O Homem e o seu Duplo1

Alexandre Figueiredo

 

Índice


 
 
``[...] tirar do limo da Ciência Humana actual um ser feito à nossa imagem, e que será para nós, em consequência disso, o que somos para Deus.''
Villiers de L'Isle-Adam2





``Oh! Ninguém poderia suportar o horror daquele rosto. Uma múmia que ressuscitasse não seria tão hedionda. Vira-o inacabado, e já era feio, mas, quando o animei, tornou-se algo que o próprio Dante não teria podido imaginar.''
Mary Shelley3

1  Prólogo

``Neste momento, apercebi-me da silhueta de um homem que avançava para mim a uma velocidade sobre-humana. Saltava por cima das fendas, entre as quais eu caminhara com precaução; a sua altura, à medida que se aproximava, parecia ultrapassar a de um homem. Fiquei perturbado. Os meus olhos velaram-se e julguei desmaiar, mas logo fui reanimado pelo vento frio das montanhas. Vi, horrorizado, dirigir-se para mim o miserável que tinha criado. Tremia de cólera e de horror, mas decidi aguardá-lo e acabar de uma vez para sempre com ele. Aproximou-se. Lia-se-lhe no rosto um grande medo misturado com desdém e crueza, a sua fealdade fora do humano tornava-o demasiado horrível de ver. Mas mal reparei em tudo isto. A raiva e o ódio tinham-me tirado ao princípio a palavra, e só me dominei para esmagá-lo com cólera e desprezo:

--- Demónio! --- exclamei. --- Ousas aproximar-te de mim? Não temes a vingança selvática do meu braço levantado por cima da tua miserável cabeça? Desaparece, vil criatura! Ou, antes, fica, para eu poder reduzir-te a pó! Oh, se pudesse, suprimindo a tua miserável existência, devolver a vida às vítimas que tão diabolicamente assassinaste!

--- Contava com este acolhimento --- respondeu o demónio. --- Todos os homens odeiam os infelizes; como sou odiado, eu, mais miserável do que qualquer ser humano! Contudo, tu, o meu criador, detestas e repeles com desprezo a tua criatura, a quem estás ligado por laços que só a morte de um de nós pode quebrar. Queres matar-me! Como te atreves a brincar assim com a vida? Cumpre o teu dever para comigo, que eu cumprirei o meu para contigo e para com o resto da humanidade. Se quiseres subordinar-te às minhas condições, deixar-te-ei em paz; mas se recusares, saciar-me-ei no sangue dos amigos que te restam!

--- Monstro detestado! Demónio que és, as torturas do Inferno são uma vingança demasiado suave para os teus crimes! Censuras-me por ter-te criado; aproxima-te então, para poder extinguir a centelha de vida que te dei tão imprudentemente!

A minha raiva não tinha limites. Atirei-me a ele, impelido por todos os sentimentos que podem armar um homem para matar outro.

Afastou-me sem dificuldade e disse:

--- Acalma-te! Ouve bem antes de dares livre curso ao teu ódio! Não sofri eu já o bastante para que ainda procures aumentar o meu infortúnio? A minha vida, a minha triste vida ainda me é querida e defendê-la-ei. Não esqueças que me fizeste mais forte do que tu; mas não quero lutar contigo. Sou a tua criatura e serei meigo e dócil para com o meu amo e senhor, se quiseres desempenhar o papel que te cabe. Oh!, Frankenstein, se és justo para todos, não me esmagues, a mim a quem deves não só a tua justiça, mas a tua demência e o teu afecto. Eu deveria ser o teu Adão; mas sou, antes, o anjo caído em descrédito que banes do Paraíso. Vejo em todo o lado uma ventura de que estou irrevogavelmente excluído. Eu era benevolente e bom; a mágoa fez de mim um demónio! Torna-me feliz e voltarei a ser virtuoso...

--- Desaparece! Não quero ouvir-te. Não temos nada em comum, somos inimigos. Desaparece, ou mediremos forças num combate em que um de nós sucumbirá.

