O Problema da Técnica e o Ciberespaço

Paulo Serra, Universidade da Beira Interior

1995/96

INTRODUÇÃO

"Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade - eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava."

Descartes, Discurso do Método (1637), Lisboa, Sá da Costa Editora, 1980, p. 28.

O Cogito cartesiano representa a recusa de fundamentar o saber em qualquer tradi-ção, e a exigência de o fundamentar no Sujeito, entendido como "substância pensante" (é a esse processo que Kant chama "autonomia").
Mas o Cogito cartesiano já é, ele próprio, o "herdeiro" (e, em parte, o contemporâ-neo) filosófico da Ciência e da Técnica emergentes. Sem a nova Física Matemática de Kepler e Galileu, o telescópio de Galileu e as oficinas do Renascimento, seria impensável o "Eu penso, logo existo" de Descartes. Foram a Ciência e Técnica emergentes que, destruindo a concepção antiga e medieval de natureza (o "mundo fechado", para utilizarmos uma expressão de Koyré), fundada na Filosofia de Aristóteles e na Teologia cristã, obrigaram Descartes à procura de um novo fundamento (para o saber, para a acção, para a natureza, para o homem...).
Assim, e ao contrário do que pretende uma versão mais ou menos vulgarizada da Modernidade, a exigência cartesiana do Cogito como fundamento configura, não a viragem do teocentrismo para um suposto antropocentrismo, mas (sobretudo) a substituição da tradição em geral (chamemos-lhe "Deus" ou qualquer outra coisa) pela Ciência e pela Técnica. Neste sentido há que, para além de toda a retórica cartesiana, ler literalmente a sua afirmação de que Deus é uma "ideia inata", nada mais que uma "ideia" ... (1)
Enquanto a certeza de si, colhida na transparência do pensamento, garante ao Sujeito a posse da verdade do saber, a Ciência e a Técnica irão garantir a dominação do homem sobre a natureza: o homem tornar-se-á "senhor e possuidor da natureza" (2). A natureza vai ser vista, pelos Modernos, como algo a ser dominado, como "objecto" que deve responder às pretensões do "Sujeito". A noção de physis (derivada de phy, que significa o crescer, o devir, próprio do mundo natural) vai ser substituída pela noção de artesão, pela técnica como trabalho de controlo sobre a natureza.
O conceito de domínio, de poderio é, assim, o conceito que, de forma subterrânea, une a filosofia da subjectividade e a Técnica, orientando todo o projecto da Modernidade.
A pouco e pouco, no Ocidente, o cientista e o tecnólogo irão assumindo o papel outrora reservado ao sacerdote e ao teólogo. À ilusão teológica do "Reino dos Céus", sucede a promessa tecnológica da "Cidade de Deus" (na Terra). São sintomáticas, a este respeito, utopias como as de Thomas More no século XVI e de Francis Bacon no século XVII, o Iluminismo no século XIII, o Positivismo e o próprio Marxismo no século XIX...
Mas, enquanto fundamento, o Cogito inaugura, desde logo, a crise de todos os fundamentos. Se é o Cogito que fundamenta, a partir de si próprio, toda a "realidade" do real, recusando toda e qualquer tradição ou exterioridade, cada um dos fundamentos que (o mesmo Cogito) vai produzindo se transforma, no acto mesmo de ser produzido, em "tradição" e "exterioridade" - e, como tal, deve ser ser recusado.
A "Modernidade" emerge, assim, como um vórtice, um turbilhão que tudo arrasta à sua passagem. A partir daqui, nada está seguro, tudo é duvidoso, tudo pode (deve) ser posto em questão. Todo o afirmado (seja na ordem das verdades teóricas seja na ordem das orientações práticas) deve, apenas por isso mesmo, ser imediatamente rejeitado e negado. Paradoxalmente (ou talvez não) o filósofo da "evidência" e da "certeza" é o fundador maior da "incerteza" e da "dúvida" permanentes ...(3)
A esse processo de negação, de desvalorização de todos os valores, de crise dos fundamentos, simbolizada na "Morte de Deus", chama Nietzsche "niilismo" .(4)
Nietzsche é aqui uma referência fundamental, na medida em que "...é o pensador que coloca com a máxima radicalidade a questão da desaparição do fundamento, através da tematização da morte de Deus." A partir da consciencialização de Nietzsche, a "crise" (ou, se assim lhe preferirmos chamar, o "niilismo", a "decadência", a "secularização") transforma-se no "...fenómeno essencial dos Tempos Modernos". (Bragança de Miranda, 1994: 69; 71).
Cogito, Técnica, Crise: sem o sabermos, o problema da Técnica estava-nos destinado desde o início da Modernidade.
Mas foi sobretudo no século XX, com as suas duas Guerras Mundiais, o holocausto, a bomba atómica, as armas químicas e biológicas, as poluições de toda a ordem, os problemas colocados pela engenharia genética, o desemprego "tecnológico", etc., que o problema da Técnica (e, simultaneamente, a tematização da Crise) se impôs com toda a sua crueza e violência .(5)
O acontecimento decisivo do nosso tempo é, assim, a Técnica. Ela é o problema no-vo, vindo subitamente à luz (mas longamente preparado), que lança uma espécie de catástrofe sobre o humano - processo que é tematizado por alguns como "descalabro" (Belo, 1993).
A Técnica é o "im-pensável" que, em cada um dos seus momentos, exige ser pensado - mas que sempre escapa às tentativas de (a-)preensão do pensamento.
Heidegger e McLuhan foram, seguramente, os pensadores contemporâneos que deram os passos mais importantes para a compreensão da Técnica. Heidegger é o filósofo que nos permite compreender a Técnica a partir da tese fundamental de que "a essência da técnica não é nada de tecnológico", e que nos alerta para o "perigo" implicado na Técnica moderna; McLuhan é o sociólogo dos media que nos permite compreender a Técnica como "extensão do homem", e o teorizador do conceito, hoje repetido até à exaustão, de "aldeia global". No entanto, "...seria necessário mostrar que, isoladamente, estão ambos errados" (Bragança de Miranda, 1996a: 13)
A crítica da Técnica é feita, por Heidegger e McLuhan, sobretudo a seguir à II Guerra Mundial, nas décadas de 50 /60. Depois desta época, surgem apenas críticas esparsas sobre o nuclear, a poluição, a genética, etc. Hoje, o que se banaliza é uma "Ética da Técnica", que se materializa nas diversas "Comissões de Ética", nos múltiplos "Manifestos" de cientistas e investigadores, nas várias "Declarações de Princípios" de organismos internacionais como a Unesco, etc. No geral, as tomadas de posição desse tipo de entidades não vão além da ideia corrente, recusada quer por Heidegger quer por McLuhan, de que a Técnica é, em si, éticamente "neutra", residindo os problemas apenas na sua boa ou má utilização ou aplicação.
O momento da Técnica que hoje devemos pensar é o de uma nova realidade, materializada nas redes informáticas e na "sociedade da informação" - realidade que alguns designam de Ciberespaço . Tal realidade apresenta-se, para alguns, como uma nova utopia, um "novo mundo", uma "nova fronteira". Parece, à primeira vista que - olhado como ilusão (Marx chama-lhe "ópio") o "Reinos dos Céus", constatada a impossibilidade de realização do "Reino da Terra " (simbolizado em utopias como o comunismo) - nos restaria uma possibilidade de sermos justos, felizes, harmoniosos: no "Reino da Informação Pura"...

Tendo em conta estes pressupostos, o nosso trabalho pretende tentar responder a um duplo conjunto de questões:
I Parte. Quais as teses centrais de Heidegger e McLuhan sobre a Técnica? Até que ponto essas teses nos permitem, aqui e agora, pensar a nova realidade que é o Ciberespaço?
II Parte. O que se entende por Ciberespaço? Em que medida ele representa (ou não) uma novidade em relação à Técnica moderna? Quais as suas possibilidades e perigos (pelo menos potenciais) ?
 
 

I PARTE. O PROBLEMA DA TÉCNICA

1. HEIDEGGER E A TÉCNICA COMO "DISPOSITIVO"

"...Heidegger continua a ser o filósofo com que pensamos o problema da técnica. Talvez isso seja insuficiente (...) mas Heidegger é aqui inevitável."

Bragança de Miranda, José (1993), Intervenção em "Debate sobre a questão da Técnica", in
Revista Portuguesa de Filosofia, Números 5/6, Lisboa, Edições Cosmos, p. 166.

No texto "La question de la Technique" (original alemão "Die Frage nach der Technik", de 1953), que adiante citaremos como QT, Heidegger parte da seguinte tese fundamental: "l'essence de la tecnique n'est absolument rien de technique" (QT: 9).
Em que consiste a essência da Técnica? Segundo a concepção corrente, esta pergunta tem duas respostas (solidárias entre si): por um lado, a Técnica é o meio para certos fins; por outro lado, ela é uma actividade do homem. Esta concepção - que vê a Técnica como um conjunto de instrumentos ou meios que visam satisfazer os fins do homem - pode, segundo Heidegger, chamar-se a "concepção instrumental e antropológica da técnica". O corolário desta concepção é que a Técnica, em si, não é boa nem má, há é que "utilizá-la bem", orientá-la para fins espirituais, sermos verdadeiramente senhores dela. No entanto, apesar de exacta, esta concepção não é verdadeira, não nos revela a essência da técnica. Devemos, portanto, procurar o verdadeiro através do (e para além do) exacto...
O que é o "carácter instrumental"? O "carácter instrumental" ou "instrumentalidade", liga-se à noção de causalidade. Que se entende por "causa"? Desde Aristóteles respondemos a esta questão indicando quatro tipos de causas: formal, eficiente, final e material. No entanto, para os Gregos, estas causas eram "modos solidários" do "acto pelo qual se responde", que é o sentido verdadeiro da palavra "causa". Os quatro modos do "acto pelo qual se responde" conduzem qulquer coisa ao seu "aparecer", deixando-a advir para o "estar-perto-de"; o "acto pelo qual se responde" é o acto de "fazer vir", de trazer algo da não-presença à presença - é, citando o Banquete de Platão, poiesis, pro-dução. A produção, assim entendida, abrange quer a "fabricação artesanal", quer "o acto poético e artístico", quer o que se passa na própria Natureza; aliás, segundo Heidegger, "...la physis est même poiesis au sens le plus élévé" (QT: 16), na medida em que o que vem à presença o vem por si, sem o recurso a um agente exterior, como acontece com o que é produzido pelo artesão ou pelo artista.
Assim entendido, em que consiste o pro-duzir? Na medida em que o pro-duzir faz passar algo do estado de oculto ao estado de não oculto, ele apresenta. Esta apresentação é um desvendamento (desvelamento, desocultação) - aquilo a que os Gregos chamavam aletheia e os Latinos traduziram por veritas. Assim, o questionamento da concepção da Técnica como instrumento ou meio, acaba por nos conduzir a uma concepção mais verdadeira: a da Técnica como um modo de desvendamento. No dizer de Heidegger: "Ainsi, la technique n'est pas seulement un moyen: elle est un mode du dévoilement. (...) C'est le domaine du dévoilement, c'est à dire de la véri-té" (QT: 18).
Isto mesmo nos diz a palavra grega technê. Para os Gregos, esta palavra designa quer o fazer do artesão quer a arte propriamente dita e as belas-artes - a technê faz parte da poiesis, do pro-duzir. Por outro lado, até Platão, technê aparece associada a episteme: ambas são nomes do conhecimemento no seu sentido mais lato, no sentido de aí se encontrar qualquer coisa, de abertura, de desvelamento - a technê é encarada, pelos Gregos, como um modo da aletheia.
A definição anterior da essência da Técnica, que convém à Técnica antiga, artesanal, convirá também à Técnica moderna, "motorizada" ? Ou esta última é de um tipo completamente diferente? Se sim, qual a essência da Técnica moderna?
Segundo Heidegger, a Técnica moderna é também um desvendamento - mas um desvendamento entendido, não como poiesis, mas como pro-vocação (Herausforden): "Le dévoilement qui régit la technique moderne est une pro-vocation par laquelle la nature est mise en demeure de livrer une énergie qui puisse comme telle être extraite et accumullée." (QT: 20) A diferença entre os dois tipos de Técnica é ilustrada, por Heidegger, comparando o velho moinho movido a vento com a extracção de carvão e minerais, o cultivo do campo pelo camponês tradicional com a agricultura industrial. A Técnica moderna intima e pro-voca a natureza a fornecer a sua energia: instala-se uma central eléctrica no Reno, ela intima o rio a fornecer a sua pressão hidráulica, as turbinas giram... A Técnica moderna, enquanto desvendamento e interpelação pro-vocante, faz aparecer a natureza como fundo (Bestand), como algo que responde à "encomenda" do homem, que está disponível para ser utilizado. Mas o homem, que é quem realiza a pro-vocação, é ele próprio "provocado" para pro-vocar a natureza. Neste sentido, ao entregar-se à Técnica pro-vocadora, o homem "...prend part au commetre comme à un mode du dévoilement" ( QT: 25), faz parte do processo ontológico de desvendamento. Como é o homem levado a tal desvendamento?
Para Heidegger, é uma questão essencial afirmar que a Técnica moderna, enquanto desvendendamento que "encomenda", não é um acto "puramente humano", no sentido de depender da vontade arbitrária do homem. A essência da Técnica moderna reside no seu carácter de dispositivo (Gestell, derivado de "Ge", o que congrega, e "Stell", raiz do verbo "stellen", pôr em pé), que Heidegger define da seguinte forma: "...ainsi appelons-nous le rassemblant de cette intérpellation qui requiert l'homme, c'est à dire qui le pro-voque à dévoiler le réel comme fonds dans le mode du 'commetre'. Ainsi appelons-nous le mode de dévoilement qui régit l'essence de la technique moderne et n'est lui même rien de technique." (QT: 27/28)
Este carácter essencial da Técnica moderna já está presente, de forma oculta, na Ciência moderna da natureza, que emerge no século XVII, cerca de dois séculos antes da emergência da Técnica moderna. A Física moderna vê a natureza como um "complexo calculável de forças"; ela não é experimental por aplicar instrumentos para interrogar a natureza, mas ao inverso: aplica instrumentos porque tem, logo enquanto teoria, um carácter instrumental, intima a natureza a mostrar-se como "un complexe calculable et prévisible de forces" (QT: 29). A partir desta perspectiva, é uma aparência enganadora, própria da concepção corrente, entender a Técnica moderna como "ciência natural aplicada": "C'est parce que l'essence de la technique moderne réside dans l'Arraisonnement (Ge-stell) que cette technique doit utiliser la science de la nature. Ainsi naît l'apparence trompeuse que la technique moderne est de la science naturelle appliquée." (QT: 31)
A essência da Técnica reside, pois, no Ge-stell. O Ge-stell, tal como a poiesis, é um envio do destino (Geschick). Diz Heidegger: " Mettre sur un chemin - se dit, dans notre langue, envoyer. Cet envoi (Schiken) qui rassemble et qui peut seul mettre l'homme sur un chemin du dévoilement, nous le nommons destin (Gesschick)." (QT: 33) A liberdade do homem consiste, precisamente, em escutar e cumprir este destino.
A Técnica, sendo um destino, é também um perigo (Gefahr), ela é mesmo o perigo -e, sob a forma de Ge-stell, o "perigo supremo". Esse perigo reside na possibilidade de ocultar o ocultamento do ser, não encontrando o homem na natureza mais do que a sua própria face, esquecendo o carácter de desvelamento próprio de toda a Técnica. Assim, não é a Técnica moderna que é perigosa, ou "demoníaca", mas o Ge-stell, a sua essência.
Significa isto que a Técnica moderna nos coloca, necessariamente, à beira da catástrofe? Para responder a esta questão, Heidegger cita o verso de Holderlin (do Hino Patmos): "mas onde há o perigo, ali cresce também o que salva" (QT: 38). E em que consiste tal salvação? Quer a poiesis quer o Ge-stell são modos de desvendamento, ainda que o segundo nos possa fazer esquecer isso. O desvendamento é, assim, o destino originário e primeiro da Técnica. Como evitar os seus perigos e permanecer no que salva? Heidegger antevê uma "possibilidade": a Arte, e nomeadamente a Poesia ... (6)

