Metodologia e Estrutura da Tradução e Edição
 do Tratado dos Signos

Anabela Gradim, Universidade da Beira Interior



 No que toca à apresentação do presente trabalho, tradução do Tratado dos Signos elaborado pelo dominicano português João de São Tomás no século XVII, importa dar conta de quatro tipos de considerações necessárias à justificação do resultado final: a matéria sobre a qual se operou; a forma que se pretendeu imprimir ao trabalho; os passos e opções seguidos na tradução de alguns termos estritamente técnicos; e finalmente, as escolhas que presidiram à elaboração da edição que aqui se oferece.
 

I. A tradução

Matéria:
 Sendo um medieval no espírito, estilo e convicções, João de São Tomás poderia, contudo, ser classificado entre os modernos pois a sua obra já não está limitada pelas condições de produção da época a que espiritualmente pertence: idealização da obra, realização de manuscritos, e cópia laboriosa dos mesmos. Este facto acabou por simplificar o presente trabalho. Na verdade, não existem originais da obra de João de S. Tomás, dado que o autor acompanhou e pôde rever pelo menos as primeiras três edições do seu Curso Filosófico e, a crer em Deely, terá destruído ou ignorado os manuscritos por os considerar “de pouca importância” após publicados.
 Assim sendo, a tradução aqui apresentada baseia-se na segunda reimpressão do Curso Filosófico, editada por Reiser e publicada em Itália por Marietti, em 1932. Trata-se de uma edição crítica do Curso Filosófico que tomou perto de sete anos a ser preparada por Reiser e onde se fixa o que pode ser considerado o texto clássico do Doutor Profundo. Quanto à primeira parte da Ars Logicae, Reiser utilizou para a fixação do texto a edição de Roma de 1637, enquanto para a segunda parte utiliza a edição de Madrid de 1640, explicando tal decisão porque eram estes os trabalhos mais fiáveis surgidos em vida do autor, “cui ultima ipsius auctoris manus accessit ”.
 Refira-se ainda que Reiser, no seu trabalho, cita, em nota de rodapé, as variações relevantes ao texto que trabalha, surgidas nas edições de Lion de 1663, e de Colónia em 1638; notas essas que, por economia de espaço e tempo, nos abstivemos aqui de traduzir. Pertence também a Reiser o monumental trabalho de referir as referências bibliográficas, por vezes obscuras, que João de São Tomás faz a outros autores, à obra e respectivo local onde podem ser encontradas, socorrendo-se para tanto, fundamentalmente, da edição Romana Leonina e da edição de Parma da obra de S. Tomás de Aquino. Na impossibilidade de aceder a estes e outros trabalhos, tomaram-se como boas as referências a essas obras aduzidas por Deely, na convicção de não ser este um deslize muito grave, já que na edição da Suma Teológica da BAC, as referências de S. Tomás de Aquino a outras obras e autores são, pura e simplesmente, omitidas na tradução espanhola.

Forma:
 Gadamer considera que “toda traducción es ya una interpretación, e incluso puede decir-se que es la consumación de la interpretación que el traductor hace madurar en la palabra que se le oferece [...] Quando es necesaria la traducción no hay más remedio que hacerse cargo de la distancia entre el espíritu de la literalidad originaria de lo dicho y el de su reproducción, distancia que nunca llega a superarse por completo”1. No presente trabalho procurou-se por todos os meios escapar a esta concepção gadameriana da tradução como interpretação2. A razão é que uma tradução interpretante oblitera necessariamente parte das estruturas de sentido que se cruzam no original, porque ela própria, fruto da compreensão, é já a doação de um sentido, e arrisca portanto encerrar o texto que pretende revelar numa unidimensionalidade empobrecedora. Daí que a principal aposta deste trabalho seja, tanto quanto possível, manter a tradução dentro dos limites da mais estrita literalidade, oferecendo, simultaneamente, acesso ao corpo latino do Tratado dos Signos, que funcionará sempre como instância de controlo. É evidente que uma opção teórica deste tipo, embora ofereça ao leitor grande margem de liberdade, onera-o com uma responsabilidade suplementar que é a de superar o abismo entre a nossa contemporaneidade velozmente veloz e o distante universo conceptual da Segunda Escolástica. Tarefa tremenda esta de interpretação e recomposição que aqui se propõe passar ao leitor, ao invés de abastecê-lo já com a versão digerida e pronta a consumir das lições do mestre dominicano.
 Evita-se assim, além do mais, a operação de extrema delicadeza que é a de encerrar num lapso de tempo um sempre frágil momento de compreensão, investindo-o da dignidade das coisas perenes ao vertê-lo, definitivamente, noutra língua. É que ficou por fazer a pergunta: que sucede quando o momento interpretativo falha ou sofre um desvio, pequeno que seja, durante a tradução? É óbvio que nesse caso o sentido do original é falseado, e isso pode ser feito insensivelmente, sem pôr em causa a coerência interna do texto; ao mesmo tempo que a mera existência de um momento de interpretação expulsará alguns dos sentidos latentes no original para as margens do não-conceptualizável ou incoerente.
 Importa também tornar claro que o princípio de literalidade funciona aqui como ideia reguladora. De facto, não subsistem ilusões ingénuas de escapar inteiramente ao círculo hermenêutico constituído pela estrutura antecipativa da compreensão, que exige sempre um momento de interpretação divinatório — para usar a feliz expressão de Schleiermacher — em que se antecipa o sentido do todo por meio de uma empatia virtual com o autor. Gadamer demonstra que toda a compreensão é antecipativa e que toda a exegese implica preconceitos do intérprete, sendo estas estruturas psicológicas trans-subjectivas, por seu turno, condição sine qua non da própria interpretação. Por isso se admite aqui que não é possível extirpar nenhuma leitura, exegese ou tradução do conjunto de preconceitos trans-subjectivos ligados a uma tradição que se tornou anónima e a-histórica e que orientam e regulam o momento de antecipação. Todavia é possível e, crê-se, desejável, excluir de uma tradução toda a interpretação psicologizante baseada numa pseudo-afinidade divinatória com um autor — é esse o sentido que a literalidade desta versão portuguesa do Tratado dos Signos busca.

