultural6, dentro da perspectiva da manipulação. Dentre os seus temas de interesse, está a indústria cultural, sistema em que os produtos culturais se conjugam harmonicamente; nela, existe e estandardização, a organização, a estereotipagem e a baixa qualidade dos produtos; seu objetivo resume-se a vender bem, agradar, e não inovar. A indústria cultural é multiestratificada - as mensagens ora são explícitas, ora são ocultas. Os indivíduos aderem acriticamente aos valores impostos. Desmorona-se a individualidade para surgir uma pseudo-individualidade, calcada na adesão irreflexiva aos valores da indústria cultural. Os indivíduos não passam de fantoches manipulados pelas normas sociais, e são vistos como desprovidos de autonomia, de consciência para julgar e de senso crítico. A mentalidade das massas seria imutável. Em relação ao cinema, acreditavam que os filmes paralisavam a imaginação e impediam o trabalho intelectual.
Uma discussão importante dos frankfurtianos era a conjugação entre arte e tecnologia (imbuídos de uma visão erudita da vida, viam o princípio de reprodução como não benéfico, a partir do momento em que a intromissão da tecnologia no ambiente da cultura dessacralizaria a arte). Membro importante dessa escola foi Walter Benjamin - que voltou a despertar, a partir dos anos 80, grande interesse nos comunicólogos, enquanto que Adorno e Horkheimer saíram do cenário de discussões midiológicas nos anos 70. Marcuse, talvez o maior nome da Escola de Frankfurt, verdadeiro emblema de maio de 68, demonstrava a irracionalidade de um modelo de organização social que subjuga o indivíduo, em vez de libertá-lo. A linguagem do discurso mediático era tida como unidimensional; a instrumentalização das coisas tornava-se a instrumentalização dos indivíduos.
Até aqui, expusemos as escolas, teorias e pesquisadores que achamos ter mais interesse para um suposto processo sistemático e universal da comunicação, do que para construção intersubjetiva do processo comunicativo. Acreditavam em um indivíduo que permanecia à mercê dos MCM, manipulável, incapaz de reagir às mensagens e jamais visto como alguém capaz de transitar em um mundo compartilhado intersubjetivamente. Não negamos a importância que tais estudos tiveram para seus respectivos momentos históricos quando, ainda incipiente o campo de pesquisa da comunicação social, foram seus pesquisadores beber em fontes mais seguras, como as ciências exatas e biológicas. Porém, anterior, concomitante e posteriormente às teorias da Primeira Parte, houve campos de pesquisa e estudiosos que se configuraram como fundamentais para estabelecer uma conduta e um corpo textual para as pesquisas do Outro na esfera da comunicação social.
Antes mesmo de começarmos a tratar propriamente as escolas e linhas de pesquisa que se envolveram com a área comunicacional e mediática, relembramos a Idéia de Gemeinschaft7 ou Teoria dos Vínculos Sociais de Tönnies - conhecida pelos sociólogos -uma formulação teórica advinda da província alemã de Schleswig-Holstein. O jovem sociólogo Ferdinand Tönnies produziu, em 1887, uma análise teórica chamada Gemeinschaft und Gesellschaft. Tal teoria opõe dois tipos contrastantes de organização societária (um pré-industrial e um como produto da industrialização).
Interessa-nos, particularmente, a Gemeinschaft, que traduziremos muito imperfeitamente por ``comunidade''. Ela trabalha com os laços e sentimentos existentes entre os membros de uma família. Mas sua idéia ultrapassa tais laços ao estudar não apenas as pessoas unidas pelo sangue, mas, igualmente, as que se unem de uma maneira informal pela tradição, pela amizade, por alguma crença ou por outro fator social de coesão. A idéia de Gemeinschaft encerra um sentimento recíproco, vinculativo, que mantém os seres humanos juntos como membros de uma totalidade, que pode ser uma família, um clã, uma aldeia, uma ordem religiosa, uma sociedade. Poucas sociedades podem ser consideradas totalmente inseridas no contexto Gemeinschaft, mas tal teoria é precursora, antes mesmo de trabalhos mediológicos e comunicacionais, das aferições sobre uma possível intersubjetividade.
