Peirce e o signo como abdução

Paulo Serra, Universidade da Beira Interior


 


I. RAZÕES DE UM PERCURSO

"As definições de 'signo' que circulam nos manuais de semiótica corrente são diversas mas não contraditórias e são muitas vezes complementares. Para Peirce, o signo era "algo que está para alguém por algo sob algum aspecto ou capacidade." (1897, trad. it. p. 132); definição que retraduz de modo mais articulado o clássico aliquid stat pro aliquo."

Umberto Eco, "O Signo", in Enciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa:
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 11-51.
 
 

Vivemos no século da comunicação.
Para alguns, como McLuhan, o nosso mundo constituiria já uma autêntica "aldeia global", habitada por uma "tribo planetária" - possibilitadas, uma e outra, pelas novas tecnologias de informação e comunicação da "galáxia Marconi"...
Para outros, a sobrecarga de "informação" e "comunicação" não se traduz, necessa-riamente, em maior aproximação e solidariedade entre os homens, conduzindo antes a novas formas de individualismo e etnocentrismo.
Seja como for, vivemos seguramente no século das Ciências da Comunicação.
Viver no século das Ciências da Comunicação significa que a comunicação, para além de um facto (que ninguém pode negar), se tornou para nós um problema (que não pode-mos iludir). Centradas nesse problema, surgem disciplinas científicas como a Sociologia da Comunicação, a Psicologia da Comunicação, a História da Comunicação, etc. Cada uma dessas disciplinas delimita, no entanto, um aspecto de um objecto que dá como constituído.
Determinar os princípios formais subjacentes à totalidade do que se entende por "comunicação", é a tarefa de uma disciplina específica - a Semiótica da Comunicação. Ela deverá assegurar, em relação à Comunicação, o papel que Aristóteles e Kant atribuíam à Lógica: a de "organon" ou intrumento que possibilita a sistematização do conhecimento 1.
"Comunicar" significa, etimologicamente, "pôr em comum". No processo de comuni-cação, que simplificadamente podemos entender como a troca de uma mensagem entre um Emissor e um Receptor, os Signos desempenham um papel fundamental. Sem Signos, não há mensagem, nada podemos pôr em comum. Os Signos são tão importantes que se pode (e costuma) definir, de forma essencial, a Semiótica como a "ciência dos signos". A Semiótica da Comunicação poderia, desta forma, ser definida como "Ciência dos signos da (utilizados na) Comunicação"...

Um dos principais estudiosos contemporâneos dos Signos (e um dos fundadores da moderna ciência semiótica) foi Charles Sanders Peirce (1830-1914). Considerado por alguns como sendo, porventura, o maior filósofo norte-americano 2, Peirce teve uma vida afectiva, profissional e académica bastante conturbada e infeliz 3.
Em matéria de obras científico-filosófiicas, a única publicada em vida, por Peirce, foi Photometric Researches, de 1879, resultado do seu trabalho nos domínios da geodesia e da astronomia . Deixou um segundo livro terminado, The Grand Logic, e publicou vários artigos, sobretudo nas revistas Popular Science Monthly (1877-1878) e The Monist (1891-1893). No entanto, a maior parte dos seus trabalhos inéditos, reunidos nos Collected Papers (em 9 volumes), só foi publicada entre 1931 e 1958.
Daqui resulta que muitas das teorias mais interessantes de Peirce, nomeadamente no âmbito da Semiótica ou Lógica (disciplinas que Peirce identificava), fossem mal conhecidas, ou mesmo desconhecidas, até há relativamente pouco tempo. À medida que essas teorias forma sendo "descobertas" e estudadas (por exemplo por autores como Eco), Peirce foi ganhando uma importância crescente no campo da Semiótica, da Lógica e da Filosofia em geral.

Tomando como mote a citação de Eco, este trabalho procura, fundamentalmente, esclarecer e relacionar duas dessas teorias de Peirce: a do Signo e a da Abdução. Assim, faremos um percurso que implicará três momentos, correspondendo, cada um deles, à procura de resposta às questões que se indicam:
1º. A Semiótica: o que é a Semiótica? como surgiu? qual a importância de Peirce nes-se surgimento? qual a concepção Peirceana de Semiótica?
2º. O pragmatismo e a abdução: em que consiste o pragmatismo de Peirce? o que trouxe Peirce de novo com a sua teoria da abdução?
3º. O Signo: como se construiu historicamente a noção de Signo? como se liga Peirce a essa história? qual a concepção Peirceana de Signo? como classifica Peirce os Signos? qual a relação entre Signo e abdução?
 

II. A DUPLA ORIGEM DA SEMIÓTICA

A Semiótica é uma ciência recente.
Embora o projecto de construir uma "ciência dos signos" existisse desde os princípios do século XX, em Saussure e Peirce, pode dizer-se que o aparecimento efectivo dessa ciência se verifica apenas nos meados do século XX. No entanto, o estudo dos signos remonta às próprias origens do pensamento filosófico 4.
Assim, Todorov, que considera Stº Agostinho o primeiro dos semióticos, situa as origens da Semiótica ocidental nas "tradições particulares" da semântica, da lógica, da retórica e da hermenêutica antigas, sendo o Crátilo de Platão, que viveu nos séculos V/IV AC, o melhor testemunho dessa antiguidade da Semiótica. A consideração de Stº Agostinho como primeiro semiótico explica-se pelo facto de, segundo Todorov, ter sido aquele Padre da Igreja o primeiro a satisfazer os dois requisitos fundamentais implicados na noção de semiótica: ter como objectivo o conhecimento, a teoria; ter como objecto de estudo signos de espécies diferentes, e não exclusivamente os linguísticos 5.
Esta inspiração filosófica dos estudos sobre os signos está bem patente na definição que, já no século XVIII, John Locke, ao propor o neologismo Semiótica (do grego semeion, "signo" ou "sinal"), para substituir a palavra Lógica, dá da "nova" ciência: "O terceiro ramo (da ciência, sendo os outros dois a Física e a "Prática" ou Ética) pode ser designado de semiótica, ou a doutrina dos signos; e sendo as palavras os mais vulgares, é também adequado designá-lo por lógica: o seu objectivo é considerar a natureza dos signos que a mente utiliza para a compreensão das coisas, ou para transmitir o conhecimento a outrém" 6.
No entanto, a Semiótica do século XX vai demarcar-se claramente dos estudos filosóficos dos signos em dois aspectos fundamentais:
1. Na definição do estatuto epistemológico dos estudos semióticos, do lugar destes no contexto mais geral dos estudos científicos. Esta preocupação é visível quer em Saussure (que enquadra a Semiologia, enquanto teoria geral dos signos, na Psicologia Social e esta, por sua vez, na Psicologia Geral, considerando, por outro lado, a Linguística como parte da Semiologia), quer em Peirce (para quem a Semiótica, enquanto ciência dos signos, é uma ciência geral, uma espécie de "matemática universal" que engloba todas as outras ciências);
2. Na sistematização da semiótica, com a sua consequente subdivisão em disciplinas (nomeadamente, e a partir de Charles Morris, em Sintaxe, Semântica e Pragmática) e a sua compendiação escolar (traduzida no aparecimento crescente de manuais de semiótica, obras de introdução, dicionários, etc.) 7.

