Situação do Ensino e da Formação Profissional
na área do Jornalismo

Mário Mesquita e Cristina Ponte
1996-97

Estudo elaborado para a Representação da Comissão Europeia em Portugal

Terceira Parte

Síntese conclusiva


 


7. Situação presente e perspectivas futuras

7.1. Generalistas em comunicação
7.2. O predomínio das ciências da comunicação
7.3. A coexistência com a publicidade e as relações públicas
7.4. A insuficiência da área específica do jornalismo
7.5. A problemática europeia
7.6. Perspectivas futuras
8. Bibliografia
 
 

7.1. Cursos generalistas

Não existe em Portugal uma tradição de «escolas de jornalismo» que conjuguem a formação humanística e as aprendizagens profissionalizantes, equivalentes ao tipo de ensino que se implantou nos Estados Unidos da América no final do século passado e que recebeu decisivo impulso, já no século XX, com a criação do curso da Universidade de Columbia (1912), em Nova Iorque, na sequência de um donativo do empresário de jornais Joseph Pulitzer.

No nosso País, embora o Sindicato dos Jornalistas tenha reivindicado, ao longo de décadas, a introdução deste tipo de ensino, as licenciaturas em Comunicação precederam, a nível universitário, qualquer formação específica em jornalismo. Os cursos visavam, no seu conjunto, a problemática e as profissões da «sociedade de comunicação», sem considerarem a especificidade do jornalismo.

A área das ciências da comunicação surgiu no ensino universitário, sob o impulso fundador da Universidade Nova de Lisboa, essencialmente como uma problemática teórica e um domínio de investigação transdisciplinar. O «modelo» introduzido pelo curso da Universidade Nova de Lisboa, no final dos anos 70, apontava para uma competência generalista em comunicação, que permitiria enquadrar um leque diversificado de saídas profissionalizantes.

Estes cursos reflectem as características das instituições fundadoras. Ao contrário do que sucede, por exemplo, em Espanha, onde se optou por faculdades autónomas de Ciências da Comunicação, o ensino universitário desta área surgiu, entre nós, em Faculdades de Ciências Sociais e Humanas ou de Letras, que, na maior parte dos casos, olharam com suspeição para esta área sem tradição universitária no nosso País.

A localização dos cursos nessas escolas teve, naturalmente, a consequência positiva de assegurar um sólido enquadramento no domínio das ciências sociais e humanas e uma garantia de autonomia perante tropismos corporativos que poderiam conduzir a um ensino puramente profissionalizante e empiricista. Em contrapartida, verificou-se um excessivo alheamento das problemáticas teórico-práticas do jornalismo e instaurou-se um clima de desconfiança mútua entre as instituições académicas e o meio profissional dos jornalistas.

Os anos 80 foram dominados pelas formações generalistas em comunicação, mas, progressivamente, os diferentes cursos - correspondendo a solicitações internas (dos docentes especializados nas diferentes áreas) e externas (provenientes, de forma difusa, das empresas e dos sindicatos) - introduziram ou aperfeiçoaram as «variantes» profissionalizantes.

Se ressalvarmos a excepção da Escola Superior de Jornalismo do Porto - instituição de ensino superior cooperativo criada em 1985 -, será na década de 90 que a diversificação e especialização dos cursos se colocará com maior vigor. Foram marcos relevantes a criação da primeira Licenciatura em Jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1993) e do curso politécnico da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (1996) (1), ao mesmo tempo que, noutras instituições, como é o caso da Universidade Nova de Lisboa, se aperfeiçoavam e desenvolviam as «vertentes» profissionalizantes, entre as quais figura o jornalismo (2).

O Jornalismo surge, na maior parte dos casos, integrado em cursos de Ciências da Comunicação ou de Comunicação Social, que possuem um tronco comum de duração variável, situação que ocorre em todas as universidades privadas e na maioria do ensino universitário público, com a excepção de duas licenciaturas (Jornalismo na Universidade de Coimbra e Novas Tecnologias da Informação na de Aveiro) e de alguns cursos do Politécnico.