 Cumpre ainda notar que também Feyerabend lança achas importantes a esta discussão. “Tornou-se claro que os dicionários e as traduções são meios indigentes de introdução dos conceitos de uma língua que não se relacione de perto com a nossa, ou de ideias que não se adaptem à maneira ocidental de pensar. As línguas que tais têm que ser aprendidas de forma improvisada, como uma criança aprende palavras, conceitos, aparências. Não devemos exigir que o processo de aprendizagem se estruture de acordo com as categorias, leis e percepções que nos são familiares. E é precisamente este modo ‘sem preconceitos’ de aprendizagem que um estudo de campo se destina a garantir [...] Sabemos hoje que toda a língua contém dentro de si própria meios que lhe permitem reestruturar grandes partes do seu aparelho conceptual [...] Podemos portanto dizer correctamente que os resultados de uma investigação de campo e as descobertas científicas mais fora do comum poderão sempre exprimir-se em inglês. Mas isso não significa que a minha primeira tese seja falsa. A língua indígena e o inglês antes da tradução são na realidade incomensuráveis. A minha segunda tese é que o desenvolvimento da percepção e do pensamento em termos individuais passa também por estádios que são mutuamente incomensuráveis. A minha terceira tese é que os pontos de vista dos cientistas de diferentes períodos, escolas e temas, e especialmente os seus pontos de vista sobre as questões fundamentais, são muitas vezes tão diferentes como as ideologias subjacentes a diferentes culturas” (Feyerabend, 1988: 275).
 Uma tradução tão literal quanto possível poderá portanto permitir subverter a própria tradução, reenviando e remetendo continuamente para a mundividência do original, e assim eliminar a incomensurabilidade pela abertura da possibilidade de assimilação dos quadros conceptuais que lhe deram origem e que, no caso de João de São Tomás, não são uma realidade tão distante e remota que exclua a hipótese de um leitor recuar ao seu universo conceptual e assimilá-lo com proveito, apreendendo, “de forma improvisada”, a incomensurabilidade do texto.
 Esta superação do abismo intelectual que nos separa da Segunda Escolástica, à maneira de como um antropólogo realizaria, no exemplo de Feyerabend, o seu trabalho de campo, é, evidentemente, uma possibilidade que só a proximidade do latim ao português permite entrever. “Os linguistas recordam-nos que uma tradução perfeita jamais é possível, ainda que nos sirvamos de definições contextuais complexas. Como já vimos, tal é uma das razões da importância do trabalho de campo, durante o qual as novas linguagens são aprendidas improvisadamente, e da rejeição como inadequada de qualquer abordagem que confie numa tradução completa ou parcial” (Feyerabend, 1988: 281).
 E ainda que se tenha limitado a subjectividade interpretante ao mínimo, e que, mediante isso, se acredite firmemente na possibilidade de aceder ao quadro mental em que João de São Tomás trabalhou, a verdade é que as palavras de Gadamer continuam a fazer sentido para quem quer que se tenha debatido com os dilemas de uma tradução: “El traductor tiene muchas veces dolorosa conciencia de la distancia que le separa necesariamente del original [...] La exigencia de fidelidad que se plantea a una traducción no puede neutralizar la diferencia fundamental entre las lenguas. Por muy fieles que intentemos ser, nos encontraremos, sin embargo, en situaciones, en las que la decisión habrá de ser en qualquier caso inadecuada”3.
 Explicada portanto a busca da estrita literalidade, por mais utópica que possa parecer, pela determinação de não obliterar nenhum sentido possível, extirpar toda a subjectividade psicologizante da compreensão, e promover um eixo dialógico leitor-autor ao invés de autor-tradutor, resta dar a conhecer que tal metodologia resultou em três princípios reguladores que orientaram todo o trabalho de tradução: fidelidade semântica, fidelidade sintáctica, e recurso a uma hermenêutica extrinsecalista.
 A fidelidade semântica revela-se na tentativa de utilizar os vocábulos portugueses mais aproximados da versão latina que lhes deu origem. É certo que esta opção pode parecer óbvia, mas a verdade é que seria discutível pois, em largos casos, correspondem a estes clones semânticos palavras mais modernas, que poderiam ser tomadas por equivalentes, e que a serem utilizadas tornariam o texto muito mais acessível a um leitor actual. A razão de terem sido rejeitadas prende-se, por um lado, com o facto de se tratarem de expressões técnicas, e por outro com a opção deliberada de não florir ‘arcaísmos’ que, obviamente, não o são, ainda que isso tenha sido realizado a expensas do conforto do leitor.
 Pugnando pela fidelidade sintáctica, procurou-se manter inalteradas as construções, por vezes elípticas, a que João de São Tomás recorre, acreditando que, se por vezes se torna obscura na densidade das frases a busca da sua razão, tal caminhada proposta pelo dominicano tem um sentido. Este propósito foi depois reforçado pela constatação, de que Deely dá nota, dos resultados desastrosos de sucessivas tentativas de traduzir ou editar João de São Tomás, melhorando-lhe o estilo, experiências essas que resultaram, nalguns casos, em falsificações de sentido, noutros, foram simplesmente empobrecedoras — em nenhuma situação, garante o americano, o original foi superado ou melhorado (Deely, 1985: 459).
 Frequentemente causa de perplexidade, o estilo de João de São Tomás tem, todavia, sido objecto de luminosas interpretações. “Et cependant ces phrases longues, coupées d’incidentes, alourdies par des redites, nous apportent souvent des fórmules définitives, sagement equilibrées et dont de caractére lumineux nous éblouit. On chemine d’abord dans une épaisse fôret, mais tout à coup, dans une éclaircie, l’ombre cesse, le jour paraît dans tout son éclat et l’on peut sans peine apprecier le chemin parcouru et contrôler les résultats acquis”4.
 Já a opção por uma hermenêutica extrinsecalista na fixação da tradução de alguns termos estritamente técnicos pode com simplicidade ser explicada. João de São Tomás é claramente um autor de escola, um fidelíssimo autor de escola, e quando utiliza termos técnicos que não define em toda a sua extensão, reporta-se aos termos do tomismo, e portanto à forma como são entendidos em S. Tomás de Aquino5. Daí que para a fixação de certos termos na tradução se tenha recorrido ao que constitui o seu uso e significado no tomismo, e também, mercê sobretudo do excelente glossário de Nicolas, à forma como foram vertidos para francês pelos tradutores da Suma Teológica. Segue-se a explicação detalhada dos diferentes motivos para tais opções.
 