De 1953 (data do ensaio "A questão da Técnica") até à década de 70, Heidegger vai estar interessado na Cibernética, como é patente no seu ensaio "Língua de tradição e língua técnica", que analisaremos a seguir. No entanto, paradoxalmente (ou talvez não?), tal interesse não o vai fazer mudar a sua concepção geral sobre a Técnica, exposta no seu ensaio de 1953 (de que repete, inclusivamente, muitas das formulações).

O texto "Língua de tradição e língua técnica" (resultado de uma conferência dada em 1962), que adiante citaremos como LT, resume a "concepção corrente da técnica" nas cinco teses seguintes:
1. A Técnica é um meio, produzido e inventado pelos homems, para realizar certos fins que eles se propõem a si próprios;
2. A Técnica moderna é a aplicação prática da ciência moderna da natureza;
3. A Técnica é um domínio específico, particular, no interior da civilização moderna;
4. A Técnica moderna é uma mera continuação (aperfeiçoada) da Técnica antiga, implicando apenas uma mudança de grau, que não de natureza;
5. A Técnica moderna exige, para poder funcionar correctamente, que o homem exer-ça um controlo permanente sobre ela.
Estas 5 teses assentam em duas ideias fundamentais e indissociáveis: a do carácter antropológico da Técnica (a Técnica é algo humano, inventado pelo homem e para o homem); a do carácter instrumental da Técnica (a Técnica é um simples meio, algo que se deve utilizar para a consecução de determinados fins e que, como tal, pode ser controlado pelo Homem). Estas duas ideias configuram o que Heidegger chama a "concepção antropológico-instrumental da técnica" - segundo a qual, por exemplo, não há qualquer diferença entre um machado de pedra e um satélite TV como o Telstar... Esta concepção é hoje dominante: não apenas porque se impõe "imediatamenete e de forma palpável", mas porque é "exacta no seu contexto" - o que não significa, obviamente, que seja verdadeira, e que não deva ser questionada (como Heidegger vai fazer).
Para tal, Heidegger vai começar por analisar o termo Técnica a partir da sua origem grega (technê), em termos semelhantes aos que vimos no texto anterior, para concluir "de maneira elíptica e sucinta" que: "... technê não é um conceito do fazer, mas um conceito do saber. Technê e também técnica querem dizer que qualquer coisa está posta (gestellt) no manifesto, acessível e diponível, e é dada enquanto presente à sua posição (stand)." (LT: 22) Como tal, a Técnica exige um certo tipo de Ciência, que corresponda ao tipo de saber que ela (Técnica) é. Esse "acontecimento" dá-se uma só vez no decurso da humanidade: no início da Modernidade europeia. Sobre a relação entre Ciência e Técnica, Heidegger opõe-se, assim, à visão corrente, que concebe a Técnica como aplicação da Ciência; prefere, citando Heisenberg, falar de "escoramento recíproco" entre as duas. Aliás, o princípio de incerteza de Heisenberg acaba por tornar manifesto o que já estava presente, ainda que de forma oculta, na Técnica anterior: que a Técnica é um certo saber, que ela é "co-determinante" do acto de conhecer científico.
A "questão directriz" da Ciência, na era moderna, é a seguinte: "como é que a nature-za deve ser projectada antecipadamente enquanto domínio da objectividade para que os processos naturais sejam calculáveis a priori?" (LT: 24/25). Esta questão envolve um duplo aspecto: em primeiro lugar, uma decisão sobre o tipo de "realidade" da natureza - em relação a este aspecto, a resposta está bem patente nas palavras de Max Planck, citado por Heidegger: "Real (wirklich) é aquilo que pode ser medido", o calculável, o matematizável (LT: 25); em segundo lugar, o primado do Método, que deve determinar toda a investigação da natureza, "obrigando-a" a responder a determinadas perguntas, de uma certa forma. Estes dois aspectos mostram que, na (pela) Ciência moderna, a natureza é "provocada" a dar respostas em função de um projecto matemático-experimental, é "obrigada a falar", a "manifestar-se" de uma certa maneira. Ora, é justamente esta "intimação provocante" que é o fundamento da Técnica moderna.
A Técnica intima a natureza a fornecer a sua energia. Essa energia é captada, transformada, intensificada, armazenada, distribuída - todos estes modos exigindo controlo e garantia. A potência posta em jogo por este processo faz surgir os gritos de alarme sobre a necessidade de "controlar" a técnica, de a "utilizar correctamente", etc. No entanto, tais "gritos de alarme" ignoram que a Técnica responde a uma exigência (a de provocar a natureza para fornecer e assegurar a energia natural) de que o homem não pode impedir o cumprimento ou dominar. O homem é, ele próprio, provocado pela exigência de provocar a natureza. Neste sentido, a Técnica é tudo menos "humana"... Sendo assim, pergunta-se Heidegger, qual é "...a força secreta daquio que hoje, no mundo tecnicamente dominado, é..."? (LT: 29)
Para responder a esta questão, Heidegger orienta-se para a Língua. Porquê falar de "Língua" a propósito da Técnica?
Heidegger começa pela exposição da concepção corrente da Linguagem - concepção que Wilhelm von Humboldt terá estabelecido sobre uma base mais científica - que se pode resumir nos dois enunciados seguintes: o primeiro, positivo, diz que a Língua é uma visão do mundo; o segundo, negativo, diz que a Língua não é um simples instrumento de troca e de comunicação.
A concepção de que a Língua é um mero intrumento ou meio vê-se "avivada", "reforçada", e "levada ao extremo" pelo facto da dominação da Técnica moderna. Essa concepção, imposta pela Técnica moderna, reduz-se à seguinte proposição: "a língua é informação"(LT: 33). Ou, por outras palavras: a informação é a língua (da) técnica.
Em que medida tal "língua técnica" se distingue do que é próprio da Língua, o "falar do homem"? Falar é essencialmente um "dizer" - pode-se falar sem dizer nada, há silêncios que dizem tudo. Dizer é um "mostrar". Mostrar significa "...fazer ver e entender qualquer coisa, levar uma coisa a aparecer" (LT: 34). E o homem não pode verdadeiramente dizer senão aquilo que se mostra a ele de si próprio, aquilo que de si próprio aparece, se manifesta e a ele se dirige. Mas o dizer como mostrar pode também ser entendido e efectuado de tal modo que mostrar significa apenas dar sinais: "O sinal torna-se então uma mensagem e uma instrução acerca de uma coisa que, em si mesma, não se mostra." (LT: 35) Todo o sinal exige que, previamente, se convencione o que significa enquanto sinal: por exemplo um som, uma luz, os pontos e os traços do morse. No caso do morse, o sinal só pode ser ponto ou traço, sim ou não (linguagem "binária"). As máquinas são levadas a produzir este tipo de sinais, constituindo mensagens, tendo cada sinal e cada enunciado um e só um signifcado. Ao tornar-se informação, a Língua é reduzida a uma escrita abstracta, constituída por uma álgebra lógica...
Os computadores assentam nesta transformação da Língua como dizer em Língua como mensagem e como simples produção de sinais. O ponto decisivo desta transformação reside no seguinte: "...são as possibilidades técnicas da máquina que prescrevem como é que a língua pode e deve ainda ser língua. (...) A natureza dos programas que podem servir de entradas para o computador, entradas com as quais podemos, como se diz, alimentá-lo, regula-se sobre o tipo de funcionamento da máquina. O modo da língua é determinado pela técnica." (LT: 36/37) Por isso a língua técnica é a agressão "mais violenta e mais perigosa" contra o próprio da língua, que reside no dizer. E, na medida em que a relação do homem com o ente e com ele próprio repousa no dizer, esta agressão é "uma ameaça contra a essência própria do homem", na medida em que o homem e a sua vida se transformam, eles próprios, em pura informação (LT: 38).
Aliás, esse parece ser o objectivo confessado da Cibernética de Wiener, de que Heidegger cita as seguintes afirmações: "ver o mundo inteiro e dar ordens ao mundo inteiro é quase a mesma coisa que estar em todo o lado", "Viver activamente significa viver com a informação apropriada", "A língua não é uma capacidade reservada ao homem, mas uma capacidade que partilha até um certo grau com as máquinas que desenvolveu". (LT: 38/39). Deste modo, a Cibernética representa, segundo Heidegger, a última etapa na evolução da Técnica.
E a "língua de tradição"? Ela corresponde ao que chamamos vulgarmente "língua natural". A sua importância reside no seguinte: na medida em que a tradição da língua é transmitida pela própria língua, tal "...exige do homem que, a partir da língua conservada, diga de novo o mundo e por aí chegue ao aparecer do ainda não-apercebido. Ora eis aqui a missão dos poetas"(LT: 40, itálico meu).
Uma "solução" que, como vemos, não se afasta muito da que Heidegger fornecia no texto de 1953...
 
