A relação das Interfaces enquanto mediadoras de conteúdo do jornalismo contemporâneo: Agências de notícias como estudo de caso.

José Afonso da Silva Júnior, Universidade Federal de Pernambuco

Recife, Outubro de 2001

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RESUMO: O presente artigo problematiza alguns pontos sobre a questão da interface dos meios eletrônicos e sua relação com o jornalismo contemporâneo. Nesse sentido, esse trabalho reúne a problematização inicial do projeto de pesquisa para doutorado do autor, a ser desenvolvido na FACOM –UFBA a partir de 2002.

Procura-se no artigo analisar os processos de migração dos jornais para modalidades metafóricas e/ ou transpositivas dos mesmos quando migrados para o ambiente on-line. Em adição, estabelece-se uma recuperação teórica a luz do debate recente sobre a expansão das interfaces para o jornalismo a partir do momento em que há a cisão entre conteúdo e suporte, podendo haver o encaixe da primeira categoria em plataformas as mais distintas possíveis, mediadas pelo conceito de interface.

PALAVRAS CHAVE: jornalismo, on-line, interface.

Especificamente no caso do jornalismo on-line, relativo à idéia de interface, a definição mais aceita no estágio atual de desenvolvimento da informática, é de que se trata de superfície ou território de contato ou troca entre os conteúdos dados pelo sistema e o usuário [1] . Configurando-se em um espaço entre homem e máquina capaz de “(...) traduzir, articular espaços, colocar em comunicação duas realidades diferentes”  (BAIRON, 1995:18). Nesse sentido a função da interface aproxima-se em muito do conceito de mediação, de etapa necessária do processo comunicacional do ciberespaço. As reflexões de Palacios (1996) e Lemos (1999) colocam que além especificamente do aspecto de mediação, com forte inspiração do modelo comunicacional tradicional, na comunicação on-line outros fatores se engendram no processo. Assim, segundo os dois teóricos, o elemento conceitual básico da comunicação on-line reside em dois pontos principais:

·        A constituição de um ambiente comunicacional e informacional, (Palacios) onde além das funções tradicionais de emissão e recepção transpostas dos meios de comunicação preexistentes, colocam-se os fatores de demanda (ao invés de emissão) e acesso (ao invés de recepção) ao conteúdo informativo.

·        Além meramente de um ambiente comunicacional, a Internet atuaria como uma “incubadora midiática” (Lemos) que seria capaz de elaborar e administrar processos midiáticos distintos. Assim, a Internet não teria apenas uma função midiática, e sim, a capacidade de atuar tanto como gestora de mídias e com capacidade organizacional para, inclusive, condicionar processos midiáticos em plataformas ditas tradicionais, como revistas jornais, etc.

Dessa forma, temos que, mesmo no estágio de desenvolvimento atual das interfaces baseadas no binômio: metáfora e/ou desktop (área de trabalho), há um papel expandido além simplesmente de uma tradução e comunhão de um ambiente, um território comum, como equalizador de duas potencialidades, de um lado o homem, do outro a máquina.

Temos que, ao menos potencialmente, graças aos fatores de condicionamento presentes no conceito de sociedade informacional (Castells, 1996) e do próprio diálogo existente entre o desenvolvimento das interfaces e suas implicações na realidade das mídias contemporâneas, a noção de interface enquanto meramente uma metáfora está chegando progressivamente a um limite.

No que toca ao desenvolvimento de interfaces jornalísticas, com o surgimento de novas plataformas para usos da Internet a tendência é que tenhamos uma diversificação da forma de acesso à informação jornalística em disseminação hipermidiática. Ou seja, temos a elaboração de modelos que, se por um lado mantém  certo controle  sobre a geração de conteúdos e tratamento dos mesmos, por outro lado, devido principalmente aos fatores elencados anteriormente (digitalização, sistema de redes, portabilidade das interfaces, etc.) a esfera do processo midiático pertinente as alternativas de acesso/ recepção, apresentam-se de maneira absolutamente aberta e inserida numa lógica não apriorística.

