Paulo Serra, Universidade da Beira Interior
1995/96
INTRODUÇÃO
"Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade - eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava."
Descartes, Discurso do Método (1637), Lisboa, Sá da Costa Editora, 1980, p. 28.
O Cogito cartesiano representa a recusa de fundamentar o saber em qualquer
tradi-ção, e a exigência de o fundamentar no Sujeito,
entendido como "substância pensante" (é a esse processo que
Kant chama "autonomia").
Mas o Cogito cartesiano já é, ele próprio, o "herdeiro"
(e, em parte, o contemporâ-neo) filosófico da Ciência
e da Técnica emergentes. Sem a nova Física Matemática
de Kepler e Galileu, o telescópio de Galileu e as oficinas do Renascimento,
seria impensável o "Eu penso, logo existo" de Descartes. Foram a
Ciência e Técnica emergentes que, destruindo a concepção
antiga e medieval de natureza (o "mundo fechado", para utilizarmos uma
expressão de Koyré), fundada na Filosofia de Aristóteles
e na Teologia cristã, obrigaram Descartes à procura de um
novo fundamento (para o saber, para a acção, para a natureza,
para o homem...).
Assim, e ao contrário do que pretende uma versão mais
ou menos vulgarizada da Modernidade, a exigência cartesiana do Cogito
como fundamento configura, não a viragem do teocentrismo para um
suposto antropocentrismo, mas (sobretudo) a substituição
da tradição em geral (chamemos-lhe "Deus" ou qualquer outra
coisa) pela Ciência e pela Técnica. Neste sentido há
que, para além de toda a retórica cartesiana, ler literalmente
a sua afirmação de que Deus é uma "ideia inata", nada
mais que uma "ideia" ... (1)
Enquanto a certeza de si, colhida na transparência do pensamento,
garante ao Sujeito a posse da verdade do saber, a Ciência e a Técnica
irão garantir a dominação do homem sobre a natureza:
o homem tornar-se-á "senhor e possuidor da natureza" (2).
A natureza vai ser vista, pelos Modernos, como algo a ser dominado, como
"objecto" que deve responder às pretensões do "Sujeito".
A noção de physis (derivada de phy, que significa o crescer,
o devir, próprio do mundo natural) vai ser substituída pela
noção de artesão, pela técnica como trabalho
de controlo sobre a natureza.
O conceito de domínio, de poderio é, assim, o conceito
que, de forma subterrânea, une a filosofia da subjectividade e a
Técnica, orientando todo o projecto da Modernidade.
A pouco e pouco, no Ocidente, o cientista e o tecnólogo irão
assumindo o papel outrora reservado ao sacerdote e ao teólogo. À
ilusão teológica do "Reino dos Céus", sucede a promessa
tecnológica da "Cidade de Deus" (na Terra). São sintomáticas,
a este respeito, utopias como as de Thomas More no século XVI e
de Francis Bacon no século XVII, o Iluminismo no século XIII,
o Positivismo e o próprio Marxismo no século XIX...
Mas, enquanto fundamento, o Cogito inaugura, desde logo, a crise de
todos os fundamentos. Se é o Cogito que fundamenta, a partir de
si próprio, toda a "realidade" do real, recusando toda e qualquer
tradição ou exterioridade, cada um dos fundamentos que (o
mesmo Cogito) vai produzindo se transforma, no acto mesmo de ser produzido,
em "tradição" e "exterioridade" - e, como tal, deve ser ser
recusado.
A "Modernidade" emerge, assim, como um vórtice, um turbilhão
que tudo arrasta à sua passagem. A partir daqui, nada está
seguro, tudo é duvidoso, tudo pode (deve) ser posto em questão.
Todo o afirmado (seja na ordem das verdades teóricas seja na ordem
das orientações práticas) deve, apenas por isso mesmo,
ser imediatamente rejeitado e negado. Paradoxalmente (ou talvez não)
o filósofo da "evidência" e da "certeza" é o fundador
maior da "incerteza" e da "dúvida" permanentes ...(3)
A esse processo de negação, de desvalorização
de todos os valores, de crise dos fundamentos, simbolizada na "Morte de
Deus", chama Nietzsche "niilismo" .(4)
Nietzsche é aqui uma referência fundamental, na medida
em que "...é o pensador que coloca com a máxima radicalidade
a questão da desaparição do fundamento, através
da tematização da morte de Deus." A partir da consciencialização
de Nietzsche, a "crise" (ou, se assim lhe preferirmos chamar, o "niilismo",
a "decadência", a "secularização") transforma-se no
"...fenómeno essencial dos Tempos Modernos". (Bragança de
Miranda, 1994: 69; 71).
Cogito, Técnica, Crise: sem o sabermos, o problema da Técnica
estava-nos destinado desde o início da Modernidade.
Mas foi sobretudo no século XX, com as suas duas Guerras Mundiais,
o holocausto, a bomba atómica, as armas químicas e biológicas,
as poluições de toda a ordem, os problemas colocados pela
engenharia genética, o desemprego "tecnológico", etc., que
o problema da Técnica (e, simultaneamente, a tematização
da Crise) se impôs com toda a sua crueza e violência .(5)
O acontecimento decisivo do nosso tempo é, assim, a Técnica.
Ela é o problema no-vo, vindo subitamente à luz (mas longamente
preparado), que lança uma espécie de catástrofe sobre
o humano - processo que é tematizado por alguns como "descalabro"
(Belo, 1993).
A Técnica é o "im-pensável" que, em cada um dos
seus momentos, exige ser pensado - mas que sempre escapa às tentativas
de (a-)preensão do pensamento.
Heidegger e McLuhan foram, seguramente, os pensadores contemporâneos
que deram os passos mais importantes para a compreensão da Técnica.
Heidegger é o filósofo que nos permite compreender a Técnica
a partir da tese fundamental de que "a essência da técnica
não é nada de tecnológico", e que nos alerta para
o "perigo" implicado na Técnica moderna; McLuhan é o sociólogo
dos media que nos permite compreender a Técnica como "extensão
do homem", e o teorizador do conceito, hoje repetido até à
exaustão, de "aldeia global". No entanto, "...seria necessário
mostrar que, isoladamente, estão ambos errados" (Bragança
de Miranda, 1996a: 13)
A crítica da Técnica é feita, por Heidegger e
McLuhan, sobretudo a seguir à II Guerra Mundial, nas décadas
de 50 /60. Depois desta época, surgem apenas críticas esparsas
sobre o nuclear, a poluição, a genética, etc. Hoje,
o que se banaliza é uma "Ética da Técnica", que se
materializa nas diversas "Comissões de Ética", nos múltiplos
"Manifestos" de cientistas e investigadores, nas várias "Declarações
de Princípios" de organismos internacionais como a Unesco, etc.
No geral, as tomadas de posição desse tipo de entidades não
vão além da ideia corrente, recusada quer por Heidegger quer
por McLuhan, de que a Técnica é, em si, éticamente
"neutra", residindo os problemas apenas na sua boa ou má utilização
ou aplicação.
O momento da Técnica que hoje devemos pensar é o de uma
nova realidade, materializada nas redes informáticas e na "sociedade
da informação" - realidade que alguns designam de Ciberespaço
. Tal realidade apresenta-se, para alguns, como uma nova utopia, um "novo
mundo", uma "nova fronteira". Parece, à primeira vista que - olhado
como ilusão (Marx chama-lhe "ópio") o "Reinos dos Céus",
constatada a impossibilidade de realização do "Reino da Terra
" (simbolizado em utopias como o comunismo) - nos restaria uma possibilidade
de sermos justos, felizes, harmoniosos: no "Reino da Informação
Pura"...
Tendo em conta estes pressupostos, o nosso trabalho pretende tentar
responder a um duplo conjunto de questões:
I Parte. Quais as teses centrais de Heidegger e McLuhan sobre a Técnica?
Até que ponto essas teses nos permitem, aqui e agora, pensar a nova
realidade que é o Ciberespaço?
II Parte. O que se entende por Ciberespaço? Em que medida ele
representa (ou não) uma novidade em relação à
Técnica moderna? Quais as suas possibilidades e perigos (pelo menos
potenciais) ?
I PARTE. O PROBLEMA DA TÉCNICA
1. HEIDEGGER E A TÉCNICA COMO "DISPOSITIVO"
"...Heidegger continua a ser o filósofo com que pensamos o problema da técnica. Talvez isso seja insuficiente (...) mas Heidegger é aqui inevitável."
Bragança de Miranda, José (1993), Intervenção
em "Debate sobre a questão da Técnica", in
Revista Portuguesa de Filosofia, Números 5/6, Lisboa, Edições
Cosmos, p. 166.
No texto "La question de la Technique" (original alemão "Die
Frage nach der Technik", de 1953), que adiante citaremos como QT, Heidegger
parte da seguinte tese fundamental: "l'essence de la tecnique n'est absolument
rien de technique" (QT: 9).
Em que consiste a essência da Técnica? Segundo a concepção
corrente, esta pergunta tem duas respostas (solidárias entre si):
por um lado, a Técnica é o meio para certos fins; por outro
lado, ela é uma actividade do homem. Esta concepção
- que vê a Técnica como um conjunto de instrumentos ou meios
que visam satisfazer os fins do homem - pode, segundo Heidegger, chamar-se
a "concepção instrumental e antropológica da técnica".
O corolário desta concepção é que a Técnica,
em si, não é boa nem má, há é que "utilizá-la
bem", orientá-la para fins espirituais, sermos verdadeiramente senhores
dela. No entanto, apesar de exacta, esta concepção não
é verdadeira, não nos revela a essência da técnica.
Devemos, portanto, procurar o verdadeiro através do (e para além
do) exacto...
O que é o "carácter instrumental"? O "carácter
instrumental" ou "instrumentalidade", liga-se à noção
de causalidade. Que se entende por "causa"? Desde Aristóteles respondemos
a esta questão indicando quatro tipos de causas: formal, eficiente,
final e material. No entanto, para os Gregos, estas causas eram "modos
solidários" do "acto pelo qual se responde", que é o sentido
verdadeiro da palavra "causa". Os quatro modos do "acto pelo qual se responde"
conduzem qulquer coisa ao seu "aparecer", deixando-a advir para o "estar-perto-de";
o "acto pelo qual se responde" é o acto de "fazer vir", de trazer
algo da não-presença à presença - é,
citando o Banquete de Platão, poiesis, pro-dução.
A produção, assim entendida, abrange quer a "fabricação
artesanal", quer "o acto poético e artístico", quer o que
se passa na própria Natureza; aliás, segundo Heidegger, "...la
physis est même poiesis au sens le plus élévé"
(QT: 16), na medida em que o que vem à presença o vem por
si, sem o recurso a um agente exterior, como acontece com o que é
produzido pelo artesão ou pelo artista.
Assim entendido, em que consiste o pro-duzir? Na medida em que o pro-duzir
faz passar algo do estado de oculto ao estado de não oculto, ele
apresenta. Esta apresentação é um desvendamento (desvelamento,
desocultação) - aquilo a que os Gregos chamavam aletheia
e os Latinos traduziram por veritas. Assim, o questionamento da concepção
da Técnica como instrumento ou meio, acaba por nos conduzir a uma
concepção mais verdadeira: a da Técnica como um modo
de desvendamento. No dizer de Heidegger: "Ainsi, la technique n'est pas
seulement un moyen: elle est un mode du dévoilement. (...) C'est
le domaine du dévoilement, c'est à dire de la véri-té"
(QT: 18).
Isto mesmo nos diz a palavra grega technê. Para os Gregos, esta
palavra designa quer o fazer do artesão quer a arte propriamente
dita e as belas-artes - a technê faz parte da poiesis, do pro-duzir.
Por outro lado, até Platão, technê aparece associada
a episteme: ambas são nomes do conhecimemento no seu sentido mais
lato, no sentido de aí se encontrar qualquer coisa, de abertura,
de desvelamento - a technê é encarada, pelos Gregos, como
um modo da aletheia.
