A TELENOVELA TERRA NOSTRA E OS ÍNDIOS TERENA

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Gladis Linhares, UNIDERP
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal.

 

O presente trabalho analisa como vivem e qual a influência da televisão, mais especificamente da telenovela na formação cultural de indivíduos pertencentes a uma etnia indígena - os Terena- que residem na aldeia urbana “Marçal de Souza”, localizada em Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul, na Região Centro Oeste do Brasil

A pesquisa, objetivou compreender a influência exercida pela televisão.na visão de mundo dos habitantes da aldeia urbana “Marçal de Souza” que possuem língua própria, hábitos de trabalho e consumo diferenciados.Também pretendeu verificar a maneira pela qual a TV atua na formação do imaginário de indivíduos, no caso específico os índios Terena, expostos há pouco tempo a esse veículo de comunicação, bem como na formação do hábito de assistir à televisão.

Para  percorrer tais objetivos, este estudo está embasado na perspectiva da recepção observando-se mais atentamente a percepçãocultural, em que o interesse está na reconstrução dos significados dos conteúdos feita pelos receptores, de acordo com sua realidade sociocultural. Dessa forma, o foco da análise passa a ser a interpretação das mensagens. Uma vertente dentro dessa perspectiva é a que trabalha a mediação, entendida como rituais de negociação de significados os quais constituem a base da cultura. A partir disso, evidenciamos a forma que é realizada a releitura dessa programação pelos índios residentes na aldeia urbana.

Nos fundamentos teóricos e nos procedimentos para a coleta dos dados a metodologia é a da recepção que procura entender a inserção da televisão dentro da aldeia indígena e sua participação na construção do imaginário dos seus moradores. Os estudos de audiência e recepção aos poucos estão conquistando espaço e importância no panorama geral das pesquisas e nos estudos de comunicação social.

A audiência dentro do processo de comunicação, de acordo Antonio Carlos Ruótulo (1998, p.159), pode ser definida como “o conjunto de respostas dos receptores aos conteúdos dos meios de comunicação social”. Estas respostas podem ser classificadas como de exposição, de recepção, respostas atitudinais e comportamentais.

Para tanto são utilizados os referenciais de três pesquisadores latino-americanos: Néstor Garcia Canclini, no âmbito do consumo cultural, Jesús Martín Barbero com o uso social dos meios, em que mostra a mediação como o lugar onde pode se compreender as interações entre produção e recepção, e Guillermo Orozco Goméz através da teoria das multimediações, que evidencia a interação entre audiência e a televisão. Este é o modelo referencial adotado por nós.

O  recorte definido para a realização deste estudo conta com uma amostra total de 10 indivíduos, formada pelos moradores da aldeia urbana “Marçal de Souza”, que possuem televisão e são telespectadores da telenovela Terra Nostra tornando-se possível analisar o processo de recepção. A coleta dos dados se realizou através de entrevistas semi estruturadas. O período definido para a realização do referido estudo é de março de 2000, por ser um mês em que o cotidiano da população não sofre muita interrupção- como ocorre nos meses festivos (dezembro, janeiro e fevereiro), bem como porque nessa época as estréias na televisão costumam ser poucas

            Os entrevistados foram selecionados a partir de características específicas que pudessem contribuir para os objetivos da pesquisa. O grupo selecionado contou com o morador mais idoso, a presidente da associação dos moradores da “Marçal de Souza”, e integrantes de famílias que possuem aparelho e assistam à televisão. O número de casos é suficiente para tornar viável as entrevistas, e ainda permitir a observação no momento da recepção do programa. Além disso participamos de diferentes momentos da aldeia, assim como conversas informais com os moradores.

A técnica utilizada para a coleta de dados é a observação direta intensiva, em duas de suas modalidades: observação não participante e entrevista semi estruturada, seguindo algumas orientações da história oral.

A etnia indígena em questão está localizada no Estado de Mato Grosso do Sul, na Região Centro Oeste do Brasil. O último censo populacional realizado no ano de 1996, pelo IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, aponta, no Estado uma população com cerca de um milhão e novecentos mil habitantes. Deste número, cerca de 3,0% são indígenas, constituindo assim a segunda população indígena do país com cerca de 60 mil índios.