 

Termos:
 

 Convenire:
 Este verbo, em geral, poderia ser traduzido por “convir a, adaptar-se, acomodar-se” (DLP)6. Deely, na maioria dos casos, tradu-lo por “to belong”.  Importa todavia notar que em S. Tomás de Aquino o termo assume um carácter eminentemente técnico. Na teologia tomista, em sentido restrito, convenientia é aquilo que convém a um ser, que é o seu bem, para o qual o apetite o faz tender; e num sentido mais abrangente, é o que, sem pertencer necessariamente a um ser, nem ser requerido pelo seu telos, aperfeiçoa-o e pode coadjuvar na prossecução do seu fim próprio.
 Neste trabalho optou-se, quase sempre, por traduzir literalmente conveniência e inconveniência, na expectativa de que o contexto iluminasse a carga técnica e as conotações que o conceito pode assumir. É evidente que outras opções poderiam ter sido tomadas. Os tradutores da edição francesa da Suma Teológica expressaram melhor que ninguém esta dificuldade: “Notons ici la difficulté de traduire des termes ayant pourtant une valeur technique importante. En bien des cas on a préferé traduire conveniens par approprié, adapté, justifié, et non conveniens par illogique, absurde, incohérent, maladroit [...]”7. Pese embora o louvável propósito de tornar o texto claro e acessível ao leitor de hoje, a verdade é que a língua latina não é, em nenhum caso, menos rica e plena de potencialidades que os idiomas a que deu origem. Se S. Tomás e os que o tomaram como mestre usaram este termo, em detrimento de outros, num sentido tão técnico, para exprimir conceitos de matizes diversas, ele deverá ser mantido, ainda que isso exija que seja feito o esforço de ascender à letra e espírito do texto, ao invés de o aproximar às nossas próprias acomodações quotidianas.

 Dictio:
 Surge insistentemente no terceiro artigo das Súmulas, Definitio Termini, e poderia ser traduzido por “acção de dizer, de exprimir, de pronunciar, discurso, conversação, prática, recitação, arte de dizer, dicção, expressão, palavra” (DLP).
 A dificuldade é portanto óbvia: apurar em que sentido utiliza João de São Tomás a palavra. Deely decide-se, cumulativamente, por “expression” e “diction”. Neste trabalho, optou-se por “dicção” na suposição de que seria o mais adequado para exprimir simultaneamente “vocábulo” e “expressão”.  Note-se que Pinharanda Gomes, na tradução portuguesa do Perihermenias, chama enunciação ao termo, enquanto último constituinte significativo da locução: “A locução (logos) é um som oral com um significado convencional, em que cada parte, separadamente considerada, apresenta um significado como enunciação e não como afirmação ou negação. Pretendo dizer, por exemplo, que a palavra homem significa algo, mas em si mesmo não afirma nem nega [...]”

 Efficiens, effective:
 O primeiro termo reporta-se a “activo, que produz, prático” (DLP), enquanto o segundo poderia ser traduzido por “que efectua, que produz, eficiente” (DLP). Utilizados os termos no Tratado dos Signos, pela primeira vez, no segundo artigo das Súmulas, Definito et divisio signi, efficiens é traduzido por Deely como “productive”, enquanto effective passa, na versão americana do texto, a “effectively” (having an effect, producing the intended result [OAD]8 ). No presente trabalho optou-se por traduzir indistintamente ambos os termos por eficiente ou, na forma adverbial, eficientemente, emprestando-lhe não só o sentido que o termo tem em português corrente (“que produz realmente um efeito” [DULP]9 ), mas também o que vem tendo em Filosofia desde que Aristóteles estabeleceu a teoria das quatro causas, sendo que, na época de S. Tomás, e para a Escolástica, causa eficiente já não se prendia apenas à origem do movimento mas era “a que pela sua acção faz existir o que por si só é incapaz de existir [...] determina a passagem do não-ser ao ser” (Pires, 1989: 911). Refira-se ainda que Herculano de Carvalho, no ensaio “Segno e significazione in João de São Tomás” adopta precisamente o mesmo procedimento, tomando efficiens e effective por “efficiente” e “efficientemente”.

 Per, ad modum:
 Traduzido aqui por “ao modo de”, enquanto Deely prefere a fórmula “in the way of”.

 Ad aliquid:
 Dependendo do contexto em que é utilizado neste Tratado dos Signos, poderá ser traduzido quer por “relação”, quer por “ser para” (alguma coisa). Para se compreeder como este ad aliquid se plasma na noção de relação, nada melhor do que recordar o que foi e como nasceu o filosofar àcerca deste conceito. É Platão o primeiro a identificar, no Teeteto, a noção de relação, a que chama “o-para-alguma-coisa”. Aristóteles aborda o tema sistematicamente, incluindo a relação na Tábua das Categorias, sob a designação de “o para qualquer coisa” (prós ti). Já para os escolásticos “a relação é um modo de ser para [...] (esse ad)” (Pires, 1992: 663), e é precisamente neste sentido, enquanto puro respeito, que João de São Tomás utilizará o termo ad aliquid .