No plano da investigação, o jornalismo surgiu tardiamente na Universidade. Registam-se, no final dos anos 80 e início dos anos 90, as primeiras teses de doutoramento sobre o campo dos media e do jornalismo (3). A introdução no Mestrado da UNL (1991-92) de um primeiro seminário na área dos estudos jornalísticos (4) permitiu a apresentação, em 1994, da primeira tese com incidência específica sobre o jornalismo (5).

7.2. O predomínio das Ciências da Comunicação.

Os cursos mais antigos reflectem as características das instituições ligadas ao ensino e à investigação no campo das Ciências Sociais e Humanas - como é o caso da Universidade Nova de Lisboa - onde foram criados. No quadro, adoptado neste relatório, da distribuição das disciplinas por quatro áreas de saber - Ciências Sociais e Humanas, Ciências da Comunicação, Estudos sobre os Media e Jornalismo - verificamos que as cadeiras respeitantes às duas primeiras áreas constituem o «núcleo duro» de todos os cursos existentes.

A organização da área de formação fundamental oscila entre cadeiras do campo das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais e Humanas. Traço comum a estes cursos é a rarefacção de cadeiras de âmbito metodológico de suporte a investigações.

Alguns cursos, à semelhança da licenciatura da Universidade Nova de Lisboa, estruturaram-se em volta da «problemática da comunicação», colocando o acento tónico em disciplinas como Teorias da Comunicação, Semiótica e Sociologia da Comunicação. Noutros casos, como a Faculdade de Letras de Coimbra ou a Universidade Católica de Lisboa, seguiu-se um percurso mais clássico e tradicional, com vista a fornecer aos estudantes a formação humanística considerada desejável para as profissões dos media.

Muitas disciplinas estão presentes em ambos os planos de estudo, mas é evidente a predominância da Filosofia e das Ciências da Linguagem nos cursos da «problemática da comunicação», enquanto os outros colocam o acento tónico em áreas como a história moderna e contemporânea, a cultura e a língua portuguesa.

Não se trata de projectos antagónicos. Os planos curriculares de ambas as «famílias» de cursos coincidem em muitas disciplinas de formação fundamental - da área da Sociologia, da Semiologia e da Filosofia, por exemplo. No entanto, a perspectiva é diversa: num caso estamos perante o projecto de desenvolver um novo campo de saber transdisciplinar, no outro o plano de curso articula-se em função de uma formação para as profissões dos media e do jornalismo na perspectiva das Ciências Sociais e Humanas.

Estes cursos asseguram, com maior ou menor desenvolvimento, disciplinas relacionadas com a aprendizagem das formas de expressão e dos conhecimentos tecnológicos necessários ao exercício das profissões da comunicação.

As disciplinas integradas na categoria dos «estudos sobre os media», que inclui um número considerável de «cadeiras», incidem essencialmente em áreas de saber como o Direito, a Deontologia e a História, enquanto os domínios da Sociologia e da Análise do Discurso parecem menos solicitados. Esta situação prolonga e reflecte a insuficiência da investigação nesta área.

As «afinidades» de formação entre os fundadores e a respectiva estrutura curricular (6) explicam, provavelmente, a proximidade entre as licenciaturas das Universidade Nova de Lisboa, da Universidade da Beira Interior e da Universidade do Minho, que incluem entre as suas áreas de formação fundamental, disciplinas da área das Ciências da Linguagem, da Sociologia e da Filosofia (Epistemologia, Estética, Retórica).

A licenciatura do ISMAG (7) possui igualmente um plano de estudos com alguns pontos de contacto com o da UNL, centrado nas ciências da comunicação, embora com maior ênfase numa perspectiva profissionalizante nos últimos dois anos da licenciatura.