A moderna "ciência dos signos" tem origem em duas diferentes tradições, que podemos sintetizar em dois nomes: Semiologia (correspondente à tradição europeia, iniciada por Saussure) e Semiótica (correspondente à tradição anglo-saxónica, iniciada por Peirce). Tendo o mesmo o radical (semeion, que se pode traduzir por "signo" ou "sinal"), as duas palavras traduzem, no entanto, duas maneiras diferentes de entender a "ciência dos signos" 8.
A Semiologia aparece definida por Saussure, no Curso de Linguística Geral (editado pela primeira vez em 1915), da seguinte forma: "Pode portanto conceber-se uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral; nós chamá-la-emos semiologia (do grego semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os regem. (...) A linguística não é senão uma parte desta ciência geral (...)." 9.
Quanto à Semiótica ela é definida, por Peirce, num fragmento de 1897, nos seguintes termos: "Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos" 10.
Diferentes autores têm sublinhado várias distinções entre estas duas tradições (e concepções) da "ciência dos signos". Para Eduardo Prado Coelho 11, as distinções centram-se nos seguintes aspectos: a) Ponto de partida: Saussure - acto sémico como facto social que relaciona dois indivíduos (emissor-receptor); Peirce- ideia de semiose, que exige apenas o intérprete; b) Delimitação: Saussure - a Semiologia como parte da Psicologia Social (o domínio exterior a este limite escapa à Semiologia); Peirce - tudo é semiotizável (Semiótica ilimitada); c) Concepções de Signo: Saussure - relação significado/significante; Peirce - o signo como "processo de mediação" que abre para a "infinitude", um significante remetendo sempre para outro significante, numa cadeia interminável. Na opinião de Jeanne Martinet 12, a distinção fundamental reside nas diferentes concepções de signo. Já Adriano Duarte Rodrigues 13 destaca que, enquanto a reflexão de Saussure se centra na linguagem verbal, a de Peirce centra-se nos quadros lógicos do conhecimento científico. Jurgen Trabant 14 acentua, por seu lado, que a diferença fundamental entre Semiologia e Semiótica assenta nas diferentes tradições de que são originárias, a linguística e a filosófica: a tradição linguística, dando atenção especial aos signos linguísticos, tende a ver a Semiologia como uma extensão analógica da Linguística (que funciona como modelo) a outros domínios da cultura que não a língua; a tradição filosófica, dando atenção aos signos em geral, e preocupando-se sobretudo com o papel da linguagem no conhecimento, tende a encarar a Semiótica como parte de uma Teoria do Conhecimento. Bem ilustrativa da tradição linguística é a posição de Roland Barthes que, ressaltando o carácter de sistema modelizante primário da língua, propõe, mesmo, nos Elementos de Semiologia, de 1964, inverter a relação entre Semiologia e Linguística, avançada por Saussure: "Em suma é necessário admitir a partir de agora a possibilidade de inverter um dia a proposição de Saussure: a linguística não é uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a semiologia que é uma parte da linguística (...)" 15. Note-se que esta ideia de Bartthes já está, de certa maneira, presente no próprio Saussure, quando este afirma que "a língua, o mais complexo e difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos; neste sentido a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua não seja senão um sistema particular" 16.
Apesar destas diferenças, as duas tradições vão confluir na formação de uma mesma "ciência dos signos". Deste modo, Pierre Guiraud reconhecia, nos finais da década de 70, que: "... as palavras semiologia e semiótica recobrem hoje a mesma disciplina, sendo o primeiro termo utilizado pelos europeus e o segundo pelos anglo-saxões" 17. A essa disciplina dá-se hoje, habitualmente, o nome de Semiótica - o que denota, desde logo, a absorção da semiologia linguística pela semiótica filosófica 18.
 

III. PEIRCE E A SEMIÓTICA

Refere Abbagnano que, no que respeita à Semiótica, Peirce "retomou a teoria estóica do significado, em termos que lhe deram direito de cidadania na lógica moderna." Ainda segundo o mesmo autor, as concepções semióticas de Peirce "demonstraram ser fecundas na lógica e na semiótica contemporâneas, do mesmo modo que se tornaram fecundas as múltiplas distinções e classificações de signos que ele forneceu nos seus escritos." 19
Para Peirce, Lógica e Semiótica identificam-se: "Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos". A Semiótica é "quase-necessária" ou "formal" no sentido em que, segundo Peirce, procede por "observação abstractiva", partindo dos signos particulares (do que os signos "são"), para as afirmações gerais (o que os signos "devem ser") 20.
A importância que Peirce atribui à Semiótica (Lógica) está bem patente no seguinte fragmento de uma carta sua a Lady Welby: "Desde o dia em que, com doze ou treze anos, apanhei no quarto do meu irmão um exemplar da Lógica de Whately nunca mais fui capaz de estudar o que quer que fosse - matemática, moral, metafísica, gravitação, termodinâmica, fonética, economia, história das ciências, homens e mulheres, vinho, metrologia - senão como estudo de semiótica" 21. A Semiótica aparece, assim, concebida como uma espécie de "matemática universal" que, à maneira leibniziana, abarca todas as restantes ciências 22.
Como o Signo envolve a relação com três coisas (com o próprio signo ou representamen, o objecto e o interpretante), a Semiótica tem três ramos:
1. Gramática Pura (segundo Peirce, Duns Escoto chamava-lhe grammatica speculativa) - "a sua tarefa é determinar o que deve ser verdadeiro quanto ao representamen utilizado por toda a inteligência científica a fim de que possa incorporar um significado qualquer". Segundo Sebeok, é a teoria geral da relação de representação e dos vários tipos de signos.
2. Lógica Pura (ou Crítica) - "ciência do que é quase necessariamente verdadeiro em relação aos representamen de toda a inteligência científica a fim de que possam aplicar-se a qualquer objecto, isto é, a fim de que possam ser verdadeiros. (...) ciência formal da verdade das representações.". Segundo Sebeok, compreende a teoria unificada da dedução, da indução e da retrodução (inferência hipotética ou abdução).
3. Retórica Pura (ou Especulativa) - "o seu objectivo é o de determinar as leis pelas quais, em toda a inteligência científica, um signo dá origem a outro signo e, especialmente, um signo acarreta outro.". Segundo Sebeok, refere-se à eficácia da semiose 23.
Esta tripartição da Semiótica viria a ser retomada por Charles Morris em 1938, nas suas "Foundations of the Theory of Signs". Morris substitui as designações de Peirce pelas de Sintaxe (que trata da relação formal dos signos uns com os outros), Semântica (que trata da relação entre os signos e os objectos a que se aplicam) e Pragmática (que trata da relação entre os signos e os intérpretes). Como sabemos, Sintaxe, Semântica e Pragmática constiuem, hoje em dia, os três grandes domínios da Semiótica 24.
Peirce distingue, ainda, entre Semiótica geral e "ciências psíquicas" (a que, mais propriamente, poderíamos chamar "ciências semióticas"), em que inclui as ciências psicológicas e sociais, a linguística, a história, a estética, etc. 25.
 