            Dessa forma, a questão da interface ligada ao processo de constituição do jornalismo, é diretamente condicionadora das possibilidades hipermidiáticas a serem desenvolvidas a partir do advento de novas tecnologias de acesso à informação digital, pois, a partir de que novas interfaces sejam possíveis, novos veículos poderão ser, paralelamente, desenvolvidos.

            Os limites certamente estão postos pela função jornalística dos meios on-line. Gonçalves (1992, 1998) afirma que o jornalismo, de uma forma geral, seja on-line ou tradicional, também opera como um formador de uma visão de mundo. Dessa forma, o próprio modelo organizacional presente na estratégia editorial dos jornais condiciona – quando transpostos para os modelos eletrônicos – as metáforas de funcionamento e disposição de conteúdos. Assim, é absolutamente corriqueiro observarmos, por exemplo, que veículos on-line dividem o espaço virtual segundo uma lógica baseada em editorias, cadernos, matérias especiais, etc. O que ocorre niditamente nesse aspecto, retomando McAdams, (1995) no caso jornalismo on-line, é que ao se apelar para um modelo em metáfora, opera-se uma subordinação do suporte e função do jornal em relação à interface. Ou seja, quando da transformação dos átomos em bits, o produto jornal deixa de ser um veículo tradicional, embora mantenha boa parte da sua função simbólica agregada à nova interface. Em outras palavras, torna-se uma forma de veiculação, isto sim, adaptada às características do suporte permitidas pela Internet e condicionada pelas possibilidades da interface gráfica dos monitores de computador.

            Temos então simultaneamente, dado nesse estado de coisas, uma coexistência de uma possibilidade com um limite. Se dentro do ambiente da Internet, temos a progressão (como veremos abaixo), de estágios da criação, adaptação e gestão de conteúdos, vemos que em boa parte a metáfora do jornal impresso persiste enquanto sistema organizacional das informações baseadas em meio eletrônico.

            Indo por partes, desde o surgimento dos jornais on-line, podemos categorizar 3 estágios principais do desenvolvimento do sites de jornal, no que toca tanto ao arranjo hipermidiático como ao desenvolvimento de interfaces [2] . São eles:

– O transpositivo, como modelo eminentemente presente nos primeiros jornais online onde a formatação e organização seguia diretamente o modelo do impresso. Trata-se de um uso mais hermético e fiel da idéia da metáfora, seguindo muito de perto o referente pré-existente como forma de manancial simbólico disponível.

- O perceptivo. Num segundo nível de desenvolvimento, há uma maior agregação de recursos possibilitados pelas tecnologias da rede em relação ao jornalismo online. Nesse estágio, permanece o caráter transpositivo, posto que, por rotinas de automação da produção interna do conteúdo do jornal, há uma potencialização em relação aos textos produzidos para o impresso. Gerando o reaproveitamento para a versão online. No entanto  há a percepção por parte desses veículos, de elementos pertinentes à uma organização da notícia na rede [3] .

- O hipermidiático. Mais recentemente, podemos constatar que há demonstrações de uso hipermidiático por alguns veículos online, ou seja: o uso de recursos mais intensificado hipertextuais, a convergência entre suportes diferentes(multimodalidade) e a disseminação de um mesmo produto em várias plataformas e/ou serviços informativos [4] . Nesse sentido, podemos colocar que não há no jornalismo on-line atualmente produzido, uma tendência de uso de uma modalidade hipermidiática única, posto que o próprio conceito de hipermídia aponta para arranjos circunstanciais, pertinentes a cada caso específico.

Neste apanhado de classificação, fica de certa forma evidente que, para o jornalismo, o caso mais provável de adaptação ou desenvolvimento de interfaces extra-web, ou condicionadas pelos processos de rede e digitalização venha na forma das agências de Notícias.

Uma demonstração nesse sentido é colocada no recentíssimo debate sobre os modelos de disseminação e/ou organização do circuito de produção, tratamento e distribuição de notícias baseadas em rede. Cunha Filho (2001), Machado (2001), Gonçalves (2001), Silva Jr. (2001), abordam a questão da criação de conteúdo como um todo, tendo como fundo um horizonte problematizante razoavelmente homogêneo.