O exame pormenorizado do plano de estudos da Universidade do Minho evidencia que, pelo equilíbrio entre as disciplinas da área da comunicação e as «cadeiras» humanísticas propriamente ditas, este curso se situa numa zona intermédia, entre os planos de estudos dos cursos da UNL e da UBI e as licenciaturas da Universidade de Coimbra, da Universidade Católica de Lisboa ou do ISCSP. O curso da Universidade de Aveiro singulariza-se pelo acento tónico colocado nas «novas tecnologias».

Não é fácil traçar uma linha de demarcação, através da análise dos planos curriculares, entre os ensinos superiores públicos e privados. Ressalta, no entanto, uma distinção notória, aliás comum a todas as demais áreas de ensino, que se situa nas condições de acesso, com menores exigências de habilitação no sector privado: ausência de cadeiras obrigatórias, nomeadamente Português.
 
 

7.3. A coexistência com a publicidade e a comunicação institucional

Na perspectiva da profissionalização, os cursos de comunicação situaram, na maior parte dos casos, o ensino do jornalismo a par de «saídas» no campo da publicidade e da comunicação institucional (relações públicas, comunicação empresarial e outras).

A coabitação do ensino do jornalismo com a comunicação institucional e a publicidade, no âmbito dos mesmos cursos, é posta em causa por muitos investigadores, professores e jornalistas, por entenderem que a prática e a deontologia do jornalismo são antagónicas da lógica que preside às profissões que têm como finalidade influenciar e, muitas vezes, pressionar os jornalistas.

Esta tem sido a posição dominante no âmbito do Sindicato dos Jornalistas. Ao analisarem as formações universitárias existentes, os jornalistas entendem, por via de regra, que «há uma dispersão e uma confusão de áreas profissionais, que vão desde a comunicação social e afins a actividades com conflitualidades éticas com o jornalismo, como a publicidade, relações públicas, administração e gestão empresarial, adidos de imprensa e... até ao turismo»(8).

No entanto, é inegável que - não obstante a especificidade dos discursos e das práticas - o enquadramento teórico de ambos os domínios inclui um número considerável de disciplinas comuns, desde logo todas aquelas que pertencem às Ciências Sociais e Humanas e às Ciências da Comunicação.

No domínio das práticas profissionais, jornalistas e relações públicas estão destinados a cooperar e a confrontar-se, mas, precisamente por terem essa relação estreita, os dois campos têm necessidade de se compreender. Tanto os jornalistas como os profissionais da comunicação institucional ganham em conhecer os objectivos, as práticas, as rotinas e a deontologia do outro campo.

No entanto, muitos investigadores, professores e jornalistas consideram que os dois domínios deveriam estar separados, não só na prática profissional, mas, desde logo, nas salas de aula, por entenderam que os respectivos objectivos são radicalmente diversos.

«O jornalismo deve estar ao serviço do interesse público - escreve John M. Kittross (9), em defesa da separação dos dois campos - e as relações públicas devem servir os clientes, independentemente do que dizem os códigos das diferentes associações comerciais e profissionais». Nesta perspectiva, seria mais lógico que o estudo da comunicação institucional se situasse no âmbito de escolas de economia e gestão do que nas escolas de jornalismo, porque na óptica da «ética profissional» seria mais fácil articular os respectivos objectivos (10).

Sendo impossível abordar a questão de forma exaustiva, no âmbito deste relatório, convém, no entanto, assinalá-la. Aliás, a opção da maior parte das instituições de ensino superior pela integração das áreas profissionalizantes do jornalismo e da comunicação institucional não resulta, em nosso entender, da reflexão sobre questões éticas ou de deontologia, mas da vantagem em rendibilizar recursos humanos a nível do pessoal docente e de proporcionar aos estudantes uma diversificação de saídas profissionais.

Nos casos de opção por cursos especializados em jornalismo, apesar do numerus clausus estabelecido, admite-se que muitos licenciados sejam forçados, pela situação do mercado de trabalho a escolher empregos no domínio da comunicação institucional.
 
 

7. 4. A insuficiência da área específica do jornalismo

Num país onde não existia qualquer tradição de ensino e investigação dos media e do jornalismo, compreende-se que as instituições universitárias estivessem em melhores condições para «oferecer» o suporte teórico generalista indispensável à formação de jornalista do que as disciplinas especificamente ligadas ao estudo dos media ou à prática jornalística.