A definição anterior da essência da Técnica,
que convém à Técnica antiga, artesanal, convirá
também à Técnica moderna, "motorizada" ? Ou esta última
é de um tipo completamente diferente? Se sim, qual a essência
da Técnica moderna?
Segundo Heidegger, a Técnica moderna é também
um desvendamento - mas um desvendamento entendido, não como poiesis,
mas como pro-vocação (Herausforden): "Le dévoilement
qui régit la technique moderne est une pro-vocation par laquelle
la nature est mise en demeure de livrer une énergie qui puisse comme
telle être extraite et accumullée." (QT: 20) A diferença
entre os dois tipos de Técnica é ilustrada, por Heidegger,
comparando o velho moinho movido a vento com a extracção
de carvão e minerais, o cultivo do campo pelo camponês tradicional
com a agricultura industrial. A Técnica moderna intima e pro-voca
a natureza a fornecer a sua energia: instala-se uma central eléctrica
no Reno, ela intima o rio a fornecer a sua pressão hidráulica,
as turbinas giram... A Técnica moderna, enquanto desvendamento e
interpelação pro-vocante, faz aparecer a natureza como fundo
(Bestand), como algo que responde à "encomenda" do homem, que está
disponível para ser utilizado. Mas o homem, que é quem realiza
a pro-vocação, é ele próprio "provocado" para
pro-vocar a natureza. Neste sentido, ao entregar-se à Técnica
pro-vocadora, o homem "...prend part au commetre comme à un mode
du dévoilement" ( QT: 25), faz parte do processo ontológico
de desvendamento. Como é o homem levado a tal desvendamento?
Para Heidegger, é uma questão essencial afirmar que a
Técnica moderna, enquanto desvendendamento que "encomenda", não
é um acto "puramente humano", no sentido de depender da vontade
arbitrária do homem. A essência da Técnica moderna
reside no seu carácter de dispositivo (Gestell, derivado de "Ge",
o que congrega, e "Stell", raiz do verbo "stellen", pôr em pé),
que Heidegger define da seguinte forma: "...ainsi appelons-nous le rassemblant
de cette intérpellation qui requiert l'homme, c'est à dire
qui le pro-voque à dévoiler le réel comme fonds dans
le mode du 'commetre'. Ainsi appelons-nous le mode de dévoilement
qui régit l'essence de la technique moderne et n'est lui même
rien de technique." (QT: 27/28)
Este carácter essencial da Técnica moderna já
está presente, de forma oculta, na Ciência moderna da natureza,
que emerge no século XVII, cerca de dois séculos antes da
emergência da Técnica moderna. A Física moderna vê
a natureza como um "complexo calculável de forças"; ela não
é experimental por aplicar instrumentos para interrogar a natureza,
mas ao inverso: aplica instrumentos porque tem, logo enquanto teoria, um
carácter instrumental, intima a natureza a mostrar-se como "un complexe
calculable et prévisible de forces" (QT: 29). A partir desta perspectiva,
é uma aparência enganadora, própria da concepção
corrente, entender a Técnica moderna como "ciência natural
aplicada": "C'est parce que l'essence de la technique moderne réside
dans l'Arraisonnement (Ge-stell) que cette technique doit utiliser la science
de la nature. Ainsi naît l'apparence trompeuse que la technique moderne
est de la science naturelle appliquée." (QT: 31)
A essência da Técnica reside, pois, no Ge-stell. O Ge-stell,
tal como a poiesis, é um envio do destino (Geschick). Diz Heidegger:
" Mettre sur un chemin - se dit, dans notre langue, envoyer. Cet envoi
(Schiken) qui rassemble et qui peut seul mettre l'homme sur un chemin du
dévoilement, nous le nommons destin (Gesschick)." (QT: 33) A liberdade
do homem consiste, precisamente, em escutar e cumprir este destino.
A Técnica, sendo um destino, é também um perigo
(Gefahr), ela é mesmo o perigo -e, sob a forma de Ge-stell, o "perigo
supremo". Esse perigo reside na possibilidade de ocultar o ocultamento
do ser, não encontrando o homem na natureza mais do que a sua própria
face, esquecendo o carácter de desvelamento próprio de toda
a Técnica. Assim, não é a Técnica moderna que
é perigosa, ou "demoníaca", mas o Ge-stell, a sua essência.
Significa isto que a Técnica moderna nos coloca, necessariamente,
à beira da catástrofe? Para responder a esta questão,
Heidegger cita o verso de Holderlin (do Hino Patmos): "mas onde há
o perigo, ali cresce também o que salva" (QT: 38). E em que consiste
tal salvação? Quer a poiesis quer o Ge-stell são modos
de desvendamento, ainda que o segundo nos possa fazer esquecer isso. O
desvendamento é, assim, o destino originário e primeiro da
Técnica. Como evitar os seus perigos e permanecer no que salva?
Heidegger antevê uma "possibilidade": a Arte, e nomeadamente a Poesia
... (6)
De 1953 (data do ensaio "A questão da Técnica") até à década de 70, Heidegger vai estar interessado na Cibernética, como é patente no seu ensaio "Língua de tradição e língua técnica", que analisaremos a seguir. No entanto, paradoxalmente (ou talvez não?), tal interesse não o vai fazer mudar a sua concepção geral sobre a Técnica, exposta no seu ensaio de 1953 (de que repete, inclusivamente, muitas das formulações).
O texto "Língua de tradição e língua técnica"
(resultado de uma conferência dada em 1962), que adiante citaremos
como LT, resume a "concepção corrente da técnica"
nas cinco teses seguintes:
1. A Técnica é um meio, produzido e inventado pelos homems,
para realizar certos fins que eles se propõem a si próprios;
2. A Técnica moderna é a aplicação prática
da ciência moderna da natureza;
3. A Técnica é um domínio específico, particular,
no interior da civilização moderna;
4. A Técnica moderna é uma mera continuação
(aperfeiçoada) da Técnica antiga, implicando apenas uma mudança
de grau, que não de natureza;
5. A Técnica moderna exige, para poder funcionar correctamente,
que o homem exer-ça um controlo permanente sobre ela.
Estas 5 teses assentam em duas ideias fundamentais e indissociáveis:
a do carácter antropológico da Técnica (a Técnica
é algo humano, inventado pelo homem e para o homem); a do carácter
instrumental da Técnica (a Técnica é um simples meio,
algo que se deve utilizar para a consecução de determinados
fins e que, como tal, pode ser controlado pelo Homem). Estas duas ideias
configuram o que Heidegger chama a "concepção antropológico-instrumental
da técnica" - segundo a qual, por exemplo, não há
qualquer diferença entre um machado de pedra e um satélite
TV como o Telstar... Esta concepção é hoje dominante:
não apenas porque se impõe "imediatamenete e de forma palpável",
mas porque é "exacta no seu contexto" - o que não significa,
obviamente, que seja verdadeira, e que não deva ser questionada
(como Heidegger vai fazer).
Para tal, Heidegger vai começar por analisar o termo Técnica
a partir da sua origem grega (technê), em termos semelhantes aos
que vimos no texto anterior, para concluir "de maneira elíptica
e sucinta" que: "... technê não é um conceito do fazer,
mas um conceito do saber. Technê e também técnica querem
dizer que qualquer coisa está posta (gestellt) no manifesto, acessível
e diponível, e é dada enquanto presente à sua posição
(stand)." (LT: 22) Como tal, a Técnica exige um certo tipo de Ciência,
que corresponda ao tipo de saber que ela (Técnica) é. Esse
"acontecimento" dá-se uma só vez no decurso da humanidade:
no início da Modernidade europeia. Sobre a relação
entre Ciência e Técnica, Heidegger opõe-se, assim,
à visão corrente, que concebe a Técnica como aplicação
da Ciência; prefere, citando Heisenberg, falar de "escoramento recíproco"
entre as duas. Aliás, o princípio de incerteza de Heisenberg
acaba por tornar manifesto o que já estava presente, ainda que de
forma oculta, na Técnica anterior: que a Técnica é
um certo saber, que ela é "co-determinante" do acto de conhecer
científico.
A "questão directriz" da Ciência, na era moderna, é
a seguinte: "como é que a nature-za deve ser projectada antecipadamente
enquanto domínio da objectividade para que os processos naturais
sejam calculáveis a priori?" (LT: 24/25). Esta questão envolve
um duplo aspecto: em primeiro lugar, uma decisão sobre o tipo de
"realidade" da natureza - em relação a este aspecto, a resposta
está bem patente nas palavras de Max Planck, citado por Heidegger:
"Real (wirklich) é aquilo que pode ser medido", o calculável,
o matematizável (LT: 25); em segundo lugar, o primado do Método,
que deve determinar toda a investigação da natureza, "obrigando-a"
a responder a determinadas perguntas, de uma certa forma. Estes dois aspectos
mostram que, na (pela) Ciência moderna, a natureza é "provocada"
a dar respostas em função de um projecto matemático-experimental,
é "obrigada a falar", a "manifestar-se" de uma certa maneira. Ora,
é justamente esta "intimação provocante" que é
o fundamento da Técnica moderna.
A Técnica intima a natureza a fornecer a sua energia. Essa energia
é captada, transformada, intensificada, armazenada, distribuída
- todos estes modos exigindo controlo e garantia. A potência posta
em jogo por este processo faz surgir os gritos de alarme sobre a necessidade
de "controlar" a técnica, de a "utilizar correctamente", etc. No
entanto, tais "gritos de alarme" ignoram que a Técnica responde
a uma exigência (a de provocar a natureza para fornecer e assegurar
a energia natural) de que o homem não pode impedir o cumprimento
ou dominar. O homem é, ele próprio, provocado pela exigência
de provocar a natureza. Neste sentido, a Técnica é tudo menos
"humana"... Sendo assim, pergunta-se Heidegger, qual é "...a força
secreta daquio que hoje, no mundo tecnicamente dominado, é..."?
(LT: 29)
Para responder a esta questão, Heidegger orienta-se para a Língua.
Porquê falar de "Língua" a propósito da Técnica?
Heidegger começa pela exposição da concepção
corrente da Linguagem - concepção que Wilhelm von Humboldt
terá estabelecido sobre uma base mais científica - que se
pode resumir nos dois enunciados seguintes: o primeiro, positivo, diz que
a Língua é uma visão do mundo; o segundo, negativo,
diz que a Língua não é um simples instrumento de troca
e de comunicação.
A concepção de que a Língua é um mero intrumento
ou meio vê-se "avivada", "reforçada", e "levada ao extremo"
pelo facto da dominação da Técnica moderna. Essa concepção,
imposta pela Técnica moderna, reduz-se à seguinte proposição:
"a língua é informação"(LT: 33). Ou, por outras
palavras: a informação é a língua (da) técnica.
Em que medida tal "língua técnica" se distingue do que
é próprio da Língua, o "falar do homem"? Falar é
essencialmente um "dizer" - pode-se falar sem dizer nada, há silêncios
que dizem tudo. Dizer é um "mostrar". Mostrar significa "...fazer
ver e entender qualquer coisa, levar uma coisa a aparecer" (LT: 34). E
o homem não pode verdadeiramente dizer senão aquilo que se
mostra a ele de si próprio, aquilo que de si próprio aparece,
se manifesta e a ele se dirige. Mas o dizer como mostrar pode também
ser entendido e efectuado de tal modo que mostrar significa apenas dar
sinais: "O sinal torna-se então uma mensagem e uma instrução
acerca de uma coisa que, em si mesma, não se mostra." (LT: 35) Todo
o sinal exige que, previamente, se convencione o que significa enquanto
sinal: por exemplo um som, uma luz, os pontos e os traços do morse.
No caso do morse, o sinal só pode ser ponto ou traço, sim
ou não (linguagem "binária"). As máquinas são
levadas a produzir este tipo de sinais, constituindo mensagens, tendo cada
sinal e cada enunciado um e só um signifcado. Ao tornar-se informação,
a Língua é reduzida a uma escrita abstracta, constituída
por uma álgebra lógica...