Desse total pelo menos 15 mil são desaldeados. Tem-se na capital, a cidade de Campo Grande, uma situação única: a aldeia indígena urbana. Este termo é novo e ainda está sendo usado de forma a identificar e denominar o conjunto composto por 115 residências, uma escola municipal de ensino fundamental e um memorial em homenagem à cultura indígena, que na sua maioria são da etnia Terena, vindas de aldeias rurais do interior do Estado.

Aqui é importante ressaltar alguns aspectos da cultura Terena, formada por hábitos essencialmente agrícolas, tendo no cultivo da mandioca, milho, feijão, arroz, o seu meio de subsistência e na produção excedente, onde é  feita a comercialização em feiras nas cidades próximas, constituindo a principal fonte de renda dos índios nas aldeias rurais. Outra fonte de renda é a comercialização do artesanato, objetos de cerâmica, cestos de palha, colares de sementes e penas, produzidos na aldeia e vendidos na cidade.

Um dos motivos da saída dos Terena de suas aldeias rumo à cidade se deve, em grande parte, à mecanização da agricultura a partir dos anos cinqüenta, com a introdução de implementos e insumos que foram modificando o ciclo da plantação que era fonte de renda, bem como a alteração das condições climáticas.

A busca pelo emprego, (principalmente o assalariado) pela escola e saúde, são fatores demonstrados como decisivos para a saída dos índios Terena da aldeia.

            A partir daí, começa um caminho de idas e vindas da aldeia para a cidade, e a  volta para o meio rural daqueles que não se adaptaram. O confronto de valores é evidente, a alteração dos costumes, as mudanças de hábitos, modo de vida, a expectativa com relação aos valores sociais, e de consumo, vão influenciando em novas atitudes.

            Oficialmente a referida aldeia urbana é denominada de duas maneiras pela  Empresa Municipal de Habitação (EMHA), que foi responsável pela criação do projeto da aldeia urbana, assim como ela se apresenta hoje: “Loteamento Social Marçal de Souza” e também de “Loteamento Indígena Marçal de Souza”.

            No presente trabalho, utilizamos o termo que é conhecido e legitimado pela população residente no local: “Aldeia Urbana Marçal de Souza” ou simplesmente “Marçal de Souza”. O nome nos remete ao líder guarani Marçal de Souza que lutou pela retomada das terras e foi assassinado numa emboscada em 1983.

            Para entender como se deu esta situação da formação da aldeia urbana, é necessário recorrer ao relato de alguns moradores do local. 

            A presidente da Associação dos Moradores Indígenas do Loteamento Marçal de Souza e fundadora da Comunidade Marçal de Souza, Enir da Silva Bezerra, índia Terena, 45 anos, relata que no dia 9 de julho de 1995, às 4 horas, foi ocupado o lote Desbarrancado localizado no Bairro Tiradentes, por 74 famílias, destas 55 são de  índios Terena e outras 15 que apenas usaram da situação para obter um lote.

            Das 55 famílias indígenas que ocuparam o Desbarrancado, 38 já residiam em condições precárias, ou seja, em favelas localizadas na periferia,  em Campo Grande, e 19 delas vieram diretamente de aldeias localizadas no interior do Estado para a ocupação.Os relatos indicam que eram em torno de 500 índios Terena entre homens mulheres e crianças, que ocuparam o lote.

            Esta população vivia concentrada no lote Desbarrancado que foi doado pela FUNAI à Prefeitura de Campo Grande. Tal situação, de certa maneira, por um lado, caracteriza que foram “adotados” pela Prefeitura, quando na realidade não podemos afirmar que sejam ações solidárias e sim estratégias políticas desenvolvidas pelo poder público, como a prefeitura e o Governo Federal, representados através da FUNAI, em projetos de intervenção, por outro lado, tal adoção na realidade é conseqüência da organização deste grupo em “Associação dos Moradores Indígenas Desaldeados do Desbarrancado”, que reivindicaram direito à moradia, à escola, à saúde, ao trabalho, entre outras.