IV. PRAGMATISMO E ABDUÇÃO

1. A MÁXIMA PRAGMATISTA

Charles Sanders Peirce consta, nas Histórias da Filosofia, como um dos fundadores do pragmatismo.
O pragmatismo é, segundo Abbagnano, "a forma que foi assumida, na filosofia contemporânea, pela tradição clássica do empirismo inglês", na sequência de Locke, Hume e Stuart Mill. Ainda segundo o mesmo autor, o pragmatismo constitui "o primeiro contributo original dos Estados Unidos da América para a filosofia ocidental". Assentando ambos na noção de "experiência", empirismo clássico e pragmatismo diferem, no entanto, em relação à maneira como entendem essa noção. Assim, enquanto o empirismo clássico entende "experiência" como experiência passada (e, como tal, constituindo um "património limitado que pode ser inventariado e sistematizado de forma total e definitiva"), o pragmatismo entende a experiência como abertura para o futuro, "posibilidade de fundamentar a previsão": uma verdade é-o não em confronto com uma experiência passada, mas em relação com o seu possível uso futuro. A previsão desse possível uso futuro (limites, condições, efeitos) é o significado dessa verdade. Nesse sentido, segundo Abbagnano, a tese fundamental do pragmatismo é "a de toda a verdade é uma regra de acção, uma norma para a conduta futura, entendendo-se por "acção" e por "conduta futura" toda a espécie ou forma de actividade, quer seja cognoscitiva quer seja emotiva.".
O pragmatismo vai assumir duas formas fundamentais: a metafísica (incluindo, entre outros, William James), que procura constituir-se como uma teoria da verdade e da realidade; e a metodológica (fundada por Peirce e incluindo também Mead e Dewey). Para distinguir esta segunda forma da primeira, Peirce propõe mesmo um novo termo, "pragmaticismo", que no entanto acabou por não vingar. 26
É dentro deste quadro geral que devem ser entendidas as afirmações de Peirce no artigo "Como tornar as nossas ideias claras", de 1878. Neste artigo o pragmatismo aparece concebido como um método lógico de clarificação de ideias, pondo em causa o método cartesiano baseado na clareza e na distinção. A crítica central de Peirce ao método cartesiano reside na tese de que não é possível distinguir entre uma ideia que apenas parece clara e distinta e outra que o é efectivamente. Contestando a teoria inatista de Descartes (retomada, posteriormente, por Leibniz), Peirce observa que "...o mecanismo da mente só pode transformar conhecimento, mas nunca originá-lo, a menos que alimentado com factos de observação" 27. Como podemos, então, estar seguros da clareza de uma ideia? Para responder a esta questão, Peirce avança a sua concepção do pensamento como "engenharia". O pensamento é comparado, por Peirce, à "linha de uma melodia através da sucessão das nossas sensações" 28: enquanto os sons são o imediatamente percebido, o pensamento é uma sucessão ordenada de ideias, mediada por essas sensações e orientada para uma certa função. Essa função é a produção de uma crença. A crença tem três propriedades, segundo Peirce: é algo de que nos damos conta; sossega a irritação do pensamento (provocada pela dúvida); implica a determinação, na nossa natureza, de uma regra de acção ou hábito (por "hábito" deve entender-se, aqui, o conjunto de acções, tanto reais como possíveis, que se baseiam numa crença). No entanto, a acção com base numa determinada crença produz uma nova dúvida, e esta novo pensamento; assim, a crença, sendo lugar de paragem, é também lugar de recomeço para o pensamento. Sendo a essência da crença a produção de um hábito, as diferentes crenças distinguem-se pelos diferentes modos de acção a que dão origem. Parafraseando um exemplo de Fidalgo, se eu acreditar que um objecto é um garfo, então servir-me-ei dele para levar à boca alimentos sólidos; mas, se for chinês, por exemplo, e acreditar que se trata de um anchinho, utilizá-lo-ei para tratar das flores.
Portanto, e ao contrário do que pretendia Descartes, a "clareza das ideias" não resulta das ideias inatas, mas da aplicação de uma máxima pragmatista, que Peirce formula da seguinte maneira: "Considera quais os efeitos, que podem ter certos aspectos práticos, que concebemos que o objecto da nossa concepção tem. A nossa concepção dos seus efeitos constitui a nossa concepção do objecto." O que significa que a nossa ideia (significado) de um objecto é a ideia dos efeitos sensíveis que concebemos que esse objecto tem 29.
 

2. A LÓGICA DA ABDUÇÃO

As sete conferências que Peirce fez em Harvard, em 1903, a convite de William Ja-mes, procuram dar uma resposta lógica (e não psicológica) ao problema da máxima pragmatista, formulado nos seguintes termos: "Qual é a prova de que os efeitos práticos de um conceito constituem a soma total do conceito?". A resposta a este problema leva Peirce a afirmar que a questão do pragmatismo não é mais que a questão da abdução30. Para "afiar" a máxima pragmatista, Peirce propõe as seguintes proposições "cotárias" (do latim cotis, afiar):
1. "Nada está no intelecto que primeiro não tenha estado nos sentidos": este princípio aritotélico significa, para Peirce, que nenhuma ideia, seja de que tipo for, se encontra na mente sem ter passado primeiro por um juízo perceptivo, ou seja, o juízo perceptivo é a fonte do conhecimento. No entanto, esta concepção coloca o seguinte problema: sendo os juízos perceptivos juízos particulares, como se passa deles para os conceitos e juízos universais? Este problema leva Peirce à segunda proposição cotária.
2. Os juízos perceptivos contêm elementos gerais: embora os juízos perceptivos sejam singulares, a nível do sujeito ("Esta mesa é...) eles não deixam de envolver a generalidade, a nível do predicado (....verde" ), possibilitando, assim, a dedução de proposições gerais. Como se faz a introdução da generalidade nos juízos perceptivos? Pelo tipo de raciocínio a que Peirce chama abdução.
A Lógica e a Teoria do Conhecimento tradicionais distinguem dois tipos de raciocínio: a dedução (prova que algo deve ser, é uma inferência necessária que extrai uma conclusão contida em certas premissas, cuja verdade deixa, no entanto, em aberto) e a indução (prova que algo realmente é, é uma inferência experimental que não consiste em descobrir, mas em confirmar uma teoria através da experimentação - e que, portanto, não cria algo de novo). A criação quer das premissas (fundamentoras da dedução) quer das teorias (fundamentoras da indução), é, deste modo, exterior aos dois tipos tradicionais de raciocínio, e reside na abdução. A abdução, que prova que algo pode ser, é uma inferência hipotética, é o verdadeiro método para a criação de novas hipóteses explicativas. O modelo da inferência abdutiva pode ser traduzido da forma seguinte: "Um facto surpreendente, C, é observado. Mas, se A fosse verdadeiro, C seria natural. Donde há razão para suspeitar que A é verdadeiro"31.
Mas como entra, através da abdução, a generalidade nos juízos perceptivos? Esta questão conduz-nos à terceira proposição cotária.
3. A inferência abdutiva transforma-se no juízo perceptivo sem que haja uma linha clara de demarcação entre eles: os juízos perceptivos são casos extremos de inferências abdutivas. A percepção tem sempre, segundo Peirce, um fundo abdutivo e interpretativo, não se limita a ser um mero "dado". Seja o seguinte exemplo de juízo perceptivo, feito num lindo dia de sol: "Está a cair água do telhado". A partir deste juízo perceptivo, várias inferências abdutivas são possíveis, por exemplo: "Alguém está a deitar água no telhado" ou "A neve acumulada no telhado está a derreter". Enquanto a inferência abdutiva admite sempre a possibilidade de ser negada (para afirmarmos uma outra), no caso dos juízos perceptivos não nos é possível conceber a sua negação ("prova da inconceptibilidade").
Como distinguir, de entre a infinidade de hipóteses explicativas de um fenómeno teoricamente possíveis, as que são admissíveis e as que não o são? A resposta a esta pergunta reside na máxima pragmatista - é ela que nos fornece o critério de admissibilidade das hipóteses explicativas. É neste sentido que, segundo Peirce, a questão do pragmatismo é a questão da abdução. Só são admissíveis as hipóteses das quais podemos conceber determinados efeitos práticos sensíveis, que vão guiar a conduta de quem as formulou. Assim entendida, a máxima pragamatista pode formular-se do seguinte modo: "uma concepção não pode ter efeito lógico algum, ou importância a diferir do efeito de uma segunda concepção, salvo na medida em que, tomada em conexão com outras concepções e intenções, poderia concebivelmente modificar a nossa conduta prática de um modo diverso do da segunda concepção" 32.
 