Assim se compreende que, no que se refere à variante Jornalismo, esta inclua essencialmente cadeiras de aplicação, como «ateliers», valorizando saberes ligados às «formas de expressão» (ilustrados pela metáfora da "boa caneta"), sendo escassas as cadeiras de análise e de investigação sobre a área (Teoria da Notícia, Análise de Imprensa, História da Imprensa, Jornalismo Comparado...) na formação universitária de base.

A rarefacção da investigação sobre o universo dos media e do jornalismo explica-se pela dicotomia que cedo se estabeleceu entre as disciplinas teóricas leccionadas por universitários de carreira e as matérias profissionalizantes, muitas vezes a cargo de pessoas que conjugam a actividade docente e profissional.

Ora, se é inegavelmente vantajosa para os cursos a presença de profissionais de jornalismo em cadeiras tipo «atelier» ou «laboratório», não pode dispensar-se a existência de um corpo de professores e investigadores, inteiramente dedicado ao ensino, que assegurem a teorização e a investigação sobre o jornalismo.

A coexistência de disciplinas teóricas com fraca ligação à área do jornalismo com cadeiras profissionalizantes sem suficiente enquadramento teórico é uma situação frequente em muitas instituições que só poderá ser ultrapassada com o desenvolvimento da investigação e da formação de mestres e doutores nesta área.

Apesar dos limites de um inquérito como aquele que efectuamos, com vista a determinar a situação no domínio dos equipamentos, ressalta como elemento comum a muitos cursos públicos e privados, licenciaturas e bacharelatos, a escassez de equipamentos a nível de estúdios de rádio, televisão e redacção informatizada. A designação de "cursos de lápis e papel", que se associa à área das ciências sociais e humanas, não será estranha a esta ausência de investimento financeiro. Existem, no entanto, algumas excepções a este estado de coisas, a mais relevante das quais é a Escola Superior de Comunicação Social (Politécnico de Lisboa), porventura a melhor equipada a nível de «oficinas» audiovisuais e multimedia.

As dificuldades em escolher jornalistas com as habilitações mínimas exigidas nas instituições universitárias para desempenharem tarefas docentes ajudam igualmente a explicar os problemas existentes nesta área. Algumas instituições privadas revelaram maior flexibilidade neste recrutamento, o que lhes permitiu constituir «corpos docentes» de qualidade no domínio dos «ateliers» profissionais (11).

A necessidade de associar as habilitações académicas e as práticas profissionais constituirá sempre uma das especificidades da área, o que representa, simultaneamente, uma dificuldade e um desafio. A ligação das escolas ao campo profissional e às mutações que nele constantemente se verificam, em função da alteração, das retóricas, das práticas e das tecnologias, será sempre um imperativo qualquer que seja o grau de desenvolvimento atingido pela área.

Nos institutos politécnicos que ministram cursos nesta área, verifica-se o domínio do sector público, nomeadamente em Escolas Superiores de Educação. A análise curricular revela a escassez de cadeiras específicas de Jornalismo, chegando a estar ausentes ou a serem apenas opcionais, o que se afigura paradoxal atendendo à "natureza profissionalizante" destes cursos. Configuram-se assim como cursos de comunicação em sentido lato e difuso, sendo significativa a presença de cadeiras de Línguas.

Nessa ligação, é relevante o papel dos centros de formação - como o CENJOR, o CFJ (Porto) e o Observatório de Imprensa - que complementam a educação universitária, oferecendo cursos profissionalizantes, na fase do acesso à profissão e no âmbito da formação permanente. Os diferentes domínios de jornalismo especializado - económico, saúde, justiça, etc. - constituem igualmente terrenos de actuação privilegiados. A possibilidade de articulação entre as Universidades e os Centros de Formação na fase terminal dos cursos (12), antes da realização dos estágios profissionalizantes, poderá ser uma via a explorar.