            As ações permanentes da Associação dos Moradores apresentaram resultados, de tal forma que, no ano de 1998, neste terreno foram erguidas 115 casas de alvenaria, construídas em regime de mutirão pelos próprios moradores. O conjunto de moradia foi financiado pela CEF (Caixa Econômica Federal) através do Programa Habitar- Brasil, e Prefeitura Municipal de Campo Grande.

            Constituindo, assim a primeira aldeia urbana do país, denominada de “Loteamento Indígena Marçal de Souza” atendendo a 115 famílias, beneficiando com a moradia 460 índios diretamente e 512 indiretamente. O último número é decorrente do fluxo migratório interno, principalmente, resultante da vinda de parentes do interior, e a volta de algum membro da família que não se adaptou às novas condições de vida oferecidas na cidade.

            Dando prosseguimento ao projeto de urbanização da aldeia, em 1999 também foi construído pela Prefeitura, atendendo a reivindicação dos seus moradores, para exposição e venda de artesanato, o Memorial da Cultura Indígena, que se transformou em ponto turístico, fazendo parte do roteiro de visitas da cidade.

            Como referenciamos anteriormente, também existe no local uma escola municipal do ensino fundamental- Escola Sulivan Silvestre de Oliveira, onde brancos e índios estudam com  professores Terena e brancos. A escola foi construída com o apoio de empresários locais e da TV Morena (afiliada da Rede Globo), fazendo parte do projeto da Rede Globo de Televisão, Brasil 500 anos. Na referida escola ensina-se a língua Terena apenas para os índios, em horários específicos, além da carga horária e conteúdos  regulares. As demais atividades seguem as exigências regulamentadas pela Lei de Diretrizes e Base da Educação(LDB).

            Outra ação que vem sendo desenvolvida na aldeia, a partir de janeiro do ano 2000, é a participação do Instituto Ayrton Senna, através do Projeto Educação pelo Esporte que desenvolve atividades esportivas e de recreação com 100 crianças Terena, entre seis e 16 anos.

A referida pesquisa, como afirmamos anteriormente, visa compreender a influência exercida pela televisão na visão de mundo dos habitantes da aldeia urbana “Marçal de Souza”. Ainda, objetivamos ressaltar a  maneira pela qual a TV atua na formação do imaginário de indivíduos, no caso específico os índios Terena,  expostos há pouco tempo a esse veículo de comunicação, bem como na formação do hábito de assistir a televisão.

A partir disso, evidenciaremos a forma que é realizada a releitura desta programação pelos índios residentes na aldeia urbana.  Segundo Gilberto Velho(1994) a forma de apreensão, de desejar e de criar as necessidades tanto das informações, quanto dos objetos, bens simbólicos, entre outros, variam de cultura para cultura.

Por esta razão, é importante afirmar que há cinqüenta anos grande parte da população brasileira convive com um aparelho que já foi objeto de desejo, de consumo, símbolo de status, o aparelho através do qual se poderia ver o mundo: a televisão. O tempo passou e várias ondas, modismos, modelos, aperfeiçoamentos, intervenções ocorreram, mas a televisão continua sendo referencial de informação, diversão, e até mesmo de companhia.

A população em questão diverge de certa forma desta afirmação à medida que entende este meio de comunicação essencialmente como diversão e informação. A exclusão de ser compreendida como companhia nos remete à estrutura organizacional familiar que é coletiva. Ou seja, ao longo do trabalho de campo foi observado que a menor “família” é composta por cinco pessoas, nas demais verificamos a presença, além de pai, mãe e filhos,  demais membros como, tios, avós, e outros. Sendo assim, o enfoque dado a companhia  inexiste.

Integrando-se quase que simultaneamente ao nascimento da televisão, surge a telenovela, primeiramente inspirada na soap opera americana e nas radionovelas mexicanas. Com o passar do tempo desenvolve características nacionais, através da narrativa da ficção, mostrando fatos relacionados ao cotidiano. Constatamos em estudo exploratório que este é o gênero televisivo mais visto pela população estudada.