 

V. OS SIGNOS E A SUA CLASSIFICAÇÃO

1. HISTÓRIA BREVE DE UM CONCEITO

Sendo a Semiótica a "doutrina ou ciência dos signos", a noção central desta disciplina é, obviamente, a noção de Signo.
Apesar de, segundo Morris, ser muito possível "que os signos nunca tivessem sido estudados tão intensamente, por tantas pessoas e de tantos pontos de vista, como nos nossos dias", interessando a linguistas, filósofos, biólogos, antropólogos, psicopatologistas, estetas e sociólogos 33, não é fácil encontrar uma definição de signo que toda a gente aceite. Dessa precisa dificuldade dão conta os dicionários correntes. A título de exemplo, Eco, em O Signo, refere a existência de 20 acepções diferentes da palavra, em três Dicionários da Língua Italiana consultados 34.
Correspondendo ao grego semeion (que também se pode traduzir por "sinal"), e ao latino signum ( que também significa "marca", "entalhe"), a definição clássica de signo dá-o como aliquid stat pro aliquo (uma coisa que está por outra coisa). Esta definição do signo pressupõe dois planos, que Trabant exemplifica assim: coisa 1 - coisa 2, fumo - fogo, tabuleta do artesão - artesão, palavras - coisas e conceitos. No entanto, este esquema, que funciona perfeitamente no que se refere às linguagens ditas artificais, da lógica e da matemática (em que há uma correspondência perfeita entre a coisa que significa e a coisa significada), torna-se complicado nas linguagens naturais, levantando uma série de problemas, de que Trabant destaca os dois seguintes: a relação ou conexão entre a coisa 1 e a coisa 2 é arbitrária, convencional, imotivada ou necessária, natural, motivada? a relação entre o signo e a coisa a que o signo se refere é directa ou é feita através de um conceito? 35 A estes problemas acrescenta Eco os seguintes: qual a unidade sígnica mínima? como classificar os signos? qual a relação entre signo e inferência (lógica)? 36
Não pretendendo fazer aqui uma história do conceito de signo 37, referiremos, no entanto, que semeion aparece como termo técnico-filosófico no século V AC, com Parménides e Hipócrates, sendo muitas vezes tomado como sinónimo de tekmerion, que se pode traduzir por "prova", "indício" ou "sintoma" (a distinção clara entre os dois termos só surge na Retórica de Aristóteles).
Mas Hipócrates, enquanto médico, não está interessado no signo linguísitico, o ter-mo semeion não se aplica às palavras ou onoma. Parménides, por seu lado, distingue entre onomaxein, como nome arbitrário, tomado por verdadeiro, quando não corresponde à verdade (o nome é uma etiqueta falaciosa, ocultadora) e semeion, como prova evidente, princípio de inferência que conduz à via do Ser.
Platão e Aristóteles vão distinguir, no que se refere às palavras, entre significado e significante, e sobretudo entre significação e referência. No entanto, Aristóteles não usa, habitualmente, a palavra semeion para se referir às palavras (a que se refere normalmente como symbolon). Os signos (semeia), referidos na Retórica, são uma das fontes dos entimemas ( a outra são os eikota ou verosímeis). Os signos são distinguidos em duas categorias: o tekmerion, no sentido de "prova", que poderíamos traduzir por "signo necessário" ou "forte" ("se tem febre, então está doente"), governado pela relação de implicação e indo do universal para o particular; e o "signo fraco" ("se tem a respiração alterada, então tem febre"), a que Aristóteles não dá um nome particular, governado pela relação de conjunção e indo do particular para o particular.
Os Estóicos, apesar da articulação da sua semiótica, ainda não vão unificar, de forma clara, a doutrina da linguagem verbal e a doutrina dos signos. No que se refere à linguagem verbal, os Estóicos distinguiam entre "expressão" ( semainon), "conteúdo" (semainomenon) e "referente" (tynchanon). Apesar de parecem reproduzir a tríade já sugerida em Platão e Aristóteles, na opinião de Eco trabalham-na de forma mais elaborada do que muitos dos seus imitadores subsequentes, mesmo contemporâneos. Quanto aos signos, os Estóicos distinguem entre signos comemorativos (que associam dois eventos observáveis, por exemplo "fumo" e "fogo") e signos indicativos (em que o signo remete para algo não observável, por exemplo "o riso" que remete para "o contentamento"). Em qualquer dos casos, é central a noção de inferência, feita com base na associação que resulta da experiência (p => q). Mas o signo (p), de que se retira a inferência (q), não é um evento físico, mas a proposição em que se exprime (não "o fumo" mas "Ali há fumo"; não "o riso" mas "O João está a rir"). O signo é uma proposição antecedente ( "Se ali há fumo..."; "Se o João está a rir...") que revela um consequente ("...então há fogo"; "...então está contente"). A semiótica estóica une, assim, doutrina da linguagem e doutrina dos signos (embora os Estóicos ainda não digam que as palavras são signos): todo o signo se revela como uma proposição, toda a proposição implica, na sua organização, a utilização da sintaxe lógica que regula os signos, e que só se torna visível através da sintaxe linguística. Poder-se-ia dizer que, para os Estóicos, a língua aparece como sistema modelizante primário (Lotman).
No entanto, será só com Stº Agostinho que, segundo Eco, se fará a união definitiva entre teoria dos signos e teoria da linguagem, aparecendo os signos linguísticos como uma espécie ( entre outras espécies, como as dos letreiros, dos gestos, dos sinais ostensivos) do género signo. Quanto à noção de signo, Stº Agostinho dá duas definições que contemplam quer a sua dimensão semântico-representativa quer a sua dimensão comunicacional (representando, esta última, uma novidade em relação aos Estóicos): "Um signo é o que se mostra a si mesmo ao sentido, e que, para além de si, mostra ainda alguma coisa ao espírito" e "A palavra é o signo de uma coisa que pode ser compreendida pelo auditor quando é proferida pelo locutor". Em vez dos três elementos referidos pelos Estóicos, Stº Agostinho indica quatro elementos constitutivos do signo: a palavra (verbum), o exprimível (dicibilis), a expressão (dictio) e a coisa (res), ainda que verbum e dictio pareçam poder ser tomados como sinónimos, referindo-se o primeiro ao aspecto comunicativo e o segundo ao aspecto semântico-referencial do signo 38.
A esta concepção triádica do signo, profundamente radicada na tradição filosófica, vai opor-se claramente Saussure (e a tradição que dele emana). Saussure define o signo (linguístico) da seguinte forma: "O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última não é o som material, coisa puramente física, mas a marca psíquica desse som, a representação que dela nos dá o testemunho dos nossos sentidos; ela é sensorial, e se nos acontece chamar-lhe "material", é apenas neste sentido e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstracto" 39. O signo apresenta, assim, uma dupla face: significante ("imagem acústica") e significado ("conceito"), excluindo-se claramente o referente (e, em consequência, pelo menos assim o pensava Saussure, a concepção da língua como nomenclatura, ligando palavra-coisa).
O que, de facto, Saussure também pretendia eliminar eram os problemas filosóficos (lógicos e gnoseológicos) colocados pela concepção triádica do signo. Problemas claramente levantados (e tornados incontornáveis) pelo artigo de Frege sobre o significado (sinn) e a referência (bedeutung), de 1892, em que este lógico e filósofo procura, nomeadamente, distinguir entre a dimensão referencial e a dimensão significativa dos signos. Limitando-nos a um exemplo de Frege: "A estrela da manhã" e "A estrela da tarde" têm diferentes significados (entendendo-se por "significado" o modo segundo o qual o objecto se apresenta à mente), embora tenham a mesma referência (entendendo-se por "referência" o objecto ou a classe de objectos a que se refere o signo, neste caso o planeta Vénus). Pode, por outro lado, haver significados a que não corresponda nenhuma referência, como no caso de "O corpo mais afastado da Terra" 40.
A concepção Peirceana do signo é claramente herdeira da tradição lógico-filosófica (estóica e agostiniana) do signo e ultrapassa, claramente, a concepçao Saussuriana do mesmo. Foi inspirando-se nos trabalhos de Peirce que C.K. Ogden e I.A. Richards, na sua obra The Meaning of Meaning, de 1923, propuseram o seu célebre "triângulo semiótico" (incluindo os seguintes termos: Symbol, Thought or reference e Referent 41), que se constitui como um dos conceitos de base da Semiótica contemporânea.
 