 

2. MCLUHAN: OS MEDIA COMO "EXTENSÕES DO HOMEM"

"The visible world is no longer a reality and the unseen world is no longer a dream."

W. B. Yeats, citado por Marshall McLuhan in Understanding Media: The Extensions of
Man, London and New York, Ark Paperbacks, 1987, p. 35.

Para os Modernos, meio é o que permite a "comunicação" de uma "mensagem" "entre um "emissor" e um "receptor". O meio... é apenas o meio, nada influenciando (ou influenciando apenas negativamente, na medida em que pode produzir mais ou menos "ruído") a mensagem a transmitir.
McLuhan vai ser o primeiro a ver que, não só nenhum desses elementos (emissor, receptor, comunicação, mensagem...) existe fora desse meio, mas são produzidos por ele - e vai elaborar a primeira grande teoria da mediação, articulando esta (mediação) com a questão da técnica (Bragança de Miranda, 1995:147, nota 37).
Por alturas da sua morte, em 1980, McLuhan parecia esquecido. No entanto, e no dizer de Wolf, o desenvolvimento dos novos media digitais e as crescentes preocupações com a "revolução da informação", tornaram McLuhan novamente relevante.
Actualmente, teses de McLuhan como "o meio é a mensagem", ou conceitos como o de "aldeia global", "...are recited like mantras in every digital atelier in the world..." - e isto apesar de a maior parte dos que citam McLuhan não terem lido sequer os seus livros (Wollf, 1996: 124).
Tentaremos analisar as teses mais importantes de McLuhan a partir de um dos seus livros fundamentais: Understandind Media: The Extensions of Man, de 1964.

A escolha deste título é, desde logo, sintomática daquela que é a concepção central de McLuhan sobre os media: a de que eles, longe de serem meros "meios" ou "instrumentos" de que o homem se serve, nomeadamente para "comunicar" uma "mensagem", são extensões do homem .(7)
Na sua obra de 1967, The Medium is the Message (o seu único best-seller, escrito de uma forma original, combinando texto e imagem), McLuhan apresenta da seguinte forma essa sua concepção:
"- The wheel ... is an extension of the foot.
- The book is an extension of the eye...
- Clothing, an extension of the skin...
- Electric circuitry, an extension of the central nervous system.
- Media, by altering the environment, evoke in us unique ratios of sense perceptions.
The extension of any sense alters the way we think and act - the way we perceive the
world. When these ratios change, man change." (McLuhan, citado em Wolf, 1996:
127)
No início da Introdução de Understanding Media (que adiante citaremos como UM), McLuhan faz o contraste entre o nossso tempo e a época que o precedeu, em termos de "explosão" versus "implosão": depois de três séculos de explosão, provocada pelos meios mecânicos e fragmentários, o Mundo Ocidental está a implodir, por efeito da tecnologia eléctrica. Esta permite a extensão do nosso sistema nervoso central, abolindo espaço e tempo, aproximando-nos da fase final da extensão do homem: a simulação tecnológica da consciência .(8)
Com a tecnologia eléctrica, o mundo transforma-se, pouco a pouco, numa "aldeia global": "As electrically contracted, the globe is no more than a village. Electric speed in bringing all social and political functions together in a sudden implosion as heightened human awareness of responsability to an intense degree." (UM: 5) O espaço e o tempo deixam de ter significado, para serem substituídos pela simultaneidade: tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo, para utilizarmos a fórmula de Wilson (Wilson, 1996: 182).
Sobre a sua tese de que "O meio é a mensagem", diz McLuhan em Understanding Media": "...This is merely to say that the personal and social consequences of any medium - that is, of any extension of ourselves - result from the new scale that is introduced into our affair by each extenssion of ourselves, or by any new technology." (UM: 7)
Para ilustrar esta sua tese, M. dá o exemplo da automação, da electricidade, do caminho de ferro, do avião: meios (tecnologias) que, independentemente da sua utilização ("mensagem"), alteraram profundamente a sociedade e o indivíduo humano, de formas muitas vezes imprevisíveis para os seus criadores... O caso da electricidade é particularmente importante para McLuhan, na medida em que é "informação pura", "meio sem mensagem" e, apesar disso, revolucionou toda a nossa existência, levando, nomeadamente, à eliminação das barreiras do tempo e do espaço. A sua importância é tal que McLuhan fala, repetidas vezes ao longo da sua obra, em "electric age" e "electric world".
Aqueles que estão preocupados com o "conteúdo" do meio , e não com o próprio meio, fazem lembrar o médico que se preocupa com a "doença", mas esquecendo o doente... Aliás, McLuhan faz notar que o conteúdo de um meio é sempre outro meio: o conteúdo do cinema é a fotografia, o da novela é a escrita, etc. O essencial não é, portanto, o conteúdo do meio, mas o meio em si próprio. Para além disso, os efeitos dos media não ocorrem ao nível intelectual (das opiniões e dos conceitos), mas ao nível dos sentidos, eles alteram "...the sense ratios or patterns of perception steadlily and without any resistence" (UM: 18). A consequência da ideia de que o "poder formativo" dos media reside nos próprios media e nos seus efeitos (não em qualquer "conteúdo"), é que os meios tecnológicos são "..staples or natural resources, exactly as are coal and cotton and oil." (UM: 21)
Uma pergunta que se pode colocar é a seguinte: porque tem o homem a necessidade de criar/produzir "extensões" de si próprio (os media)? A resposta de McLuhan consiste em dizer que o sistema nervoso central, "that network that coordinates the various media of our senses", joga neste processo o papel principal: a função do corpo, enquanto grupo de órgãos sustentadores e protectores do sistema nervoso central, é servir de "amortecedor" contra as súbitas variações de estímulos provenientes do meio físico e social. Com a chegada da tecnologia eléctrica, o homem (que na idade mecância tinha estendido os outros órgãos), estendeu o seu próprio sistema nervoso, como se os órgãos físicos (e as respectivas extensões) já não fossem suficientes para proteger tal sistema. Por isso, a tecnologia (eléctrica ou não) tem a finalidade de "entorpecer" o sistema nervoso, configurando um processo a que M. chama "narcosis" - processo sem o qual haveria o perigo de morrermos...
Contemplar, usar ou perceber qualquer extensão tecnológica de nós próprios é "abraçá-la". Ouvir o rádio ou ler o jornal é aceitar estas extensóes de nós próprios no nosso sistema pessoal, e suportar os efeitos que em nós provovam automaticamente. Ao abraçar as tecnologias, relacionamo-nos com elas como servo-mecanismos: "An Indian is the servo-mechanism of his canoe, as the cow-boy of his horse or the executive of his clock." (UM: 46)
Só com a tecnologia eléctrica, que permite a extensão do seu sistema nervoso central, transferindo as funções de conhecimento consciente e ordem para o mundo físico, o homem se dá plenamente conta de que os media são extensões de si próprio, do seu corpo físico. Parece que tal consciência não poderia ter surgido antes que a tecnologia eléctrica nos desse a possibilidade de conhecimento instantâno e total: "In the electric age, we wear all mankind as our skin." (UM: 47)
Na "electric age", é um aspecto central o facto de se estabelecer uma "rede global", que tem muitas das características do nosso sistema nervoso central. Ao estendermos o nosso sistema nervoso, através da tecnologia eléctrica, as nossas vidas privadas e corporativas tornaram-se informação. Na "idade da informação" (expressão que, seguramente, McLuhan é dos primeiros, se não o primeiro, a utilizar), a energia, a produção, as mercadorias tornam-se cada vez mais informação.
Dizermos que as tecnologias são "extensões" do homem é a mesma coisa que dizer-mos que elas são "traduções", maneiras de traduzirmos um modo de conhecimento num outro, uma forma de experiência em novas formas; assim, por exemplo, a "mecanização" não é senão "a translation of nature , and of our own natures, into amplified and specialized forms." (UM: 56). Na "idade da electricidade", nós próprios nos vemos crescentemente traduzidos na forma da informação...
Neste processo em que tudo se torna informação, McLuhan antecipa, com muita antecedência, a possibilidade do "virtual": "By putting our physical bodies inside our extended nervous systems, by means of electric media, we set up a dynamic by which all previous technologies that are mere extensions of hands and feet and teeth and boily heat-controls - all such extensions of our bodies, including cities - will be translated into information systems." (UM: 57) (9)
Enquanto as tecnologias mecânicas eram parciais e fragmentárias, a tecnologia eléc-trica é total e inclusiva; a velocidade é a da luz: "No further acceleration is possible this side of the light barrier" (UM: 58).
No contexto das tecnologias eléctricas, os computadores representarão um passo decisivo: "Having extended or translated our central nervous system into the electromagnetic technology, it is but a further stage to transfer our consciousness to the computer world as well" (UM: 60). Então, ao ter a possibilidade de "programar a consciência", nós poderemos escapar ao entorpecimento dos outros media. Ao traduzirmos todas as nossas vidas "na forma espiritual da informação", o globo tornar-se-á como que uma imensa consciência única...
As tecnologias não são controláveis: nenhuma sociedade conseguiu, alguma vez, "desenvolver imunidade" em relação às suas novas tecnologias. Hoje começamos a ver, segundo McLuhan, que a Arte pode providenciar tal imunidade, na medida em que o artista "vê" os desafios culturais e tecnológicos antes de estes ocorrerem. Nem o arcaísmo nem o futurismo são formas de responder aos desafios da tecnologia, mas de evitar: a Escolástica afundou-se, justamente, por não ter sabido aceitar o e responder ao desafio da tecnologia inventada por Gutenberg.
Como se disse atrás, só na era da tecnologia elétrica nos é revelado o verdadeiro fundamento da tecnologia. Por isso: "The electronic age is literally one of illumination (UM: 350). E que "luz" nos dá sobre o mundo? O mundo na sua totalidade, passado e presente, revela-se-nos como "... a growing plant in an enormously accelerated movie." (UM: 352)
 
 

II PARTE. O CIBERESPAÇO

1. O TERMO "CYBERSPACE"

A palavra cyberespace foi criada, por volta de 1984, pelo escritor de ficção científi-ca William Gibson, e utilizada nos seus romances Neuromancer (de 1984) e Count Zero (de 1987).
Gibson terá utilizado o termo cyberspace fundamentalmente porque "soava" bem, porque era uma daquelas palavras de que um bom publicitário se deveria lembrar. Criada a palavra, havia que "enchê-la com significado". No mesmo romance, Gibson descreveu o Ciberespaço como uma "consensual hallucination" (expressão que não definiu claramente).
Posteriormente, Gibson disse que, com o termo cyberspace, queria sugerir "...the point at wich media (flow) together and surround us. It's the ultimate extension of the exclusion of daily life. With cyberspace as I describe it you can literally wrap yourself in media and not have to see what's really going on around you." (Gibson: 1990, citado em Wooley, 1992: 122)
O termo cyberspace é a tradução, no domínio ficcional, do conceito de ultimate display (exibição derradeira), originalmente proposto por Ivan Sutherland, e significando uma forma de exibição que fornecia informação a todos os ógãos dos sentidos, numa espécie de "imersão total". Contudo, Gibson terá estendido a a ideia de Sutherland, de forma a abarcar todo o universo da informação: "A graphic representation of data abstracted from the banks of every computer in the human system. Unthinkable complexity. Lines of light ranged in the nonspace of the mind, clusters and constellations of data. Like city lights receding." (Gibson: Neuromancer, citado em Wooley, 1992: 122)
Deste modo, a palavra cyberspace, apesar da visão distópica que Gibson propõe nos seus romances, procura dar conta de um novo "cenário", de "...un acontecimiento nuevo y irresistible en la elaboración de la cultura y el quehacer humano bajo el signo de la tecnologia." (Benedikt, 1991: 9).
Etimologicamente, a palavra cyberespace é formada a partir de cyber (que significa "homem do leme", "piloto", e que que também integra o termo "Cibernética", que designa o "estudo dos mecanismos de controlo no animal e na máquina") e de espaço - o que dá, desde logo, a ideia do cyberspace como "espaço do controlo". Mas esta etimologia não explica, por si só, porque é que o termo de Gibson, introduzido quase casualmente, pela sua "sonoridade", ganhou em poucos anos tal voga e importância - o mesmo não acontecendo com outras palavras ou expressões que são, frequentemente, utilizadas como sinónimas de cyberspace, como por exemplo cyberia, espaço virtual, mundos virtuais, dataspace, domínio digital, reino electrónico, esfera da informação, etc. (Woolley, 1992: 123)
Mas, afinal, o que é o Ciberespaço?
 