As influências na formação desta nova sociedade indígena, longe das aldeias, dentro de uma cidade com aproximadamente 600 mil habitantes, primeiramente acampados em barracos de papelão e lona plástica em terreno denominado “Desbarrancado” de propriedade da Fundação Nacional de Amparo ao Índio (FUNAI) e, a partir de 1998,  instalados em um terreno ao lado,  em casas de alvenaria construídas em esquema de mutirão pelos próprios beneficiados.

            Este panorama mostra que a televisão não é a única responsável pelas alterações nos hábitos observados na aldeia indígena situada na zona urbana. A televisão coexiste ou como denomina Jesus Martín Barbero(1997), ela é “mediada” com outras instituições como a família, a escola, e os movimentos sociais, com as quais compete para fazer valer seus significados e predominar na socialização dos membros da audiência.

            Saber como a televisão é vista, como é interpretada por esta sociedade, de que maneira altera comportamentos, desperta para novos desejos de consumo, são pontos considerados importantes.

A pesquisa em comunicação voltada para a recepção, ou interpretação das audiências da mídia, de acordo com Robert A. White(1998), retoma a cultura popular como o lugar onde se negociam os significados do intercâmbio social, bem como mostra de que maneira o processo comunicacional pode ser multilateral, permitindo extrapolar a visão da comunicação como transmissão de informações.

Para isso é utilizada uma linha de trabalho que estuda o consumo como lugar de diferenciação e distinção entre os grupos e as classes e que tem chamado a atenção para os aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora. Néstor G. Canclini(1996), dentro desta linha chama a atenção para a produção de artesanato, ou uma festa indígena cujo sentido mítico é propriedade dos que pertencem à etnia que os gerou, tornando-se elementos de distinção ou discriminação à medida que outros setores da mesma sociedade se interessam por elas e entendem em algum nível seu significado, levando a concluir que no consumo se constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade.

A partir desta constatação é importante mostrar que Jesús Martín-Barbero(1997),  diz-nos que na atualidade procura-se reconceituar o índio a partir do espaço político e teórico do popular, como culturas subalternas, dominadas, porém possuidoras de uma existência positiva, capaz de desenvolvimento.

Neste estudo o embasamento se dá na perspectiva da recepção observando mais atentamente a construção cultural, em que o interesse está na reconstrução dos significados feita pelos receptores aos conteúdos, dando significados aos meios de acordo com sua realidade sociocultural; dessa forma, o foco da análise passa a ser a interpretação das mensagens. Uma vertente dentro desta perspectiva é a que trabalha a mediação, entendida como rituais de negociação de significados que formam a base da cultura.

            Os estudos de recepção de telenovela estão defasados algumas décadas entre a sua consolidação como produto  de preferência da maioria do público e a sua aceitação como trabalho de pesquisa na academia. Este aspecto é mostrado no Catálogo do grupo de trabalho ficção televisiva seriada cinco anos de produção de textos críticos (1993/1997, p.6) que teve como coordenadora Maria Aparecida Baccega, prossegue mostrando que o “rótulo de entretenimento alienante encobre uma realidade que se quer ignorar embora, de forma direta ou indireta envolva a sociedade como um todo”.

            A criação do Núcleo de Pesquisa de Telenovela- NPTN, coordenado pela professora Anamaria Fadul é o fato gerador para o a implantação do GT (grupo de estudo) Ficção Televisiva Seriada no congresso da INTERCOM- Sociedade Brasileira para Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

            A partir deste reconhecimento da academia, já ano de 1993 foram 24 trabalhos inscritos, sendo apenas 13 brasileiros. No decorrer dos anos, cresce o número de trabalhos brasileiros inscritos bem como a diversificação quanto ao gênero telenovela, também surgem estudos de minisséries, séries e seriados. Merece destaque a produção de trabalhos relativos à ficção brasileira, mais especificamente a telenovela, com 86% do total de trabalhos apresentados nos cinco anos analisados. Deste total, 18% foram análises de recepção de telenovela. 