 Ratio:
 Tratou-se, de todos os termos em apreço, do mais difícil de verter para português. É vastíssimo o âmbito de significações que ratio pode assumir: “conta, cálculo, interesse, consideração, empenho, relação, comércio, trato, situação, estado, modo, género, espécie, natureza, inteligência, juízo, bom senso, prova, motivo, causa, argumento, explicação, opinião, sentimento...” (DLP) são apenas alguns dos sentidos mais correntes do termo em latim.
 Numa primeira abordagem, atendendo ao contexto em que o vocábulo é inserido no Tratado dos Signos, a opção de tradução que parecia mais adequada e que melhor inteligibilidade oferecia aos escritos de João de São Tomás era “natureza”, termo que se manteve durante grande parte do trabalho. Note-se que Deely optara, para solucionar a problematicidade deste ratio tão abundantemente empregue por João de São Tomás, pela palavra “rationale” (fundamental reason for or logical basis of something [OALD]), e explica porquê: “Illustrating the obsolete meaning of ratio as ‘rationale’ the OED cites Gale, writing in 1678: ‘the formal reason or nature of sin consists in its being a deordination or transgression of the divine law’ (Cont. Gentiles, III, 7). Hence, according to the OED, what we mean by ‘rationale’ today was expressed by ‘formal reason or nature’ just as Poinsot had written formalis ratio signi. Hence, according to the OED we must translate ‘formal reason’ or ‘nature’ of the 17th century english by contemporary term ‘rationale’. So likewise we must translate Poinsot’s term formalis ratio signi by ‘the formal rationale of the sign’” (Deely, 1985: 471). Sendo que este passo foi dado na suposição de que “rationale” exprime adequadamente o sentido simultaneamente realista e subjectivo de ratio.

 Para além da dificuldade, óbvia, de que não existe em português nenhum equivalente semântico de “rationale”, importa referir que em S. Tomás de Aquino e na Escolástica de inspiração tomista subsequente ratio é um termo técnico de âmbito muito mais vasto que o que o termo “razão” assume hoje para nós. Para São Tomás, ratio tanto pode ser a faculdade de pensar como aquilo pelo qual a realidade é o que é. Neste último sentido, muito mais amplo que o termo “razão” em português, ratio confunde-se com ideia, natureza, essência, e em alguns sub-contextos do Tratado dos Signos estes três termos seriam, porventura, mais adequados a uma inteligibilidade que permitisse a assimilação do texto sem esforço de maior. Note-se porém que ratio é, além de princípio de inteligibilidade, razão imanente, essencial e substancial das coisas, que se confunde mesmo com a sua essência: ela é a razão porque uma substância e seus acidentes são aquilo que são . “Tout être doit rendre compte de soi à la raison. Ce principe implique que le réel soi l’oeuvre d’une Pensée. Aussi bien parlera-t-on des raisons éternelles. On dira même qu’il y a une raison immanente en chaque chose, un logos, et c’est de son essence même, de son intelligibilité propre qu’on veut parler” (Nicolas, 1984:115).
 Daqui que a opção de Deely não pareça ser a mais feliz. Recorre a um vocábulo que o Oxford English Dictionary considera já obsoleto, de difícil assimilação, portanto, para um leitor contemporâneo, e pretende ainda investi-lo da capacidade de exprimir as nuances realistas e subjectivistas da doutrina de João de São Tomás; ora estas, a existirem, não estão depositadas no termo ratio mas na totalidade do Tratado dos Signos, donde poderão ser extraídas pelo leitor atento. Além disso, este “rationale” não parece dar conta da amplitude e carácter particular da ratio tomista, que é ser princípio imanente da cognoscibilidade das coisas determinando-as na sua actualidade. Por todas estas razões, optou-se no Tratado dos Signos por traduzir ratio por “razão”, que deverá, evidentemente, ser tomada como termo técnico que é no contexto da filosofia tomista.

 Species:
 Trata-se de mais um termo para o qual não existe hoje, em português, forma adequada de dar conta. Deely opta por traduzi-lo por “specifying form”, o que se revelará, como veremos, uma feliz aglutinação de sentidos. Já os tradutores britânicos de Santo Agostinho10, no passo em que este define a noção de signo11, optam por “impression”: “For a sign is a thing wich, over and above the impression it makes on the senses, causes something else to come into the mind as a consequence of itself”, enquanto a edição portuguesa do mesmo texto defenderá que “signo é tudo aquilo que para além do seu próprio aspecto que possui em si e nos apresenta aos sentidos, faz com que uma outra coisa nos surja no espírito”12  (itálico nosso).
 A verdade é que no contexto do Tratado dos Signos nenhuma destas belas paráfrases podia ser utilizada eficazmente, devido à frequência com que o termo species surge, enquanto a fórmula de Deely, em português, resulta numa asserção pleonástica. Assim sendo, species passou, naturalmente, a “espécie”, e por isso tentar-se-á aqui dar conta do significado do conceito na gnosiologia tomista. Espécie é a semelhança ou imagem das qualidades sensíveis de uma coisa, imagem essa que é imprimida nos sentidos para que o objecto seja conhecido. Desta forma, o intelecto recebe as espécies inteligíveis, enquanto os sentidos externos recebem as espécies sensíveis emitidas pelos objectos. A partir das espécies sensíveis a razão forma, por meio do intelecto agente, uma semelhança da coisa no espírito, e é a partir desta, chamada por extensão espécie inteligível, que o universal é abstraído do singular.