2. A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO

Sobre a importância que atribui aos signos, escreve Peirce numa carta a Lady Welby: "Gostaria de lhe escrever a respeito dos signos que, para si como para mim, têm tão grande importância. Mais para mim do que para si, julgo eu. É que, penso eu, o mais elevado grau de realidade só é alcançado pelos signos, isto é, por ideias tais como a Verdade e o Direito e outras. Isto parece paradoxal; mas quando lhe expressar inteiramente a minha teoria dos signos, parecer-lhe-á menos" 42.
São diversas, quanto à forma, as definições que, em vários passos da suas obra, Peirce dá de Signo. Vejamos quatro das mais importantes:

1. "Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objecto. Representa esse objecto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu, por vezes, chamei fundamento do representamen. "Ideia" deve ser aqui entendida num certo sentido platónico..." 43.

2. "Um Signo é tudo aquilo que está relacionado com uma Segunda coisa, seu Objec-to, com respeito a uma Qualidade, de modo tal a trazer uma Terceira coisa, seu In-terpretante, para uma relação com o mesmo Objecto, e de modo tal a trazer uma Quarta para uma relação com aquele Objecto na mesma forma, ad infinitum. Se a série é inter-rompida, o Signo, por enquanto, não corresponde ao carácter significante perfeito." 44

3. "Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que se coloca numa relação triádica genuína tal com um Segundo, denominado seu Objecto, que é capaz de determinar um Terceiro, denominado seu Interpretante, que assume a mesma relação triádica com seu Objecto na qual ele próprio está em relação com o mesmo Objecto." 45

4. Signo: "qualquer coisa que conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objecto ao qual ela mesma se refere (seu objecto) de modo idêntico, transfor-mando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente, ad infinitum.
(...) Se a série de interpretantes sucessivos vem a ter fim, em virtude desse facto o signo torna-se, pelo menos, imperfeito." 46

Estas definições permitem identificar, na tríplice relação que é o Signo, três elementos:
a) o Signo propriamente dito ou representamen (Morris chamar-lhe-á "veículo sígnico"): é "aquilo que representa"; b) o Interpretante ou "imagem mental": é o signo criado na mente de alguém (o "intérprete") pelo representamen; c) o Objecto: é aquilo (algo) que é representado (porque este Objecto é representado, pelo signo, não na sua totalidade, mas de um certo ponto de vista, em relação apenas a determinados aspectos, Peirce refere-se-lhe também como "fundamento" do representamen. Assim, para recorrermos a um exemplo, se eu me quiser sentar e disser a um amigo: "Passa-me aí a cadeira", "cadeira" é visada como "objecto em que me posso sentar", e não por exemplo como "objecto que tem efeitos decorativos" ).
Nas definições anteriores assumem especial relevância as seguintes relações :
a) Relação entre o Signo (representamen) e o Objecto: Peirce diz que o primeiro "representa", "está relacionado com", "coloca-se numa relação com", "refere-se a" o segundo. No entanto, a relação do Signo com este Objecto incide sempre e apenas num certo "aspecto", "modo" ou "qualidade" do Objecto, não na totalidade do Objecto (daí que Peirce fale, na 2ª definição, em "fundamento do representamen").
Estas duas maneiras de entender o Objecto levam Peirce a distinguir entre Objecto Imediato e Objecto Dinâmico. O que o Signo exprime imediatamente é o Objecto Imediato, mas para dar conta de um Objecto Dinâmico; por outras palavras: o Objecto Imediato é o modo (sempre incompleto, por vezes incorrecto) como o Objecto Dinâmico (a "coisa em si") é dado pelo Signo ("para mim") 47.
b) Relação entre o Signo (representamen) e o Interpretante: Peirce diz que o primeiro "cria", "traz", "determina", "conduz a" o segundo. Estabelecer o significado de um Signo é representar o seu Objecto Imediato, traduzindo-o através de um Interpretante. Nas palavras de Peirce, "o significado de um signo é o signo no qual ele deve ser traduzido. (...) a tradução de um signo noutro sistema de signos" 48.
Nisto consiste, segundo Eco, o processo de semiose ilimitada, descrito e fundado por Peirce, e bem explícito nas definições 2 e 4: não há modo de estabelecer o significado de uma expressão, de a interpretar, sem ser traduzindo-a noutros signos (interpretantes), pertencentes ou não ao mesmo sistema semiótico. Para ilustrar este processo, Eco dá o seguinte exemplo: /gato/ significa (pode significar) a imagem visual de gato, a definição ("Gato é um mamífero que mia"), a inferência ("Se gato, então animal que mia quando lhe pisam a cauda"), etc. Mas, por seu lado, cada um destes interpretantes pode, por sua vez, ser Signo que leva a outras interpretações, ad infinitum, segundo Peirce...
A fecundidade da noção Peirceana de Interpretante reside, na opinião de Eco, nos seguintes aspectos: descreve o único modo como os seres humanos estabelecem, estipulam e reconhecem os significados dos signos que usam; mostra a "circularidade" dos processos semióticos (a referência de um signo a outros signos ou a outras cadeias de signos); os Interpretantes são dados objectivos que não dependem das representações mentais dos sujeitos e são colectivamente verificáveis nas enciclopédias, nas intertextualidades, nas "bibliotecas" 49.
 

3. A CLASSIFICAÇÃO DOS SIGNOS

A classificação dos signos é um dos problemas que a Semiótica ainda não conseguiu resolver de forma totalmente satisfatória. A prova disso são as sucessivas classificações, mais ou menos inspiradas em Peirce, tentadas por Eco 50. Segundo este autor, o único pensador que, até hoje, tentou uma classificação global dos signos foi Peirce, tendo no entanto a sua classificação ficado incompleta. Apesar disso, muitas das distinções feitas por Peirce ganharam direitos de cidadania na Semiótica 51 e, por isso, importa fazer aqui a sua análise, ainda que sumária.
Peirce distinguiu três grandes divisões ternárias ou tricotomias, a partir das quais é possível obter dez classes de signos. Assim, teoricamente, o número possível de tipos de signos seria de 310 = 59 049! Desse número, no entanto, apenas sessenta e seis classes serão significativas.
Os signos podem ser classificados a partir de três pontos de vista: Signo em si, rela-ção do Signo com o Objecto e relação do Signo com o Interpretante. Obtêm-se, assim, as três tricotomias e as nove categorias seguintes:
- Signo em si: Qualisigno (Tone), Sinsigno (Token), Legisigno (Type);
- Signo em relação com o Objecto: Índice, Ícone e Símbolo;
- Signo em relação com o Interpretante: Rema, Dicisigno, Argumento.
Da combinação destas categorias derivam dez classes de signos (as outras combina-ções teoricamente possíveis não têm significado), que nos dispensaremos de analisar aqui 52. Classes que, no entanto, nem sempre é fácil saber como aplicar. Como diz Peirce, "é um terrível problema dizer a que classe um signo pertence" 53.