            A história desenvolvida na novela das oito, transmitida pela Rede Globo, mostra que a inspiração original do folhetim continua sendo característica, estilo de Benedito Ruy Barbosa, autor de Terra Nostra.  Estes aspectos podem ser vistos de forma clara quando usa esta estrutura do folhetim trazendo paixões e desencontros, amizades e traições, cobiça, dinheiro e poder. Também a trajetória deste autor e sua larga experiência com temas rurais avalizam a qualidade e em conseqüência o sucesso da novela.

            A estrutura narrativa de Terra Nostra está dividida basicamente em dois grandes núcleos. O núcleo urbano e o rural. Após a viagem de navio da Itália para o Brasil no final do século XIX, e da separação no Porto de Santos do casal protagonista da novela, Mateu e Juliana, o núcleo rural é estabelecido a partir da ida de Mateu para a fazenda no interior do Estado de São Paulo, e Juliana fica na cidade de São Paulo onde se desenvolve o núcleo urbano.  

            Em linhas gerais, no núcleo rural estão presentes os grandes proprietários “nacionais”, os imigrantes italianos que chegaram no início do século em busca de uma vida melhor e da posse pela terra. Estes imigrantes, usados como substitutos naturais dos negros recém libertos, quando aqui chegaram foram a mão de obra nas plantações de café no interior do Estado de São Paulo.

            Neste universo rural o poderoso fazendeiro de café, Gumercindo, recebe os imigrantes para trabalhar nas lavouras de sua propriedade. Os patrões nacionais ainda estão se adaptando à nova forma de trabalho que exigia remuneração. Este é o local onde acontece a adaptação destes imigrantes europeus que vêm de uma outra relação de trabalho, em que era prática usual a sua remuneração. O choque entre os patrões e imigrantes é inevitável.

            Os recém chegados buscam se adaptar ao novo lar, a uma nova realidade. Apesar das adversidades estes italianos mantêm algumas de suas danças, a música, introduzem novos hábitos alimentares e, principalmente, conservam entre eles o seu idioma.

            Gumercindo é casado com Maria do Socorro e tem duas filhas, Angélica e Rosana. Com a chegada dos italianos a rotina da família muda. A paixão de Rosana por Mateu faz com que eles se casem, e Mateu se integra na família a contragosto de Gumercindo.

            No núcleo urbano é onde se desenvolve a maior parte do enredo de Terra Nostra. É também onde acontece a busca pelo emprego na indústria, na construção civil, lugar que os romances e as relações familiares se tornam mais consistentes,  as relações com a política e a estrutura social da época se apresentam com maior destaque do que no núcleo rural.

            A protagonista da novela, Juliana, é recebida pelo grande amigo de seu pai, Francesco. Ao saber da morte dos pais de Juliana no navio, leva para sua casa na Avenida Paulista. Francesco já vive a vários anos no Brasil, onde chegou com algum capital e ficou rico emprestando dinheiro aos brasileiros, é casado com Janete e tem um filho, Marco Antônio, que se apaixona por Juliana e se casa com ela.

Com o desenrolar da trama Mateu se encontra novamente com Juliana, Rosana e Marco Antônio se conhecem e resolvem ficar juntos.

            É importante observar também que grande parte deste núcleo é oriundo do rural, mostrando claramente o movimento migratório ocorrido no Brasil no início do século. Dentro da estrutura montada, podemos observar que a base da história dos personagens é proveniente do ambiente rural. Servindo como origem, célula matter, para o desenrolar do enredo  no núcleo urbano.

            Até este ponto a identificação da maioria dos entrevistados acontece principalmente com o núcleo rural, onde eles se encontram novamente com o ambiente da aldeia. O Sr. Calixto Francelino tem 69 anos, é aposentado, saiu da aldeia em busca de escola para os filhos, explica que gosta mais do ambiente rural:

            Do café né....É a gente gosta daquilo ali...Olha a gente acha  interessante nos italiano é negócio da roça...Quanto que a gente sofre trabalhando na roça... Mandado pelos patrão tem que sujeitá a tudo ta veno comida...Horário de comida né e a gente fica olhando aquilo ali, a gente passo também pelos mato, maior sacrifício  nas aldeia né  agente planta tem veis que dá tem veis que num dá  a gente vende quase dado quilo ali, tudo isso né e a gente começa a observa com as criança aquilo ali tanto sofrimento... A gente comenta com eles né.....Quanto a gente sofre né de trabalhar na roça como é bom estudar pra num passar desse jeito  trabalhar na roça  se mandado pelo patrão ser quase escravo e...Começa ficar  quieto né...