A Gesellschaft, por sua vez, estabelece um relacionamento social voluntário, mediante um acordo racional e formal. Nela, existe um comprador e um vendedor; tal protótipo relacional insere o indivíduo em um sistema social impessoal, anônimo e competitivo. Ambas as concepções podem ser consideradas exageradas, já que não tinham finalidade outra que não a de serem arcabouços teóricos. Servem, inicialmente, para se fazer uma primitiva avaliação do impacto dos MCM na sociedade e nas formas de relacionamento.
As pesquisas comunicativas do século XX foram inauguradas pela Escola de Chicago, ainda pouco conhecida no meio acadêmico brasileiro, e que demonstrou, de alguma forma, uma preocupação com o Outro. Esta escola existiu da primeira década do século até o início dos anos 40, e visava a estudar o interacionismo social. Destaca-se, entre seus pesquisadores, o nome de Ezra Park. Foram iniciados os estudos sobre os imigrantes europeus que aportavam na costa leste dos Estados Unidos. Para esta escola, a cidade era tida como um tipo de ``laboratório social''. Outro legado de valor advindo da Escola de Chicago é ter-se podido falar em ``ecologia humana'', bem antes de a ecologia ser palavra desgastada nos MCM, como o foi nas últimas duas décadas. Seus estudiosos percebiam a luta pelo espaço regendo as relações interindividuais; desenvolveram a noção de competição e a de divisão do trabalho. Atribuíam, todavia, um certo determinismo biológico às comunidades humanas.
Charles Horton Cooley, representante do Interacionismo Simbólico, foi muito influenciado por esta corrente. Ele desenvolveu estudos que procuravam demonstrar que a comunicação humana existia em decorrência das diversidades individuais. Estudou os grupos primários - onde existem com associação e cooperação íntima entre os indivíduos -, a construção do self (Jung), o aprofundamento da experiência individual e a desintegração das relações sociais. A Escola de Chicago pode ser considerada a ancestral e fundante da busca da intersubjetividade.
Para Cooley, as pessoas são capazes de relacionar-se umas com as outras, não baseadas em suas características objetivas, mas somente por meio de impressões (``idéias pessoais'') que criam a respeito das outras, graças às suas interações. Criamos idéias pessoais para cada indivíduo que conhecemos, e idéias mais gerais para pessoas de diferentes categorias, tomadas como coletividades. A idéia pessoal é uma construção de significados, um conjunto de atribuições imaginadas, que projetamos em cada um de nossos amigos e conhecidos como se fossem interpretações de suas reais personae.. Cooley estava convicto de que somente criando essas duplicatas de pessoas reais em nossas mentes é que podemos nos empenhar em intenção social com as mesmas. Usamos a idéia pessoal que temos de cada pessoa como base para prever seu comportamento ou o de outras que se pareçam com ela. A idéia pessoal, dessa forma, torna-se a pessoa real. É só nela que um homem existe para outro, e atua diretamente sobre sua mente. A sociedade seria, em suma, uma relação entre idéias pessoais.
Charles Cooley ainda desenvolvia o pensamento de que é preciso que tenhamos também uma idéia pessoal minuciosa de nós mesmos. Isso nos permite um conhecimento que nos ajuda a definir como devemos agir no relacionamento com outras pessoas. Saber que somos masculinos ou femininos, gordos ou magros, bonitos ou feios, inteligentes ou medíocres, é crítico para a formação de nossas reações a outros, acerca dos quais temos idéias pessoais.
Tal proposição do autor em questão remete-nos a uma analogia com o Estágio do Espelho, de Jacques Lacan. Vamos fazer aqui um parêntese para tratarmos desta interessante contribuição para o campo de estudo da intersubjetividade. Particularmente, entendo tal período como aquele em que a criança (entre 6 a 18 meses, geralmente) se vê refletida em um espelho qualquer, por iniciativa de um adulto. Como sua coordenação motora é muito imatura nesta idade, a criança tem uma impressão fragmentada e descoordenada de seu corpo. É ao se ver como imagem (imago) no espelho que ela passará a desenvolver uma impressão a respeito de si mesma. É o espelho (o outro) que lhe diz quem é. Estendendo tal conceito para o campo da comunicação, podemos afirmar que é também a partir do(s) outro(s) - nosso(s) espelho(s) - que o nosso eu se constituirá.