 Respicio/respicere:
 Destes dois termos se deu conta como “dizer respeito a”, “respeitar”; trata-se do acto de pura relação, de ser para... aquilo a que diz respeito ou que é respeitado.

 Relatio secundum esse/Relatio secundum dici:
 Traduzido aqui por “relação segundo o ser”, ou ontológica; e “relação segundo o ser dito”, ou transcendental, que correspondem à distinção elaborada pelos medievais secundum res, secundum verba.
 A relação ontológica, tal como foi primeiramente formulada por Aristóteles é aquela na qual os relativos têm todo o seu ser para outro; a sua essência é referir-se, ser relação a alguma outra coisa — secundum esse refere-se portanto não à existência das relações, mas a este seu modo particular de existir.
 Já a relação transcendental é a ordem para um termo exterior quando essa ordem está incluída numa realidade absoluta e concorre para a definir. A realidade absoluta é então referida a um objecto exterior a ela própria, existente ou não. Transcendental aplica-se aqui no sentido de que a relação perpassa e pode ser encontrada em diversas categorias do ser, visto tratar-se da pura generalidade que pode ser aplicada a uma vastíssima categoria de entes. Secundum dici trata-se então da forma como as coisas, embora mantendo em si, de alguma forma, uma certa realidade absoluta, podem ser definidas pela sua referência a um termo exterior. É por esta razão que Deely recusa situar as relações segundo o ser dito apenas no plano linguístico, preferindo, na sua tradução, dilatar a abrangência do termo traduzindo-o por “relation according to the way being must be expressed in discourse” (itálico nosso). Defende pois que em oposição a situar o secundum dici no plano meramente linguístico, o termo exprime, antes de mais, a realização na ordem do discurso de uma obrigação (must) imposta a essa ordem pela própria realidade, constituindo este conceito uma das chaves fundamentais para compreender a natureza e alcance do Tratado dos Signos.
 A verdade é que não se compreende muito bem a oposição que Deely quer aqui fazer ressaltar: é óbvio que a forma como as coisas são expressas no discurso é a forma como terão de ser expressas e que a realidade, de alguma maneira, se impõe às potencialidades criadoras e recriadoras da linguagem. Ainda assim, esta imposição da realidade ao discurso só pode ser extraída do Tratado dos Signos no final da sua apropriação como objecto — assim como um mineiro só no final da sua busca poderá, à força de picareta, extrair da rocha algumas esmeraldas. Sendo secundum dici a forma como os seres são expressos depois de submetidos ao processo de semiose, deverá ser traduzido o mais literalmente possível, de acordo com os usos da época, como “segundo o ser dito”. Que, em João de São Tomás essa forma se imponha, ou não, ao plano da expressão, isso deverá ser pacientemente minado ao longo do Tratado dos Signos, e não colocado ante rem, como um a priori da própria tradução. Esta é, de resto, a regra que Jean Gauvin se dota no processo de decifração de um texto filosófico e que, por maioria de razão, deverá ser seguida numa tradução, objecto que se destina a ser decifrado. É que ainda que um texto seja conhecido, compreendido e apropriado na sua totalidade, a progressão de outrém nesse texto deverá ser “fundada na sucessividade linear das linhas e páginas, uma progressão que autoriza retornos atrás mas proíbe a descontinuidade de um salto brusco para a frente. Tal é, pelo menos, a regra que sempre me impus: nunca recorrer a uma exposição de conjunto sobre o livro, para ‘resolver’ as dificuldades que levanta um texto preciso [...] e, correlativamente, não reconhecer como pertinentes senão os problemas que se referem ao passo do livro imediatamente em causa ou aos que já foram lidos”13

Notitia:
 Este vocábulo apresenta problemas quase insolúveis na forma de tradução por que se optou. Notitia é aquilo que é apercebido e fixado pela mente na sequência de um acto cognitivo. Deely vai vertê-lo por awareness, o que, tal como na opção aqui seguida, é um vocábulo ligeiramente mais activo do que deveria para se poder considerar a tradução integralmente correcta. A língua mais fadada para dar conta desta expressão parece ser o francês, onde notitia é, fiel e simplesmente, vertido por l’aperçu. No caso da versão portuguesa do texto que aqui nos ocupa, optou-se por dar conta de notitia como apercepção, importando, todavia, clarificar que a palavra não pode ser tomada nem no sentido de apercepção reflexiva, tal como foi utilizada por Leibniz, nem, puramente, no sentido de ‘acto de se aperceber de alguma coisa’, porque notitia é mais passiva — é o acto de se aperceber, mas é também aquilo que resulta na mente depois de dado o acto do sujeito de se aperceber de algo.

 Signatum:
 É, de todos os termos do Tratado dos Signos, o mais belo e cuja tradução foi, simultaneamente, mais simples mas também mais frágil. Com signatum João de São Tomás refere-se à própria coisa absoluta, tomada em si mesma, que o signo referencia; fala-se então do objecto, ou referente, para utilizar uma terminologia bem estabelecida nos nossos dias.
 Deely traduzirá signatum por “signified thing”, e trata-se de uma opção correctíssima. Em português poder-se-ia utilizar, visto que o verbo latino signo simplesmente não existe, mas é traduzido por “assinalar” e vocábulos semelhantes, “assinalado”. Seria uma opção literal, correcta, mas francamente deselegante face à beleza do verbo signo. Outra via possível seria utilizar a terminologia consagrada por qualquer autor para referenciar este conceito, e aí as opções seriam vastíssimas. O signatum de João de São Tomás foi, depois, para Frege e Peirce, “objecto”; para Eco, “referente”; para Morris, “denotatum”; para Russel, “denotação”; para Carnap, “extensão”. Nenhum destes termos capta a simplicidade, elegância e beleza da fórmula latina ao criar o verbo signo, que permite exprimir coisas tão extraordinárias como “Signo id quod signat signatum est”; (“Signo é aquilo que signa um signado”).
 Perante tal dificuldade, traduzir vocábulos que não existem na língua-alvo sem que nada se perca da perfeição essencial da forma original, vem em auxílio deste trabalho uma das muitas regras que Peirce estabeleceu e seguiu no domínio da terminologia: “Para as concepções filosóficas antigas negligenciadas pelos escolásticos, imitar, tanto quanto possível, a expressão antiga [...] Para as concepções filosóficas que divergem um cabelo que seja daquelas para as quais existem termos apropriados, inventar termos, tendo em conta os usos da terminologia filosófica e os usos da língua inglesa, mas conferindo-lhe no entanto uma aparência nitidamente técnica”14.
 Por todas estas razões, mas fundamentalmente porque falamos de termos estritamente técnicos e porque esta era a forma menos violenta e bárbara de os traduzir, ou adaptar, signare e signatum foram, respectivamente, traduzidos por “signar” e “signado”, sendo que o verbo, tal como em latim, pode muito facilmente ser conjugado.
 