--- Como posso eu comover-te? Nenhum dos meus rogos logrará fazer-te encarar com um olhar favorável a tua criatura que implora a tua bondade e a tua piedade? Acredita-me, Frankenstein, eu era bom, a minha alma transbordava de amor e de caridade; mas não estou só, desesperadamente só? Tu, o meu criador, detestas-me; que posso esperar dos teus semelhantes que não me devem nada? Repelem-me e odeiam-me. As montanhas desertas e os tristes glaciares são o meu refúgio. Errei aqui durante inúmeros dias; as grutas de gelo, que sou o único a não temer, constituem a minha casa, a única que os homens não me recusam. Saúdo o céu inclemente porque é melhor para mim do que os teus semelhantes. Se todos os humanos conhecessem a minha existência, fariam como tu, armar-se-ia para destruir-me! Como não hei-de eu odiar os que me detestam? Não pouparei os meus inimigos. Todavia, está em teu poder prestar-me justiça. Deixa-te enternecer e não me desdenhes. Ouve a minha história; quando a tiveres ouvido, abandona-me ou lastima-me, mas ouve-me. Os culpados que ainda têm as mãos cobertas de sangue são autorizados pelas leis humanas a defenderem-se antes de serem condenados. Frankenstein, acusas-me de ter assassinado e, no entanto, matar-me-ias, a mim, a tua criatura, com uma consciência tranquila. Bela justiça a do homem!

--- Porque me lembras --- repliquei --- acontecimentos em que só penso estremecendo? Maldito seja o dia em que viste a luz! Malditas sejam as mãos, as minhas, que te formaram! Tornaste-me mais infeliz do que pode exprimir-se. Não me deixaste a força de saber se sou justo ou não para contigo. Desaparece, livra-me da tua presença horrível!''4
O trecho da popular obra de horror do século XIX que acabamos de convocar constitui apenas uma das muitas referências que ao longo da história da criação literária ficcional poderão ser encontradas no que à produção de criaturas artificiais diz respeito.

Com efeito, o processo ascensorial do Homem à categoria de divindade com todos os predicados que a esta entidade estão adstritos constitui um dos mais antigos projectos da humanidade, anterior mesmo à noção da própria divindade na forma e conceito hoje assumidos nas sociedades ocidentais.

Na realidade, ``o tema das criaturas artificiais construídas pelo homem à sua imagem é abordado por um conjunto de narrativas que recorrem tanto à linguagem da literatura, da religião ou da arte, como à linguagem das ciências e das técnicas''5 e que se estendem ``por cerca de dois mil anos''6.

O artificial é, todavia, ainda que criado à imagem e semelhança do homem7, tal como o Homem o fora já em relação à divindade sua criadora, na esmagadora maioria das obras produzidas acerca da temática, entendido enquanto uma entidade ética, moral e ontologicamente inferior ao seu criador não obstante ser dotado de todos os artifícios necessários a suplantar a imperfeição original e fundadora humanas, sendo também capaz dos maiores feitos e prodígios de todo impossíveis ao limitado corpo carnal do criador.

Parecendo convocar a rebelião original da espécie humana contra o seu próprio criador no momento em que Adão e Eva são expulsos do Paraíso por terem desrespeitado a imposição divina de não tocarem/provarem dos frutos da árvore do conhecimento8, também no caso das criaturas artificiais é frequente a insurreição destes contra o génio criador, neste caso, com efeitos particularmente destrutivos, uma vez que na generalidade destas narrativas o engenho humano tende para a fatal mitigação das suas faltas e fraquezas fundadoras, donde decorrem criações/existências infinitamente mais poderosas que o ser gerador e, consequentemente, amplamente mais perigosas para a própria manutenção e preservação do ``pai''.

Ironicamente a espécie humana parece ser aqui alvo de uma dupla punição pela sua ``arrogância'' intelectual. A primeira resulta da expulsão do Paraíso; a segunda decorre do terror e tormento das perseguições movidas pelas criaturas aos criadores. Sendo as primeiras mais completas e potentes que os segundos, é frequente a criatura superar e aniquilar o criador. A materialização da ironia acima enunciada parece configurar um impedimento formal de Deus em relação à duplicação/geração de ``vida'' pelo homem. Não será permitida à criatura do supremo criador a criação das suas próprias criaturas.