Italete Moreira Pereira de 12anos, cursa a 4ª série na escola da “Marçal de Souza”, prefere a aldeia, não se acostuma com a cidade; Identifica-se mais com o núcleo rural.

                 Gosto de assistir novela, Terra Nostra, por causa que é muito bonita né, acho assim o tipo das danças deles, eu entendo mais ou menos, não perdo nenhum capítulo, eu nunca assisti uma novela... Gosto de todos mas a minha preferência é a fazenda porque meu avô trabalhava, o pai do meu pai trabalhava na fazenda, por isso que eu gosto mais de fazenda do que de cidade... Eu acompanho a novela desde o começo e to achando bem legal, a parte que eu gosto é a da fazenda mesmo, gosto da Juliana e do Mateu, as crianças, eu queria ser um deles, a Florinda, ela é bonita, os cabelos dela são lindos, os olhos, eu queria ser loira...eu pintaria o cabelo, gosto mais de louro do que de moreno, gosto muito, a Florinda ela é empregada e eu gosto, lavar a louça, ver janta, café da manhã, almoço. É tudo lindo, nunca tinha visto uma novela. Agora Terra Nostra eu acompanho, a fazenda do Gumercindo, a dança deles é bonita, na aldeia é diferente.

Quando Artur da Távola (1996, p.20, 21) diz que no discurso a telenovela é uma maneira de  “narrativa realista repleta de romantismo, e narrativa romântica carregada de realismo. Daí o seu sucesso”. Isso tudo porque realismo e romantismo são “divisões básicas do espírito humano”. A emoção está presente na telenovela e não é diferente em Terra Nostra.

Rosana de Souza é índia Terena, tem 24 anos, é solteira, estudou até a 6ª série. Saiu da aldeia para trabalhar (babá) e estudar, prefere a cidade e diz que não voltaria para a aldeia, prefere o núcleo urbano da novela com interesse no clima de romance e observa:

Eu acho interessante a parte do Mateu e da Juliana, é uma parte romântica, eu gosto mais da parte dos dois, toda a novela é interessante, mas o que eu acho melhor é dos dois. De vez em quando eu não entendo o que eles falam mas a maior parte eu entendo.

Eu queria ser a Juliana, uma parte ela sofre porque ela quer né, eu não queria que ela deixasse o Mateu, mas acho que ela vai... vai ficar com o Marco Antônio, acho que vai acontecer.

Mara Francelino Canale tem 23 anos, saiu em 1997 da aldeia para trabalhar (doméstica) e estudar, casou em 1999 com Leôncio Canale, de 30 anos que trabalha como soldador. Tem um filho, Eduardo, de 1ano.  Diz que não voltaria para a aldeia. Prefere o núcleo urbano. Assiste à novela e não sabe explicar o motivo da sua preferência:

     Eu gosto mais da Terra Nostra, eu gosto de tudo. Eu gosto mais da Juliana, só ela, eu não sei explicar, eu acho ela bonita. Não sei explicar. Eu vejo de vez em    quando...Eu não sei explicar, mas eu queria ser a Juliana.

A partir destes dados preliminares, podemos afirmar que a identificação com o núcleo rural se dá principalmente por aqueles que gostariam de voltar para a aldeia. Mesmo tendo saído em busca de uma vida melhor, com a possibilidade de frequentar a escola, ter acesso a atendimento de saúde, trabalho, depois de muitas lutas com “os outros”, tratados como estrangeiros na sua terra natal, após passar por muita dificuldade, como todos afirmam, “a vida na cidade está melhor no que se refere à moradia, à escola, até mesmo ao trabalho”. Apesar das condições externas se apresentarem de forma positiva, a saudade, a vontade de voltar para a aldeia, para a origem ainda permanece. A novela através da trama desenvolvida nas fazendas, serve para mostrar o sonho, a vida que se levava e hoje não se tem mais, remete ao passado, criando a identificação, o espelho.