II. A edição
 

 A bem da genealogia ninguém deixará de se colocar a questão: Quem descobriu o Tratado dos Signos no meio do imenso Curso Filosófico de João de São Tomás? Neste ponto três nomes surgem como referência incontornável para quem se dedica ao estudo do trabalho semiótico do Doutor Profundo: Jacques Maritain, José Gonçalo Herculano de Carvalho, e John Deely.
 A Maritain ficou a dever-se o primeiro ensaio sobre esta temática, Signe et Symbole, incluído na obra Quatre essais sur l’esprit dans sa condition charnelle (Paris, 1939). Segundo Herculano de Carvalho, foi a leitura desse trabalho que o levou depois à publicação de Segno e significazione in João de São Tomás, incluído no segundo volume de Estudos Linguísticos (Coimbra, 1969), trabalho esse precedido, três anos antes, pela análise e inclusão de copiosas referências ao mestre lisbonense, especialmente nos capítulos 7 e 8 do tomo I de Teoria da Linguagem (Coimbra, 1967)15. A paixão pelo dominicano nunca mais deixou Herculano de Carvalho, que ainda hoje lhe dedica aturado estudo, veja-se por exemplo o seu recente trabalho “Poinsot’s semiotics and the conimbricenses”, datado de 1995.
 Já a John Deely se deve a tradução e primeira edição autónoma do Tratado dos Signos, o Tractatus de Signis — the semiotic of John Poinsot, dado à estampa em 1985 pela University of California Press, sendo que, de acordo com Herculano de Carvalho, Deely, antes de iniciar a sua tradução, conhecia já tanto os trabalhos de Maritain quanto a sua própria obra, objecto de divulgação e interesse do outro lado do Atlântico16. Importa ainda notar que outros aspectos que não estritamente semióticos, dos cursos Filosófico e Teológico, têm sido persistente e continuamente objecto de trabalho e estudo por parte de numerosos autores, entre os quais se contam boa quantidade de portugueses e espanhóis. Quanto ao presente trabalho, a sua génese deve-se à notícia da existência da obra de Deely, a partir da qual foi possível recompor este percurso que conduz, invariavelmente, ao trabalho pioneiro de Maritain.
 E coloca-se agora a questão de saber quem cunhou a expressão Tratado dos Signos para se referir às Quaestiones XXI, XXII e XXIII do Curso Filosófico, que o compõem. Herculano de Carvalho, num trabalho recente, dá a entender que terá sido Deely o autor da expressão17. O próprio Deely, e com razão, é de opinião que o tratado foi baptizado pelo seu autor, João de São Tomás18. De facto o dominicano, na introdução, dirigida ao leitor, a toda a Lógica, e também na introdução à segunda parte da Lógica, explica claramente que em vez de um comentário ao De Interpretatione aristotélico, que se limitará a resumir em poucas páginas, prefere dar à estampa um “tratado àcerca dos signos e apercepções”, que remete para o final da segunda parte da Lógica devido às extraordinárias dificuldades que tal assunto encerra, dando contudo ao tema um tratamento muito geral, para principiantes, no início dos livros das Súmulas19. São estas razões mais que suficientes para se considerar que a expressão Tractatus de Signis foi inventada e proposta inicialmente por João de São Tomás, a ainda bem que assim sucedeu, pois onde se poderia encontrar um título melhor e mais adequado a esta obra?
 Segundo João de São Tomás, além das alusões feitas ao tema nos três primeiros artigos das Súmulas, o Tratado dos Signos é composto pelas Quaestiones XXI, XXII e XXIII da segunda parte da Lógica do Curso Filosófico, intituladas, respectivamente, De signo secundum se, De divisionibus signi, e De notitiis et conceptibus.
 Já para Herculano de Carvalho20, em ordem a compreender em toda a sua extensão a problemática semiológica tal como foi proposta pelo Doutor Profundo, seria necessário ler os dois primeiros artigos das Súmulas, as Quaestiones I a V das Quaestiones Disputandae21 , da primeira parte da Lógica; e ainda as Quaestiones XXI e XXII da segunda parte da Lógica.
 John Deely faz uma selecção muito diferente para a sua apresentação do Tratado dos Signos, considerando, além das Quaestiones XXI, XXII e XXIII expressamente nomeadas por João de São Tomás, ser necessário atentar ainda, na segunda parte da Lógica, nos artigos I, II e IV da Quaestio II — De ente rationis logico; e nos artigos I, II e III da Quaestio XVII — De praedicamento relationis. Nesta sua opção, bem diferente da de Herculano de Carvalho, Deely segue expressamente as instruções de João de São Tomás no prefácio à 4ª edição da segunda parte da Lógica, onde afirma que o Tratado dos Signos só deverá ser abordado “depois do conhecimento havido àcerca do ente de razão e categoria de relação”22 , precisamente as duas Quaestiones onde Deely faz um apanhado dos artigos mais relevantes, transformando-os, respectivamente, em “First Preamble: On mind-dependent being”; e “Second Preamble: On relation”, que apresenta separadamente dos três livros que constituem o Tratado propriamente dito.
 Cumpre explicar que João de São Tomás tem, de facto, razão. É impossível compreender o Tratado dos Signos sem primeiro investigar o que é dito no Curso Filosófico àcerca do ente de razão e da categoria de relação. Por esta razão, os cinco artigos mais importantes dessas questões foram introduzidos na presente edição do Tratado sob a designação de Livro Zero, sendo importante salientar que este Livro Zero não pertence propriamente ao De Signis, mas agrupa alguns artigos das Quaestiones II e XVII da segunda parte da Lógica, respectivamente De ente rationis logico e De praedicamento relationis. Estas foram aqui consideradas as questões fundamentais para a possibilidade de compreensão e interpretação do Tratado dos Signos, mas tal selecção não esgota, de todo, o manancial de problemas e informação que poderia ser extraída do Curso Filosófico e relacionada com estas questões. Assim, para além da proposta de Herculano de Carvalho de que já se deu nota, quem desejasse aprofundar a gnosiologia de João de São Tomás, tão intimamente ligada ao seu projecto semiótico, teria de fazer uma incursão aos seus livros De Anima, incluídos no terceiro volume do Curso Filosófico, e aí, nas Quaestiones IV, V e VI, seria indispensável abordar os seguintes artigos: “Utrum sensus sint potentiae passivae vel activae”, “Utrum sensibus externis conveniat deceptio et reflexio supra suos actus”, “Quod sit subiectum potentiae visivae et medium illius”, “Quomodo fiat actio videndi et quid sit”, “Utrum requiratur necessario, quod obiectum exterius sit praesens, ut sentiri possit”, “Utrum necessario sint ponendae species impressae in sensibus”, “Utrum sensus externi forment idolum seu speciem expressam, ut cognoscant”, “Utrum dentur sensus interni et quot sint”, “Quid sint phantasia et reliquae potentiae interiores, et in quibus subiectis sint”, “Quae sint species impressae et expressae in sensibus internis”, para nomear apenas alguns.
 Por último, resta referir as alterações à forma do Curso Filosófico a que se procedeu nesta apresentação do De Signis. Os três primeiros capítulos das Súmulas, passaram, na versão portuguesa, a artigos, devido à sua extensão mínima. As três Quaestiones que compõem o Tratado dos Signos recebem aqui o nome de Livros, tendo-se-lhe alterado a numeração original para I, II e III. O Livro Zero, como já foi dito, é constituído pela aglutinação de alguns artigos de duas Quaestiones distintas e é, de certa forma, exterior ao que João de São Tomás pretendia fosse o seu tratado. Quanto aos artigos que, na versão latina, compõem uma Quaestio, foram aqui chamados capítulos, por ser essa a divisão mais normal e corrente de um livro.
 