Dos postulados acima enunciados ressalta uma evidência: seja na sua qualidade de criatura ou criador, o Homem, parece fatalmente convergir para a condição de vítima de uma justiça negra que se perpetua e centra naquele que constitui o seu principal activo -- o património intelectual.

De tudo o que atrás se disse, conclui-se então que, a maioria das criaturas artificiais, emanadas do génio e engenho criadores do Homem, aparentam concorrer para uma negatividade essencial, que julgamos ter origem na presença dos múltiplos dogmas oriundos da tradição moral cristã (que vedam à Humanidade a possibilidade de ascensão à categoria de criadores), e se encontram ainda fortemente presentes na criatividade dos escritores, enquanto constrangimentos formais.

Desta conclusão decorrem duas realidades distintas: o artificial, ainda que duplo do humano é sempre e em qualquer circunstância entendido enquanto ``outro'' e apresentado como algo de pecaminoso ou ilegítimo. Por outro lado, o ``outro'' representa por norma a superação física e material do humano9. A rebelião da criatura convoca todos os ``fantasmas'' e medos humanos derivando a narrativa dramaticamente para algo de terrífico, monstruoso e medonho onde o Homem surge confrontado com os seus terrores mais profundos. Fruto de uma moral e intelecto superiores o criador acaba também por, invariavelmente, derrotar e destruir a criatura, facto que, apresenta novo paradoxo, (que consiste, sumariamente, num primeiro momento no intenso esforço e investimento que são realizados em prol de uma criação que, num segundo estágio, se constituirá como o alvo da fúria e empenho humanos visando a inversão desse instante gerador donde decorre a posterior e inevitável aniquilação da criatura).10

Neste contexto, a temática que serve de base ao presente trabalho de investigação centra-se essencialmente na reflexão e confrontação entre o Homem e o ``Outro'' atrás enunciado, assim como na procura de elementos que possam justificar a repetida apresentação do ``Outro'' que afinal resulta de um trabalho de reprodução do próprio e pelo próprio, enquanto monstro terrível e, como de resto, enuncia Mary Shelley, como o ``inimigo''11.

Deste modo será proposta uma viagem de âmbito genealógico à eclosão das criaturas artificiais e sua consequente evolução/apresentação nas diferentes épocas históricas para, posteriormente, recentrarmos, já no epílogo da presente investigação, o enfoque na polémica em torno da qualificação/classificação deste Outro no conjunto das categorias humanas. Será o outro, vida? Existência? Representará uma mera extensão do humano ou, poderá, em breve, ser incluído na definição de humano, enquanto legítimo constituinte de uma humanidade em transformação e evolução(?)? Será o outro ainda outro? Ou, poderá o outro vir a assumir-se enquanto próprio do próprio? Ou estará, pelo contrário, condenado à eterna condição de um outro ou, se preferirmos, de um próprio menor ou de segunda categoria?

2  Genealogia das Criaturas Artificiais

``As narrativas que evocam a fabricação de criaturas à imagem do homem inscrevem-se assim numa genealogia particular [...]. Elas estendem-se por cerca de dois mil anos e o corpus por elas constituído é formado por cerca de uma dúzia de grandes textos, que põem em cena seres tão distintos como Pigmalião, o golem, os autómatos de Jacques de Vaucanson, a criatura do Dr. Frankenstein, os robots da ficção científica e o computador. [...] evoca-se o projecto precedente de construção de uma tal criatura, mas criticam-se os seus métodos primitivos e inadequados. Cada época introduz a sua ``solução moderna'' para o problema colocado por essa construção. A modernidade será, assim, sucessivamente assumida pela magia, pela mecânica, pela automação, pela informática [...] pela biologia (e, pela nanotecnologia, acrescentamos nós -- que constituirá a ``solução moderna'' para o problema na viragem do século XXI e, pelo menos até meados deste -- assim o projecto actual seja efectivamente cumprido). O projecto em si mesmo faz prova de uma notável permanência através do tempo.''12
Os cinco momentos/abordagens, marcantes de outras tantas épocas, à problemática em causa identificadas por Philppe Breton, (ao qual ousámos acrescentar uma sexta, enquanto actualização do próprio trabalho de Breton, e que consiste no fenómeno ainda embrionário da nanotecnologia que, representará possivelmente a superação da visão biológica antes mesmo desta ser efectivamente esgotada), constituem, efectivamente, a recolha de diferentes soluções para um mesmo e perpétuo problema, cuja solução poderá emergir nesta nossa modernidade. Todavia, aquele que consideramos o ponto mais importante da questão reside justamente na alargada escala temporal que o mesmo tem ocupado no pensamento e ciência humanas que, nas palavras de Breton, será mesmo superior a dois milénios.