 

2. O CIBERESPAÇO E AS REDES

No entender dos chamados "realistas virtuais", o Ciberespaço não é nem um mero espaço matemático nem uma simples metáfora de ficção científica, mas uma "nova fronteira", um "novo mundo" que está aberto à acção dos novos "exploradores" e "colonizadores".
Tal como aconteceu com a colonização do Oeste Selvagem, a colonização desta "nova fronteira" envolve o perigo de nela imperar a lei da força e a violência. Evitar tal perigo envolve " ... to make it inhabitablte by ordinary settlers. You know, move the homesteaders there." (John Perry Barlow, 1991, cit. em Woolley,1992: 123). Para contribuir para tal finalidade Barlow criou, juntamente com Mitch Kapor, o fundador da Lotus, a Electronic Frontier Foundation.
Falhado o projecto espacial, o ciberespaço tornava-se o novo "planeta" a explorar, aqui mesmo ao alcance da mão. A aventura espacial dava lugar à aventura ciberespacial, o espaço astronómico ao ciberespaço. Posta de parte a possibilidade de todos viajarmos até à Lua, restava-nos contudo a possibilidade de fazermos as nossas viagens no ciberespaço ... (10)

Outros, inspirados nas teorias de McLuhan, avançam a interpretação de que o ciberespaço respeita à aniquilação do espaço, por efeito das tecnologias eléctricas (11). De acordo com McLuhan, em Understanding Media, de1964 , "As electrically contracted the globe is no more than a village" (citado em Wooley, 1992: 123).
Negligenciado nos anos 70, quando o mundo estava mais preocupado com o proble-ma da escassez energética, o conceito de aldeia global torna-se central nos anos 80, passando a ser visto como a melhor expressão/tradução do que estava a acontecer como o sistema financeiro e as redes telefónicas internacionais. Como escreveu Mark Poster, em 1990, "... information is now instantly available all over the globe and may be stored and retrieved as long as electricity is available. Time and space no long restrict th exchange of information. McLuhan's "global village" is technically feasible." (citado em Wooley, 1992: 124)
A imagem da aldeia global também se traduz num novo tipo de ambiente de trabalho, pós-industrial: a "telecottage" (telecabana ou cabana electrónica), situada em ambiente rural, longe da poluição e dos engarrafamentos urbanos. Tal ambiente irá permitir o "teletrabalho", em que a relação do trabalhador com o trabalho se dará através da rede, e já não através da presença física no escritório da companhia.
A tecnologia que permitiu a aldeia global foi a rede (network).
As redes não são novas; o que é novo são as redes electrónicas, que possibilitam a transmissão de todo o tipo de informação, instantaneamente e sem olhar à distância. É por meio destas redes que, segundo os especialistas, se dará o próximo grande passo em matéria de computadores: o que Steve Jobs chama "interpersonal computing" (citado em Wooley, 1992: 125)
A primeira destas redes foi a ARPAnet, fundada, no final dos anos 60, em plena guer-ra fria, pela American Advanced Research Projects Agency (ARPA). Pensada para a partilha de dados científicos entre os investigadores, a Arpanet foi desde logo utilizada para troca de mensagens de carácter mais pessoal, dando origem a um "sentimento de comunidade" partilhado pelos pesquisadores dos diversos centros de trabalho. A partir dos anos 70, a Arpanet cresceu para fora (transformando-se na Internet, que se caracteriza pelo facto de, nela, a geografia e a hierarquia serem irrelevantes, não havendo nem "centro" nem "periferia" e permitindo o acesso livre à possibilidade de comunicar) e cresceu para dentro (tornou-se a Ethernet, rede de "área local", que possibilita o transporte de muita informação em distâncias muito pequenas, como um escritório), de uma forma exponencial. (ver Marques, 1995: 66 -72)
Paralelamente, nos meados dos anos 80, a NASA começou a procurar desenvolver o que chamou telepresença, entendida como um meio de controlar robots. A ideia era utilizar os robots para investigar o espaço, como se o próprio investigador nele estivesse presente. O robot tornar-se-ia uma espécie de "corpo" (dotado da "pele" e dos outros "sentidos") do operador. Aplicando esta tecnologia da NASA, poderíamos estar "tele-presentes" em qualquer lugar...
Por outro lado, casos como o do Vírus "Outubro 12" (também chamado "Datacrime" ou "Columbus Day" ) e do crash da Wall Street, de 13 de Outubro de 1989, parecem provar a emergência de um ambiente artificial, com uma vida pópria, escapando ao controlo humano. (Woolley, 1992: 130)
Será isto o Ciberespaço?
 
 

3. ORIGENS E NATUREZA DO CIBERESPAÇO: A VISÃO DE BENEDIKT

Um passo importante na tentativa de definição do Ciberespaço foi a I Conferência sobre Ciberespaço, que se efectuou nos dias 4 e 5 de Maio de 1990, na Universidade do Texas, em Austin. Em 1991, no seguimento dessa Conferência, Michael Benedikt publica o livro Cyberspace: First Steps, que hoje podemos considerar um "clássico" sobre a matéria. Na Introdução desse livro, referindo-se aos autores nele incluídos (muitos dos quais escreveram capítulos que são versões das apresentações feitas na I Conferência sobre Ciberespaço), diz Benedikt: "Todos (...) abordan el tema con extraordinaria seriedade, perspicacia e entusiasmo, aun quando (y quizás debido a que) las variedades del ciberespacio que imaginan, describen y en ocasiones critican, todavia no existen." (Benedikt, 1991: 28). Uma primeira conclusão que se impõe é, portanto, que o Ciberespaço é (era, na altura) um projecto aberto e a levar à prática.
Como entende Benedikt o ciberespaço em Cyberspace: First Steps (que citaremos, a partir da sua versão espanhola, como CFS)?
Benedikt vai colocar-se numa perspectiva intermédia entre os que afirmam que o Ciberespaço é um "novo mundo" (como os "realistas virtuais", acima referidos), e os que afirmam, pura e simplesmente, que o ciberespaço é um não-espaço (e que se inspiram, de uma forma ou outra, nas teses de McLuhan).
Assim, no entender de Benedikt, o Ciberespaço é um "... universo nuevo, universo paralelo criado y sustentado por las computadoras y las líneas de comunicación del mundo. Um mundo en el que (...) imágenes, sonidos, presencias nunca vistas en la superfície de la terra florescen en una vasta noche electrónica" (CFS: 9, itálico meu).
É esta definição de Ciberespaço - entendido como universo de informação, assente no suporte técnico das redes telemáticas- que, com variações mais ou menos ligeiras, está hoje vulgarizada na Internet (12). Contudo, nem sempre a terminologia utilizada, neste domínio, é clara ou unívoca. Isso nota-se, por exemplo, quando procuramos distinguir (e relacionar) conceitos como os de "ciberespaço" e "realidade virtual", como veremos adiante.
Benedikt atribui, ao Ciberespaço, as seguintes características:
- ilimitado (entra-se no ciberespaço através de qualquer computador ligado ao sistema; a partir de todo e qualquer lugar do mundo e mesmo de fora do planeta);
- virtual (existe em toda a parte e em lugar nenhum, é um lugar em que nada se esquece e no entanto tudo muda);
- mental (é uma "geografia mental", construída simultaneamente por "consenso e revolução, canon e experimentação..." );
- eléctrico (os seus "corredores" formam-se em qualquer lugar onde haja electricidade);
- intemporal (a partir das bases de dados que o constituem, é possível presentificar o passado e o longínquo);
- informacional (é o "reino da informação pura", sem qualquer ineficiência, contaminação ou corrupção derivada da materialidade).
No entanto, o Ciberespaço, tal como descrito até aqui, não existe (ver CFS: 9/11).
Mas esta "não existência" (ou "virtualidade") não é nova: em todas as culturas sem-pre existiu uma "geografia mental", uma "memória colectiva", uma "alucinação" (constituída por figuras, símbolos, regras, verdades míticas, contos, etc.), que é propriedade de todos e se encontra livre dos limites do espaço e do tempo.
A originalidade das culturas actuais tecnologicamente mais avançadas, como as nos-sas, reside "apenas" no facto de converterem essa "geografia mental" em algo visível e partilhável por todos.
Deste modo, o Ciberspaço "... nos es más, ni menos, que la última etapa en la evolución de Mundo 3 (13), libre del lastre de la materialidad - liberada de nuevo, y quizás definitivamente." (CFS: 12) No entanto, o Ciberespaço nunca virá a substituir os elementos anteriores do Mundo 3, mas deslocá-los-á, obrigando-os a assumir novos lugares. Da mesma forma, nunca a "realidade virtual" substituirá a "realidade real"...
Baseado nesta inspiração Popperiana, Benedikt vai procurar examinar as origens e natureza do Ciberespaço, a partir de quatro "fios" interligados com a evolução do Mundo 3. Esses fios são: o mito da história; a história da tecnologia dos meios de comunicação; a história da arquitectura; a história da matemática (conceito de espaço).
Vejamos as teses fundamentais de Benedikt relativamente a cada um destes "fios".

a) O mito da história:

Tem início na linguagem, ou mesmo antes da linguagem, com um conjunto de pensamentos partilhados pelos membros de uma tribo ou grupo social. Este conjunto de pensamentos traduz-se num conjunto de crenças sobre o meio ambiente, os seus perigos e recompensas, o que é prudente e arriscado, o além, o passado, o presente e o futuro, o que está por cima dos céus e debaixo da terra, etc. Com o desenvolvimento da linguagem e da representação pictórica, há cerca de 10 a 20 mil anos, estas ideias vão sendo elaboradas a um ritmo veloz, dando origem aos mitos.
Esses mitos continuam a ser vitais nas nossas culturas tecnológicas, na medida em que nos dão a imagem da nossa "condição humana" - quem somos, o que fazemos, para onde vamos (constituem o que Jung chamou o "inconsciente colectivo").
Os jovens, que são o sector da população mais sensível aos mitos, procuram nestes o apoio e a orientação necessários para viverem num mundo que não fizeram e não conhecem. Os mitos fornecem-lhes os arquétipos e os modelos que procuram (o puro, o ideal, o justo, o bom, etc.). Assim se explica que os jovens sejam os maiores consumidores da banda desenhada, da ficção científica, dos jogos de vídeo, da música, do cinema. Não admira também que os jovens, com a sua ânsia de dominar as novas tecnologias, sejam os maiores especialistas em computadores e povoem, em grande número, as comunidades e as redes informáticas.
Deste modo, os jovens que jogam e criam jogos como os "MUDS" (14)vão contribuin-do, com estas suas actividades, para criar o Ciberespaço. O Ciberespaço, com a sua imaterialidade e maleabilidade, parece ser o espaço ideal para a criação e a actuação das diversas realidades míticas.
Entendido desta maneira, o Ciberespaço pode ver-se como a extensão da antiquíssima capacidade ficcional, mito-lógica, do homem.
 

b) A história da tecnologia dos meios de comunicação:

Segundo Benedikt, esta história revela uma dupla tendência evolutiva: desmateriali-zação dos meios de comunicação e objectivação dos significados.
Os primeiros meios de comunicação são partes vazias que melhor recebem as marcas, como a areia, a madeira, a cortiça, o osso, a pedra, a pele humana. Partes quase decalcadas das utilizadas pelos animais, mas que visam agora intencionalmente preservar e enviar mensagens.
Dá-se um passo importante quando o homem começa a produzir o meio de comuni-cação (paredes engessadas lisas, tabuinhas finas, papiros, etc.), substituindo o trabalho de marcar (talhar, cinzelar) pelo de desenhar ou pintar. Posteriormente, estes símbolos tornam-se convencionais, o que representa outro passo muito importante.
Com a invenção da escrita, das contas, dos modos de representação gráfica, e, séculos mais tarde, da imprensa (abrindo a possibilidade de expansão da capacidade de leitura para fora dos círculos eruditos dos religiosos e dos nobres), as "comunicações efémeras" ganham uma importância decisiva. Os livros tornam-se facilmente duplicáveis, transportáveis e transmissíveis: é o nascimento do que McLuhan chama, em 1962, no livro com este título, a "Galáxia Gutenberg".
Com a invenção do telégrafo (o primeiro "meio" a instaurar, na cultura ocidental, a noção de uma "rede" permanente) e, mais tarde, do telefone, vão ser ultrapassados, de forma decisiva, os limites não só do espaço (uma Bíblia, um Jornal, podem ser levados, em princípio, para qualquer lugar), mas também do tempo (um jornal, duas semanas depois, já não tem notícias "frescas") e do gasto (nomeadamente da energia necessária ao transporte).
A partir das décadas de 30 e 40 do nosso século, o telefone deixa de ser usado como mero "telégrafo da voz", limitado ao essencial, para ser encarado como canal de trocas comunicacionais que aprofundam a sociabilidade e permitem o incremento dos negócios.
Tecnologicamente, a importância do telefone reside no facto de permitir a substituição do transporte físico da informação pelo seu transporte eléctrico através de cabos, sem resistência e sem demora. Se acrescentarmos a isto a capacidade de armazenar informação electromagneticamente (o primeiro gravador foi exibido comercialmente em 1935), o telefone foi realmente um passo decisivo na evolução em direcção à desmaterialização do meio e à conquista do espaço/tempo.
Paralelamente, descobre-se algo ainda mais importante: a transmissão sem cabos, ou seja, a radio e a televisão. A radio e a televisão enchem as "ondas aéreas" do mundo de palavras, sons e imagens invisíveis, que chegam a todo o lado. Horace Newcomb chama, à televisão "...mais que um meio de comunicação, um meio de comunhão". Antevê-se a possibilidade da "aldeia global" teorizada por McLuhan.
Com os telefones digitais, os computadores pessoais que comunicam entre si, a TV digital e a transmissão por cabos de banda larga, passa a estar em questão a noção de localização geográfica: "Nos convertimos en nómadas... que siempre están en contacto." Com este passo, as sociedades a que chamamos pós-industriais "... están listas para un viaje aún mas profundo hacia lo 'permanentemente efímero' (con lo que quiero decir, como el lector está bien consciente, el ciberespacio." (CFS: 17).
Segundo Benedikt, o significado desta "viagem" aprecia-se bem no entusiasmo que rodeia o tema da realidade virtual (15), dado que a tecnologia da realidade virtual "... es lo más cerca que se puede llegar en la realidade de entrar a un sensorio totalmente sintético, de la immersión en un mundo totalmente artificial y/o remoto"(CFS: 18).

c) A história da arquitectura:

A arquitectura começa com a "expulsão" do homem das planícies temperadas e férteis da África (o "Éden"), há cerca de dois milhões de anos, e a consequente necessidade de enfrentar os desafios de um mundo com um clima em mudança acelerada, competição crescente e crescimento exponencial de população.
Toda a história da arquitectura se vai desenvolver em torno do tema do "regresso ao Éden", a uma idade de inocência e unidade tribal/familiar/nacional. Mas o regresso ao Éden é impossível. Assim, em contraponto com o jardim do Éden terreno, flutua a imagem da Cidade Divina, da nova Jerusalém do livro do Apocalipse.
Os múltiplos projectos para alcançar o sonho dessa Cidade Divina, das Colinas de Hollywood até ao Tibete, mostram que este é um arquétipo cultural generalizado, o símbolo de uma nova realidade (utópica) que poderia compensar-nos (e redimir-nos) da expulsão do Éden.
Podemos deste modo dizer que, se o Éden bíblico é imaginário, então a Cidade Divina é duplamente imaginária: porque, no sentido convencional, não é real; e porque, mesmo que se tornasse real, já que é informação, a sua realidade seria uma realidade "virtual", ou seja , existiria "apenas na imaginação". "A imagem da Cidade Divina é, de facto, a imagem pura e santa do que Popper chama o Mundo 3. É, no fundo, uma visão religiosa do Ciberespaço .(16)
Por outro lado, nos princípios do século XX, com a invenção dos novos materiais arquitectónicos (mais leves e resistentes), e a necessidade de "fazer mais com menos", a arquitectura vai entrar numa onda de "ligeireza". Benedikt cita, a este propósito, a proposta feita por Le Corbusier, em 1924, de arrasar metade de Paris e substituí-la pela Ville Radieuse, concebida de forma radicalmente diferente.
Aprofundando esta linha, a partir dos fins da década de 60 a Cidade começa a ser vista em termos de informação/comunicação (como conjunto de meios de comunicação, mensagens, fluxos de informação, etc.). Esta posição transparece claramente nos arquitectos ingleses auto-denominados Archigram (de telegramas arquitectónicos, série de desenhos, do tamanho de cartazes, em que os referidos arquitectos exprimem a sua concepção dos novos tipos de edifícios). O sonho destes arquitectos é o de uma cidade auto-construtora, cibernética... Ainda que nada tenha construído, este grupo teve e tem muita influência no mundo da arquitectura.
Outro dos "fios" da evolução da arquitectura consiste em pensá-la como uma abstracção. Este "fio" remonta ao Egipto e à Grécia antigos, que identificam a matemática com a geometria e esta com a arquitectura correcta. Até aos finais do século XVIII, os arquitectos são simultaneamente cientistas e matemáticos (Leonardo Da Vinci, Leon Battista Alberti, Andrea Palladio, Cristopher Wren, são alguns exemplos conhecidos). Já no nosso século, entre os anos 20 e os anos 60, a noção de que a essência da arquitectura reside na modulação experimental do espaço e do tempo, a quatro dimensões, cativou a teoria arquitectónica.
Um outro "fio" liga-se à visão tradicional (que tem cerca de quinhentos anos) da arquitectura como tendo um conteúdo simbólico. Nos anos recentes, o "sistema de mensagens" arquitectónico ganhou vida própria, traduzida no surgimento de um mercado para os desenhos arquitectónicos, na consideração dos edifícios como "argumentos" de um discurso arquitectónico sobre a arquitectura, etc. Na sua forma actual, vanguardista, a este movimento chama-se "desconstrutivismo" ou "pós-estruturalismo". O seu interesse centra-se no edifício não como objecto habitável ou objecto de beleza, mas como "objecto de informação", susceptível de um certo conjunto de "leituras".
Todas estas tendências mostram, segundo Benedikt, a permanência do ímpeto para a Cidade Divina, que deve ser respeitado e pode "...prosperar de maneira útil... en el ciberespacio." A porta do Ciberespaço está aberta aos arquitectos com mentalidade poética e científica, que projectarão e criarão as estruturas que virão a povoar o Ciberespaço. Edificarão edifícios electrónicos tão belos e complexos como os seus equivalentes físicos. Serão chamados "... los arquitectos del ciberespacio." (CFS: 23).

d) A história das matemáticas (conceito de espaço)

A geometria dedutiva começa na Grécia, com Tales, por volta de 600 AC, e continua até cerca de 225 AC com Pitágoras, Euclides e Apolónio. O seu objecto era duplo: 1) a natureza e os métodos de construção das formas idealizadas (linhas, círculos, polígnos); 2) a natureza do raciocínio dedutivo. Os estudos geométricos tinham aplicação prática na construção de edifícios e caminhos, nos levantamentos de terrenos, no que hoje chamamos "engenharia mecânica" e no apoio à construção de modelos astrológicos/cosmológicos.
Desde os Gregos, a geometria só avançou significativamente nos finais do século XIX, com a descoberta da geometria não-euclidiana por Bolyai e Lobatchevsky. Com o conceito de topologia pura e o descobrimento das geometrias consistentes de mais de três dimensões, a geometria começa a perder todo o seu carácter visual, para assumir um aspecto simbólico/algébrico, próprio das matemáticas analíticas, conforme ao projecto de Descartes de demonstrar que todos os teoremas da geometria poderiam transcrever-se de uma forma algébrica (e vice-versa).
O vínculo que Descartes estabelece entre geometria (espaço, forma) e álgebra (sím-bolo, argumento) é de sentido duplo: "algebrizar" a geometria e "geometrizar" a álgebra. Recorrendo a um sistema de coordenadas (ditas "cartesianas"), os pontos do espaço podem ser traduzidos em números, e os números podem ser traduzidos em pontos do espaço.
O essencial da descoberta Cartesiana da geometria analítica residirá, então, na noção de que o espaço é uma realidade que não é necessariamente físico-material (17): é um "terreno de jogo" para toda a informação (e também para aquela que determina/constitui o espaço gravitacional e electromagnético em que vivemos, e a que chamamos "mundo real"). No entanto, os "fractais" e os "atraentes estranhos" são exemplos de outros "terrenos de jogo" ou "espaços" possíveis, que nada têm a ver com o nosso mundo habitual. Qual destes "espaços" é o mais "real"? O "optimismo" dos físicos modernos mostra-se, segundo Benedikt, no facto de utilizarem, para a descrição dos sistemas físicos, a noção de espaço que, no momento, melhor corresponda às exigências das suas teorias...
Paralelamente, desenvolveu-se a arte de realizar diagramas e gráficos, sob as mais diversas fomas - arte intensificada, hoje em dia, pela teoria matemática dos gráficos, com as suas técnicas de redes e combinatórias para analisar e optimizar processos complexos. Qual é a "realidade" deste tipo de representações? Todas elas, das mais simples às complexas, parecem existir numa geografia, num espaço "construído" pela folha de papel ou pelo ecrã do computador onde as vemos. Todas têm uma realidade que não é a mera imagem do mundo natural, fenoménico, e todas mostram uma dimensão física, por assim dizer, de outro lugar. Isto leva-nos a concluir, segundo Benedikt, que não são nem descobertas nem invenções, mas entidades do Mundo 3, criadas pela nossa própria inteligência.
Elas representam "... la primera evidencia de un continente sobre el cual, comunicado hasta el momento, hemos transmitido información sólo a través del lenguage de senas, un continente que se "materializa", en cierta manera. Y al mismo tiempo expressan el nuevo carácter etéreo que adquiere la geografia." (CFS: 26).
 

4. O CIBERESPAÇO AINDA É UM "ESPAÇO"?(18)

" Cinquenta anos atrás, Einstein descobriu que a estrutura do espaço e do tempo não é tão simples como a julgamos na vida quotidiana." (s/d: 47)

Werner Heisenberg, A Imagem da Natureza na Física Contemporânea, Lisboa, Livros do Brasil,
s/d, p. 47.