Notas:

1. Gadamer, Hans-George, Verdad y Método: fundamentos de una hermenêutica filosófica, p. 462, Ediciones Sígueme, 1957, Salamanca.

2. Tarefa difícil, senão mesmo impossível, de cumprir na totalidade. Até Deely admite que o seu trabalho tem tanto de tradução quanto de interpretação.

3 . Gadamer, Hans-George, Verdad y Método: fundamentos de una hermenêutica filosófica, p. 454, Ediciones Sígueme, 1957, Salamanca.

4. Simonin, “Review of the 1930 Reiser edition of Poinsot, 1631 and 1632”; citado por Deely, 1985: 459. Também Garrigou-Lagrange, citado por Deely, descortina um sentido na paixão circular do mestre dominicano: “Jean de Saint-Thomas avait, pour employer la terminologie de Denys, conservée par saint Thomas, la ‘contemplation circulaire’, qui, par opposition au mouvement ascensionnel, soit droit, soit oblique, revient constamment sur les mêmes choses, en décrivant plusiers fois le méme cercle, sans se lasser, pour mieux voir et revoir tous les aspects et toutes les richesses d’une vérité superieure. Ainsi l’aigle, aprés s’être élevé très haut par un mouvement droit ou par un mouvement en spirale, se plaît à décrire plusieurs fois le même cercle, puis à planer comme immobile, en scrutant l’horizon de son puissant regard. Ces retours circulaires sur les mêmes choses peuvent fatiguer les lecteurs qui ne sont pas parvenus à une vue si simple et si haute, qui n’ont pas la même joie que Jean de Saint-Thomas à ‘redire la même chose sans la répéter jamais’; ils voient la répetition matérielle, et pas assez la continuité formelle du regard intelligent... Ceci dit pour défendre le noble Jean de Saint-Thomas, tout en reconnaissant qu’il paraît quelque-fois un peu trop aimer le cercle sur lequel il revient, et qui n’est encore qu’une image lointaine de Dieu”.

5. E se bem que sejam admissíveis desvios ao uso corrente de um termo no tomismo, também se pressupõe que a própria literalidade do texto poderá, a qualquer momento, reconduzir o leitor a essa violação da norma.

6. Dicionário de Latim Português,  col. Dicionários Editora, Porto Editora, sd, Porto.

7. Nicolas, Marie Joseph, 1984, “Vocabulaire de la Somme Théologique”, p. 100,  in Somme Théologique, vol. I, Les Éditions du CERF, Paris.