Porém, destes dois milénios de história do projecto de duplicação humana, emerge uma concepção comum a todos os momentos e que, apenas a nossa ``modernidade'' parece procurar (ainda que tenuemente) mitigar, diz respeito à concepção do duplo sempre enquanto outro e, nunca, enquanto próprio ou mesmo extensão do próprio. Ponto assente: o artificial é sempre e, em qualquer caso, o outro, o diferente, o monstruoso, o perigoso, o ``sombrio'' e cuja natureza tende natural, inevitável e fatalmente para a rebelião contra o criador, quase como se de uma investida divina punitiva se tratasse sobre a ousadia humana de procurar imitar o seu próprio criador.

2.1  Nos Antípodas das Criaturas Artificiais

As primeiras referências a criaturas não humanas animadas encontram-se nas histórias do Golem e Pigmalião13 , ainda que o tema que tratam possa já ser encontrado quase um milénio antes nos escritos de Platão a propósito do pretenso carácter vivo e animado de algumas estátuas que careciam de ser acorrentadas de modo a impedi-las de partir durante a noite.

Será aliás em torno da problemática das estátuas que a produção ficcional a propósito das criaturas artificiais tem na verdade o seu início. A história de Pigmalião e Galateia retoma o tema da vida nas estátuas já anteriormente ``observado'' por Platão. Nesta narrativa impregnada de crenças e ``magia'', segundo a investigação de Philippe Breton, um jovem rei de Chipre, Pigmalião teria esculpido, em marfim branco, com arte e sucesso extraordinários, uma mulher artificial à imagem daquela que pretendia como esposa. Após a intervenção de Afrodite a estátua ter-se-ia animado, sendo então elevada à categoria de ser artificial fundador, concebido pelo homem à sua imagem. Não obstante o seu carácter vincadamente primitivo, bem patente aliás na necessidade de recurso à magia/intervenção divina para conferir vida à obra de Pigmalião, concluindo deste modo o seu trabalho, não poderá, contudo, ser ignorada enquanto objecto inaugural na problemática da duplicação/reprodução da vida e forma humanas em seres ``artificiais''.

O golem inicial, produzido num contexto religioso específico e, as suas diferentes variações ao longo dos séculos (a figura do golem perdurou até ao início do século XX -- sempre com grande proximidade à doutrina judaica), marcam já uma evolução relativamente à criação de Pigmalião, nomeadamente ao nível do processo gerador de tais existências e, mesmo no respeitante à própria natureza das mesmas que poderiam ser invocadas por meio da oração, substituindo ainda o homem em algumas tarefas concretas. Assinale-se, neste particular, a introdução de uma conceptualização deveras inovadora. Com efeito, o golem introduz na genealogia das criaturas artificiais a noção de substituição do seu análogo humano em tarefas específicas e contextos concretos. ``Eles (homens judeus, mas em casos acarretados também cristãos) fabricam, depois de determinadas orações e alguns dias de jejum, a forma de um homem em barro e quando pronunciam sobre ele a fórmula hamephorasch, a figura anima-se e, embora não saiba falar, compreende o que se lhe diz e ordena e executa toda a espécie de trabalhos domésticos; mas não deve sair de casa.''14

Como se pode inequivocamente aferir pelo trecho acima transcrito, o Golem, ainda que tenda a perpetuar a longínqua tradição das estátuas animadas, é convocado para junto dos homens com uma intenção concreta: a de auxiliar/executar todo o tipo de tarefas domésticas, elemento que, estamos em crer inaugura toda concepção do artificial enquanto substituto do homem, num quadro em que as semelhanças se encontram apenas no foro físico e, nunca no domínio intelectual, excesso próprio do humano como refere Nietzsche15 e, necessariamente inalienável, visão que imperou até pelo menos ao século XIX.