O homem comum entende o espaço como um vazio tridimensional (um "continente"), que contém os diversos corpos e no qual, numa sequência temporal, se inscrevem os diversos acontecimentos ou eventos.
No entanto, a história do saber ocidental (nomeadamente da Física e da Matemática) mostra-nos que as noções de espaço e de tempo são extremamente complicadas e abstractas, afastando-se cada vez mais da concepção do homem comum.
No Ocidente, a primeira grande interrogação sobre a natureza do espaço é feita por Platão. No Timeu (49a e sgs), o espaço é entendido como chora, no sentido de "receptáculo"; como carece de figura, o espaço é um "contínuo" de que não se podem indicar as qualidades, é mero "habitáculo"; não se encontra nem no sensível nem no inteligível, de modo que não se pode dele dizer que "existe"; é um espaço de acolhimento, onde tudo vem cair. Kerckhove compara este espaço, tematizado por Platão, a um "teatro", em que as pessoas se tornam actores (e deixam de o ser) num espaço "neutro"; nesse espaço, os actores jogam a sua liberdade (ainda hoje falamos no nosso "espaço de liberdade") (Kerckhove, 1995a).
Aristóteles (e, na sua esteira, os Medievais) concebe o espaço como um "lugar" - é a sua famosa teoria dos lugares "naturais". Cada coisa ocupa um certo lugar, o seu, e, quando deslocada "violentamente" desse lugar, tende "naturalmente" a reocupá-lo. No mundo, finito, o lugar central é ocupado pela Terra; nesta, os corpos pesados tendem para o centro, e os leves para a periferia; à volta da Terra, deslocam-se os outros planetas; imóvel, na abóbada do mundo, repousa a esfera das estrelas fixas...
Este Cosmos finito de Aristóteles e da Idade Média é inteiramente destruído pela Física-Matemática de Descartes. Ao ser constituído por extensão, tal como o espaço, o mundo deixa de ter limites e fins. Cada coisa deixa de ter o seu "lugar natural": todos os lugares e todas as coisas se equivalem. A Terra deixa o centro do mundo; o mundo deixa de ter centro; deixa de haver mundo - passa a haver Universo. (Koyré, 1980: 67/68). A geometria analítica, referida atrás por Benedikt é, justamente, a tomada de consciência desta nova situação. O espaço (como a matéria) esconde-se aos sentidos, torna-se puramente abstracto: uma fórmula algébrica, uma equação.
Com a topologia pura, que Benedikt também refere, o espaço torna-se ainda mais abstracto, no sentido de irrepresentável pela própria imaginação sensível. Ao ter mais de três dimensões, o espaço reduz-se, plena e irreversivelmente, a uma fórmula algébrica...
Por outro lado apercebemo-nos, com a chegada das novas tecnologias, de que os nossos conceitos de espaço (e de tempo) são, em grande medida, o resultado de uma construção técnica.
A consciência deste facto está patente em McLuhan quando, a propósito da electricidade (da tecnologia eléctrica), afirma que esta nos leva a conceber o espaço de uma forma diferente da comum (o espaço como "continente" vazio, preenchido pelos corpos). Com efeito, não se pode pensar na electricidade como estando "contida" seja no que for. Assim, "...the tendance is to speak of electricity as painters speak of space; namely that is a variable condition that involves the special positions of two or more bodies. (...) Painters have long known that objects are not contained in space, but that they generate their own spaces." (UM: 347/348) E McLuhan dá o exemplo de Alice no País das Maravilhas, do matemático oxfordiano do século XIX Lewis Carrol: nessa obra, e ao contrário do que parecia aos pintores do Renascimento, nem os tempos nem os espaços são contínuos e uniformes (esta ideia de McLuhan é, como veremos adiante, fundamental para percebermos o carácter "espacial" do Ciberespaço).
Também Paul Virillio, referindo os trabalhos de Damish, faz notar que a perspectiva do espaço que chamamos "real", longe de ser "natural", foi inventada pelos artistas italianos de Quatrocentos. (Virillio, 1995)
Peter Weibel, procurando ligar Arte, Ciência e Tecnologia, afirma que a Física Quânti-ca mostra que, ao contrário do que pensava a Física clássica, nós não somos observadores externos ao mundo, mas este é o resultado da nossa observação, na medida em que esta tem um cariz eminentemente tecnológico. A isso se refere, justamente, o "princípio da incerteza" de Heisenberg. (Weibel, s/d: 29)
Neste sentido, o Ciberespaço é o resultado de uma "rede técnica" que se lança sobre o mundo, que nada tem a ver com uma "geografia" do espaço, e que só existe na sua inter-relação com o sujeito. Não é um espaço no sentido comum do termo, mas é um espaço no sentido físico-matemático e técnico. Nesse aspecto estamos de acordo com Benedikt: o ciberespaço é um constructo científico-técnico, é um elemento do que Popper chama o Mundo 3. Através do computador ligado à rede, a linguagem numérico-digital torna-se visível, espacializa-se, numa dialéctica de presença-ausência própria de tudo o que é "virtual". Desligue-se o computador - e tal espacialização deixará de existir.
O que nos parece remeter, numa espécie de círculo histórico que se fecha, para a noção Platónica de chora, acima referida...
 

5. O CIBERESPAÇO COMO ESPAÇO DE CONTROLO

Há, na maior parte parte dos teóricos do Ciberespaço que estudámos, uma espécie de glorificação ou mesmo mitologização acrítica da Técnica, que tende a ver o Ciberespaço como uma Nova Utopia, anunciada desde o princípio dos tempos. Este tipo de visões - para além da repetição de um tema muito caro à Modernidade - tende a esquecer (a apagar) alegremente a dimensão política do Ciberespaço, a sua natureza de espaço de controlo (etimologicamente, como vimos atrás, ciber significa "governo", "piloto"). Um espaço de controlo que vem procurar substituir (com sucesso ou não, isso é uma questão a discutir, e para a qual a actualidade ainda não não nos forneceu uma resposta conclusiva) o espaço público clássico, centrado na ideia de "representação"...
O problema do controlo foi originalmente posto em destaque por Michel Foucault, na sua obra Surveiller et Punir: La Naissance de la Prison , de 1975, mediante o conceito de "panóptico".
O neologismo "panóptico" é introduzido, em 1791, por Jeremy Bentham, para bapti-zar o seu projecto de penitenciária. A penitenciária idealizada por Bentham constava de um edifício semi-circular, com um "alojamento de inspecção" no centro e celas a toda a volta do perímetro. Os prisioneiros, alojados em celas individuais, dotadas de um sistema de iluminação natural apropriado, podiam ser vistos pelos "inspectores" ou "supervisores", mas não vê-los; além disso, as paredes laterais das celas impediriam o prisioneiro de qualquer contacto comunicacional com os colegas do lado. No dizer de Foucault "... he (the prisoner) is seen, but he does not see; he is the object of information, but never a subject of communication." (Foucault, 1991: 200). Este sistema produziria nos prisioneiros a sensação de serem permanentemente vigiados, mesmo quando efectivamente o não fossem, eliminando toda a possibilidade de terem vida "privada" e deixando-lhes a obediência como única alternativa. O efeito fundamental do panóptico seria, assim, "... to induce in the inmate a state of conscious and permanent visibility that assures the automatic function of power." (Foucault, 1991: 201) Graças ao panóptico, o poder seria interiorizado (como auto-poder) e traduzido, pelo indivíduo, em comportamento "normal". Gradualmente, o preso ir-se-ia tornando preso de si próprio - o que, convenhamos, seria a situação ideal para o "sistema"...
No entanto, Bentham não reduz o panóptico a um sistema penitenciário. Ele poderia, na sua opinião, ter um uso muito mais vasto, generalizando-se a todos os sectores da sociedade, "... punishing the incorrigible, guarding the insane, reforming the vicious, confining the suspected, employing the idle, maintaining the sick, instructing the willing in any branch of industry, or training the rising race in the path of education." (Bentham, citado em Lyon, 1994: 65, itálicos nossos). No sonho (?) de Bentham o panóptico é, no fundo, o mecanismo que poderá levar à reforma da sociedade global...
Foucault retoma o tema do panóptico, mas atribuindo-lhe um sentido diferente. Na sua perspectiva, são as Ciências Sociais que introduzem, na Modernidade, a certeza (controlo de comportamento) pretendida pelo panóptico de Bentham. Em vez do controlo social através da punição pública e brutal, a modernidade introduz formas de controlo social cada vez mais "limpas" e "racionais" - o poder e o saber reforçam-se mutuamente. Referindo-se, por exemplo, à psicologia educacional e à entrevista médica ou psicológica, diz Foucault: "... these techniques merely refer individuals from one disciplinary authority to another, and they reproduce, in a concentrated or formalized form, the schema of power-knowledge proper to each discipline." (Foucault, 1991: 226-227). No dizer de Deleuze, "... a fórmula abstracta do Panoptismo já não é 'ver sem ser visto', mas impor uma qualquer conduta a uma qualquer multiplicidade humana", multiplicidade que deve ser pouco numerosa e restringir-se a um espaço limitado. (Deleuze, 1987: 58; ver também 101). Numa sociedade em que, em vez da visibilidade da comunidade e da vida pública (própria, por exemplo, dos Gregos), existem, de um lado, o indivíduo privado, e, do outro lado, o Estado, o "panóptico" revela-se uma necessidade essencial para o segundo. Assim, segundo Foucault, o "panóptico" difundiu-se, a partir da prisão, a todas as instituições sociais: "Is it surprising that prison resemble factories, schools, barracks, hospitals, wich all resemble prisons?" (Foucault, 1991: 228). O que para Bentham era ideal a atingir, transformou-se, segundo Foucault, em realidade efectiva...
Gilles Deleuze, discordando desta perspectiva de Foucault, propôs (nomeadamente em dois textos de 1990, incluídos em Pourparlers) a noção de sociedade de controlo para substituir a noção Foucaultiana de sociedade disciplinar. O argumento de Deleuze contra Foucault resume-se ao seguinte: se vivêssemos numa "sociedade de disciplina", o própro trabalho de Foucault sobre o "panóptico" não seria possível, porque: ou Foucault faria parte do "panóptico" e, nesse caso, nem sequer se aperceberia dele; ou Foucault estaria fora do "panótico" e, nesse caso, não teria conhecimento dele, pelo que lhe seria impossível qualquer teorização. (Bragança de Miranda, 1996b).
Segundo Deleuze, as "sociedades disciplinares", de que Foucault é o grande pensador, têm o seu início nos séculos XVII e XVIII, atingindo o seu apogeu nos princípios do século XX . Estas sociedades centram-se na organização de grandes meios de encerramento (enfermement), pelos quais o indivíduo vai passando ao longo da sua vida: a família, a escola, o quartel, eventualmente o hospital ou mesmo a prisão (meio de encerramento por excelência, e que serve de modelo a Foucault). Mas, desde os finais da 2ª Guerra Mundial, estamos a entrar nas "sociedades de controlo", sociedades "... qui foncionnent non plus par l'enfermement, mais par contrôle continu et communication instantanée" (1990, p. 236, itálico meu). As "sociedades disciplinares" estão, assim, destinadas a serem substituídas pelas "sociedades de controlo", tal como, a partir do século XVII, substituiram as "sociedades de soberania". A cada um destes tipos de sociedades, determinadas por diferentes estratégias, correspondem diferentes tipos de máquinas. Às "sociedades de soberania" correspondem as máquinas simples ou dinâmicas, às "sociedades disciplinares" correspondem as máquinas energéticas, às "sociedades de controlo" correspondem as máquinas cibernéticas e os computadores.
No entanto, a mudança das "sociedades de disciplina" para as "sociedades de controlo" não é, segundo Deleuze, uma simples mudança tecnológica. Ela é, essencialmente, uma mutação do capitalismo: um capitalismo que deixa de estar baseado na produção de bens para se basear na venda de serviços e na compra de acções, que passa a ser dispersivo em vez de "concentracionário", que substitui a fábrica pela empresa. Neste tipo de capitalismo exige-se um controlo de outro tipo: "Le marketing est maintenant l'instrument du contrôle social, et forme la race impudente de nos maîtres" (Deleuze, 1990a: 245-6, itálico meu). Complementarmente a este processo, as novas tecnologias dão a possibilidade de, em cada momento, localizar cada um de nós... (19) A nova situação é descrita, por Félix Duque, da seguinte maneira: enquanto o Estado moderno internava o anómalo em prisões, hospícios e manicómios, agora a reclusão é procurada voluntariamente por cada um de nós, transformando a sua casa num bunker protector e isolado, mas ligado simultaneamente a todo o lado através da televisão e da informática, através de imagens electrónicas que substituem progressivamente a "realidade externa": "En el colmo de la paradoja, todos nosostros tendemos a convertirnos en nomadas sedentarios." (Duque, 1995: 125)
Por isso, para Deleuze (e ao contrário do que pretendem todas as teorias actuais mais ou menos centradas no "diálogo"), a palavra e a comunicação não constituem uma forma de resistência. Tudo parece indicar o contrário: "Peut-être la parole, la communicatiom, sont-elles pourries. Elles sont entièrement pénétrées par l'argent: non par accident, mais par nature." (Deleuze, 1990: 238). Assim, talvez a forma de resistência mais adequada seja a criação de vácuos de comunicação, de "interruptores", para escaparmos ao controlo.
Nem a teoria de Foucault nem a de Deleuze, acima apresentadas, se referem, explicitamente, à problemática da "vigilância" electrónica e informática. Ora, há autores para quem as modernas tecnologias de informação e comunicação podem ser (e têm sido) vistas como uma espécie de "panóptico electrónico" ou "super-panóptico", omnipresente no local de trabalho, no mercado, na sociedade global.
Tal é o caso, nomeadamente, de Mark Poster, para quem as bases de dados (data-bases) constituem um superpanopticon, "... a system of surveillance without walls, windows, towers or guards (...)." (Poster, 1990: 93) Através dos mais diversos gestos da vida quotidiana (levantar dinheiro no multibanco, pagar com cartão de crédito, pagar a portagem na autoestrada, etc), estamos, de forma voluntária, a utilizar bases de dados e a ser controlados /vigiados por elas, num imenso sistema de vigilância que abrange tudo e todos: "...the superpanopticon is a means of controlling mass in the postmodern, postindustrial mode of information." (Poster, 1990: 97).
Tal é também o caso de David Lyon que, na sua obra The Electronic Eye, de 1994 (atente-se, desde logo, na sugestão implícita no título), analisa o conceito de "sociedade de vigilância" (20), definindo-o deste modo: "Precise details of our personal lifes are collected, stored, retrieved and processed every day within huge computer databases belonging to big corporations and government departments. This is the 'surveillance society'." (Lyon, 1994: 3)
Em relação a este tipo de visões, que tendem a tornar-se catastrofistas ( numa espécie de prolongamento do "Big Brother", de George Orwell) há, no entanto, que perguntar quem controla, afinal, o controlo que se exerce (e quem o exerce?) sobre nós. Tentativas recentes de controlar a Internet, como as da Administração Clinton e do Partido Comunista Chinês, mostram que, afinal, (pelo menos) algo está "fora de controlo" - abrindo possibilidades de resistência impensadas anteriormente...
Deste modo, a maior parte dos perigos do Ciberespaço poderá advir do facto de o Estado (ou as grandes Corporações, que são a outra face do mesmo) tentar aí estender o seu controlo. Quanto mais as coisas escaparem ao Estado, mais este procurará exercer a sua vontade de controlo. Assim, a tarefa mais urgente é "...a luta contra o controlo, contra o imaginário do controlo." (Bragança de Miranda, 1995: 142)
 