Lacan ainda faz inferências sobre as implicações da fase edipiana e da castração como formadoras da identidade (inclusive e principalmente a sexual) de um indivíduo. O Édipo é, para este psicanalista francês, a descrição de uma estrutura intersubjetiva na qual estão presentes mãe - filho - pai. O pai é tal em relação a alguém que é filho, e vice-versa; isso demonstra, a título de exemplo, uma estrutura como organização que tem posições e lugares vagos, os quais podem ser ocupados por personagens distintos - o que coaduna perfeitamente com os pensamentos semióticos e interacionistas ligados ao campo intersubjetivo.
Ainda para continuar exemplificando a relação intersubjetiva (para que possamos criar analogias com o que se dá entre sujeito - sujeito - MCM), mencionamos que, para o menino, o Outro8 se encontra na relação primordial com a mãe. O Outro é a linguagem que, contudo, não é a dele, pois é trazida de fora. A mãe é o Outro e, ao mesmo tempo, o ``outro'' (o lugar do transitivismo, a imagem com a qual o menino vai se identificar e, daí, será constituído o seu ego como ego-representação). Ela é o outro imaginário, o semelhante especular (e, assim, o autre nos interessa mais neste estudo e se aproxima mais da abordagem de Cooley) com o qual o menino se identifica; ele crê que o outro é ele. O filho passa a tomar a identidade sugerida pela mãe como se fosse dele; toma o desejo dela: ele é o inteligente, o bravo, o que vai ser médico, o que vai se casar com uma bela mulher...
O pai, por sua vez, é o privador da mãe em sentido duplo: priva o menino do objeto de seu desejo e priva a mãe do objeto fálico (o filho). Há uma substituição da demanda do sujeito, ao dirigir-se ao outro (o semelhante, o outro da relação especular; a mãe); é aqui que encontra o Outro do outro, sua lei.
O menino, dirigindo-se à mãe (outro), encontra um Outro (a lei ou algo que a signifique, à qual a mãe também deve se submeter). É a chamada castração, que instaura o falo como algo que está fora de qualquer personagem; ele se institui na cultura.
A lei é o regulamento que está acima do desejo e da vontade do indivíduo. Para o menino, o protótipo frásico da lei seria ``não dormirás com a tua mãe, mas poderás dormir com qualquer outra mulher'' - em suma: a proibição do incesto. O pai se manifesta para o filho como outro, não como lei; é um semelhante, com o qual o menino rivaliza.
Daí em diante, o sujeito (o menino) apresenta-se sob a máscara da masculinidade (identificação com o Ideal do Ego - uma verdadeira constelação de insígnias). O sujeito que o possui fica tipificado como pertencente à classe dos homens.
O pai outorga o direito à sexualidade e produz-se o surgimento da identidade de se ser sexuado. Desta forma, a identidade não é algo que deriva de si mesmo, e sim, que chega a ser aquilo que é. Conseguimos, pela evolução do Complexo de Édipo, a ter como identidade sexual aquilo que anatomicamente somos. A normativação, por conseguinte, é a inscrição do sujeito em uma norma da cultura. Deixando de lado estas abordagens psicanalíticas, prosseguimos nosso estudo.