7.5. A problemática europeia

A licenciatura da Universidade Católica Portuguesa efectuou uma opção estratégica no sentido de privilegiar a abordagem das questões europeias. Igualmente as licenciaturas da Universidade Autónoma de Lisboa, da Universidade Fernando Pessoa, do ISMAG e os cursos politécnicos da Escola Superior de Jornalismo, do Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração (ISCIA), do Instituto Superior de Administração, Comunicação e Empresa (ISACE) e do Instituto Português de Estudos Superiores (IPES) possuem cadeiras específicas (nalguns casos opcionais) dedicadas à problemática das instituições europeias.

Apesar disso, impõe-se sublinhar que, nos cursos de ensino superior, é relativamente escassa a presença da problemática europeia em cadeiras específicas. A integração desta problemática surge em cadeiras das Ciências Sociais e Humanas, sobretudo nas áreas da Economia e do Direito, em História Contemporânea e Relações Internacionais.

A organização dos cursos de pós-graduação e dos centros de formação profissional facilitou a integração da problemática europeia, sob a forma de Seminários ou de módulos temáticos. É o que se verifica nos casos, já mencionados neste estudo, do curso de Estudos Superiores Especializados em Jornalismo Internacional, da ESJ do Porto, da pós-graduação em Jornalismo da Universidade Moderna, organizado em conjunto com o CFJ. É particularmente relevante, neste domínio, a actividade do CENJOR e do Observatório de Imprensa, que desenvolvem acções específicas de formação.

É curioso notar que são sobretudo as escolas e os centros de formação privados - com destaque para estes últimos - que dedicam especial relevo a esta formação para as instituições europeias, enquanto os cursos das principais instituições de ensino público, pelo menos a nível das «cadeiras» específicas, parecem revelar menor sensibilidade a esta problemática.

7.6. Perspectivas futuras

O ensino universitário e politécnico da comunicação e do jornalismo corresponde à crescente relevância das profissões dos media e do jornalismo e à necessidade sentida pelas instituições universitárias de acolherem novas problemáticas e domínios de investigação.

Os cursos propostos a nível universitário e politécnico estão longe de corresponder, no seu conjunto, a uma visão harmónica e, no caso do jornalismo, suficientemente articulada com o ponto de vista dos profissionais da área. A iniciativa de criação dos cursos partiu quase sempre das instituições de ensino e, por via de regra, na sequência de estratégias alheias às questões da profissão, das empresas jornalísticas ou do mercado dos media.

A crise das formações tradicionais das Faculdades de Ciências Humanas e a vontade de alargar o raio de acção dos Politécnicos e Escolas Superiores de Educação com base num conceito lato de comunicação, associadas ao fascínio exercido pelo universo dos media sobre os jovens, ajudam a explicar a proliferação de cursos com níveis muito diversificados, desde bacharelatos, diplomas de estudos superiores especializados, licenciaturas, mestrados e doutoramentos até cursos de formação ministrados por centros especializados.

A crescente procura por parte dos estudantes traduz-se num elevado numerus clausus dos cursos de jornalismo e comunicação, que significou, no ano lectivo de 1996-97, no acesso aos cursos de comunicação um total de 1751 alunos, dos quais 1155 ingressaram em instituições de ensino privado. Estes elevados números de acesso aos cursos de comunicação englobam, não só as saídas profissionais do jornalismo impresso, radiofónico e televisivo, a publicidade e a comunicação institucional, mas também as profissões ligadas às novas tecnologias da comunicação.

Não se conhecem estudos pormenorizados sobre o «mercado do trabalho» da comunicação em Portugal, mas sabe-se que coexistem discursos contraditórios que vão desde as profecias miríficas de criação de novos empregos, resultantes do desenvolvimento tecnológico, até às previsões catastrofistas relativas ao campo do jornalismo.