Os computadores assentam nesta transformação da Língua
como dizer em Língua como mensagem e como simples produção
de sinais. O ponto decisivo desta transformação reside no
seguinte: "...são as possibilidades técnicas da máquina
que prescrevem como é que a língua pode e deve ainda ser
língua. (...) A natureza dos programas que podem servir de entradas
para o computador, entradas com as quais podemos, como se diz, alimentá-lo,
regula-se sobre o tipo de funcionamento da máquina. O modo da língua
é determinado pela técnica." (LT: 36/37) Por isso a língua
técnica é a agressão "mais violenta e mais perigosa"
contra o próprio da língua, que reside no dizer. E, na medida
em que a relação do homem com o ente e com ele próprio
repousa no dizer, esta agressão é "uma ameaça contra
a essência própria do homem", na medida em que o homem e a
sua vida se transformam, eles próprios, em pura informação
(LT: 38).
Aliás, esse parece ser o objectivo confessado da Cibernética
de Wiener, de que Heidegger cita as seguintes afirmações:
"ver o mundo inteiro e dar ordens ao mundo inteiro é quase a mesma
coisa que estar em todo o lado", "Viver activamente significa viver com
a informação apropriada", "A língua não é
uma capacidade reservada ao homem, mas uma capacidade que partilha até
um certo grau com as máquinas que desenvolveu". (LT: 38/39). Deste
modo, a Cibernética representa, segundo Heidegger, a última
etapa na evolução da Técnica.
E a "língua de tradição"? Ela corresponde ao que
chamamos vulgarmente "língua natural". A sua importância reside
no seguinte: na medida em que a tradição da língua
é transmitida pela própria língua, tal "...exige do
homem que, a partir da língua conservada, diga de novo o mundo e
por aí chegue ao aparecer do ainda não-apercebido. Ora eis
aqui a missão dos poetas"(LT: 40, itálico meu).
Uma "solução" que, como vemos, não se afasta muito
da que Heidegger fornecia no texto de 1953...
2. MCLUHAN: OS MEDIA COMO "EXTENSÕES DO HOMEM"
"The visible world is no longer a reality and the unseen world is no longer a dream."
W. B. Yeats, citado por Marshall McLuhan in Understanding Media: The
Extensions of
Man, London and New York, Ark Paperbacks, 1987, p. 35.
Para os Modernos, meio é o que permite a "comunicação"
de uma "mensagem" "entre um "emissor" e um "receptor". O meio... é
apenas o meio, nada influenciando (ou influenciando apenas negativamente,
na medida em que pode produzir mais ou menos "ruído") a mensagem
a transmitir.
McLuhan vai ser o primeiro a ver que, não só nenhum desses
elementos (emissor, receptor, comunicação, mensagem...) existe
fora desse meio, mas são produzidos por ele - e vai elaborar a primeira
grande teoria da mediação, articulando esta (mediação)
com a questão da técnica (Bragança de Miranda, 1995:147,
nota 37).
Por alturas da sua morte, em 1980, McLuhan parecia esquecido. No entanto,
e no dizer de Wolf, o desenvolvimento dos novos media digitais e as crescentes
preocupações com a "revolução da informação",
tornaram McLuhan novamente relevante.
Actualmente, teses de McLuhan como "o meio é a mensagem", ou
conceitos como o de "aldeia global", "...are recited like mantras in every
digital atelier in the world..." - e isto apesar de a maior parte dos que
citam McLuhan não terem lido sequer os seus livros (Wollf, 1996:
124).
Tentaremos analisar as teses mais importantes de McLuhan a partir de
um dos seus livros fundamentais: Understandind Media: The Extensions of
Man, de 1964.
A escolha deste título é, desde logo, sintomática
daquela que é a concepção central de McLuhan sobre
os media: a de que eles, longe de serem meros "meios" ou "instrumentos"
de que o homem se serve, nomeadamente para "comunicar" uma "mensagem",
são extensões do homem .(7)
Na sua obra de 1967, The Medium is the Message (o seu único
best-seller, escrito de uma forma original, combinando texto e imagem),
McLuhan apresenta da seguinte forma essa sua concepção:
"- The wheel ... is an extension of the foot.
- The book is an extension of the eye...
- Clothing, an extension of the skin...
- Electric circuitry, an extension of the central nervous system.
- Media, by altering the environment, evoke in us unique ratios of
sense perceptions.
The extension of any sense alters the way we think and act - the way
we perceive the
world. When these ratios change, man change." (McLuhan, citado em Wolf,
1996:
127)
No início da Introdução de Understanding Media
(que adiante citaremos como UM), McLuhan faz o contraste entre o nossso
tempo e a época que o precedeu, em termos de "explosão" versus
"implosão": depois de três séculos de explosão,
provocada pelos meios mecânicos e fragmentários, o Mundo Ocidental
está a implodir, por efeito da tecnologia eléctrica. Esta
permite a extensão do nosso sistema nervoso central, abolindo espaço
e tempo, aproximando-nos da fase final da extensão do homem: a simulação
tecnológica da consciência .(8)
Com a tecnologia eléctrica, o mundo transforma-se, pouco a pouco,
numa "aldeia global": "As electrically contracted, the globe is no more
than a village. Electric speed in bringing all social and political functions
together in a sudden implosion as heightened human awareness of responsability
to an intense degree." (UM: 5) O espaço e o tempo deixam de ter
significado, para serem substituídos pela simultaneidade: tudo,
em todo o lado, ao mesmo tempo, para utilizarmos a fórmula de Wilson
(Wilson, 1996: 182).
Sobre a sua tese de que "O meio é a mensagem", diz McLuhan em
Understanding Media": "...This is merely to say that the personal and social
consequences of any medium - that is, of any extension of ourselves - result
from the new scale that is introduced into our affair by each extenssion
of ourselves, or by any new technology." (UM: 7)
Para ilustrar esta sua tese, M. dá o exemplo da automação,
da electricidade, do caminho de ferro, do avião: meios (tecnologias)
que, independentemente da sua utilização ("mensagem"), alteraram
profundamente a sociedade e o indivíduo humano, de formas muitas
vezes imprevisíveis para os seus criadores... O caso da electricidade
é particularmente importante para McLuhan, na medida em que é
"informação pura", "meio sem mensagem" e, apesar disso, revolucionou
toda a nossa existência, levando, nomeadamente, à eliminação
das barreiras do tempo e do espaço. A sua importância é
tal que McLuhan fala, repetidas vezes ao longo da sua obra, em "electric
age" e "electric world".
Aqueles que estão preocupados com o "conteúdo" do meio
, e não com o próprio meio, fazem lembrar o médico
que se preocupa com a "doença", mas esquecendo o doente... Aliás,
McLuhan faz notar que o conteúdo de um meio é sempre outro
meio: o conteúdo do cinema é a fotografia, o da novela é
a escrita, etc. O essencial não é, portanto, o conteúdo
do meio, mas o meio em si próprio. Para além disso, os efeitos
dos media não ocorrem ao nível intelectual (das opiniões
e dos conceitos), mas ao nível dos sentidos, eles alteram "...the
sense ratios or patterns of perception steadlily and without any resistence"
(UM: 18). A consequência da ideia de que o "poder formativo" dos
media reside nos próprios media e nos seus efeitos (não em
qualquer "conteúdo"), é que os meios tecnológicos
são "..staples or natural resources, exactly as are coal and cotton
and oil." (UM: 21)
Uma pergunta que se pode colocar é a seguinte: porque tem o
homem a necessidade de criar/produzir "extensões" de si próprio
(os media)? A resposta de McLuhan consiste em dizer que o sistema nervoso
central, "that network that coordinates the various media of our senses",
joga neste processo o papel principal: a função do corpo,
enquanto grupo de órgãos sustentadores e protectores do sistema
nervoso central, é servir de "amortecedor" contra as súbitas
variações de estímulos provenientes do meio físico
e social. Com a chegada da tecnologia eléctrica, o homem (que na
idade mecância tinha estendido os outros órgãos), estendeu
o seu próprio sistema nervoso, como se os órgãos físicos
(e as respectivas extensões) já não fossem suficientes
para proteger tal sistema. Por isso, a tecnologia (eléctrica ou
não) tem a finalidade de "entorpecer" o sistema nervoso, configurando
um processo a que M. chama "narcosis" - processo sem o qual haveria o perigo
de morrermos...
Contemplar, usar ou perceber qualquer extensão tecnológica
de nós próprios é "abraçá-la". Ouvir
o rádio ou ler o jornal é aceitar estas extensóes
de nós próprios no nosso sistema pessoal, e suportar os efeitos
que em nós provovam automaticamente. Ao abraçar as tecnologias,
relacionamo-nos com elas como servo-mecanismos: "An Indian is the servo-mechanism
of his canoe, as the cow-boy of his horse or the executive of his clock."
(UM: 46)
Só com a tecnologia eléctrica, que permite a extensão
do seu sistema nervoso central, transferindo as funções de
conhecimento consciente e ordem para o mundo físico, o homem se
dá plenamente conta de que os media são extensões
de si próprio, do seu corpo físico. Parece que tal consciência
não poderia ter surgido antes que a tecnologia eléctrica
nos desse a possibilidade de conhecimento instantâno e total: "In
the electric age, we wear all mankind as our skin." (UM: 47)
Na "electric age", é um aspecto central o facto de se estabelecer
uma "rede global", que tem muitas das características do nosso sistema
nervoso central. Ao estendermos o nosso sistema nervoso, através
da tecnologia eléctrica, as nossas vidas privadas e corporativas
tornaram-se informação. Na "idade da informação"
(expressão que, seguramente, McLuhan é dos primeiros, se
não o primeiro, a utilizar), a energia, a produção,
as mercadorias tornam-se cada vez mais informação.
Dizermos que as tecnologias são "extensões" do homem
é a mesma coisa que dizer-mos que elas são "traduções",
maneiras de traduzirmos um modo de conhecimento num outro, uma forma de
experiência em novas formas; assim, por exemplo, a "mecanização"
não é senão "a translation of nature , and of our
own natures, into amplified and specialized forms." (UM: 56). Na "idade
da electricidade", nós próprios nos vemos crescentemente
traduzidos na forma da informação...
Neste processo em que tudo se torna informação, McLuhan
antecipa, com muita antecedência, a possibilidade do "virtual": "By
putting our physical bodies inside our extended nervous systems, by means
of electric media, we set up a dynamic by which all previous technologies
that are mere extensions of hands and feet and teeth and boily heat-controls
- all such extensions of our bodies, including cities - will be translated
into information systems." (UM: 57) (9)
Enquanto as tecnologias mecânicas eram parciais e fragmentárias,
a tecnologia eléc-trica é total e inclusiva; a velocidade
é a da luz: "No further acceleration is possible this side of the
light barrier" (UM: 58).
No contexto das tecnologias eléctricas, os computadores representarão
um passo decisivo: "Having extended or translated our central nervous system
into the electromagnetic technology, it is but a further stage to transfer
our consciousness to the computer world as well" (UM: 60). Então,
ao ter a possibilidade de "programar a consciência", nós poderemos
escapar ao entorpecimento dos outros media. Ao traduzirmos todas as nossas
vidas "na forma espiritual da informação", o globo tornar-se-á
como que uma imensa consciência única...
As tecnologias não são controláveis: nenhuma sociedade
conseguiu, alguma vez, "desenvolver imunidade" em relação
às suas novas tecnologias. Hoje começamos a ver, segundo
McLuhan, que a Arte pode providenciar tal imunidade, na medida em que o
artista "vê" os desafios culturais e tecnológicos antes de
estes ocorrerem. Nem o arcaísmo nem o futurismo são formas
de responder aos desafios da tecnologia, mas de evitar: a Escolástica
afundou-se, justamente, por não ter sabido aceitar o e responder
ao desafio da tecnologia inventada por Gutenberg.