 

CONCLUSÃO

Sistematizemos, em alguns pontos fundamentais, o percurso efectuado ao longo deste trabalho.
As perspectivas de Heidegger e McLuhan, analisadas na I Parte, têm em comum os seguintes aspectos, que consideramos positivos:
a) Recusam a concepção corrente da Técnica como um mero conjunto de meios ou instrumentos que se destinam a satisfazer os fins do Homem;
b) Entendem que a Técnica está profundamente enraizada no modo de ser do Homem, sendo certo que, se não haveria Técnica sem Homem, também não haveria, seguramente, Homem sem Técnica;
c) Pressupõem que a cibernética e a "idade da informação" são o estádio final no processo de evolução da Técnica.
Heidegger e McLuhan divergem, no entanto, em relação a alguns aspectos essenciais, de que destacamos os seguintes:
a) A avaliação da Técnica moderna: enquanto Heidegger vê a Técnica sob o signo do "perigo" e da "catástrofe", pelo menos potenciais (fazendo-nos pensar, frequentemente, num impossível regresso à "Idade de Ouro" dos Gregos, à técnica artesanal, à vida campestre), McLuhan antevê a possibilidade de, com a tecnologia eléctrica, o homem tomar consciência do conjunto da Técnica e exercer, finalmente, o seu controlo;
b) Posição sobre a Cibernética e a "idade da informação": para Heidegger, este está-dio representa o culminar do processo de dominação e poderio característico da Técnica moderna (não sendo, portanto, nada de novo e /ou positivo em relação à tecnologia anterior); para McLuhan, como dissemos atrás, este estádio representa um dado completamente novo, pelas novas possibilidades que abre ao Homem (por isso McLuhan fala, frequentemente, de uma nova "idade").
As visões de Heidegger e McLuhan apresentam, também, alguns problemas e/ou insuficiências, que podem ser mutuamente compensados. Referimo-nos, nomeadamente, aos seguintes:
a) A teoria de Heidddeger não nos explica, em última análise, porque é que surge a Técnica, a que necessidade corresponde (poduzir? dominar? mas para quê?); essa explicação é dada por McLuhan, com a sua tese dos media como "extensão" que visa proteger o nosso sistema nervoso das agressões do meio;
b) McLuhan embarca numa espécie de glorificação eufórica da Técnica, que hoje em dia muito dificilmente nos convence; nesse sentido, Heidegger tem a vantagem de nos ter alertado criticamente para os "perigos" que a Técnica necessariamente comporta.
c) No entanto, a visão crítica de Heidegger, ainda que importante, não é suficiente, já não se aplica (ou muito dificilmente se aplica) à Técnica actual, centrada na informação, na desmaterialização e na rede (a crítica de Heidegger, feita nos anos 50, dirige-se sobretudo à grande indústria, às grandes máquinas energéticas); nesse aspecto, McLuhan tem a vantagem de fazer uma análise das novas tecnologias emergentes - e o que é espantoso, nele, é vermos como muitas das suas formulações de 1964 ganham, apenas hoje, o seu sentido pleno;
d) A crítica de Heidegger dirige-se à Técnica concebida como conjunto dos objectos técnicos, sem atender à especificidade de cada um deles - nisto reside uma das falácias dessa crítica; já a análise de McLuhan é mais particularizada, centrando-se em cada um dos novos meios (a televisão, o rádio, o telefone, etc.), e procurando, em cada um dos casos, ver os seus problemas e possibilidades.
E quanto ao Ciberespaço, cuja teorização analisámos na II Parte?
De uma forma sumária (simplista, talvez), poderíamos dizer que se detectam, nos teorizadores que analisámos, duas atitudes essenciais:
- uma, a dos "optimistas" como Barlow (e os "realistas virtuais"), Woolley, o próprio Benedikt, que, mais ou menos inspirados em McLuhan, tendem a glorificar e mesmo a mitologizar euforicamente o Ciberespaço, vendo nele a promessa de realização de uma Nova Utopia, entendida como um espaço de liberdade, de igualdade, de diálogo, etc.
- outra, a dos "críticos" como Lyon, Poster, etc. que, mais ou menos inspirados em Heidegger (ou mesmo em Foucault e em Deleuze), pensam que o Ciberespaço representa a última (a final? a mais recente?) tentativa de o capitalismo exercer o controlo sobre cada um de nós.
Que pensar de perspectivas tão divergentes?
Pensamos que, e parafraseando Bragança de Miranda, talvez a linguagem digital envolva uma vantagem mínima: "...talvez esteja a libertar a mediação do domínio da representação e, esta, do império dos "donos da palavra." (Bragança de Miranda, 1996: 19). Talvez tenhamos, na época presente, e por outros meios (tecnológicos), a possibilidade ínfima de realizar o preconizado por Nietzsche há mais de um século: "...agir de uma maneira intempestiva, quer dizer, contra o tempo, e assim sobre o tempo, em favor (espero-o) de um tempo que está para vir." (Considerações Intempestivas, citado em Deleuze, 1981: 43)



 
 

1-Diz, a este respeito, Paul Virillio: "Modern man, who killed the Judeo-Christian God, the one of transcendence, invented a god machine, a deus ex machina." (citado em Derian, 1996: 121)

2-No Discurso do Método, diz Descartes: "Com efeito, essas noções (gerais sobre Física, adquiridas até ao momento) mostraram-me que é possível chegar a conhecimentos muito úteis à vida e que em vez dessa filosofia que se ensina nas escolas se pode encontrar uma outra prática que, conhecendo o poder e as acções do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, os poderíamos utilizar de igual modo em tudo aquilo para que servem, tornando-nos assim como que senhores e possuidores da natureza." (Lisboa, Sá da Costa Editora, 1980, p. 49).

3-A este propósito, diz Bragança de Miranda: "O carácter problemático da experiênciua moderna está em ter de derrubar os fundamentos em que assentava a autoridade da tradição, como condição de liberdade e de autonomia, mas também sem poder escolher outro caminho, pois cada novo caminho decai em 'tradição'." (Bragança de Miranda, 1994: 35).

4- Sobre o niilismo, diz Deleuze: "A ideia de Nietzsche é que a morte de Deus é um grande acontecimento barulhento, mas não suficiente. Porque o "niilismo"continua, a custo muda de forma. O niilismo significava até há pouco: depreciação, negação da vida em nome dos valores superiores. E agora: negação dos valores superiores, substituição dos valores humanos - demasiados humanos (a moral substitui a religião; a utilidade, o progresso, a própria história substituem os valores divinos)." (Deleuze, 1981, p. 26)

5- No texto "O Narrador", referindo-se à crise da experiência, diz Walter Benjamin: "Com a guerra mundial começou a manifestar-se um processo que, desde então, nunca mais parou. (...) Uma geração que ainda fora à escola em ónibus puxado a cavalos, viu-se indefesa, numa paisagem em que tudo se alterara excepto as nuvens. Sob elas, perdido num cenário dominado por forças destruidoras e explosões, o minúsculo e frágil corpo humano." (Benjamin, 1992: 28)

6-Na entrevista à Der Spiegel, publicada depois da sua morte, em 1976, nem esta possibilidade já é entrevista por Heidegger, que responde com o famoso "E agora, já só um Deus nos poderá salvar"...

7-Esta concepção de McLuhan parece ter sido influenciada pelo trabalho do filósofo católico Teillard de Chardin, para quem o uso da electricidade representava a extensão do sistema nervoso central do homem (Wolf, 1996: 125).

8-Este excerto, que é, seguramente, um dos mais citados de McLuhan, diz o seguinte: " After three thousand years of explosion, by means of fragmentary and mechanical technologies, the Western World is imploding. Today, after more than a century of electric technology, we have extended our central nervous system itself in a global embrace, abolishing both space and time as far as our planet is concerned. Rapidly, we approach the final phase of the extensions of man - the technological simulation of consciousness, when the creative process of knowing will be collectively and corporately extended to the whole of human society, much as we have already extended our senses and our nerves by the various media" (UM: 3/4 )

9-A propósito desta citação, Kerckhove afirma que McLuhan terá antevisto a possibilidade da Realidade Virtual, muito antes de esta ideia ter sido considerada. Ainda segundo o mesmo Autor, McLuhan vê que o objectivo da computorização é transformar o hardware en software, passando do reino do poder físico para o do poder do pensamento. Com efeito, o objectivo da Realidade Virtual "...is to command external psychological stimulations by thought alone." (Kerckhove, 1995:40)

10-É instrutiva, a este respeito, a Declaration of Independence of Cyberspace, de Barlow, disponível na Internet.

11-Paul Virillio, por exemplo, fala de um primado do tempo real (enquanto instantaneidade ou ime-diatez, propiciada pela "barreira da luz") sobre o espaço. (Virillio, 1995, Internet). Esse tempo, e a interactividade que ele pemite, está a reduzir o mundo a quase nada; vivemos na era da "poluiçao da velocidade" (Virillio, in Derian, 1996:121). Também Félix Duque glosa o mesmo tema, por outras palavras. Segundo este Autor, os meios de comunicação convertem o espaço em tempo, enquanto que as telecomunicações convertem o tempo em instante. A velocidade vertiginosa da luz substitui a espaciosidade da terra, anula as distinções entre lugares e povos; a palavra de ordem é realidade virtual, porque a realiadde actual não nos satisfaz e a tememos, porque a sua desconformidade com os nossos desejos cresce ao mesmo ritmo que a rede informática... (Duque, 1995: 125)

12-Vejam-se, a título de exemplos, as seguintes definições recolhidas na Internet: "Cyberspace consists of the world of information and communication that is mediated by computer" (Ralph Schroeder); "Technology is the foundation of cyberspace. But, it is not only a network of computers - it is also a network of people" (Hakon W. Lie); "(...) cyberspace (...) deals, mostly, with speed, acess and manipulation of information" (Ana Cicognani).

13-Benedikt baseia-se, aqui, na distinção feita por Karl Popper em Objective Knowledge: An Evolutionary Approach, de 1972. Nesta obra, Popper concebe o Mundo como consistindo em três Mundos interligados: o Mundo 1, "mundo objectivo das coisas materiais e naturais e das suas propriedades físicas" (energia, peso, movimento, repouso); o Mundo 2, " mundo subjectivo da consciência" (intenções, cálculos, sentimentos, ideias, sonhos, recordações, etc. nas mentes individuais); o Mundo 3, "o mundo do objectivo, do real e das estruturas públicas que são os produtos, não necessariamente intencionais, das mentes das criaturas que interactuam entre si e com o Mundo 1, ou natural." (Popper, cit. em CFS: 11). Segundo Popper, muitas destas estruturas do Mundo 3 são abstractas, relativas a informação (por exemplo as formas de organização social, ou os padrões de comunicação). Essas estruturas abstractas sempre foram tão ou mais importantes que as estruturas físicas do Mundo 3, que as "suportam": por exemplo a linguagem, a matemática, o direito, a religião, a filosofia, as artes, as ciências e as instituições de toda a espécie - contrapostas às estruturas físicas como templos, catedrais, mercados, bibliotecas, teatros ou anfiteatros, rolos de película, cassetes de vídeo, cds, jornais, etc.. Estas estruturas abstractas têm uma certa autonomia, estão também sujeitas à crítica e à evolução...E mais: segundo Benedikt, estas estruturas interagem com os acontecimentos dos Mundos 1 e 2 e guiam os seu desenvolvimento (CFS: 11/12).