8. Oxford Advanced Learner’s Dictionary, 1989, 4ª edição, Oxford University Press.

9. Dicionário Universal da Língua Portuguesa, 1995, Texto Editora, Lisboa.

10. Agostinho, Santo, On Christian Doctrine, trad. de Shaw, J. F., Encyclopaedia Brittanica, 1993, Chicago.

11. Definição essa que é citada e criticada por João de São Tomás logo no início do Tratado dos Signos.

12. Agostinho, Santo, Àcerca da Doutrina Cristã, in AA.VV, Textos de Hermenêutica: Agostinho, Espinoza, Hegel, Dilthey, Nietzsche, trad. de Reis, Alberto, e Andrade, José, Rés Editora, 1984, Porto.

13. Gauvin, Jean, “ O discurso da filosofia sistemática — experiências de leitura e investigações de estrutura”, in Philosophie du Langage, nº 21, 1971, p. 176.

14. Peirce, Charles Sanders, Collected Papers, vol. I, citado por Rodrigues, Adriano Duarte, 1991: 78.

15. Umberto Eco faz igualmente referência, na sua tese de doutoramento, ao trabalho semiótico de João de São Tomás, mas esse estudo, Il problema estetico in Tommaso d’Aquino, só foi editado um ano após a publicação do ensaio de Herculano de Carvalho, Segno e significazione in João de São Tomás; e também não é de crer que um trabalho de doutoramento sobre o Aquinate tenha deixado de escrutinar minuciosamente a obra de Maritain.

16. Veja-se, por exemplo, Luigi Romeo, “Pedro da Fonseca in Renaissance Semiotics: A Segmental History of Footnotes”, Ars Semeiotica, II, John Benjamin, 1979, Amsterdam.

17. “This is however not possible without a long and detailed comparison of his Tractatus de Signis (to use John Deely’s felicitous title) not only with the first chapter De Signis of the Comentarii in Libros Aristotelis De Interpretatione of the ‘Cursus Conimbricensis’, but with a number of other commentaries of the same aristotelian book...”; Carvalho, José Gonçalo Herculano de, “Poinsot’s semiotics and the conimbricenses”, p. 131, in Ensaios de homenagem a Thomas Sebeok, coord. de Norma Tasca,Fundação Engenheiro António de Almeida, 1995, Porto.

18. “To begin with, the main title of our presentation, Tractatus de Signis, it is the designation chosen by Poinsot himself to refer to this part of his work [...]”; Deely, 1985: 445.

19.“Ad haec metaphysicas difficultates pluresque alias ex libris de Anima, quae disputantium ardore in ipsa Summularum cunabula irruperant, suo loco amandavimus et tractatum de signis et notitiis in Logica super librum Perihermenias expedimus”; “Quod in prima Logicae parte promisimus de quæstionibus pluribus, quæ ibi tractari solent, hic expediendis, plane solvimus, excepto quod iustis de causis tractatum de signis, pluribus nec vulgaribus difficultatibus scaturientem, ne hic iniectus aut sparsus gravaret tractatus alio satis per se graves, seorsum edendum duximus loco commentarii in libros Perihermenias simul cum quæstionibus in libros Posteriorum, et pro commodiori libri usu a tractatu Prædicamentorum seiunximus.”
  (“Quanto a estas dificuldades metafísicas e outras dos livros Da Alma, que o ardor das disputas levou a introduzir no início dos livros das Súmulas, levei-as para local próprio, e desenvolvemos na Lógica, àcerca do De Interpretatione, um tratado àcerca dos signos e apercepções”; “Cobrimos aqui, como prometemos, as várias questões tradicionalmente tratadas na primeira parte da Lógica, excepto, por boas razões, o Tratado dos Signos, cheio com tantas e tão extraordinárias dificuldades, e assim, para libertar os textos introdutórios da presença destas dificuldades incomuns, decidimos publicá-lo separadamente em lugar de um comentário ao De Interpretatione e junto com as questões dos Analíticos Posteriores; e para um uso mais conveniente separamos o Tratado dos Signos da discussão das Categorias”); Tomás, João de São, in Tratado dos Signos, p. 55.

20. Vide “Segno e significazione in João de São Tomás”.

21. Vide Apêndice A — Índice da totalidade do Curso Filosófico segundo a edição crítica de Reiser.

22 . “Sed tamen, quia haec omnia tractantur in his libris per modum interpretationis et significationis, commune siquidem Logicae instrumentum est signum, quo omnia eius instrumenta constat, idcirco visum est in praesenti pro doctrina horum librorum ea tradere, quae ad explicandam naturam et divisiones signorum in Summulis insinuata, huc vero reservata sunt. Nunc autem in hoc loco genuine introducuntur, post notitiam habitam de ente rationis et praedicamento relationis, a quibus principaliter dependet inquisitio ista de natura et quidditate signorum. Ut autem clarius et uberius tractaretur, visum est seorsum de hoc edere tractatum, nec solum ad praedicamentum relationis illud reducere, tum ne illius praedicamenti disputatio extraneo hoc tractatu prolixior redderetur et taediosior, tum ne istius consideratio confusior esset et brevior”.
 (“Mas porque todas estas coisas são tratadas nestes livros por meio da interpretação e significação, e visto que o instrumento da lógica é o signo, de que constam todos os seus instrumentos; por isso, pareceu melhor agora, em vez da doutrina destes livros, apresentar aquelas coisas destinadas a expôr a natureza e divisão dos signos, que nas Súmulas foram introduzidas, e para aqui, portanto, foram reservadas. Agora porém neste lugar com toda a razão se introduzem, depois do conhecimento havido àcerca do ente de razão e categoria da relação, dos quais principalmente depende esta inquirição sobre a natureza e essência dos signos. Para que o assunto mais clara e frutuosamente seja tratado, achei por bem separadamente àcerca disto fazer um tratado, em vez de reduzir e incluir a questão na categoria da relação, para que a discussão da relação não se tornasse redundante e enfadonha pela introdução deste tema exterior; e também para que a consideração do signo não se tornasse mais confusa e breve”), (itálico nosso); João de São Tomás, in Tratado dos Signos.