            A identificação com o núcleo urbano se apresenta mais especificamente com relação ao romance dos protagonistas, Mateu e Juliana. Normalmente não fazem referências às tramas paralelas que se desenvolvem na novela. São características das mulheres entrevistadas, e estas que também não querem voltar para a aldeia rural. Preferem a vida na cidade por julgarem ser mais cômoda com relação à saúde e à escola principalmente.

            Podemos ainda concordar com a afirmação de que vários fatores concorrem com a audiência, recorrendo a Jesús Martín Barbero, com a mediações; e também com Néstor García Canclini (1996), quando afirma que o receptor se constrói, sendo, talvez necessário, um pouco mais de tempo para que o hábito de assistir à televisão se estabeleça de fato nos indivíduos em estudo. O autor também evidencia que a hibridização é resultante do contato do tradicional com contextos urbanos e com novos meios de comunicação.

É oportuna a afirmação de Guillermo Orozco (1996), quando chama a atenção para os distintos tipos de mediação que concorrem para a formação de audiências específicas. A “etnia” pode ser adotada como fonte de mediação individual. Uma vertente nos estudos contemporâneos, é o papel da identidade étnica na interação social dos diversos segmentos da audiência.

Entendemos como apropriadas, até certo ponto as colocações de Darci Ribeiro (1995,p.88), ao dizer que os índios, “são uma gente especial, que são índios tais, o povo tal, a etnia tal”, mostrando em seus estudos a respeito de índios, que as comunidades indígenas, tendo as mínimas condições de manter o elo social entre seus membros; mesmo perdendo o idioma, transfigurando-se racialmente através da mestiçagem; enfrentando dificuldades para preservar as características culturais nativas, elas, se submetidas ao convívio com outros grupos, resistem e permanecem com os seus hábitos.

Na “Marçal de Souza” isso é claro, por se tratar de um espaço geográfico construído, habitado e delimitado por indivíduos pertencentes a uma mesma etnia. Essas condições favorecem não-apenas a manutenção, mas também o resgate de várias formas de manifestação de sua cultura. O convívio diário com o seu semelhante, o seu “patrício”, propicia a troca de impressões a respeito das dificuldades e conquistas no novo espaço social dentro da  cidade. Também, de uma certa maneira protege esses indivíduos da influência mais direta da sociedade branca nos seus costumes.

O fato de ter constituição como povo “mestiça”, proporciona um modo próprio de perceber, a mistura de conhecimentos e multiplicidade de manifestações que operam simultaneamente sociedade brasileira. De acordo com Jésus Martín Barbero (1997, p.259), é através da mestiçagem que estão se tornando pensáveis as formas e os sentidos que “a vigência cultural das diferentes identidades culturais vem adquirindo: o indígena no rural, o rural no urbano, o folclore no popular e o popular no massivo”.

Concluimos, concordando com os autores acima citados que o receptor se constrói e se forma. No caso dos indivíduos em estudo, no estágio atual eles não estão diretamente influenciados pela  televisão, e sim demonstram que existe identificação com o conteúdo programático dentro da visão que têm e do modo de vida que adotam.

 

 

ReferEncia Bibliográfica:

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MANGOLIM, Olívio. Povos indígenas no Mato Grosso do Sul viveremos por mais 500 anos. Campo Grande: CIMI, 1993. 119 p.

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RIBEIRO, Darcy. O Brasil como problema. 2ª ed. São Paulo: Francisco Alves, 1995. 320 p.

RUÓTULO, Antonio Carlos. Audiência e recepção: perspectiva. Comunicação e Sociedade. São Bernardo do Campo: UMESP, nº30, p.157-170, 1998.

TÁVOLA, Artur da. A telenovela brasileira história, análise e conteúdo. São Paulo: Globo, 1996. 119p.

VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. 137p.

WHITE, A. Robert. Tendências dos estudos de recepção.Comunicação e Educação. São Paulo: Moderna, n.º 13, p.41-72, 1998.

 

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