Todo comportamento na presença de outra pessoa é comunicação. Esta poderia ser a premissa da segunda escola que desenvolveu estudos sobre o campo intersubjetivo, de acordo com a seqüência escolhida para este trabalho: a Escola de Palo Alto9 ou Colégio Invisível, ou ainda Escola da Práxis10, dos anos 40 (lamentavelmente só reconhecida na década de 80). Para seus diversos estudiosos, a comunicação social deveria ser estudada pelas ciências humanas e a partir de um modelo próprio. A comunicação era vista dentro de um modelo circular retroativo, no qual o receptor tem papel tão importante quanto o emissor, o que entra em desacordo com o pensamento das teorias da Primeira Parte, em especial a funcionalista e a frankfurtiana. A essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais, e não mais ao império dos MCM sobre os indivíduos alienados em suas massas amorfas. Todo o comportamento humano passa a ter valor comunicativo; as relações humanas são um vasto sistema de comunicação.
Para os estudiosos da Escola de Palo Alto (em especial, Watzlawick), as perturbações psíquicas remetem a perturbações da comunicação, a qual também passa a ser estudada como processo social permanente, que integra múltiplos modos de comportamento: a fala, a gestualidade (cinética), o olhar, o espaço interindividual (proxêmico). Os imprevistos do comportamento humano são reveladores do meio social. A análise do contexto se sobrepõe à análise do conteúdo.
Gregory Bateson (antropólogo), Birdwhistell, Edward T. Hall, Goffman e Watzlawick são presenças importantes dessa escola. Hall lançou as bases da proxêmica, destacando as múltiplas linguagens e códigos, as ``linguagens silenciosas''11 próprias de cada cultura: do tempo, do espaço, da posse material, dos modos de amizade, de negociações, de acordos. Tais linguagens informais estão na origem dos choques culturais.
Paul Watzlawick mostrava que a interdependência entre indivíduo e meio foi menosprezada pela exploração psicanalítica e que, justamente aí, o conceito de troca de informação (comunicação) tornava-se indispensável (WATZLAWICK, 1973: p.25). Ele realizou pesquisas no campo mental, estudando os modos de comunicação dos esquizofrênicos (que, ao tentarem negar que se comunicam, acabam por fazê-lo) e os sintomas catatônicos12 como comunicação. Também foi WATZLAWICK (1978: p.7) que afirmou que a comunicação cria o que chamamos realidade, tema também estudado por Berger e Luckmann na obra A Construção Social da Realidade, ao abordarem a realidade do mundo quotidiano.
Watzlawick mostra ainda que as pessoas, no nível relacional, não comunicam sobre fatos situados fora de suas relações, mas oferecem-se mutuamente definições dessa relação e, por implicação, delas próprias. Ele, com Von Glasersfeld, Von Foerster e outros, defendia um ``construtivismo radical'', que faz da ``realidade'' o puro correlato do espírito, da consciência, da linguagem ou da interpretação. O protótipo de sua metacomunicação é ``Isto é como eu vejo a mim próprio (em relação a você, nesta situação específica)''. O conceito de eu para Watzlawick tem de ser continuamente reconstruído, se quisermos existir como pessoas e não como objetos. Este conceito é reconstruído, em especial, na atividade comunicativa. Mais uma vez percebemos semelhanças com o pensamento de Berger, Luckmann e também com Bakhtin.
Pierre Bourdieu, outro representante de Palo Alto, preocupou-se com a violência oculta. A sociedade, para ele, é tida como sistema de relações de força e de sentido entre gêneros e classes. Michel Foulcault, por sua vez, reconheceu os dispositivos da comunicação-poder e pensou um modelo de organização em ``panóptico'': o dispositivo televisual controlando e vigiando o indivíduo e assegurando a produção positiva de comportamentos. A TV seria a ``máquina de organização'', ``panóptico invertido''.
Na década de 50, nasceu a Teoria Culturológica ou Escola Francesa (que, juntamente com a Escola de Birmingham, concentrou-se nos estudos culturais com base antropológica, e não nos dos MCM). Um nome importantíssimo dessa escola é o de Edgar Morin, que identificou uma nova forma de cultura na sociedade: a cultura de massa. A cultura, para ele, é um sistema constituído de valores, símbolos, imagens e mitos que dizem respeito à vida prática e/ou ao imaginário coletivo, compondo uma dimensão simbólica que permite aos indivíduos se localizarem no grupo, formando uma espécie de atmosfera que permeia a inser&