Deve ainda salientar-se que a história das criaturas artificiais é de algum modo paralela à do Golem, chegando mesmo, em momentos concretos a confundir-se, uma vez que o Golem constitui a única configuração artificial que acompanha todas as etapas deste projecto, desde os seus antípodas até pleno século XX. Com efeito, se o Golem surge referido pela primeira vez em escritos que datam de um tempo próximo da fábula de Pigmalião, o seu registo estende-se pela Antiguidade Clássica, Idade Média, Renascimento, Modernidade e século XX, sendo que a invocação de tal criatura não acompanhou a evolução das diferentes concepções do artificial, uma vez que o procedimento surge sempre associado a um quadro mesclado que combina magia com crença e práticas religiosas.

Os primeiros autómatos, concebidos à imagem do homem datam, nos termos enunciados por Philippe Breton, do século XIII, época, à qual Albert Le Grand terá alegadamente construído um homem artificial recorrendo para tal ao metal, madeira, couro e cera. Idêntica foi a obra de Roger Bacon que também neste mesmo século terá desenvolvido, a partir do ferro, um projecto análogo aos robots, projecto que lhe teria valido inclusive a acusação de práticas de magia.

Embora não totalmente ausente no Renascimento, mormente por meio dos trabalhos de Leonardo Da Vinci (que se preocupou com o estudo do funcionamento do corpo humano) e do inevitável Golem (ainda que, numa franja bastante restrita da cultura e sociedades presentes) é, contudo, na Modernidade que a questão adquire toda uma nova actualidade. Com efeito, os séculos XVII e XVIII marcam a ascensão do pensamento mecanicista e o entendimento da natureza e do corpo humano enquanto as máquinas por excelência. ``É nesta perspectiva que os mecanicistas do Iluminismo são frequentemente citados, nomeadamente Jacques de Vaucanson (1709-1782) que tenta, desde 1730, a realização de ``anatomias móveis'' que reproduzam as principais funções da vida: respiração, digestão, circulação. O século XVIII é incontestavelmente o grande século do autómato. O desejo de criar um homem artificial incorpora-se então claramente no seio do mundo das realizações técnicas. E, em particular, da mecânica, então em grande expansão. Este projecto é considerado, graças a estas novas tecnologias, como estando prestes a realizar-se.''16

São exemplos desta geração criadora, os autómatos de Pierre Jaquet-Droz e seu filho, o escritor, o desenhador ou a tocadora de música. Já no final do século são efectuadas tentativas mais arrojadas que incidem sobre a reprodução da voz humana. Neste domínio destacam-se o abade Mical, autor das ``cabeças falantes'', o barão Von Kempelen com a sua ``máquina falante'' ou ainda e, principalmente, Jacques de Vaucanson que construiu vários autómatos antropomorfos, cujo intuito final seria o da realização de um projecto superior e amplamente mais grandioso: o de construir um homem artificial, empresa essa decorrente das realizações anteriores.

2.2  A Temática das Criaturas Artificiais na Literatura do Séc. XIX

O século XIX trás por outro lado, imbuído do espírito fantasmagórico que caracteriza o período, três importantes transformações importantes; a primeira inscreve-se no desvelamento de novos trilhos no que à problemática em epígrafe diz respeito (as concepções maquínicas dos séculos imediatamente precedentes evoluem e actualizam-se para a era da electricidade17 -- no caso da Eva Futura de Auguste Villiers de L'Isle Adam, ou tendem para uma biologia emergente18 -- altamente ingénua, irreal e ficcional -- no exemplo da criatura do Dr. Victor Frankens-tein que encontramos na história de horror de Mary Shelley, podendo também assumir a recuperação do tema das estátuas animadas da antiguidade através do romance de Ernst Hoffmann). A segunda poderá ser enquadrada numa mutação que identificamos enquanto metamorfose de registo: na realidade, as criações técnicas mecânicas cedem o seu espaço a criaturas mais evoluídas mas sem existência material, porquanto se encontram unicamente (a excepção conhecida consiste no texto de Heinrich Von Kleist19) presentes no domínio da ficção literária.