É inegável que, após a abertura da televisão a operadores privados e a criação de novos jornais no início da década de 90, projectos que mobilizaram muitos jovens saídos das universidades, se verificou uma retracção no mercado de emprego dos recém-licenciados, que se reflecte num difícil acesso ao primeiro emprego dos licenciados da área e em múltiplas situações de trabalho precário que favorecem entidades empregadoras menos escrupulosas.

Apesar desta situação ser amplamente divulgada entre os jovens, não tem diminuído a sedução dos estudantes pela área dos media e do jornalismo, que continua a reflectir-se, no caso dos cursos do sector público, em médias de acesso muito elevadas, como sucede na Universidade Nova de Lisboa, no ISCSP, na Faculdade de Letras de Coimbra, na Universidade do Minho e na Escola Superior de Comunicação de Lisboa, o que garante, à partida, uma boa qualidade na selecção dos estudantes. Pelo contrário, no ensino privado, com o desaparecimento de níveis mínimos de candidatura, no final dos anos 80, o acesso facilitou-se e a qualidade necessariamente diminuiu.

Tal como sublinhámos na nota introdutória, este relatório não pretende, nem poderia constituir, uma avaliação global do conjunto de cursos existentes nos domínios da comunicação e do jornalismo. Permite, contudo, evidenciar algumas potencialidades e vulnerabilidades do sistema.

Entre as potencialidades identificam-se os seguintes vectores:

    1. A possibilidade de acesso ao jornalismo de jovens formados em escolas que lhes propiciam uma formação sólida em Ciências Sociais e Humanas e Ciências da Comunicação, acompanhada, na maior parte dos casos, por saberes teóricos, práticos e tecnológicos relativos ao domínio do jornalismo.
    2. O desenvolvimento de linhas de investigação à volta do jornalismo e dos media, que começa a traduzir-se, embora a um ritmo ainda insuficiente, em teses de doutoramento e mestrado e num aumento da capacidade de resposta às necessidades resultantes da crescente importância estratégica do campo dos media.
    3. A constituição de equipas de docentes e investigadores que, nalgumas instituições, começam a revelar a solidez necessária para garantirem, não só a transmissão de saberes relativos ao exercício do jornalismo, mas também o impulso indispensável ao desenvolvimento global da área.
Entre as vulnerabilidades identificam-se as seguintes disfunções:
    1. A discrepância existente entre o elevado número de cursos, o pessoal docente disponível para as áreas específicas e a carência de bibliografia especializada publicada em Portugal.
    2. O contraste entre a solidez revelada, na maior parte das instituições, pela forma como estão estruturadas as áreas de Ciências Sociais e Humanas e Ciências da Comunicação com a insipiência do domínio dos Estudos sobre os Media e o empiricismo prevalecente na área do Jornalismo.
    3. O desequilíbrio entre, por um lado, a procura pelos estudantes e a oferta de cursos existente - em especial, no sector privado - e, por outro, a capacidade para gerar empregos da indústria dos media, em especial nas áreas clássicas da imprensa, rádio e televisão.
O sistema mediático e a prática jornalística em Portugal já foram substancialmente modificados pelo contributo de jovens profissionais saídos dos cursos de comunicação e jornalismo. Qualquer que seja o juízo global que se faça sobre essas modificações, é inegável que, a par de uma elevação global do nível de habilitações académicas, se verificaram fenómenos altamente positivos como aqueles que foram caracterizados pelos sociólogos como «feminização» e «juvenilização» (13) .

Por diversos motivos que vão desde o modo de fundação dos cursos até aos respectivos conteúdos, o meio profissional é muito crítico em relação ao conjunto de cursos existentes. Independentemente da pertinência dessas apreciações negativas, é evidente que a presença do jornalismo na Universidade prestigia a categoria profissional e introduz um grau de exigência no acesso à profissão que não sofre comparação com a que se verificava no tempo em que a formação passava apenas pela «tarimba».

Apesar das múltiplas incoerências e insuficiências deste conjunto de cursos, o ensino, a investigação e a própria bibliografia sobre o jornalismo fizeram um enorme avanço na última década, mesmo que o ritmo esteja longe de corresponder ao que seria desejável. A diversidade dos cursos e dos respectivos planos de estudos constitui um factor de enriquecimento, desde que possa coexistir com o diálogo, não só entre as instituições, os professores, os investigadores e os estudantes, mas também com os jornalistas e as respectivas associações profissionais.