Vejamos, a maneira como Peirce define, num texto de 1903, cada uma das nove categorias anteriores (indica-se, entre parêntesis, a respectiva exemplificação e/ou interpretação):
- Qualisigno (Tone): "é uma qualidade que é um Signo" (tom de voz, vestuário, etc);
- Sinsigno (Token ou "ocorrência"): "é uma coisa ou evento existente e real que é um Signo" (por exemplo, todos os /o/ deste texto);
- Legisigno (Type ou "tipo"): "é uma lei que é um Signo" (traduz-se nos sinsignos, que são as suas "ocorrências"; exemplo: o artigo definido "o", que se traduz nos /o/ deste e de outros textos);
- Ícone: "é um signo que se refere ao Objecto que denota apenas em virtude dos seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal Objecto realmente exista ou não"; "qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, é Ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como um seu signo" (inclui, como sub-categorias, as imagens, os diagramas e as metáforas; exemplos: fotografias, desenhos, diagramas, fórmulas lógicas e algébricas, imagens mentais, etc.);
- Índice: "é um signo que se refere ao Objecto que denota em virtude de ser realmente afectado por esse Objecto" (funda-se não na semelhança, como o Ícone, mas na conexão física com o Objecto; exemplos: dedo apontado para um objecto, catavento, fumo como sintoma do fogo, pronome /este/, referido a um objecto, os quantificadores lógicos, etc.);
- Símbolo: é um signo que se refere ao Objecto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como referindo-se àquele Objecto" (exemplos de Peirce: todas as palavras, frases, livros e outros signos convencionais);
- Rema (Termo): "é um Signo que , para o seu Interpretante, é um Signo de Possibilidade qualitativa, ou seja, é entendido como representando esta e aquela espécie de Objecto possível" (é ou um termo simples, ou uma descrição, ou uma função; por exemplo: "Sócrates", "alto", "e", etc.);
- Dicisigno (Proposição): "é um Signo que, para o seu Interpretante, é um Signo de existência real" (uma proposição como, por exemplo, "Sócrates é mortal");
- Argumento: "é um Signo que, para o seu Interpretante, é Signo de lei (é um raciocínio complexo, por exemplo um silogismo) 54.

Para percebermos melhor o funcionamento daquela que Peirce considera ser "a mais importante divisão dos signos", em Ícones, Índices e Símbolos, vejamos os seguintes exemplos de Peirce - que mostram como, na linguagem do quotidiano, Símbolos, Ícones e Índices se relacionam:
Exemplo 1. Um homem, que caminha com uma criança, levanta o braço para o ar e aponta, dizendo: "Lá está um balão". A criança pergunta: "O que é um balão?". Responde o homem: "É parecido com uma grande bolha de sabão".
Neste exemplo verifica-se que: o braço apontado para o ar funciona como um Índice (denota um individual), a bolha de sabão funciona como um Ícone, e as palavras funcionam como Símbolos.
Exemplo 2. Se eu digo "Todo o homem ama uma mulher", isto equivale a dizer "Tu-do o que for homem ama algo que é mulher".
Neste exemplo verifica-se que: "tudo o que" (quantificador universal) e "algo que" (quantificador particular) funcionam como Índices; "for homem", "ama" e "mulher" funcionam como Símbolos.
Exemplo 3. A diz a B: "Há um fogo". B pergunta: "Onde?". Responde B: "A cerca de mil metros daqui".
Neste exemplo, "metros" e "daqui" funcionam como Índices, e os restantes signos como Símbolos.

Sobre a relação entre Índices, Ícones e Símbolos, Peirce diz ainda que ela está presen-te em qualquer proposição, sendo impossível encontrar uma proposição, por mais simples que seja, que não faça apelo a pelo menos dois destes tipos de signos.
Especialmente importante é o papel que Peirce atribui ao Ícone, que considera a única maneira de comunicar directamente uma ideia, levando a que todo o método de comunicação indirecta de uma ideia deve passar pelo uso de um Ícone. Assim, toda a asserção deve conter um Ícone ou um conjunto de Ícones, ou signos cujo significado só seja explicável por Ícones. No dizer de Peirce, o Predicado de uma asserção é "a ideia significada por um conjunto de ícones (ou o equivalente a um conjunto de ícones) contido numa asserção" 55.
De qualquer modo, só num determinado contexto podemos determinar se um signo funciona como um Índice, um Ícone ou um Símbolo (por exemplo: o fumo tanto pode significar fogo, como nevoeiro, como "aproxima-se um rosto-pálido", no caso dos "sinais de fumo"...) 56.
 
 

VI. SIGNO E ABDUÇÃO

Com a sua teoria da abdução, Peirce vai romper com os paradigmas referencialista e ideacionista do Signo, ambos baseados na noção de equivalência (ou entre signo-refe-rente ou entre significante-significado). Trata-se, agora, de substituir a noção de equivalência pela de implicação: "Um signo é algo através do qual nós conhecemos algo mais" 57.
Se o signo fosse uma simples relação de equivalência, a sua descodificação seria um mero processo dedutivo (da regra geral para o resultado), como se verifica nas equivalências das semias substitutivas: "/.-/ está sempre por /a/; dá-se o caso que /.-/ ; logo, /a/ ". O que, manifestamente, não acontece.
Assim, se não conhecermos o significado de um signo, e tivermos de obtê-lo a partir de experiências sucessivas, o processo parecerá indutivo (partindo dos resultados particulares para a regra geral). Para darmos um exemplo: "cada vez que o nativo (que fala uma língua desconhecida) pronuncia a expressão /x/, indica o objecto 'y' (resultados); então, a expressão /x/ significa, provavelmente, "y" (regra). No entanto, este processo só aparentemente é indutivo: a repetição da experiência, por si só, não basta para relacionarmos /x/ e "y"; exige-se um "quadro de referência" ou "regra metassemiótica" ("quando o nativo aponta o objecto "y" está a indicar o significado de /x/" ) que possibilite a passagem do signo para o seu significado; ora, a descoberta desse "quadro de referência" só se pode efectuar por abdução.
O mesmo acontece aquando da descodificação de signos que possam pertencer a duas línguas diferentes: /cane!/ pode significar quer "canta!", em latim, quer um insulto, em italiano. Sem a suposição (abdutiva) do quadro de referência do código linguístico, é impossível decidir qual das alternativas é correcta.
Usamos igualmente a abdução quando interpretamos figuras retóricas, vestígios, sintomas, indícios, o valor de uma palavra-chave ou de um episódio num texto, etc. No entanto, essa interpretação (como qualquer hipótese abdutiva) pode sempre falhar, já que ela representa "o propósito, a tentativa arriscada, de um sistema de regras de significação à luz das quais um signo adquirirá o seu significado" 58.
Um dos exemplos clássicos de abdução (no domínio dos "signos naturais") é dado pelo próprio Peirce, e poderíamos apresentá-lo assim: Kepler verifica que a órbita de Marte passa pelos pontos x e y (facto surpreendente C); mas, se a órbita de Marte fosse elíptica ( hipótese A), o facto C seria natural; donde, há razão para supor que A seja verdadeira. Verificação de A: x e y são signo de que Marte deveria passar pelos pontos z e k (aplicação da máxima pragmatista). Verificada a hipótese, alarga-se a abdução aos outros planetas - o comportamento de Marte torna-se signo do dos outros planetas.
Este exemplo de Peirce mostra bem, segundo Eco, que todo o signo, mesmo que natural, implica a descoberta (Eco fala de "invenção") de uma regra - e, como tal, é de natureza abdutiva ou interpretativa. O nascer do Sol, que para os Antigos era signo do movimento solar, passa a ser, para os Modernos, signo do movimento terrestre...
A condição do signo é, assim, como viu Peirce, não apenas a da substituição e equivalência (aliquid stat pro aliquo) mas também a da interpretação. Interpretação em que o interpretante não se limita a retraduzir o "objecto imediato" (conteúdo do signo) mas alarga a compreensão daquele, partindo do signo para a semiose ilimitada. No dizer de Peirce, um termo (/Pai/) é uma proposição rudimentar ("Se pai, então alguém que é filho deste pai" ) e esta uma argumentação rudimentar ("Todos os pais têm ou tiveram filhos; Este homem é pai; Então este homem tem ou teve um filho" ) 59.
Sendo todo o signo eminentementemente abdutivo, podemos afirmar, de forma reciproca, que toda a abdução é eminentemente sígnica. A abdução parte sempre de um "resultado" (facto surpreendente) para uma "regra" (hipótese explicativa), funcionando o primeiro como signo da segunda. Toda a abdução envolve um acto de interpretação, de semiose, de atribuição de significado (que não tem nem o rigor formal da dedução nem o carácter de confirmação experimental da indução).
Esta dupla implicação entre Signo e Abdução esclarece, a uma nova luz, a identifica-ção Peirceana entre Semiótica (do Signo) e Lógica (da Abdução). Simultaneamente ganha um novo sentido a afirmação de Peirce de que todas as ciências (todos os factos) não são , no fundo, senão Lógica - Semiótica: todas as ciências procuram, a partir de determinados fenómenos (signos naturais), abduzir as leis explicativas (regras gerais da interpretação) dos mesmos...
 