14-Multi-User Dungeons: jogos de ambiente medieval, com fadas, princesas encantadas, príncipes, dragões, etc. (CFS: 13, Nota do Tradutor).

15-De acordo com Benedikt, a tecnologia da Realidade Virtual foi concebida pelo escritor e divulgador de ficção científica Hugo Gernsback a partir de 1963, e explorada experimentalmente por Sutherland, a partir de 1968, e "está no limite do prático e no limite actual do esforço para criar um meio de comunicação ou comunhão que, fenomenologicamente falando abarque mais, mas que seja totalmente invisível." (CFS: 17/18).
Normalmente, distingue-se Realidade Virtual de Ciberespaço Essa distinção está implícita nas seguin-tes definições de RV: "VR is a tecnology by means of which users can experience and interact with computer-generated environments." (Ralph Schroeder); "Virtual reality is the product of an interactive technoloy that envelops its users in a three-dimenensional world generated by a computer. Immersed within this environment, the user is able to see, hear and touch the virtual objects that comprise that world" (Robert D. Romanyshyn). Comum a estas definições é a ideia de que a RV implica uma interacção sensorial (ver, ouvir, tocar) do sujeito com ambientes criados dentro do computador - o que pressupõe, obviamente, o Ciberespaço como uma espécie de "terreno de jogo", em que se joga a acção virtual.
Há, por outro lado, Autores que identificam o Ciberespaço com a RV, como é o caso de Kerckhove (que também chama à RV "artificial imagination" ou "artificial consciousness"): "AI (artificial intelligence) is really AC (artificial counciousness) minus the interplay of the senses. It is only by adding the sensory interplay that we can reconstitue outside our body the kind of interiority that is characterisc of human counciousness" (Kerckhove: 1995, 37; ver também Capítulo sobre "Cyberspace", pp. 37-49).
Outros ainda, como Woolley, fazem o percurso inverso, identificando o virtual com o informático (ciberspacial): "A computer is a 'virtual' machine - a virtual Turing machine, to be precise. It is an abstract entity or process that has found physical expression, that has been 'realized'. It is a simulation, only not necessarily a simulation of anything actual" e "'Virtual, then, is a mode of simulated existence resulting from computation. Computers are virtual, not actual, entities." ((Woolley, 1992: 68/69).
Inclinamo-nos, quanto a nós, para a primeira das posições acima expostas - que nos parece também corresponder à posição de Benedikt..

16-A propósito do tema da habitação, Félix Duque faz notar o seguinte: em nenhum dos mitos cosmogónicos e antropogónicos fundadores da nossa cultura se encontra a ideia de que a habitação e a cidade sejam uma dádiva dos deuses. A primeira distinção de espaços é basicamente de ordem religiosa (veja-se por exemplo o mito judaico-cristão do Éden, que distingue entre o Éden, o oásis protector, e o perigo do deserto exterior).
Com a cidade, que marca a passagem do nómada ao sedentário (passagem que, na mitologia judaico-cristã, decorre do assassinato de Abel por Caim, e da recusa deste em obedecer à proibição divina de "deitar raízes", isto é, ser sedentário), o homem estabelece uma nova distinção de espaços, desta vez técnica e profana Rodeada pelas muralhas, a cidade estabelece uma dupla distinção: horizontalmente, entre o campo e a cidade; verticalmente, o tecto distingue a terra de um céu que deixou de ser protector. Assim, a cidade surge fundada, simultaneamente, contra a terra e contra o céu.
As origens semânticas da palavra "espaço", nos povos germânicos, confirmam, segundo Duque, esta distinção urbano/rural. Com efeito, raum (alemão) e room (inglês) procedem de ruma ("vasto", "espaçoso": em alemão, geraumig); a mesma raiz se encontra no latim rus (o "campo", o "rural"), de que provém também o verbo aro (em grego aróo), que significa "arar". (Duque, 1995:74/77).

17-Com efeito, diz Descartes nos Princípios da Filosofia: "A natureza da matéria, ou do corpo tomado em geral, não consiste em ser uma coisa dura, ou pesada, ou colorida, ou que toca os nossos sentidos de qualquer outra forma, mas apenas em ser uma substância extensa em comprimento, largura e profundidade." (citado em Michelle Beyssade, Descartes (s/d), Lisboa, Edições 70, p. 111).

18-Este é um dos problemas fundamentais que circulam na Internet, sobre o Ciberespaço. Ver, a propósito, Ana Cicognani, 1996, que lavanta as seguintes questões: o ciberespaço é um espaço físico? é mental? é social? é uma quarta forma de espaço? é uma metáfora do espaço ou um espaço para as metáforas? é parte do mundo ou é um outro mundo?

19-Sobre a temática das "sociedades de controlo", ver também Bragança de Miranda, 1995: 148, nota 40. Sobre a passagem de um a outro tipo de sociedades, Mirzoeff opina que é o Fordismo que, com a "liberdade" e a "autonomia" "dadas" ao trabalhador, marca a passagem das "sociedades disciplinares" às "sociedades de controlo". (Mirzoeff: 10)

20-Segundo David Lyon, a expressão "surveillance society" foi usada pela primeira vez em 1985 por Gary T. Marx, para se referir a alguns dos fenómenos característicos da "sociedade da informação". (Lyon: 226, nota do capítulo).



BIBLIOGRAFIA

Almeida, Ana S. P. S, Roque, Licínio G., Figueiredo, António D. (1993), "Cyberspace: an architecture" (Internet)

Alves, V. de Sousa (1990), "Espaço", in Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Vol. 2, Lisboa, Editorial Verbo.

Barlow, John Perry (1996), A Declaration of Independence of Cyberspace (Internet)

Belo, Fernando (1993), "Procurar compreender o descalabro", in Revista Portuguesa de Filosofia, Números 5/6, Lisboa, Edições Cosmos (pp. 149-153).

Benedikt, Michael (1991), Ciberespacio: Los Primeros Pasos ("Introduccion", pp 9-29) (tradução de Cyberspace: First Steps, Cambridge, MIT Press).

Benjamin, Walter (1992), "O Narrador", in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D'Água.

Bragança de Miranda, José (1986), "Reflexões sobre a perfeição da técnica e o fim da política na modernidade", in Revista de Comunicação e Linguagens, Número 4 ("Tecno-lógicas"), 1986, Lisboa, Edições Afrontamento (pp. 49-57).

Bragança de Miranda, José (1993), Intervenção em "Debate sobre a questão da Técnica", in Revista Portuguesa de Filosofia, Números 5/6, Lisboa, Edições Cosmos (pp. 161-167).

Bragança de Miranda, José (1994), Analítica da Actualidade, Lisboa, Editorial Vega.

Bragança de Miranda, José (1995), "Espaço Público, Política e Mediação", in Revista de Comunicação e Linguagens, Números 21-22 ("Comunicação e Política"), Lisboa, Edições Cosmos (pp. 129-148).

Bragança de Miranda, José (1996), "Da Actualidade", Texto distribuído aos Alunos do Curso de Mestrado em Ciências da Comunicação, Covilhã, Universidade da Beira Interior.

Bragança de Miranda, José (1996a), "Notas para uma abordagem crítica da cultura", Texto distribuído aos Alunos do Curso de Mestrado em Ciências da Comunicação, Covilhã, Universidade da Beira Interior.

Bragança de Miranda, José (1996b), Teoria da Cultura (apontamentos da cadeira de), Curso de Mestrado em Ciências da Comunicação, Covilhã, Universidade da Beira Interior.

Cicognani, Anna (1996), "Which Language for Cyberspace?" (Internet)

Deleuze, Gilles (1981), Nietzsche, Lisboa, Edições 70.

Deleuze, Gilles (1987), Foucault, Lisboa, Editorial Vega (pp. 45-70 e 99-126).

Deleuze, Gilles (1990), "Contrôle et devenir", in Pourparlers, Paris, Éditions Minuit (pp. 229-239).

Deleuze, Gilles (1990a), "Post-scriptum sur les sociétés de contrôle", in Pourparlers, Paris, Éditions Minuit (pp. 240-247).

Derian, James der (1996), "Speed Pollution" (Entrevista a Paul Virilio), in Revista Wired, May 1996, p. 121.

Descartes, René (1980), Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa Editora.

Duque, Félix (1995), El Mundo por de Dentro: Ontotecnología de la Vida Cotidiana, Barcelona, Ediciones del Serbal.

Foucault, Michel (1991), Discipline and Punish: the Birth of the Prison, London, Penguin Books, ("The panopticism", pp. 195-228)

Heidegger, Martin (1977), "The Age of the World Picture", in The Question Concerning Technology and Other Essays, New York, Harper & Row Publishers (pp. 115-154).

Heidegger, Martin (1990), "La question de la technique", in Essais et Conférences, Paris, Gallimard (pp. 9-48).

Heidegger, Martin (1994), "Hacia la pergunta del ser", in Acerca del Nihilismo, Barcelona, Ediciones Paidós.

Heidegger, Martin (1995), Língua de Tradição e Língua Técnica, Lisboa, Editorial Vega.

Heisenberg, Werner (s/d), A Imagem da Natureza na Física Contemporânea, Lisboa, Livros do Brasil.

Junger, Ernst (1994), "Sobre la línea", in Acerca del Nihilismo, Barcelona, Ediciones Paidós.

Kerckhove, Derrick de (1995), The Skin of Culture, Toronto, Somerville House Publishing.

Kerckhove, Derrick de (1995a), "Dematerialization, 'Transformers' and the Japanese Gas Attacks" (Internet)

Koyré, Alexandre (1980), Considerações sobre Descartes, Lisboa, Editorial Presença.

Lie, Hakon W. (s/d), "The eletronic telektronikk" (Internet)

Lovit, William (1977), "Introduction" a The Question Concerning Technology and Other Essays, New York, Harper & Row Publishers, pp. XIII-XXXIX.

Lyon, David (1994), The Electronic Eye, Cambridge, Polity Press.

Marques, António (1993), "O apocalipse da Técnica de um ponto de vista Heideggeriano", in Revista Portuguesa de Filosofia, Números 5/6, Lisboa, Edições Cosmos (pp. 155-157).

Marques, António Eduardo (1995), "Todos na rede", in Revista Exame (Edição Especial: "Guia das Tecnologias da Informação"), Maio/Junho de 1995 (pp. 66-72).

McLuhan, Marshall (1987), Understanding Media: The Extensions of Man, London and New York, Ark Paperbacks.

Mirzoeff, Nicholas, Bodyscape: Art, Modernity and the Ideal Figure ("Introduction", pp. 1-18), Texto distribuído pelo Professor da cadeira.

Mora, José Ferrater (1978), Dicionário de Filosofia, Lisboa, Publicações D. Quixote (entrada sobre "Espaço", pp. 128-130).

Poster, Mark (1990), The Mode of Information, Cambridge, Polity Press (Capítulo3, "Foucault and Databases: Participatory Surveillance", pp. 69-98).

Poster, Mark (1995), The Second Media Age, Cambridge, Polity Press (Capítulo 5, "Databases as Discourses, or Electronic Interpellations", pp. 78-94).

Rénaud, Michel (1989), "A essência da técnica segundo Heidegger", in Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo XLV, Braga, Faculdade de Filosofia, 1989 (pp. 349-378).

Romanyshyn, Robert D. (1994), "Dream Body in Cyberspace/Virtual Reality and the Dream Body", in Psychological Perspectives, Nr 29 (Spring/Summer 94), Los Angeles (Internet)

Scheer, Léo (1994), La Démocratie Virtuelle, Paris, Flammarion.

Schroeder, Ralph (1995), "Virtual Worlds and the Social Realities of Cyberspace". (Internet)

Virilio, Paul (1995), "Speed Information: Cyberspace Alarm" (or. francês in Le Monde Diplomatique, Agosto de 1995) (Internet)

Weibel, Peter (s/d), "Ars Electronica: An Interview by Johan Pijnappel" (pp. 27-31), Texto distribuído pelo Professor da cadeira.

Weissberg, Jean-Louis (s/d), "Ralentir la communication. À propos de 'L'Art du Moteur' de Paul Virilio" (Internet)

Wolf, Gary (1996), "The wisdom of Saint Marshall, the holly fool", in Revista Wired, January 1996, pp. 122-127 e 182-186.

Woolley, Benjamin (1992), Virtual Worlds, Oxford e Cambridge, Blackwell (Capítulos sobre "Virtuality", pp. 58-71 e "Cyberspace", pp. 122-135).