Como se disse atrás, só na era da tecnologia elétrica
nos é revelado o verdadeiro fundamento da tecnologia. Por isso:
"The electronic age is literally one of illumination (UM: 350). E que "luz"
nos dá sobre o mundo? O mundo na sua totalidade, passado e presente,
revela-se-nos como "... a growing plant in an enormously accelerated movie."
(UM: 352)
II PARTE. O CIBERESPAÇO
1. O TERMO "CYBERSPACE"
A palavra cyberespace foi criada, por volta de 1984, pelo escritor de
ficção científi-ca William Gibson, e utilizada nos
seus romances Neuromancer (de 1984) e Count Zero (de 1987).
Gibson terá utilizado o termo cyberspace fundamentalmente porque
"soava" bem, porque era uma daquelas palavras de que um bom publicitário
se deveria lembrar. Criada a palavra, havia que "enchê-la com significado".
No mesmo romance, Gibson descreveu o Ciberespaço como uma "consensual
hallucination" (expressão que não definiu claramente).
Posteriormente, Gibson disse que, com o termo cyberspace, queria sugerir
"...the point at wich media (flow) together and surround us. It's the ultimate
extension of the exclusion of daily life. With cyberspace as I describe
it you can literally wrap yourself in media and not have to see what's
really going on around you." (Gibson: 1990, citado em Wooley, 1992: 122)
O termo cyberspace é a tradução, no domínio
ficcional, do conceito de ultimate display (exibição derradeira),
originalmente proposto por Ivan Sutherland, e significando uma forma de
exibição que fornecia informação a todos os
ógãos dos sentidos, numa espécie de "imersão
total". Contudo, Gibson terá estendido a a ideia de Sutherland,
de forma a abarcar todo o universo da informação: "A graphic
representation of data abstracted from the banks of every computer in the
human system. Unthinkable complexity. Lines of light ranged in the nonspace
of the mind, clusters and constellations of data. Like city lights receding."
(Gibson: Neuromancer, citado em Wooley, 1992: 122)
Deste modo, a palavra cyberspace, apesar da visão distópica
que Gibson propõe nos seus romances, procura dar conta de um novo
"cenário", de "...un acontecimiento nuevo y irresistible en la elaboración
de la cultura y el quehacer humano bajo el signo de la tecnologia." (Benedikt,
1991: 9).
Etimologicamente, a palavra cyberespace é formada a partir de
cyber (que significa "homem do leme", "piloto", e que que também
integra o termo "Cibernética", que designa o "estudo dos mecanismos
de controlo no animal e na máquina") e de espaço - o que
dá, desde logo, a ideia do cyberspace como "espaço do controlo".
Mas esta etimologia não explica, por si só, porque é
que o termo de Gibson, introduzido quase casualmente, pela sua "sonoridade",
ganhou em poucos anos tal voga e importância - o mesmo não
acontecendo com outras palavras ou expressões que são, frequentemente,
utilizadas como sinónimas de cyberspace, como por exemplo cyberia,
espaço virtual, mundos virtuais, dataspace, domínio digital,
reino electrónico, esfera da informação, etc. (Woolley,
1992: 123)
Mas, afinal, o que é o Ciberespaço?
2. O CIBERESPAÇO E AS REDES
No entender dos chamados "realistas virtuais", o Ciberespaço
não é nem um mero espaço matemático nem uma
simples metáfora de ficção científica, mas
uma "nova fronteira", um "novo mundo" que está aberto à acção
dos novos "exploradores" e "colonizadores".
Tal como aconteceu com a colonização do Oeste Selvagem,
a colonização desta "nova fronteira" envolve o perigo de
nela imperar a lei da força e a violência. Evitar tal perigo
envolve " ... to make it inhabitablte by ordinary settlers. You know, move
the homesteaders there." (John Perry Barlow, 1991, cit. em Woolley,1992:
123). Para contribuir para tal finalidade Barlow criou, juntamente com
Mitch Kapor, o fundador da Lotus, a Electronic Frontier Foundation.
Falhado o projecto espacial, o ciberespaço tornava-se o novo
"planeta" a explorar, aqui mesmo ao alcance da mão. A aventura espacial
dava lugar à aventura ciberespacial, o espaço astronómico
ao ciberespaço. Posta de parte a possibilidade de todos viajarmos
até à Lua, restava-nos contudo a possibilidade de fazermos
as nossas viagens no ciberespaço ... (10)
Outros, inspirados nas teorias de McLuhan, avançam a interpretação
de que o ciberespaço respeita à aniquilação
do espaço, por efeito das tecnologias eléctricas (11).
De acordo com McLuhan, em Understanding Media, de1964 , "As electrically
contracted the globe is no more than a village" (citado em Wooley, 1992:
123).
Negligenciado nos anos 70, quando o mundo estava mais preocupado com
o proble-ma da escassez energética, o conceito de aldeia global
torna-se central nos anos 80, passando a ser visto como a melhor expressão/tradução
do que estava a acontecer como o sistema financeiro e as redes telefónicas
internacionais. Como escreveu Mark Poster, em 1990, "... information is
now instantly available all over the globe and may be stored and retrieved
as long as electricity is available. Time and space no long restrict th
exchange of information. McLuhan's "global village" is technically feasible."
(citado em Wooley, 1992: 124)
A imagem da aldeia global também se traduz num novo tipo de
ambiente de trabalho, pós-industrial: a "telecottage" (telecabana
ou cabana electrónica), situada em ambiente rural, longe da poluição
e dos engarrafamentos urbanos. Tal ambiente irá permitir o "teletrabalho",
em que a relação do trabalhador com o trabalho se dará
através da rede, e já não através da presença
física no escritório da companhia.
A tecnologia que permitiu a aldeia global foi a rede (network).
As redes não são novas; o que é novo são
as redes electrónicas, que possibilitam a transmissão de
todo o tipo de informação, instantaneamente e sem olhar à
distância. É por meio destas redes que, segundo os especialistas,
se dará o próximo grande passo em matéria de computadores:
o que Steve Jobs chama "interpersonal computing" (citado em Wooley, 1992:
125)
A primeira destas redes foi a ARPAnet, fundada, no final dos anos 60,
em plena guer-ra fria, pela American Advanced Research Projects Agency
(ARPA). Pensada para a partilha de dados científicos entre os investigadores,
a Arpanet foi desde logo utilizada para troca de mensagens de carácter
mais pessoal, dando origem a um "sentimento de comunidade" partilhado pelos
pesquisadores dos diversos centros de trabalho. A partir dos anos 70, a
Arpanet cresceu para fora (transformando-se na Internet, que se caracteriza
pelo facto de, nela, a geografia e a hierarquia serem irrelevantes, não
havendo nem "centro" nem "periferia" e permitindo o acesso livre à
possibilidade de comunicar) e cresceu para dentro (tornou-se a Ethernet,
rede de "área local", que possibilita o transporte de muita informação
em distâncias muito pequenas, como um escritório), de uma
forma exponencial. (ver Marques, 1995: 66 -72)
Paralelamente, nos meados dos anos 80, a NASA começou a procurar
desenvolver o que chamou telepresença, entendida como um meio de
controlar robots. A ideia era utilizar os robots para investigar o espaço,
como se o próprio investigador nele estivesse presente. O robot
tornar-se-ia uma espécie de "corpo" (dotado da "pele" e dos outros
"sentidos") do operador. Aplicando esta tecnologia da NASA, poderíamos
estar "tele-presentes" em qualquer lugar...
Por outro lado, casos como o do Vírus "Outubro 12" (também
chamado "Datacrime" ou "Columbus Day" ) e do crash da Wall Street, de 13
de Outubro de 1989, parecem provar a emergência de um ambiente artificial,
com uma vida pópria, escapando ao controlo humano. (Woolley, 1992:
130)
Será isto o Ciberespaço?
3. ORIGENS E NATUREZA DO CIBERESPAÇO: A VISÃO DE BENEDIKT
Um passo importante na tentativa de definição do Ciberespaço
foi a I Conferência sobre Ciberespaço, que se efectuou nos
dias 4 e 5 de Maio de 1990, na Universidade do Texas, em Austin. Em 1991,
no seguimento dessa Conferência, Michael Benedikt publica o livro
Cyberspace: First Steps, que hoje podemos considerar um "clássico"
sobre a matéria. Na Introdução desse livro, referindo-se
aos autores nele incluídos (muitos dos quais escreveram capítulos
que são versões das apresentações feitas na
I Conferência sobre Ciberespaço), diz Benedikt: "Todos (...)
abordan el tema con extraordinaria seriedade, perspicacia e entusiasmo,
aun quando (y quizás debido a que) las variedades del ciberespacio
que imaginan, describen y en ocasiones critican, todavia no existen." (Benedikt,
1991: 28). Uma primeira conclusão que se impõe é,
portanto, que o Ciberespaço é (era, na altura) um projecto
aberto e a levar à prática.
Como entende Benedikt o ciberespaço em Cyberspace: First Steps
(que citaremos, a partir da sua versão espanhola, como CFS)?
Benedikt vai colocar-se numa perspectiva intermédia entre os
que afirmam que o Ciberespaço é um "novo mundo" (como os
"realistas virtuais", acima referidos), e os que afirmam, pura e simplesmente,
que o ciberespaço é um não-espaço (e que se
inspiram, de uma forma ou outra, nas teses de McLuhan).
Assim, no entender de Benedikt, o Ciberespaço é um "...
universo nuevo, universo paralelo criado y sustentado por las computadoras
y las líneas de comunicación del mundo. Um mundo en el que
(...) imágenes, sonidos, presencias nunca vistas en la superfície
de la terra florescen en una vasta noche electrónica" (CFS: 9, itálico
meu).
É esta definição de Ciberespaço - entendido
como universo de informação, assente no suporte técnico
das redes telemáticas- que, com variações mais ou
menos ligeiras, está hoje vulgarizada na Internet (12).
Contudo, nem sempre a terminologia utilizada, neste domínio, é
clara ou unívoca. Isso nota-se, por exemplo, quando procuramos distinguir
(e relacionar) conceitos como os de "ciberespaço" e "realidade virtual",
como veremos adiante.
Benedikt atribui, ao Ciberespaço, as seguintes características:
- ilimitado (entra-se no ciberespaço através de qualquer
computador ligado ao sistema; a partir de todo e qualquer lugar do mundo
e mesmo de fora do planeta);
- virtual (existe em toda a parte e em lugar nenhum, é um lugar
em que nada se esquece e no entanto tudo muda);
- mental (é uma "geografia mental", construída simultaneamente
por "consenso e revolução, canon e experimentação..."
);
- eléctrico (os seus "corredores" formam-se em qualquer lugar
onde haja electricidade);
- intemporal (a partir das bases de dados que o constituem, é
possível presentificar o passado e o longínquo);
- informacional (é o "reino da informação pura",
sem qualquer ineficiência, contaminação ou corrupção
derivada da materialidade).
No entanto, o Ciberespaço, tal como descrito até aqui,
não existe (ver CFS: 9/11).
Mas esta "não existência" (ou "virtualidade") não
é nova: em todas as culturas sem-pre existiu uma "geografia mental",
uma "memória colectiva", uma "alucinação" (constituída
por figuras, símbolos, regras, verdades míticas, contos,
etc.), que é propriedade de todos e se encontra livre dos limites
do espaço e do tempo.
A originalidade das culturas actuais tecnologicamente mais avançadas,
como as nos-sas, reside "apenas" no facto de converterem essa "geografia
mental" em algo visível e partilhável por todos.
Deste modo, o Ciberspaço "... nos es más, ni menos, que
la última etapa en la evolución de Mundo 3 (13),
libre del lastre de la materialidad - liberada de nuevo, y quizás
definitivamente." (CFS: 12) No entanto, o Ciberespaço nunca virá
a substituir os elementos anteriores do Mundo 3, mas deslocá-los-á,
obrigando-os a assumir novos lugares. Da mesma forma, nunca a "realidade
virtual" substituirá a "realidade real"...