Em um sentido mais amplo e ligado aos processos narrativos como um todo, sem investigar a questão do jornalismo especificamente, Cunha Filho – no seu desenvolvimento sobre o Hiperdocumento – e Machado – explorando as noções de autoria em tempos de rede – apontam para um cenário aproximado. O hiperdocumento, segundo Cunha Filho, atuaria como: 

uma expansão conceitual do hipertexto (...) e pode ser analisado como um fator novo de organização de condutas. (...) nessa perspectiva, o hiperdocumento reformula aspectos de indefinição comunicacional, tanto no que diz respeito ao controle da informação quanto na questão de identidade do usuário. O hiperdocumento é o elemento central da definição do dispositivo informacional contemporâneo”. (Cunha Filho, 2001)

Já Machado, aborda o problema da seguinte forma:

Os discursos mais correntes sobre o impacto cultural da informática me parecem ocupados apenas com os aspectos superficiais do problema. A novidade introduzida pela informática está justamente na possibilidade que ela abre de fundir num único meio e num único suporte todos os outros meios e de invocar todos os sentidos (ou, por enquanto pelo menos, os mais desenvolvidos no homem). Mas ela o faz de uma forma integrada, de modo que textos escritos e oralizados, imagens fixas e em movimento, sons musicais ou ruídos, gestos, toques e toda sorte de respostas corporais se combinam para constituir uma modalidade discursiva única e holística. A informática nos impõe, portanto, o desafio de aprender a construir o pensamento e expressá-lo socialmente através de um conjunto integrado de meios, através de um discurso áudio-tátil-verbo-moto-visual, sem hierarquias e sem a hegemonia de um código sobre os demais. (Machado, 2001)

            Há nas duas acepções a compreensão tanto de um movimento de base, condicionante dos discursos contemporâneos, como em cada caso especificamente, o entendimento de uma certa inevitabilidade da convergência de suportes (Machado) gerando uma conseqüente demanda para o entendimento de novos padrões de pensamento. Na outra ponta do problema, a questão encontra-se em vislumbrar que essa dimensão multisensorial organiza-se de forma nucleada, dentro de uma dinâmica que possibilite entender o processo de hipermídia tanto como uma etapa de convergência de modalidades e formadora de padrões de processos narrativos e de aprendizado dos mesmos, (Cunha Filho) como sobretudo elemento de definição comunicacional e informacional contemporâneo.

            Tentando operar uma conciliação das duas concepções, percebemos que de fundo comum elas apontam para dois estágios mais genéricos:

·        O estabelecimento de uma tendência estruturante dos processos comunicacionais contemporâneos que privilegiam a geração de conteúdos e flexibilizam a idéia de suporte, sobretudo em função da realidade das redes e possibilidades de digitalização. Vale ainda colocar que, o processo de rede não deve ser encarado na sua totalidade como homogêneo, pois a própria constituição infra-strutual da Internet, por exemplo, aponta para a coexistência de diversas modalidades de redes. Daí a inferência flexível dos modelos organizacionais e narrativos atuais, encaixando-se nas circunstâncias menos em uma lógica de bloco, homogênea e apriorísitca e mais em um modelo aleatório, caótico e adaptável.

·        Uma tentativa de aprofundar e ao mesmo tempo fugir da tentação de encarar a agregação das possibilidades das modalidades midiáticas apenas como um fenômeno possível de ser explicado pela lógica da convergência digital. Subseqüentemente, desdobrando essa abordagem, há uma certa defesa da idéia que estamos em um estágio circunstancial na lida com conteúdos digitais  intermediada pela metáfora do desktop.

Em outras palavas, há a indicação nesses dois autores, que processos comunicacionais e informacionais tendem a migrar e adaptar-se a contingências tecnológicas mais adequadas e apropriadas assim que elas tornem se disponíveis.

Arrazoando essa discussão para o campo do jornalismo, os outros dois autores, Gonçalves e Silva Jr. transpõem esse modelo teórico para, especificamente, as agências de notícias.