 

VII. NOTAS
 

1 António Fidalgo, Semiótica: a Lógica da Comunicação, Covilhã: Universidade da Beira Interior,
1995, pp. 5-7.

2 J. Resina Rodrigues, "Peirce (Charles Sanders)", in Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de
Filosofia, Lisboa: Editorial Verbo, Volume 4, p. 38.

3 Para uma biografia de Peirce, ver António Fidalgo, "Dados biográficos de C. S. Peirce", in Charles
S. Peirce, "Como tornar as nossas ideias claras", tradução policopiada na Universidade da Beira
Interior, 1994, pp. I-V.

4 António Fidalgo, Semiótica: a Lógica da Comunicação, Covilhã: Universidade da Beira Interior,
1995, pp. 9-11.

5 Tzvetan Todorov, Teorias do Símbolo, Lisboa: Edições 70, 1979 ("Origens da semiótica ocidental",
pp. 15 e seguintes).

6 John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano (1706), citado em Jurgen Trabant, Elementos de
Semiótica, Lisboa: Editorial Presença, 1980, p. 4.

7 Fidalgo, ibidem, pp. 13-16.

8 Fidalgo, ibidem, pp. 16-17; Jurgen Trabant, ibidem, pp. 13-17.

9 Ferdinand de Saussure, Cours de Linguistique Générale, Paris: Payot, 1978, p.33.

10 Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 45.

11 Citado em Fidalgo, ibidem, p. 17.

12 Ibidem.

13 Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semiótica, Lisboa: Editorial Presença, 1991, p. 76.

14 Trabant, ibidem, p. 13.

15 Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lisboa: Edições 70, 1977, p. 87.

16 Saussure, ibidem, p. 101.

17 Pierre Guiraud, A Semiologia, Lisboa: Editorial Presença, 1978, p. 9.

18 Fidalgo, ibidem, p. 19.

19 Nicola Abbagnano, História da Filosofia, Lisboa: Editorial Presença, Vol. XIII, 1979, pp. 9-11.

20 Ver nota 10.

21 Rodrigues, ibidem, pp. 89-90.

22 Fidalgo, ibidem, p. 14.

23 Peirce, ibidem, p.46; Thomas Sebeok(Org.), Enciclopedic Dictionary of Semiotics, Berlin, New
York, Amsterdam: Mouton de Gruyter, 2º volume, p. 693; Rodrigues, ibidem, p. 94.

24 Charles Morris, "Fundamentos da Teoria dos Signos", tradução policopiada na Universidade da
Beira Interior (Tradução de António Fidalgo), 1994, p.7; Rodrigues, ibidem, pp. 94-95; Bertil
Malmberg, Les Nouvelles Tendances de la Linguistique, Paris: PUF, 1972, p. 192.

25 Sebeok, ibidem, pp. 693-694.

26 Abbagnano, ibidem, pp. 7-9.

27 Charles Sanders Peirce, "Como tornar as nossas ideias claras", tradução policopiada na Universidade
da Beira Interior (Tradução de António Fidalgo), 1994, p. 7; sobre este artgo, ver comentário de
Fidalgo, ibidem, pp. 43-49, que seguimos aqui..

28 Ibidem, p. 15.

29 Ibidem, p. 17.

30 Sobre "Pragmatismo e abdução", ver Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Editora
Perspectiva, 1977, pp.225-237; ver também exposição de Fidalgo, pp. 49-5.

31 Peirce, ibidem, p. 229.

32 Peirce, ibidem, p. 232.

33 Morris, ibidem, p. 3.

34 Umberto Eco, O Signo, Lisboa: Editorial Presença, 1981, pp. 13 e segs.

35 Trabant, ibidem, pp. 22 e segs.

36 Ver Eco, ibidem, pp. 27-67.

37 Para isso, ver Umberto Eco, "O Signo", in Enciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa:
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994, pp. 11-51, de que seguimos aqui algumas linhas
essenciais.

38 Fidalgo, ibidem, pp. 12-13. Saussure, ibidem, p. 98.

39 Saussure, ibidem, p. 98.

40 Fidalgo, ibidem, pp. 27-32.

41 Malmberg, ibidem, p. 191.

42 Peirce, citado em Rodrigues, ibidem, p. 85.

43 Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 46.

44 Ibidem, p. 26.

45 Ibidem, p. 63.

46 Ibidem, p. 74.

47 Umberto Eco, "O Significado", in Enciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa: Imprensa
Nacional - Casa da Moeda, 1994, p. 80; Sebeok, ibidem, p. 680.

48 Peirce, citado em Eco, ibidem, p. 80.

49 Eco, ibidem, pp. 79-80; ver igualmente Sebeok, ibidem, pp. 675-679.

50 Essas tentativas de classificação constam do livro O Signo e do Artigo "O Signo" (ver Bibliografia).
 
 

51 Ver, por exemplo, Jeanne Martinet, Chaves para a Semiologia, Lisboa: Publicações D. Quixote,
1983, que distingue entre "tipo" e "ocorrência" e classifica os signos em índices, ícones e símbolos.

52 Encontram-se descritas em Umberto Eco, O Signo, Lisboa: Editorial Presença, 1981, pp. 66-67.

53 Eco, ibidem, p. 67.

54 Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 51 e sgs.; ver também
Eco, ibidem, pp. 29-30, 51-52.

55 Peirce, ibidem, p. 64.

56 Sobre a relação entre estes tipos de signos, ver Peirce, ibidem, pp. 71-75.

57 Peirce, citado em Umberto Eco, "O Signo", in Enciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa:
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994, p. 39.