Bibliografia

    1. Livros
AGEE, Warren e TRAQUINA, Nelson
O Quarto Poder frustrado - Os Meios de Comunicação Social no Portugal Pós-Revolucionário, Lisboa, Vega, s.d.

BOHÈRE, G.
Profession: Journaliste - Étude sur la condition du journaliste en tant que travailleur, Bureau International du Travail, Genève, 1984.

CORREIA, Fernando
Os Jornalistas e as Notícias, Lisboa, Caminho, 1997.

FRENCH, David e RICHARDS, Michael
Media Education across Europe, Londres, Routledge, 1994.

LACAN, Jean-François et alii
Les Journalistes - stars, scribes et scribouillards, Paris, Syros, 1994.

MEDITSCH, Eduardo
O Conhecimento do Jornalismo, Florianópolis, Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 1992.

MORY, Pierre, STEPHENSON, Hugh e Association Européenne de Formation au Journalisme (AEFJ)
La Formation au Journalisme en Europe, Paris C.F.P.J., 1991.

NOBRE CORREIA, José Manuel
A Cidade dos Media, Porto, Campo de Letras, 1996.

RIEFFEL, Rémy
L'Élite des Journalistes - Les hérauts de l'information, Presses Universitaires de France, 1984.

SAPERAS, Enric
Os Efeitos Cognitivos da Comunicação de Massas (trad. portuguesa de Fernando Trindade), Porto, ASA, 1993.

Sindicato dos Jornalistas
Jornalismo - Os (des)Caminhos do Acesso à Profissão, Lisboa, Edição do S. J., Janeiro de 1993.

TRAQUINA, Nelson
Jornalismo: Questões, Teorias e «Estórias», Lisboa, Vega, 1993.
Big Show Media, Lisboa, Editorial Notícias, 1997

VOYENNE, Bernard
Les Journalistes Français, Paris, CFPJ-Retz, 1985.

    1. Artigos
COSTA, Silva Manuel da
«Para quando um Curso Superior de Jornalismo?», in Jornalismo, Dezembro de 1983, pp.32-34.

GARCIA, José Luís
«Principais tendências da evolução do universo dos jornalistas portugueses», in Vértice, nº60, II série, Maio-Junho de 1994, pp.69-77.

GARCIA, Luís e CASTRO, José
«Os Produtores de Opinião pública: entre o Grupo Profissional e o Grupo de Status», in Estruturas e Desenvolvimento (Actas do II Congresso Português de Sociologia), vol.I , Lisboa, Fragmentos, 1993, p.141-156.

GARCIA, Luís e CASTRO, José
«Os jornalistas portugueses - Da recomposição social aos processos de legitimação profissional», in Sociologia - Problemas e Práticas, nº 13, 1993, pp.93-114.

MARCOS, Luís Humberto
«Portugal, primeiro a inovar, último a formar», in Intercom - Revista Brasileira de Comunicação, Ano X, nº57, Julho a Dezembro de 1987, pp.115-118.

MELO, José Marques de
«Investigación en comunicación: Tendencias de la escuela latinoamericana», in Anuario del Departamento de Historia, 5, Madrid, Editorial Complutense, 1993, pp.201-223.

MESQUITA, Mário
«Estratégias liberais e dirigistas na Comunicação Social de 1974-1975», in Revista de Comunicação e Linguagens, nº 8, Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens, Lisboa, 1988.

«Os Meios de Comunicação Social - O Universo dos Media entre 1974 e 1986», in António Reis (org.), Portugal - 20 anos de Democracia, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p.360-396.

«A Educação para o Jornalismo - Uma Perspectiva sobre Portugal», in Intercom - Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, Vol.XVII, nº2, Julho-Dezembro de 1994, p.75-97.