Gonçalves, numa abordagem mais próxima à função de encadeamento da produção jornalística em caráter de rede afirma que:

“em contraste com o caráter fechado dos conteúdos dos jornais impressos, das manchetes radiofônicas e dos telejornais, as publicações digitais são instauradas a propor uma estrutura mais aberta, em que cada meio de modo integrado e seletivo atua como uma espécie de epicentro das redes de circulação das notícias. Com o novo cenário marcado pela inserção das empresas em um tecido cada vez mais denso e capilarizado muitas das práticas consagradas na indústria jornalística como os desenvolvimentos de arquivos centralizados são reorganizados”. (Gonçalves, 2001)

Já Silva Jr., especificamente ao quadro apresentado pelas agências de notícias, coloca que o conceito de hiermídia em um sentido mais amplo, deve ser entendido como: os processos comunicacionais no ambiente do ciberespaço(..) onde a produção de conteúdos digitalizados agem como elementos de disseminação em diversas plataformas. (Silva Jr., 2000, 2001). Assim, neste caso, a concepção de conteúdo hipermidiático procura indicar possibilidades que alarguem a perspectiva exclusiva das redes, apontando esta como uma teia condicionante de processos comunicacionais que ocorram interna ou externamente à rede. O que se busca nessa concepção é conciliar a produção de conteúdos digitais de forma que a mesma não seja encarada apenas como modelo sincrônico do jornalismo. Podendo assim desenvolver-se em direção a estruturas de informação que dialogam com a rede e não apenas transpõem e adaptam conteúdo para esse ambiente.

O que toda essa discussão tem em comum em relação a esse projeto de pesquisa, é ao nosso ver, um indicativo do limite das interfaces atuais. Esses estudos apontam para um estágio onde as “poéticas das passagens”  (termo cunhado por Raymond Bellour, 1990, pp. 37-56), prevalecem apenas circunstancialmente, em função da necessidade adaptativa de transpor conteúdos para adventos absolutamente novos sob ponto de vista tecnológico.

Mas a cultura como a sua intrínseca relação com a tecnologia estabelece dinamismos de superação inclusive para os suportes midiáticos. Se conceitualmente os problemas relativos a geração de conteúdos on-line está resolvida – como ilustramos anteriormente – sob a perspectiva de hiperdocumento, epicentro das redes de circulação, hipermídia e discurso áudio-tátil-verbo-moto-visual, toda uma série de perguntas surgem no sentido de que interfaces devem ser (ou estão sendo) desenvolvidas para as questões dos fenômenos comunicacionais e, claro, especificamente para o jornalismo.

O que temos como pressuposto básico é o entendimento, a princípio, que interface pressupõe um ambiente de negociação entre conteúdos e usuários. Como já falamos anteriormente, tal definição tende a se aproximar muito do conceito de mediação clássico, puxando o debate sobre as interfaces para uma abordagem enquanto processo de mídia. Em adição, ao tratar o problema da interface enquanto ambiente de negociação, território virtual de troca, mecanismos de ação e reação com os aparatos, etc. o problema fica extremamente refém de uma percepção de transposição. Pois se a interface negocia algo, é necessário ter uma base simbólica de referência. No caso do jornalismo on-line esse foi durante muito tempo um debate chave que aprisionava adicionalmente outros pontos, como por exemplo à relação do texto transposto vs. O texto digitalmente produzido.

Problematizações mais recentes, apontam avanços no que podemos entender enquanto idéia de interface. Johnson (2001), coloca na maioria das suas observações uma ênfase justamente na idéia que a massificação das telas e das nossas relações com ambientes digitais está formando um parâmetro em que a interface deixa de ser uma solução e constitui-se enquanto um elemento de cultura tecnológica. Ou seja, que possibilidades de arranjo formal foram e podem ser desenvolvidos no sentido de operar essa tradução entre conteúdo e usuários de forma mais adequada e eficiente, fugindo do modelo da metáfora. Apesar de não focar sua análise especificamente sobre o jornalismo, a perspectiva de Johnson fornece elementos para entendermos os limites da questão postos acima.

O primeiro desses limites seria dado justamente pela adoção da idéia de metáfora de objetos como forma de negociação do contrato entre conteúdos e pessoas, mediado pelo computador. Segundo o autor, a adoção de modelos em metáfora evoca de modo subjacente tradições narrativas, mesmo acreditando que, com a progressão de um uso tecnológico massivo a linguagem de interface “naturalmente” superaria o estágio da transposição.