Por último ocorre também uma transmutação ao nível das implicações do próprio projecto de construção de criaturas artificiais. Com efeito, o século XIX abandona um certo ideal de optimismo e esperança na criação de seres análogos ao homem (que até então parecia ter vigorado -- ou pelo menos, não eram equacionados potenciais efeitos negativos nesta demanda) para desembocar no espírito fantasmagórico, críptico, pessimista, céptico e profundamente negativista relativamente ao artificial, encarnando na verdade o essencial do espírito e pensamentos desse período.

Esta desconfiança e cinzentismo essenciais, se questionáveis na ficção de Villiers já o não serão seguramente na obra de Mary Shelley, que parece ser representativa dos mais profundos receios humanos relativamente à duplicação do próprio, ao mesmo tempo que aparenta recuperar uma certa moral de índole religiosa, sempre ciosa e altamente interventiva na defesa da suprema criação, como dom exclusivo e inalienável da sua própria Criatura. Neste contexto, merece especial referência o afastamento cada vez mais evidente entre o Humano criador e o objecto da sua criação. Também, a este nível a obra de Mary Shelley é inequívoca.

Na mesma linha é apresentada Hadaly Habal, a obra/produto do engenho inventivo de Thomas Edison para o nobre britânico Lorde Ewald, se bem que, neste caso, a referência seja amplamente mais rica do que no primeiro exemplo citado. A escolha do nome Hadaly Habal, para designar a criatura a que o génio literário de Villiers dá corpo e ``alma'', em A Eva Futura, não é aliás inocente e, procura mesmo, convocar essa mesma ruptura fundadora ente o humano e a sua cópia/duplo. Hadaly e Habal constituem respectivamente os termos iraniano e hebraico para designar Ideal e Ilusão, em suma, a realidade à qual a Andróide está condenada por materializar uma mera cópia de Miss Alicia Clary por cuja singular beleza e atributos físicos, Lorde Ewald se apaixonou, desprezando, porém, a sua componente imaterial e a sua mui pouco nobre alma.

Ainda que, no final da obra os sentidos apurados e as dúvidas de Lorde Ewald relativamente a Hadaly sejam testados e fracassem perante a realidade de uma cópia/ilusão tão fiel no seu aspecto material quanto o original, o que não é possível ignorar é o tema recorrente ao longo das várias centenas de páginas da ficção de Villiers, na profundas clivagens que se estabelecem entre o elemento humano e a sua cópia, entre a carne e a sua duplicação, entre a pele e as suas réplicas, entre a alma e a alma que Hadaly irá encarnar, em suma, entre a alteridade e a mesmidade, entre o próprio e o não-próprio.

Ao longo de todo o extenso diálogo entre os dois principais protagonistas da saga, Lorde Ewald e Thomas Edison, acompanhamos as dúvidas do primeiro quanto à ``naturalidade''/''realidade''/''fidelidade'' da cópia de Miss Alicia Clary, relativamente ao original, e as garantias fornecidas pelo segundo sob juramento, das quais abaixo se reproduz um dos trechos mais marcantes, em jeito de súmula da temática central nesta obra genial e como conclusão à ilustração que se procurou fazer às criaturas artificiais no século XIX:
``[...] Isto é o braço de uma andróide à minha maneira, movida pela primeira vez por esse fantástico agente vital a que chamamos Electricidade, que lhe dá, como vê, todo o natural, toda a maciez, toda a ilusão da vida!

- Uma Andróide?

- Uma Imitação Humana, se preferir. A dificuldade a ser evitada é não fazer o fac-simile ultrapassar, fisicamente, o modelo. Está lembrado, meu caro lorde, desse cientistas de outrora que tentaram forjar simulacros humanos? [...]