Baseado nesta inspiração Popperiana, Benedikt vai procurar
examinar as origens e natureza do Ciberespaço, a partir de quatro
"fios" interligados com a evolução do Mundo 3. Esses fios
são: o mito da história; a história da tecnologia
dos meios de comunicação; a história da arquitectura;
a história da matemática (conceito de espaço).
Vejamos as teses fundamentais de Benedikt relativamente a cada um destes
"fios".
a) O mito da história:
Tem início na linguagem, ou mesmo antes da linguagem, com um
conjunto de pensamentos partilhados pelos membros de uma tribo ou grupo
social. Este conjunto de pensamentos traduz-se num conjunto de crenças
sobre o meio ambiente, os seus perigos e recompensas, o que é prudente
e arriscado, o além, o passado, o presente e o futuro, o que está
por cima dos céus e debaixo da terra, etc. Com o desenvolvimento
da linguagem e da representação pictórica, há
cerca de 10 a 20 mil anos, estas ideias vão sendo elaboradas a um
ritmo veloz, dando origem aos mitos.
Esses mitos continuam a ser vitais nas nossas culturas tecnológicas,
na medida em que nos dão a imagem da nossa "condição
humana" - quem somos, o que fazemos, para onde vamos (constituem o que
Jung chamou o "inconsciente colectivo").
Os jovens, que são o sector da população mais
sensível aos mitos, procuram nestes o apoio e a orientação
necessários para viverem num mundo que não fizeram e não
conhecem. Os mitos fornecem-lhes os arquétipos e os modelos que
procuram (o puro, o ideal, o justo, o bom, etc.). Assim se explica que
os jovens sejam os maiores consumidores da banda desenhada, da ficção
científica, dos jogos de vídeo, da música, do cinema.
Não admira também que os jovens, com a sua ânsia de
dominar as novas tecnologias, sejam os maiores especialistas em computadores
e povoem, em grande número, as comunidades e as redes informáticas.
Deste modo, os jovens que jogam e criam jogos como os "MUDS" (14)vão
contribuin-do, com estas suas actividades, para criar o Ciberespaço.
O Ciberespaço, com a sua imaterialidade e maleabilidade, parece
ser o espaço ideal para a criação e a actuação
das diversas realidades míticas.
Entendido desta maneira, o Ciberespaço pode ver-se como a extensão
da antiquíssima capacidade ficcional, mito-lógica, do homem.
b) A história da tecnologia dos meios de comunicação:
Segundo Benedikt, esta história revela uma dupla tendência
evolutiva: desmateriali-zação dos meios de comunicação
e objectivação dos significados.
Os primeiros meios de comunicação são partes vazias
que melhor recebem as marcas, como a areia, a madeira, a cortiça,
o osso, a pedra, a pele humana. Partes quase decalcadas das utilizadas
pelos animais, mas que visam agora intencionalmente preservar e enviar
mensagens.
Dá-se um passo importante quando o homem começa a produzir
o meio de comuni-cação (paredes engessadas lisas, tabuinhas
finas, papiros, etc.), substituindo o trabalho de marcar (talhar, cinzelar)
pelo de desenhar ou pintar. Posteriormente, estes símbolos tornam-se
convencionais, o que representa outro passo muito importante.
Com a invenção da escrita, das contas, dos modos de representação
gráfica, e, séculos mais tarde, da imprensa (abrindo a possibilidade
de expansão da capacidade de leitura para fora dos círculos
eruditos dos religiosos e dos nobres), as "comunicações efémeras"
ganham uma importância decisiva. Os livros tornam-se facilmente duplicáveis,
transportáveis e transmissíveis: é o nascimento do
que McLuhan chama, em 1962, no livro com este título, a "Galáxia
Gutenberg".
Com a invenção do telégrafo (o primeiro "meio"
a instaurar, na cultura ocidental, a noção de uma "rede"
permanente) e, mais tarde, do telefone, vão ser ultrapassados, de
forma decisiva, os limites não só do espaço (uma Bíblia,
um Jornal, podem ser levados, em princípio, para qualquer lugar),
mas também do tempo (um jornal, duas semanas depois, já não
tem notícias "frescas") e do gasto (nomeadamente da energia necessária
ao transporte).
A partir das décadas de 30 e 40 do nosso século, o telefone
deixa de ser usado como mero "telégrafo da voz", limitado ao essencial,
para ser encarado como canal de trocas comunicacionais que aprofundam a
sociabilidade e permitem o incremento dos negócios.
Tecnologicamente, a importância do telefone reside no facto de
permitir a substituição do transporte físico da informação
pelo seu transporte eléctrico através de cabos, sem resistência
e sem demora. Se acrescentarmos a isto a capacidade de armazenar informação
electromagneticamente (o primeiro gravador foi exibido comercialmente em
1935), o telefone foi realmente um passo decisivo na evolução
em direcção à desmaterialização do meio
e à conquista do espaço/tempo.
Paralelamente, descobre-se algo ainda mais importante: a transmissão
sem cabos, ou seja, a radio e a televisão. A radio e a televisão
enchem as "ondas aéreas" do mundo de palavras, sons e imagens invisíveis,
que chegam a todo o lado. Horace Newcomb chama, à televisão
"...mais que um meio de comunicação, um meio de comunhão".
Antevê-se a possibilidade da "aldeia global" teorizada por McLuhan.
Com os telefones digitais, os computadores pessoais que comunicam entre
si, a TV digital e a transmissão por cabos de banda larga, passa
a estar em questão a noção de localização
geográfica: "Nos convertimos en nómadas... que siempre están
en contacto." Com este passo, as sociedades a que chamamos pós-industriais
"... están listas para un viaje aún mas profundo hacia lo
'permanentemente efímero' (con lo que quiero decir, como el lector
está bien consciente, el ciberespacio." (CFS: 17).
Segundo Benedikt, o significado desta "viagem" aprecia-se bem no entusiasmo
que rodeia o tema da realidade virtual (15), dado que
a tecnologia da realidade virtual "... es lo más cerca que se puede
llegar en la realidade de entrar a un sensorio totalmente sintético,
de la immersión en un mundo totalmente artificial y/o remoto"(CFS:
18).
c) A história da arquitectura:
A arquitectura começa com a "expulsão" do homem das planícies
temperadas e férteis da África (o "Éden"), há
cerca de dois milhões de anos, e a consequente necessidade de enfrentar
os desafios de um mundo com um clima em mudança acelerada, competição
crescente e crescimento exponencial de população.
Toda a história da arquitectura se vai desenvolver em torno
do tema do "regresso ao Éden", a uma idade de inocência e
unidade tribal/familiar/nacional. Mas o regresso ao Éden é
impossível. Assim, em contraponto com o jardim do Éden terreno,
flutua a imagem da Cidade Divina, da nova Jerusalém do livro do
Apocalipse.
Os múltiplos projectos para alcançar o sonho dessa Cidade
Divina, das Colinas de Hollywood até ao Tibete, mostram que este
é um arquétipo cultural generalizado, o símbolo de
uma nova realidade (utópica) que poderia compensar-nos (e redimir-nos)
da expulsão do Éden.
Podemos deste modo dizer que, se o Éden bíblico é
imaginário, então a Cidade Divina é duplamente imaginária:
porque, no sentido convencional, não é real; e porque, mesmo
que se tornasse real, já que é informação,
a sua realidade seria uma realidade "virtual", ou seja , existiria "apenas
na imaginação". "A imagem da Cidade Divina é, de facto,
a imagem pura e santa do que Popper chama o Mundo 3. É, no fundo,
uma visão religiosa do Ciberespaço .(16)
Por outro lado, nos princípios do século XX, com a invenção
dos novos materiais arquitectónicos (mais leves e resistentes),
e a necessidade de "fazer mais com menos", a arquitectura vai entrar numa
onda de "ligeireza". Benedikt cita, a este propósito, a proposta
feita por Le Corbusier, em 1924, de arrasar metade de Paris e substituí-la
pela Ville Radieuse, concebida de forma radicalmente diferente.
Aprofundando esta linha, a partir dos fins da década de 60 a
Cidade começa a ser vista em termos de informação/comunicação
(como conjunto de meios de comunicação, mensagens, fluxos
de informação, etc.). Esta posição transparece
claramente nos arquitectos ingleses auto-denominados Archigram (de telegramas
arquitectónicos, série de desenhos, do tamanho de cartazes,
em que os referidos arquitectos exprimem a sua concepção
dos novos tipos de edifícios). O sonho destes arquitectos é
o de uma cidade auto-construtora, cibernética... Ainda que nada
tenha construído, este grupo teve e tem muita influência no
mundo da arquitectura.
Outro dos "fios" da evolução da arquitectura consiste
em pensá-la como uma abstracção. Este "fio" remonta
ao Egipto e à Grécia antigos, que identificam a matemática
com a geometria e esta com a arquitectura correcta. Até aos finais
do século XVIII, os arquitectos são simultaneamente cientistas
e matemáticos (Leonardo Da Vinci, Leon Battista Alberti, Andrea
Palladio, Cristopher Wren, são alguns exemplos conhecidos). Já
no nosso século, entre os anos 20 e os anos 60, a noção
de que a essência da arquitectura reside na modulação
experimental do espaço e do tempo, a quatro dimensões, cativou
a teoria arquitectónica.
Um outro "fio" liga-se à visão tradicional (que tem cerca
de quinhentos anos) da arquitectura como tendo um conteúdo simbólico.
Nos anos recentes, o "sistema de mensagens" arquitectónico ganhou
vida própria, traduzida no surgimento de um mercado para os desenhos
arquitectónicos, na consideração dos edifícios
como "argumentos" de um discurso arquitectónico sobre a arquitectura,
etc. Na sua forma actual, vanguardista, a este movimento chama-se "desconstrutivismo"
ou "pós-estruturalismo". O seu interesse centra-se no edifício
não como objecto habitável ou objecto de beleza, mas como
"objecto de informação", susceptível de um certo conjunto
de "leituras".
Todas estas tendências mostram, segundo Benedikt, a permanência
do ímpeto para a Cidade Divina, que deve ser respeitado e pode "...prosperar
de maneira útil... en el ciberespacio." A porta do Ciberespaço
está aberta aos arquitectos com mentalidade poética e científica,
que projectarão e criarão as estruturas que virão
a povoar o Ciberespaço. Edificarão edifícios electrónicos
tão belos e complexos como os seus equivalentes físicos.
Serão chamados "... los arquitectos del ciberespacio." (CFS: 23).
d) A história das matemáticas (conceito de espaço)
A geometria dedutiva começa na Grécia, com Tales, por
volta de 600 AC, e continua até cerca de 225 AC com Pitágoras,
Euclides e Apolónio. O seu objecto era duplo: 1) a natureza e os
métodos de construção das formas idealizadas (linhas,
círculos, polígnos); 2) a natureza do raciocínio dedutivo.
Os estudos geométricos tinham aplicação prática
na construção de edifícios e caminhos, nos levantamentos
de terrenos, no que hoje chamamos "engenharia mecânica" e no apoio
à construção de modelos astrológicos/cosmológicos.
Desde os Gregos, a geometria só avançou significativamente
nos finais do século XIX, com a descoberta da geometria não-euclidiana
por Bolyai e Lobatchevsky. Com o conceito de topologia pura e o descobrimento
das geometrias consistentes de mais de três dimensões, a geometria
começa a perder todo o seu carácter visual, para assumir
um aspecto simbólico/algébrico, próprio das matemáticas
analíticas, conforme ao projecto de Descartes de demonstrar que
todos os teoremas da geometria poderiam transcrever-se de uma forma algébrica
(e vice-versa).