58 Eco, ibidem, p. 39.

59 Ver Eco, ibidem, pp. 38-40 e 46-49.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

VIII. BIBLIOGRAFIA

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(Introduction, Chap. III "Object de la linguistique", pp. 23-35; Première Partie
"Principes Généraux", Deuxième Partie "Linguistique Synchronique", pp. 97-192); as
citações feitas por nós foram traduzidas do francês.

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Amsterdam: Mouton de Gruyter, 2º volume (Artigo sobre "Peirce", pp. 673-695).

Todorov, Tzvetan, 1979, Teorias do Símbolo, Lisboa: Edições 70 ("Origens da
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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

MESTRADO: Ciências da Comunicação
DISCIPLINA: Semiótica da Comunicação
DOCENTE: Prof. Doutor António Fidalgo
DATA DA SESSÃO: 2 de Fevereiro de 1996
SECRETÁRIO: J. M. Paulo Serra

ACTA Nº 1O

Tema da Sessão: Os Estóicos (doutrina da linguagem e doutrina dos signos).
Pressupostos: Na sessão anterior tinha sido visto que, no que se refere à linguagem ver-bal, os Estóicos distinguiam entre "expressão" ( semainon), "conteúdo" (semainomenon) e "referente" (tynchanon). Também tinha sido explicitada, nessa sessão, a forma como os Estóicos entendiam a "expressão". Na sessão a que a presente Acta se refere, tratava-se de completar a análise da sua doutrina da linguagem verbal, analisar a sua doutrina do si-gno e procurar estabelecer a relação entre as duas doutrinas.

1. Doutrina da linguagem (verbal)

Para os Estóicos, o conteúdo não é uma ideia, mas um "incorporal".
Sendo radicalmente materialistas, os Estóicos negam a realidade das ideias entendi-das, à maneira de Platão, como algo de auto-subsistente. Assim, só restam duas maneiras de conceber o conteúdo: ou como estando nas coisas, na realidade empírica (solução do empirismo) ou como estando na Razão (solução do idealismo alemão). Os Estóicos defendem a primeira solução.
Os "incorporais" são entes de razão (entia rationis), existem apenas na medida em que há uma apreensão cognitiva da sua realidade. Tal não significa, no entanto, que não sejam dotados de uma identidade própria, que permite a sua predicação (exº do triângulo: três lados, três ângulos, etc.). Não são coisas, mas "estados de coisas", "modos de ser", "relações", "maneiras de ver". São exemplos de "incorporais" o vazio, o lugar, o tempo, as relações espaciais, as sequências cronológicas, as acções e os eventos.
Esta concepção da idealidade da significação aproxima os Estóicos das semânticas chamadas ideacionais ou conceptualistas (de que Ockham e os nominalistas em geral, Locke, Husserl e Saussure são os principais representantes).(1)
Entre os "incorporais" conta-se o lektón, que tem sido traduzido por "exprimível", "dictum" ou "dizível". O lektón (completo) é uma proposição que se refere a um estado de coisas (não a uma coisa) e que, como tal, pode ser verdadeira ou falsa (Exº: Se eu afirmo "A mesa é verde", não afirmo nem a "mesa" nem o "verde", mas que "É verdade que a mesa é verde").
Um dos problemas postos pela doutrina estóica da linguagem verbal é o da relação entre o semainomenon e o lektón. Para Sexto Empírico eles são sinónimos. Esta interpretação não se afigura, no entanto, aceitável a Eco.
O lektón pode ser completo (uma proposição, por exemplo: "Dione caminha") ou incompleto (parte de uma proposição, nomeadamente o sujeito ou o predicado; por exemplo: "Dione", "caminha"). O lektón incompleto não é uma categoria da "expressão", mas do "conteúdo" : ele traduz uma posição, um lugar dentro de uma proposição. Um exemplo elucidativo poderia ser o seguinte: nas proposições "Ele tem um coração de oiro" e "Um coração de oiro é uma riqueza espiritual", "um coração de oiro" exprime "conteúdos" diferentes porque ocupa posições diferentes (de complemento directo e de sujeito, respectivamente). Nas línguas ditas flexionais (com "casos"), como o latim e o alemão, a "posição" (função) é indicada pela desinência, pela forma que a palavra assume .(2)
Assim, sendo o lektón completo ("Dione caminha") um "incorporal", também os lek-tá incompletos que o constituem ("Dione", "caminha") são "incorporais".

2. Doutrina dos signos

Os Estóicos distinguem entre signos comemorativos (que associam dois eventos observáveis, por exemplo "fumo" e "fogo") e signos indicativos (em que o signo remete para algo não observável, por exemplo "o riso" que remete para "o contentamento"). Em qualquer dos casos, é central a noção de inferência, feita com base na associação que resulta da experiência (p => q). Mas o signo (p), de que se retira a inferência (q), não é um evento físico, mas a proposição em que se exprime (não "o fumo" mas "Ali há fumo"; não "o riso" mas "O João está a rir"). O signo é uma proposição antecedente
( "Se ali há fumo..."; "Se o João está a rir...") que revela um consequente ("...então há fogo"; "...então está contente"). Este tipo de inferências, feitas por todos os homens, no seu dia a dia , releva de uma logica utens (do utilizador), não de uma logica docens (teórica). Na linguagem de Peirce, poderá dizer-se que o signo é tipo (relação geral entre fumo e fogo) e não ocorrência (relação entre este fumo e este fogo particulares).
Sendo o signo um lektón (proposição), ele conta-se também entre os "incorporais".

3. Relação entre doutrina da linguagem e doutrina dos signos

A semiótica estóica une, assim, doutrina da linguagem e doutrina dos signos (embora os Estóicos ainda não digam que as palavras são signos): todo o signo se revela como uma proposição, toda a proposição implica, na sua organização, a utilização da sintaxe lógica que regula os signos, e que só se torna visível através da sintaxe linguística. Poder-se-ia dizer que, para os Estóicos, a língua aparece como sistema modelizante primário (Lotman), no sentido em que, no dizer de Barthes, "qualquer sistema semiológico se cruza com a linguagem".(3)
Em termos de teorias contemporâneas, poderia traduzir-se a relação entre termo linguístico e signo natural recorrendo ao modelo hjelmesleviano da conotação (4) a um 1º nível, denotativo, a palavra /fumo/ (E) remete para o conteúdo "fumo" (C); a um 2º nível, conotativo, E/C torna-se expressão que conota o conteúdo "fogo" (semântica intensional dos termos), a proposição "Há fogo" (semântica intensional dos enunciados) ou, ainda, a proposição "então aqui há fogo" (semântica extensional dos enunciados).
 
 

NOTAS

1 - Ver Carlos Bizarro Morais, "Estoicismo", in LOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura,
Volume 2, Lisboa: Verbo, 1990, que refere os estóicos como "sensistas e nominalistas" (p. 295).
Ver também Manuel de Costa Freitas, "Conceptualismo", in LOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira
de Cultura, Volume 1, Lisboa: Verbo, 1989, que classifica o estoicismo antigo como "conceptualismo
empirista" (p. 1083).
2 - José Nunes de Figueiredo e Maria Ana Almendra, Compêndio de Gramática Latina, Porto: Livraria
Avis, 1967, definem "casos" como "as diferentes formas que toma um substantivo, um adjectivo ou um
pronome, segundo as diferentes funções (sujeito, complemento directo, indirecto, de posse, determi-
nativo, circunstancial)." (p. 22) (itálicos nossos).
3 - Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lisboa: Edições 70, 1977, p. 86.
4- Ibidem, pp. 165-169. Ver também António Fidalgo, Semiótica: a Lógica da Comunicação, Covilhã:
Universidade da Beira Interior, 1995, pp. 73-76.