- Mas hoje, prosseguiu, o tempo passou! A Ciência multiplicou as suas descobertas! As concepções metafísicas aperfeiçoaram-se. Os instrumentos de cópia, de identidade, são hoje de uma precisão perfeita. [...] Agora podemos realizar fantasmas espantosos, misteriosas presenças mistas com as quais nossos antecessores nem ousavam sonhar, pois teriam sorrido dolorosamente diante dessa ideia decretada impraticável! [...] -- Ainda uma experiência: quer apertar esta mão? Quem sabe? Talvez lhe responda.

Lorde Ewald pegou os dedos e apertou-os levemente.

Que assombro! A mão correspondeu a essa pressão com uma afabilidade tão suave, que o rapaz pensou que talvez fizesse parte de um corpo invisível. Tomado de uma profunda inquietação deixou cair aquela coisa das trevas. [...]

Vou demonstrar-lhe, matematicamente, e agora mesmo com os formidáveis recursos actuais da Ciência --- e isso de maneira fria, talvez, mas indiscutível --- posso apoderar-me de graça, da plenitude de seu corpo, do odor de sua carne, do timbre sua voz, da flexibilidade de sua cintura, da luminosidade de olhos, das características de seus movimentos e de seu andar, personalidade de seu olhar, de seus traços, de sua sombra no de sua aparência, do reflexo de sua Identidade, enfim. - assassino de sua animalidade triunfante. Primeiramente vou reencarnar toda essa exterioridade, que, para o senhor, e deliciosamente mortal, em uma Aparição cuja semelhante a encantos HUMANOS ultrapassarão sua esperança e todos os seus sonhos! Em seguida, no lugar dessa alma que lhe repugna na moça de carne osso, insuflarei uma outra espécie de alma, menos consciente de si mesma, talvez (aliás, que importância tem isso? Como vamos saber?), mais sugestiva de impressões mil vezes mais belas, mais nobres, mais elevadas, isto é, revestidas desse toque de eternidade sem o que tudo não passa de comédia20 entre os que vivem. Reproduzirei fielmente e, desdobrarei essa mulher com a ajuda sublime da Luz! E, projectando-a sobre sua MATÉRIA RADIANTE, iluminarei com sua melancolia, milorde, a alma imaginária dessa nova criatura, capaz de maravilhar os anjos. Aniquilarei a Ilusão! Fá-la-ei prisioneira. [...]

Enfim, para resgatar-lhe o ser, pretendo poder -- e provar-lhe previamente, ainda uma vez que, realmente, posso fazê-lo: tirar do limo da Ciência Humana actual um Ser feito à nossa imagem, e que será para nós, em consequência disso, O QUE SOMOS PARA DEUS.

E o cientista jurou, levantando a mão. [...]

A essas palavras, Lorde Ewald ficou como que desvairado diante de Edison. Parecia que não queria compreender o que lhe era proposto.

Depois de um minuto de assombro:

- Mas...uma tal criatura sempre seria apenas uma boneca insensível e sem inteligência!

- Milorde, respondeu Edison gravemente, juro-lhe: preste atenção para que, ao comparar o modelo e ouvindo as duas, não seja a humana que lhe pareça o autómato.

Ainda não tendo voltado completamente a si, o rapaz sorria amargamente, com uma espécie de palidez um tanto constrangida.

- Vamos esquecer isso, disse. O projecto é estarrecedor: o resultado será sempre uma máquina! Ora! O senhor não irá criar uma mulher! [...]

- Juro que não distinguirá uma da outra! [...]

IMPOSSÍVEL, Edison. [...]

- O senhor pode reproduzir a IDENTIDADE de uma mulher? O senhor, nascido de uma mulher?

- Mil vezes mais idêntica a ela..., do que ela própria! [...]

- O senhor seria capaz de reproduzi-la com toda a sua beleza? sua carne? sua voz? seu andar? seu aspecto, enfim?

- Com o Eletromagnetismo e a Matéria-radiante enganaria o instinto de uma mãe, quanto mais a paixão de um amante. - Veja! irei reproduzi-la de tal forma que se, daqui a uns doze anos, ela tiver oportunidade de ver sua sósia ideal, que ficou imutável, derramará lágrimas de inveja -- e de assombro! [...]