O vínculo que Descartes estabelece entre geometria (espaço,
forma) e álgebra (sím-bolo, argumento) é de sentido
duplo: "algebrizar" a geometria e "geometrizar" a álgebra. Recorrendo
a um sistema de coordenadas (ditas "cartesianas"), os pontos do espaço
podem ser traduzidos em números, e os números podem ser traduzidos
em pontos do espaço.
O essencial da descoberta Cartesiana da geometria analítica
residirá, então, na noção de que o espaço
é uma realidade que não é necessariamente físico-material
(17): é um "terreno de jogo" para toda a informação
(e também para aquela que determina/constitui o espaço gravitacional
e electromagnético em que vivemos, e a que chamamos "mundo real").
No entanto, os "fractais" e os "atraentes estranhos" são exemplos
de outros "terrenos de jogo" ou "espaços" possíveis, que
nada têm a ver com o nosso mundo habitual. Qual destes "espaços"
é o mais "real"? O "optimismo" dos físicos modernos mostra-se,
segundo Benedikt, no facto de utilizarem, para a descrição
dos sistemas físicos, a noção de espaço que,
no momento, melhor corresponda às exigências das suas teorias...
Paralelamente, desenvolveu-se a arte de realizar diagramas e gráficos,
sob as mais diversas fomas - arte intensificada, hoje em dia, pela teoria
matemática dos gráficos, com as suas técnicas de redes
e combinatórias para analisar e optimizar processos complexos. Qual
é a "realidade" deste tipo de representações? Todas
elas, das mais simples às complexas, parecem existir numa geografia,
num espaço "construído" pela folha de papel ou pelo ecrã
do computador onde as vemos. Todas têm uma realidade que não
é a mera imagem do mundo natural, fenoménico, e todas mostram
uma dimensão física, por assim dizer, de outro lugar. Isto
leva-nos a concluir, segundo Benedikt, que não são nem descobertas
nem invenções, mas entidades do Mundo 3, criadas pela nossa
própria inteligência.
Elas representam "... la primera evidencia de un continente sobre el
cual, comunicado hasta el momento, hemos transmitido información
sólo a través del lenguage de senas, un continente que se
"materializa", en cierta manera. Y al mismo tiempo expressan el nuevo carácter
etéreo que adquiere la geografia." (CFS: 26).
4. O CIBERESPAÇO AINDA É UM "ESPAÇO"?(18)
" Cinquenta anos atrás, Einstein descobriu que a estrutura do espaço e do tempo não é tão simples como a julgamos na vida quotidiana." (s/d: 47)
Werner Heisenberg, A Imagem da Natureza na Física Contemporânea,
Lisboa, Livros do Brasil,
s/d, p. 47.
O homem comum entende o espaço como um vazio tridimensional (um
"continente"), que contém os diversos corpos e no qual, numa sequência
temporal, se inscrevem os diversos acontecimentos ou eventos.
No entanto, a história do saber ocidental (nomeadamente da Física
e da Matemática) mostra-nos que as noções de espaço
e de tempo são extremamente complicadas e abstractas, afastando-se
cada vez mais da concepção do homem comum.
No Ocidente, a primeira grande interrogação sobre a natureza
do espaço é feita por Platão. No Timeu (49a e sgs),
o espaço é entendido como chora, no sentido de "receptáculo";
como carece de figura, o espaço é um "contínuo" de
que não se podem indicar as qualidades, é mero "habitáculo";
não se encontra nem no sensível nem no inteligível,
de modo que não se pode dele dizer que "existe"; é um espaço
de acolhimento, onde tudo vem cair. Kerckhove compara este espaço,
tematizado por Platão, a um "teatro", em que as pessoas se tornam
actores (e deixam de o ser) num espaço "neutro"; nesse espaço,
os actores jogam a sua liberdade (ainda hoje falamos no nosso "espaço
de liberdade") (Kerckhove, 1995a).
Aristóteles (e, na sua esteira, os Medievais) concebe o espaço
como um "lugar" - é a sua famosa teoria dos lugares "naturais".
Cada coisa ocupa um certo lugar, o seu, e, quando deslocada "violentamente"
desse lugar, tende "naturalmente" a reocupá-lo. No mundo, finito,
o lugar central é ocupado pela Terra; nesta, os corpos pesados tendem
para o centro, e os leves para a periferia; à volta da Terra, deslocam-se
os outros planetas; imóvel, na abóbada do mundo, repousa
a esfera das estrelas fixas...
Este Cosmos finito de Aristóteles e da Idade Média é
inteiramente destruído pela Física-Matemática de Descartes.
Ao ser constituído por extensão, tal como o espaço,
o mundo deixa de ter limites e fins. Cada coisa deixa de ter o seu "lugar
natural": todos os lugares e todas as coisas se equivalem. A Terra deixa
o centro do mundo; o mundo deixa de ter centro; deixa de haver mundo -
passa a haver Universo. (Koyré, 1980: 67/68). A geometria analítica,
referida atrás por Benedikt é, justamente, a tomada de consciência
desta nova situação. O espaço (como a matéria)
esconde-se aos sentidos, torna-se puramente abstracto: uma fórmula
algébrica, uma equação.
Com a topologia pura, que Benedikt também refere, o espaço
torna-se ainda mais abstracto, no sentido de irrepresentável pela
própria imaginação sensível. Ao ter mais de
três dimensões, o espaço reduz-se, plena e irreversivelmente,
a uma fórmula algébrica...
Por outro lado apercebemo-nos, com a chegada das novas tecnologias,
de que os nossos conceitos de espaço (e de tempo) são, em
grande medida, o resultado de uma construção técnica.
A consciência deste facto está patente em McLuhan quando,
a propósito da electricidade (da tecnologia eléctrica), afirma
que esta nos leva a conceber o espaço de uma forma diferente da
comum (o espaço como "continente" vazio, preenchido pelos corpos).
Com efeito, não se pode pensar na electricidade como estando "contida"
seja no que for. Assim, "...the tendance is to speak of electricity as
painters speak of space; namely that is a variable condition that involves
the special positions of two or more bodies. (...) Painters have long known
that objects are not contained in space, but that they generate their own
spaces." (UM: 347/348) E McLuhan dá o exemplo de Alice no País
das Maravilhas, do matemático oxfordiano do século XIX Lewis
Carrol: nessa obra, e ao contrário do que parecia aos pintores do
Renascimento, nem os tempos nem os espaços são contínuos
e uniformes (esta ideia de McLuhan é, como veremos adiante, fundamental
para percebermos o carácter "espacial" do Ciberespaço).
Também Paul Virillio, referindo os trabalhos de Damish, faz
notar que a perspectiva do espaço que chamamos "real", longe de
ser "natural", foi inventada pelos artistas italianos de Quatrocentos.
(Virillio, 1995)
Peter Weibel, procurando ligar Arte, Ciência e Tecnologia, afirma
que a Física Quânti-ca mostra que, ao contrário do
que pensava a Física clássica, nós não somos
observadores externos ao mundo, mas este é o resultado da nossa
observação, na medida em que esta tem um cariz eminentemente
tecnológico. A isso se refere, justamente, o "princípio da
incerteza" de Heisenberg. (Weibel, s/d: 29)
Neste sentido, o Ciberespaço é o resultado de uma "rede
técnica" que se lança sobre o mundo, que nada tem a ver com
uma "geografia" do espaço, e que só existe na sua inter-relação
com o sujeito. Não é um espaço no sentido comum do
termo, mas é um espaço no sentido físico-matemático
e técnico. Nesse aspecto estamos de acordo com Benedikt: o ciberespaço
é um constructo científico-técnico, é um elemento
do que Popper chama o Mundo 3. Através do computador ligado à
rede, a linguagem numérico-digital torna-se visível, espacializa-se,
numa dialéctica de presença-ausência própria
de tudo o que é "virtual". Desligue-se o computador - e tal espacialização
deixará de existir.
O que nos parece remeter, numa espécie de círculo histórico
que se fecha, para a noção Platónica de chora, acima
referida...
5. O CIBERESPAÇO COMO ESPAÇO DE CONTROLO
Há, na maior parte parte dos teóricos do Ciberespaço
que estudámos, uma espécie de glorificação
ou mesmo mitologização acrítica da Técnica,
que tende a ver o Ciberespaço como uma Nova Utopia, anunciada desde
o princípio dos tempos. Este tipo de visões - para além
da repetição de um tema muito caro à Modernidade -
tende a esquecer (a apagar) alegremente a dimensão política
do Ciberespaço, a sua natureza de espaço de controlo (etimologicamente,
como vimos atrás, ciber significa "governo", "piloto"). Um espaço
de controlo que vem procurar substituir (com sucesso ou não, isso
é uma questão a discutir, e para a qual a actualidade ainda
não não nos forneceu uma resposta conclusiva) o espaço
público clássico, centrado na ideia de "representação"...
O problema do controlo foi originalmente posto em destaque por Michel
Foucault, na sua obra Surveiller et Punir: La Naissance de la Prison ,
de 1975, mediante o conceito de "panóptico".
O neologismo "panóptico" é introduzido, em 1791, por
Jeremy Bentham, para bapti-zar o seu projecto de penitenciária.
A penitenciária idealizada por Bentham constava de um edifício
semi-circular, com um "alojamento de inspecção" no centro
e celas a toda a volta do perímetro. Os prisioneiros, alojados em
celas individuais, dotadas de um sistema de iluminação natural
apropriado, podiam ser vistos pelos "inspectores" ou "supervisores", mas
não vê-los; além disso, as paredes laterais das celas
impediriam o prisioneiro de qualquer contacto comunicacional com os colegas
do lado. No dizer de Foucault "... he (the prisoner) is seen, but he does
not see; he is the object of information, but never a subject of communication."
(Foucault, 1991: 200). Este sistema produziria nos prisioneiros a sensação
de serem permanentemente vigiados, mesmo quando efectivamente o não
fossem, eliminando toda a possibilidade de terem vida "privada" e deixando-lhes
a obediência como única alternativa. O efeito fundamental
do panóptico seria, assim, "... to induce in the inmate a state
of conscious and permanent visibility that assures the automatic function
of power." (Foucault, 1991: 201) Graças ao panóptico, o poder
seria interiorizado (como auto-poder) e traduzido, pelo indivíduo,
em comportamento "normal". Gradualmente, o preso ir-se-ia tornando preso
de si próprio - o que, convenhamos, seria a situação
ideal para o "sistema"...
No entanto, Bentham não reduz o panóptico a um sistema
penitenciário. Ele poderia, na sua opinião, ter um uso muito
mais vasto, generalizando-se a todos os sectores da sociedade, "... punishing
the incorrigible, guarding the insane, reforming the vicious, confining
the suspected, employing the idle, maintaining the sick, instructing the
willing in any branch of industry, or training the rising race in the path
of education." (Bentham, citado em Lyon, 1994: 65, itálicos nossos).
No sonho (?) de Bentham o panóptico é, no fundo, o mecanismo
que poderá levar à reforma da sociedade global...
Foucault retoma o tema do panóptico, mas atribuindo-lhe um sentido
diferente. Na sua perspectiva, são as Ciências Sociais que
introduzem, na Modernidade, a certeza (controlo de comportamento) pretendida
pelo panóptico de Bentham. Em vez do controlo social através
da punição pública e brutal, a modernidade introduz
formas de controlo social cada vez mais "limpas" e "racionais" - o poder
e o saber reforçam-se mutuamente. Referindo-se, por exemplo, à
psicologia educacional e à entrevista médica ou psicológica,
diz Foucault: "... these techniques merely refer individuals from one disciplinary
authority to another, and they reproduce, in a concentrated or formalized
form, the schema of power-knowledge proper to each discipline." (Foucault,
1991: 226-227). No dizer de Deleuze, "... a fórmula abstracta do
Panoptismo já não é 'ver sem ser visto', mas impor
uma qualquer conduta a uma qualquer multiplicidade humana", multiplicidade
que deve ser pouco numerosa e restringir-se a um espaço limitado.