A solução do problema, ao nosso ver, não pode ser depositada simplesmente na crença de uma infalibilidade tecnológica e de uma superação de paradigma narrativo ou formação de um quadro cognitivo já ambientado com as relações de sentido estruturadas pelos computadores. Não descartando em absoluto esses dados como importantes influenciadores, temos que analisar a questão do desenvolvimento de interfaces em um campo mais largo e diretamente inserido na dinâmica contemporânea imersa em tecnologia.

No caso do jornalismo, por exemplo, tal concepção não dissocia o arranjo formal de um jornal e seus condicionantes sociais, que verdadeiramente impõem uma necessidade de organização de conteúdos segundo uma certa lógica próxima dos problemas que o jornal trata. Assim, temos no jornalismo um arranjo clássico: o das editorias. Essa perspectiva visa de maneira bastante eficiente, orientar o modelo de exploração do leitor segundo uma ordem de problemas relativos ao ambiente urbano e mundial em que está imerso. Assim, as editorias/ cadernos de política, internacional, cidade, meio ambiente, cultura, turismo, internacional, etc. visam e atualizam uma esfera de potências informativas em maior peso condicionada por uma dinâmica social do que por possibilidades tecnológicas.

outro ponto de análise alternativo e ligado à discussão do binômio conteúdo/ interface é o recente trabalho de Bolter & Grusin. (2000) Em  Remediation (remediação) eles abordam a questão da representação de um meio em outro meio, colocando a conceito de remediação como a característica central das novas mídias digitais. Assim a ‘paisagem da mídia’ atual seria fortemente marcada tanto por uma dissociação generalizada entre conteúdos e modalidades de disseminação, como em paralelo do desenvolvimento de alternativas de interface para os conteúdos existentes.

O que amplia o grau de problematização é que, tomando as práticas jornalísticas como advindas de uma dinâmica eminentemente urbana e internacionalizada (mais ainda no caso das agências de notícias) temos que observar que, entre outras coisas, essas relações das narrativas jornalísticas estão progressivamente sendo influenciadas por um processo aonde a geração de conteúdos digitais vem a ser condicionado também pela digitalização. Em outras palavras, em um contexto contemporâneo onde se está progressivamente migrando ações das dinâmicas de uma cidade e da vida cotidiana para o ambiente de redes (e-government, e-commerce, cidades digitais, socialidade eletrônica, etc.) é possível se manter inalterado o modelo que negocia a narrativa dos fatos com os cidadãos? Ao nosso ver e nisso estamos antecipando e ao mesmo tempo embutindo um caráter de hipótese, as chances de alteração do perfil de organização e distribuição das notícias interferem inclusive nos chamados meios tradicionais.

Outro problema de se operar na lógica da transposição é aproximar a metáfora para uma dinâmica de simulação, onde temos uma lógica narrativa de um modelo preexistente, aplicado a um novo ambiente. Johnson, nesse momento, coloca que o problema reside na adoção de uma “metáfora da realidade”. Ou seja, a realidade estaria sujeita a um filtro formal, de arranjo de possibilidades organizacionais da informação, por exemplo, do tipo editorial como falamos acima. Nesse sentido, opera-se menos com a idéia de metáfora enquanto exploração de um certo espaço (seja virtual ou material) do que enquanto metáfora da transposição, das “poéticas da passagem”. A prevalência, nesses casos, seria a existência de um parasitismo narrativo, moldando-se apenas a novos fatores de apresentação do conteúdo, sem todavia modificar a estrutura de base. Estaria-se assim, nesse caso, operando uma dinâmica de auto-referência, de conteúdos que se evocam entre-mídias. (Johnson, 2001: 33)

Essa confusão é bastante comum. Desde os anos 60, com a concepção McLuhaniana de meios de comunicação como expansão do homem, a ênfase colocada sob os ombros dos meios de comunicação é muito mais protética (por exemplo, temos as interfaces externas, isto é, calçadas na metáfora da expansão, a luneta, o descaroçador, etc.)  do que propriamente exploratória. Encarar, como McLuhan faz, o processo de comunicação como sendo condicionado pelos fatores tecnológicos é operar em um sentido unívoco, onde prevalece a crença que um processo midiático por si só condicionaria as variantes de conteúdo. Se há coerência nessa formulação, há de se considerar também que boa monta dos processos de elaboração de interfaces parte do surgimento de modelos narrativos mais sofisticados, que em tese, não “cabem” nos suportes existentes em uma determinada época [5] .