PAQUETE DE OLIVEIRA, José Manuel,
«Elementos para uma sociologia dos jornalistas portugueses», in Revista de Comunicação e Linguagens, nº8, Lisboa, Dezembro de 1988, pp.47-53.

«Comunicação Social, Verso e Reverso do País Real e Imaginário», in Portugal Hoje, Lisboa, Instituto Nacional de Administração, 1995, p.369-389.

RIEFFEL, Rémy
«Les Médiateurs et l'Écueil de la Médiocratie: l'exemple français», in Communicatons, Frankfürt, 2-1987, pp. 67-79.

RODRIGUES, Adriano Duarte
«O Ensino Universitário da Comunicação Social», in O Campo dos Media, Lisboa, Vega,

SEATON, Jean e PIMLOTT, Bem
«The Portuguese Media in Transition», in Kenneth Maxwell, The Press and the Rebirth of Iberian Democracy, Greenwood Press, Connecticut, 1983.

WICKLEIN, John
«No Experience Required - In the Battle for the Soul of Journalism Education», Columbia Journalism Education, september/october 1994, pp.45-48.
 


1 O curso da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), de Lisboa, tal como a licenciatura da FLUC, foi planificado em diálogo com o meio profissional e o seu plano curricular elaborado após um inquérito aos jornalistas acerca das respectivas necessidades e carências de formação.

2 Os docentes da área de especialização em jornalismo da UNL propuseram, em 1993, o desdobramento da licenciatura em Comunicação em vários diplomas especializados, a começar pela criação de uma licenciatura em Jornalismo, mas tal proposta não fez vencimento entre os seus pares (Cf., Mário Mesquita, «A Educação para o Jornalismo - Uma Perspectiva sobre Portugal», in Intercom - Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, Vol.XVII, nº2, Julho-Dezembro de 1994, p.87).

3 Casos do doutoramento em sociologia de José Manuel Paquete de Oliveira, efectuado no ISCTE, em 1988 («Formas de Censura Oculta na Imprensa Escrita em Portugal no Pós 25 de Abril (1974-1987)»), e dos  doutoramentos em Ciencias da Comunicação de Rui Cádima, em 1993 ("O Telejornal e o Sistema Político em Portugal ao tempo de Salazar e Caetano (1957-1974)") e de Eduardo Meditsch, em 1996 ("A especificidade do rádio informativo"), ambos efectuados na UNL.

4 «Teoria da Notícia», sob a orientação de Nelson Traquina.

5 Trata-se da tese de Rogério Almeida Santos, intitulada As relações entre os jornalistas e as fontes, Coimbra, Minerva, 1997.

6 Mário Mesquita chamou a esse conjunto de cursos o «triângulo comunicacional», in «A Educação para o Jornalismo: Uma Perspectiva sobre Portugal», in INTERCOM - Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, Vo.XVII, nº2, Julho-Dezembro de 1994, p.87.

7 Futura Universidade Lusófona.

8 Mônica Pereira e Adelino Cardoso, «Universidades Fechadas ao Mundo do Jornalismo»,  in Jornalismo, Janeiro de 1993, p.12. A referência ao turismo visa o curso de Comunicação Social e Cultural da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa.

9 John M. Kittross, «Teatching public relations and journalism in the same department is detrimental to the ethics of both fields», in A. David Gordon, John M. Kittross e Carol Reuss (orgs.), Controversies in media ethics, Longman, 1996, p.279.

10 John M. Kittross, op. cit.,

11 Cita-se, a título exemplificativo, o caso da Universidade Autónoma de Lisboa, que inclui no seu corpo docente jornalistas com um curriculum relevante, além de uma longa experiência de formadores, como é, entre outros, o caso de Adelino Gomes, Sena Santos e Alexandre Manuel.

12 Assim sucedeu, no ano lectivo de 1996-97, no caso do CENJOR e da Universidade Independente.

13 Cf., José Luís Garcia, «Principais tendências da evolução do universo dos jornalistas portugueses», in Vértice, nº60, II série, Maio-Junho de 1994.