(Deleuze, 1987: 58; ver também 101). Numa sociedade em que, em vez
da visibilidade da comunidade e da vida pública (própria,
por exemplo, dos Gregos), existem, de um lado, o indivíduo privado,
e, do outro lado, o Estado, o "panóptico" revela-se uma necessidade
essencial para o segundo. Assim, segundo Foucault, o "panóptico"
difundiu-se, a partir da prisão, a todas as instituições
sociais: "Is it surprising that prison resemble factories, schools, barracks,
hospitals, wich all resemble prisons?" (Foucault, 1991: 228). O que para
Bentham era ideal a atingir, transformou-se, segundo Foucault, em realidade
efectiva...
Gilles Deleuze, discordando desta perspectiva de Foucault, propôs
(nomeadamente em dois textos de 1990, incluídos em Pourparlers)
a noção de sociedade de controlo para substituir a noção
Foucaultiana de sociedade disciplinar. O argumento de Deleuze contra Foucault
resume-se ao seguinte: se vivêssemos numa "sociedade de disciplina",
o própro trabalho de Foucault sobre o "panóptico" não
seria possível, porque: ou Foucault faria parte do "panóptico"
e, nesse caso, nem sequer se aperceberia dele; ou Foucault estaria fora
do "panótico" e, nesse caso, não teria conhecimento dele,
pelo que lhe seria impossível qualquer teorização.
(Bragança de Miranda, 1996b).
Segundo Deleuze, as "sociedades disciplinares", de que Foucault é
o grande pensador, têm o seu início nos séculos XVII
e XVIII, atingindo o seu apogeu nos princípios do século
XX . Estas sociedades centram-se na organização de grandes
meios de encerramento (enfermement), pelos quais o indivíduo vai
passando ao longo da sua vida: a família, a escola, o quartel, eventualmente
o hospital ou mesmo a prisão (meio de encerramento por excelência,
e que serve de modelo a Foucault). Mas, desde os finais da 2ª Guerra
Mundial, estamos a entrar nas "sociedades de controlo", sociedades "...
qui foncionnent non plus par l'enfermement, mais par contrôle continu
et communication instantanée" (1990, p. 236, itálico meu).
As "sociedades disciplinares" estão, assim, destinadas a serem substituídas
pelas "sociedades de controlo", tal como, a partir do século XVII,
substituiram as "sociedades de soberania". A cada um destes tipos de sociedades,
determinadas por diferentes estratégias, correspondem diferentes
tipos de máquinas. Às "sociedades de soberania" correspondem
as máquinas simples ou dinâmicas, às "sociedades disciplinares"
correspondem as máquinas energéticas, às "sociedades
de controlo" correspondem as máquinas cibernéticas e os computadores.
No entanto, a mudança das "sociedades de disciplina" para as
"sociedades de controlo" não é, segundo Deleuze, uma simples
mudança tecnológica. Ela é, essencialmente, uma mutação
do capitalismo: um capitalismo que deixa de estar baseado na produção
de bens para se basear na venda de serviços e na compra de acções,
que passa a ser dispersivo em vez de "concentracionário", que substitui
a fábrica pela empresa. Neste tipo de capitalismo exige-se um controlo
de outro tipo: "Le marketing est maintenant l'instrument du contrôle
social, et forme la race impudente de nos maîtres" (Deleuze, 1990a:
245-6, itálico meu). Complementarmente a este processo, as novas
tecnologias dão a possibilidade de, em cada momento, localizar cada
um de nós... (19) A nova situação
é descrita, por Félix Duque, da seguinte maneira: enquanto
o Estado moderno internava o anómalo em prisões, hospícios
e manicómios, agora a reclusão é procurada voluntariamente
por cada um de nós, transformando a sua casa num bunker protector
e isolado, mas ligado simultaneamente a todo o lado através da televisão
e da informática, através de imagens electrónicas
que substituem progressivamente a "realidade externa": "En el colmo de
la paradoja, todos nosostros tendemos a convertirnos en nomadas sedentarios."
(Duque, 1995: 125)
Por isso, para Deleuze (e ao contrário do que pretendem todas
as teorias actuais mais ou menos centradas no "diálogo"), a palavra
e a comunicação não constituem uma forma de resistência.
Tudo parece indicar o contrário: "Peut-être la parole, la
communicatiom, sont-elles pourries. Elles sont entièrement pénétrées
par l'argent: non par accident, mais par nature." (Deleuze, 1990: 238).
Assim, talvez a forma de resistência mais adequada seja a criação
de vácuos de comunicação, de "interruptores", para
escaparmos ao controlo.
Nem a teoria de Foucault nem a de Deleuze, acima apresentadas, se referem,
explicitamente, à problemática da "vigilância" electrónica
e informática. Ora, há autores para quem as modernas tecnologias
de informação e comunicação podem ser (e têm
sido) vistas como uma espécie de "panóptico electrónico"
ou "super-panóptico", omnipresente no local de trabalho, no mercado,
na sociedade global.
Tal é o caso, nomeadamente, de Mark Poster, para quem as bases
de dados (data-bases) constituem um superpanopticon, "... a system of surveillance
without walls, windows, towers or guards (...)." (Poster, 1990: 93) Através
dos mais diversos gestos da vida quotidiana (levantar dinheiro no multibanco,
pagar com cartão de crédito, pagar a portagem na autoestrada,
etc), estamos, de forma voluntária, a utilizar bases de dados e
a ser controlados /vigiados por elas, num imenso sistema de vigilância
que abrange tudo e todos: "...the superpanopticon is a means of controlling
mass in the postmodern, postindustrial mode of information." (Poster, 1990:
97).
Tal é também o caso de David Lyon que, na sua obra The
Electronic Eye, de 1994 (atente-se, desde logo, na sugestão implícita
no título), analisa o conceito de "sociedade de vigilância"
(20), definindo-o deste modo: "Precise details of our
personal lifes are collected, stored, retrieved and processed every day
within huge computer databases belonging to big corporations and government
departments. This is the 'surveillance society'." (Lyon, 1994: 3)
Em relação a este tipo de visões, que tendem a
tornar-se catastrofistas ( numa espécie de prolongamento do "Big
Brother", de George Orwell) há, no entanto, que perguntar quem controla,
afinal, o controlo que se exerce (e quem o exerce?) sobre nós. Tentativas
recentes de controlar a Internet, como as da Administração
Clinton e do Partido Comunista Chinês, mostram que, afinal, (pelo
menos) algo está "fora de controlo" - abrindo possibilidades de
resistência impensadas anteriormente...
Deste modo, a maior parte dos perigos do Ciberespaço poderá
advir do facto de o Estado (ou as grandes Corporações, que
são a outra face do mesmo) tentar aí estender o seu controlo.
Quanto mais as coisas escaparem ao Estado, mais este procurará exercer
a sua vontade de controlo. Assim, a tarefa mais urgente é "...a
luta contra o controlo, contra o imaginário do controlo." (Bragança
de Miranda, 1995: 142)
CONCLUSÃO
Sistematizemos, em alguns pontos fundamentais, o percurso efectuado
ao longo deste trabalho.
As perspectivas de Heidegger e McLuhan, analisadas na I Parte, têm
em comum os seguintes aspectos, que consideramos positivos:
a) Recusam a concepção corrente da Técnica como
um mero conjunto de meios ou instrumentos que se destinam a satisfazer
os fins do Homem;
b) Entendem que a Técnica está profundamente enraizada
no modo de ser do Homem, sendo certo que, se não haveria Técnica
sem Homem, também não haveria, seguramente, Homem sem Técnica;
c) Pressupõem que a cibernética e a "idade da informação"
são o estádio final no processo de evolução
da Técnica.
Heidegger e McLuhan divergem, no entanto, em relação
a alguns aspectos essenciais, de que destacamos os seguintes:
a) A avaliação da Técnica moderna: enquanto Heidegger
vê a Técnica sob o signo do "perigo" e da "catástrofe",
pelo menos potenciais (fazendo-nos pensar, frequentemente, num impossível
regresso à "Idade de Ouro" dos Gregos, à técnica artesanal,
à vida campestre), McLuhan antevê a possibilidade de, com
a tecnologia eléctrica, o homem tomar consciência do conjunto
da Técnica e exercer, finalmente, o seu controlo;
b) Posição sobre a Cibernética e a "idade da informação":
para Heidegger, este está-dio representa o culminar do processo
de dominação e poderio característico da Técnica
moderna (não sendo, portanto, nada de novo e /ou positivo em relação
à tecnologia anterior); para McLuhan, como dissemos atrás,
este estádio representa um dado completamente novo, pelas novas
possibilidades que abre ao Homem (por isso McLuhan fala, frequentemente,
de uma nova "idade").
As visões de Heidegger e McLuhan apresentam, também,
alguns problemas e/ou insuficiências, que podem ser mutuamente compensados.
Referimo-nos, nomeadamente, aos seguintes:
a) A teoria de Heidddeger não nos explica, em última
análise, porque é que surge a Técnica, a que necessidade
corresponde (poduzir? dominar? mas para quê?); essa explicação
é dada por McLuhan, com a sua tese dos media como "extensão"
que visa proteger o nosso sistema nervoso das agressões do meio;
b) McLuhan embarca numa espécie de glorificação
eufórica da Técnica, que hoje em dia muito dificilmente nos
convence; nesse sentido, Heidegger tem a vantagem de nos ter alertado criticamente
para os "perigos" que a Técnica necessariamente comporta.
c) No entanto, a visão crítica de Heidegger, ainda que
importante, não é suficiente, já não se aplica
(ou muito dificilmente se aplica) à Técnica actual, centrada
na informação, na desmaterialização e na rede
(a crítica de Heidegger, feita nos anos 50, dirige-se sobretudo
à grande indústria, às grandes máquinas energéticas);
nesse aspecto, McLuhan tem a vantagem de fazer uma análise das novas
tecnologias emergentes - e o que é espantoso, nele, é vermos
como muitas das suas formulações de 1964 ganham, apenas hoje,
o seu sentido pleno;
d) A crítica de Heidegger dirige-se à Técnica
concebida como conjunto dos objectos técnicos, sem atender à
especificidade de cada um deles - nisto reside uma das falácias
dessa crítica; já a análise de McLuhan é mais
particularizada, centrando-se em cada um dos novos meios (a televisão,
o rádio, o telefone, etc.), e procurando, em cada um dos casos,
ver os seus problemas e possibilidades.
E quanto ao Ciberespaço, cuja teorização analisámos
na II Parte?
De uma forma sumária (simplista, talvez), poderíamos
dizer que se detectam, nos teorizadores que analisámos, duas atitudes
essenciais:
- uma, a dos "optimistas" como Barlow (e os "realistas virtuais"),
Woolley, o próprio Benedikt, que, mais ou menos inspirados em McLuhan,
tendem a glorificar e mesmo a mitologizar euforicamente o Ciberespaço,
vendo nele a promessa de realização de uma Nova Utopia, entendida
como um espaço de liberdade, de igualdade, de diálogo, etc.
- outra, a dos "críticos" como Lyon, Poster, etc. que, mais
ou menos inspirados em Heidegger (ou mesmo em Foucault e em Deleuze), pensam
que o Ciberespaço representa a última (a final? a mais recente?)
tentativa de o capitalismo exercer o controlo sobre cada um de nós.
Que pensar de perspectivas tão divergentes?