Nesse sentido, podemos acreditar que tanto processos de convergência discursiva entre as modalidades comunicacionais como o surgimento de práticas comunicacionais de vanguarda, fornecem as condições básicas para a elaboração de interfaces diferenciadas. A nossa hipótese nesse sentido é que surgem cada vez mais modelos narrativos que se estabelecem segundo o tríplice condicionamento:

·        Descentralidade de operação. Vide por exemplo os casos do Napster e programas correlatos, que demandou uma  verdadeira guerra judicial vinda das gravadoras contra a tecnologia de livre troca de arquivos digitais. Em adição tal processo potencialmente gera alternativas de disponibilização de fogem a lógica da massificação.

·        Multiplicidade de geração de conteúdos em caráter de fonte primária. É típico desse exemplo o surgimento do fenômeno  dos Blogs (acrônimo de web+logs, são em uma definição rápida, uma adaptação para a rede dos diários, com o adicional de por em jogo uma interessante dinâmica de visibilidade pública do caráter do privado), como um processo narrativo tanto descentralizado, como autônomo e múltiplo, pois eclode em diversos locais do mundo simultaneamente.

·        Diversidade na elaboração de soluções. Mesmo com a hegemonia dos players mercadológicos que trabalham na elaboração de interfaces (Windows da Microsoft, Mac OS da Apple) atualmente vivemos um momento onde soluções descentralizadas podem ser propostas de forma não hierarquizadas, facilitando tanto o desenvolvimento de plataformas de processamento de dados como também de apresentação de interface.

Para o jornalismo, e mais especificamente, para o caso das agências de notícias – foco dessa pesquisa - A questão que surge é como esse múltiplo condicionamento de fatores vai exigir um novo arranjo de linguagem de interface que concilie tanto a função do jornalismo e simultaneamente atualize a sua dinâmica a luz do avanço tecnológico e informacional.

Ao nosso ver, tal problema é central para o entendimento do quadro das comunicações contemporâneas e suas diferentes configurações. O jornalismo e mais especificamente as agências de notícias se inserem decisivamente dentro desse horizonte, pois encontram-se diretamente ligados e envolvidos na geração de conteúdos e informações que, de alguma forma, condiciona a percepção de mundo atual.

 

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[1] LEMOS, André. “Anjos interativos e retribalização do mundo. sobre interatividade e interafaces digitais”. <http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/interac.html> (24/04/98).

[2] Essa categorização foi desenvolvida na dissertação de mestrado do autor: Jornalismo 1.2: Características e Usos da Hipermídia, com Estudo de Caso do Grupo Estado de São Paulo. Defendida na FACOM-UFBA, 2000.

[3] Nessa etapa, começam a surgir recursos como: a personalização, o uso de banco de dados agregado ao site do jornal; uma maior utilização de recursos interativos com o usuário, os conteúdos exclusivos, e a agregação de recursos e serviços  de origem não necessariamente jornalística. Cf. MIELNICKZUK, Luciana: Jornalismo online e os espaços do leitor: um estudo de caso do Netestado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Porto Alegre, 1998.

[4] Um bom exemplo dessa utilização, é a Agência Estado, que pulveriza o seu conteúdo produzido por mais de 45 formas de disseminação, envolvendo entre outras, ondas de rádio, pagers, telefones celulares e painéis eletrônicos de vias públicas. Cf. www.agestado.com.br  .

[5] O próprio Johnson coloca um bom exemplo, ele afirma que no caso de Guerra dos Mundos, o legendário programa de rádio de Orson Welles “Guerra dos Mundos” deveu boa parte do seu impacto ao fato de possuir uma  narrativa com elementos cinematográficos. Estaria assim, “presa” por não ter como quebrar os limites da estrutura narrativa radiofônica. Guerra dos Mundos seria assim, um “mau” programa de rádio e sim um bom roteiro de cinema. Isso ilustra razoavelmente essa dinâmica por vezes muito presentes nas “poéticas da passagem”.