Pensamos que, e parafraseando Bragança de Miranda, talvez a
linguagem digital envolva uma vantagem mínima: "...talvez esteja
a libertar a mediação do domínio da representação
e, esta, do império dos "donos da palavra." (Bragança de
Miranda, 1996: 19). Talvez tenhamos, na época presente, e por outros
meios (tecnológicos), a possibilidade ínfima de realizar
o preconizado por Nietzsche há mais de um século: "...agir
de uma maneira intempestiva, quer dizer, contra o tempo, e assim sobre
o tempo, em favor (espero-o) de um tempo que está para vir." (Considerações
Intempestivas, citado em Deleuze, 1981: 43)
1-Diz, a este respeito, Paul Virillio: "Modern man, who killed the Judeo-Christian God, the one of transcendence, invented a god machine, a deus ex machina." (citado em Derian, 1996: 121)
2-No Discurso do Método, diz Descartes: "Com efeito, essas noções (gerais sobre Física, adquiridas até ao momento) mostraram-me que é possível chegar a conhecimentos muito úteis à vida e que em vez dessa filosofia que se ensina nas escolas se pode encontrar uma outra prática que, conhecendo o poder e as acções do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, os poderíamos utilizar de igual modo em tudo aquilo para que servem, tornando-nos assim como que senhores e possuidores da natureza." (Lisboa, Sá da Costa Editora, 1980, p. 49).
3-A este propósito, diz Bragança de Miranda: "O carácter problemático da experiênciua moderna está em ter de derrubar os fundamentos em que assentava a autoridade da tradição, como condição de liberdade e de autonomia, mas também sem poder escolher outro caminho, pois cada novo caminho decai em 'tradição'." (Bragança de Miranda, 1994: 35).
4- Sobre o niilismo, diz Deleuze: "A ideia de Nietzsche é que a morte de Deus é um grande acontecimento barulhento, mas não suficiente. Porque o "niilismo"continua, a custo muda de forma. O niilismo significava até há pouco: depreciação, negação da vida em nome dos valores superiores. E agora: negação dos valores superiores, substituição dos valores humanos - demasiados humanos (a moral substitui a religião; a utilidade, o progresso, a própria história substituem os valores divinos)." (Deleuze, 1981, p. 26)
5- No texto "O Narrador", referindo-se à crise da experiência, diz Walter Benjamin: "Com a guerra mundial começou a manifestar-se um processo que, desde então, nunca mais parou. (...) Uma geração que ainda fora à escola em ónibus puxado a cavalos, viu-se indefesa, numa paisagem em que tudo se alterara excepto as nuvens. Sob elas, perdido num cenário dominado por forças destruidoras e explosões, o minúsculo e frágil corpo humano." (Benjamin, 1992: 28)
6-Na entrevista à Der Spiegel, publicada depois da sua morte, em 1976, nem esta possibilidade já é entrevista por Heidegger, que responde com o famoso "E agora, já só um Deus nos poderá salvar"...
7-Esta concepção de McLuhan parece ter sido influenciada pelo trabalho do filósofo católico Teillard de Chardin, para quem o uso da electricidade representava a extensão do sistema nervoso central do homem (Wolf, 1996: 125).
8-Este excerto, que é, seguramente, um dos mais citados de McLuhan, diz o seguinte: " After three thousand years of explosion, by means of fragmentary and mechanical technologies, the Western World is imploding. Today, after more than a century of electric technology, we have extended our central nervous system itself in a global embrace, abolishing both space and time as far as our planet is concerned. Rapidly, we approach the final phase of the extensions of man - the technological simulation of consciousness, when the creative process of knowing will be collectively and corporately extended to the whole of human society, much as we have already extended our senses and our nerves by the various media" (UM: 3/4 )
9-A propósito desta citação, Kerckhove afirma que McLuhan terá antevisto a possibilidade da Realidade Virtual, muito antes de esta ideia ter sido considerada. Ainda segundo o mesmo Autor, McLuhan vê que o objectivo da computorização é transformar o hardware en software, passando do reino do poder físico para o do poder do pensamento. Com efeito, o objectivo da Realidade Virtual "...is to command external psychological stimulations by thought alone." (Kerckhove, 1995:40)
10-É instrutiva, a este respeito, a Declaration of Independence of Cyberspace, de Barlow, disponível na Internet.
11-Paul Virillio, por exemplo, fala de um primado do tempo real (enquanto instantaneidade ou ime-diatez, propiciada pela "barreira da luz") sobre o espaço. (Virillio, 1995, Internet). Esse tempo, e a interactividade que ele pemite, está a reduzir o mundo a quase nada; vivemos na era da "poluiçao da velocidade" (Virillio, in Derian, 1996:121). Também Félix Duque glosa o mesmo tema, por outras palavras. Segundo este Autor, os meios de comunicação convertem o espaço em tempo, enquanto que as telecomunicações convertem o tempo em instante. A velocidade vertiginosa da luz substitui a espaciosidade da terra, anula as distinções entre lugares e povos; a palavra de ordem é realidade virtual, porque a realiadde actual não nos satisfaz e a tememos, porque a sua desconformidade com os nossos desejos cresce ao mesmo ritmo que a rede informática... (Duque, 1995: 125)
12-Vejam-se, a título de exemplos, as seguintes definições recolhidas na Internet: "Cyberspace consists of the world of information and communication that is mediated by computer" (Ralph Schroeder); "Technology is the foundation of cyberspace. But, it is not only a network of computers - it is also a network of people" (Hakon W. Lie); "(...) cyberspace (...) deals, mostly, with speed, acess and manipulation of information" (Ana Cicognani).
13-Benedikt baseia-se, aqui, na distinção feita por Karl Popper em Objective Knowledge: An Evolutionary Approach, de 1972. Nesta obra, Popper concebe o Mundo como consistindo em três Mundos interligados: o Mundo 1, "mundo objectivo das coisas materiais e naturais e das suas propriedades físicas" (energia, peso, movimento, repouso); o Mundo 2, " mundo subjectivo da consciência" (intenções, cálculos, sentimentos, ideias, sonhos, recordações, etc. nas mentes individuais); o Mundo 3, "o mundo do objectivo, do real e das estruturas públicas que são os produtos, não necessariamente intencionais, das mentes das criaturas que interactuam entre si e com o Mundo 1, ou natural." (Popper, cit. em CFS: 11). Segundo Popper, muitas destas estruturas do Mundo 3 são abstractas, relativas a informação (por exemplo as formas de organização social, ou os padrões de comunicação). Essas estruturas abstractas sempre foram tão ou mais importantes que as estruturas físicas do Mundo 3, que as "suportam": por exemplo a linguagem, a matemática, o direito, a religião, a filosofia, as artes, as ciências e as instituições de toda a espécie - contrapostas às estruturas físicas como templos, catedrais, mercados, bibliotecas, teatros ou anfiteatros, rolos de película, cassetes de vídeo, cds, jornais, etc.. Estas estruturas abstractas têm uma certa autonomia, estão também sujeitas à crítica e à evolução...E mais: segundo Benedikt, estas estruturas interagem com os acontecimentos dos Mundos 1 e 2 e guiam os seu desenvolvimento (CFS: 11/12).
14-Multi-User Dungeons: jogos de ambiente medieval, com fadas, princesas encantadas, príncipes, dragões, etc. (CFS: 13, Nota do Tradutor).
15-De acordo com Benedikt, a tecnologia da Realidade
Virtual foi concebida pelo escritor e divulgador de ficção
científica Hugo Gernsback a partir de 1963, e explorada experimentalmente
por Sutherland, a partir de 1968, e "está no limite do prático
e no limite actual do esforço para criar um meio de comunicação
ou comunhão que, fenomenologicamente falando abarque mais, mas que
seja totalmente invisível." (CFS: 17/18).
Normalmente, distingue-se Realidade Virtual de Ciberespaço Essa
distinção está implícita nas seguin-tes definições
de RV: "VR is a tecnology by means of which users can experience and interact
with computer-generated environments." (Ralph Schroeder); "Virtual reality
is the product of an interactive technoloy that envelops its users in a
three-dimenensional world generated by a computer. Immersed within this
environment, the user is able to see, hear and touch the virtual objects
that comprise that world" (Robert D. Romanyshyn). Comum a estas definições
é a ideia de que a RV implica uma interacção sensorial
(ver, ouvir, tocar) do sujeito com ambientes criados dentro do computador
- o que pressupõe, obviamente, o Ciberespaço como uma espécie
de "terreno de jogo", em que se joga a acção virtual.
Há, por outro lado, Autores que identificam o Ciberespaço
com a RV, como é o caso de Kerckhove (que também chama à
RV "artificial imagination" ou "artificial consciousness"): "AI (artificial
intelligence) is really AC (artificial counciousness) minus the interplay
of the senses. It is only by adding the sensory interplay that we can reconstitue
outside our body the kind of interiority that is characterisc of human
counciousness" (Kerckhove: 1995, 37; ver também Capítulo
sobre "Cyberspace", pp. 37-49).
Outros ainda, como Woolley, fazem o percurso inverso, identificando
o virtual com o informático (ciberspacial): "A computer is a 'virtual'
machine - a virtual Turing machine, to be precise. It is an abstract entity
or process that has found physical expression, that has been 'realized'.
It is a simulation, only not necessarily a simulation of anything actual"
e "'Virtual, then, is a mode of simulated existence resulting from computation.
Computers are virtual, not actual, entities." ((Woolley, 1992: 68/69).
Inclinamo-nos, quanto a nós, para a primeira das posições
acima expostas - que nos parece também corresponder à posição
de Benedikt..
16-A propósito do tema da habitação,
Félix Duque faz notar o seguinte: em nenhum dos mitos cosmogónicos
e antropogónicos fundadores da nossa cultura se encontra a ideia
de que a habitação e a cidade sejam uma dádiva dos
deuses. A primeira distinção de espaços é basicamente
de ordem religiosa (veja-se por exemplo o mito judaico-cristão do
Éden, que distingue entre o Éden, o oásis protector,
e o perigo do deserto exterior).
Com a cidade, que marca a passagem do nómada ao sedentário
(passagem que, na mitologia judaico-cristã, decorre do assassinato
de Abel por Caim, e da recusa deste em obedecer à proibição
divina de "deitar raízes", isto é, ser sedentário),
o homem estabelece uma nova distinção de espaços,
desta vez técnica e profana Rodeada pelas muralhas, a cidade estabelece
uma dupla distinção: horizontalmente, entre o campo e a cidade;
verticalmente, o tecto distingue a terra de um céu que deixou de
ser protector. Assim, a cidade surge fundada, simultaneamente, contra a
terra e contra o céu.
As origens semânticas da palavra "espaço", nos povos germânicos,
confirmam, segundo Duque, esta distinção urbano/rural. Com
efeito, raum (alemão) e room (inglês) procedem de ruma ("vasto",
"espaçoso": em alemão, geraumig); a mesma raiz se encontra
no latim rus (o "campo", o "rural"), de que provém também
o verbo aro (em grego aróo), que significa "arar". (Duque, 1995:74/77).
17-Com efeito, diz Descartes nos Princípios da Filosofia: "A natureza da matéria, ou do corpo tomado em geral, não consiste em ser uma coisa dura, ou pesada, ou colorida, ou que toca os nossos sentidos de qualquer outra forma, mas apenas em ser uma substância extensa em comprimento, largura e profundidade." (citado em Michelle Beyssade, Descartes (s/d), Lisboa, Edições 70, p. 111).
18-Este é um dos problemas fundamentais que circulam na Internet, sobre o Ciberespaço. Ver, a propósito, Ana Cicognani, 1996, que lavanta as seguintes questões: o ciberespaço é um espaço físico? é mental? é social? é uma quarta forma de espaço? é uma metáfora do espaço ou um espaço para as metáforas? é parte do mundo ou é um outro mundo?
19-Sobre a temática das "sociedades de controlo", ver também Bragança de Miranda, 1995: 148, nota 40. Sobre a passagem de um a outro tipo de sociedades, Mirzoeff opina que é o Fordismo que, com a "liberdade" e a "autonomia" "dadas" ao trabalhador, marca a passagem das "sociedades disciplinares" às "sociedades de controlo". (Mirzoeff: 10)
20-Segundo David Lyon, a expressão "surveillance society" foi usada pela primeira vez em 1985 por Gary T. Marx, para se referir a alguns dos fenómenos característicos da "sociedade da informação". (Lyon: 226, nota do capítulo).
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