- Mas empreender a criação de um tal ser, murmurou Lorde Ewald, pensativo, parece-me que será afrontar...Deus. [...]

- Dar-lhe-á uma inteligência?

- Uma inteligência? não: a INTELIGÊNCIA, sim.''21

2.3  As Criaturas Artificiais no Quadro do Nosso Tempo Moderno -- Séculos XX e XXI

Neste nosso percurso genealógico eis-nos, enfim, chegados ao século XX, pioneiro na apresentação de um projecto científico coerente e credível no sentido do solucionamento do projecto da duplicação do homem ou, se preferirmos, da assumpção do papel de criador por parte do homem, mantendo, todavia, no capítulo da produção ficcional, as características mais marcantes das obras emblemáticas que dominaram o século antecessor e o mesmo timbre/registo crítico, céptico e profundamente sombrio relativamente ao projecto da criação de vida artificial e de duplicação do humano.

Observemos então, mais detalhadamente cada uma destas categorias:

2.3.1  As Criações Artificiais no Cinema e na Literatura

Este será com efeito o registo, tanto no domínio cinematográfico quanto na literatura da ficção científica. Ninguém, por certo, desconhecerá pelo menos uma de entre a vasta profusão de criações artificiais com que a criatividade de argumentistas e escritores vem desde há décadas povoando o nosso imaginário colectivo.
``As criaturas artificiais à imagem do Homem estão abundantemente presentes na literatura de ficção científica ou de antecipação. A riqueza sobre este domínio é tal sobre a questão dos robots, dos andróides, ou dos cyborgs, que é difícil escolher entre as múltiplas histórias que evocam a criação e a existência de tais seres22. Tanto mais que, para a maioria dos autores de ficção científica, a questão da criatura artificial é ponto assente e a sua existência considerada frequentemente um facto adquirido, sobre o qual nada há a explicar. O robot tornou-se de tal forma num lugar comum neste tipo de literatura que, muitas vezes é a sua presença que permite identificar o género literário de um texto.''23
Ainda seguindo a investigação de Breton são convocados para o seio da discussão dois dos mais populares autores de ficção científica: Philip K. Dick e Isaac Asimov24, enquanto contendores numa mesma causa, ainda que advogando posições manifestamente opostas. O primeiro prossegue a linha pessimista do século XIX; Asimov, ao invés, procura reunir um conjunto de criaturas dóceis, respeitadoras da sua condição existencial e, projectando, por conseguinte, uma imagem necessariamente diferente das demais. Aliás, como advoga Breton ``o trabalho de Asimov inscreve-se menos no contexto da literatura propriamente dita, do que numa tentativa mais militante de fazer o mundo partilhar de uma certa forma de optimismo tecnológico.''25

Será, contudo, no período que se seguiu à IIa Grande Guerra Mundial, especialmente a partir das décadas de 60 e 70, com especial incidência nesta última, que o tema das criaturas artificiais na literatura e cinema adquire uma actualidade e preponderância avassaladoras.

Esta situação é directamente decorrente dos espantosos avanços científicos que se registaram a este nível, demasiadamente optimistas e que se inscrevem na emergência de novas disciplinas científicas, que se dedicam exclusivamente a esta temática: pela mão de Norbert Wiener surge primeiro a cibernética, ainda durante a década de 40, para, anos mais tarde, já nos meados dos anos 60 emergir uma ramificação da área mãe que visava explicitamente a criação de ``seres''/máquinas inteligentes (baseadas nos progresso obtidos no campo das ciências informáticas) dispondo de capacidades senão superiores, pelo menos, análogas às dos humanos. Referimo-nos, concretamente, à Inteligência Artificial, que será objecto de uma análise mais exaustiva em capítulos próximos.

Estava então inaugurada a época de ouro das criaturas artificiais. Impulsionados pelas descobertas científicas e por uma outra área que trilhava também os seus primeiros passos (a divulgação científica -- de que Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e Carl Sagan são os percursores mais conhecidos), os autores do género ficção científica (que, não raras vezes construíam histórias e enredos tomando como ponto de partida as suas próprias investigações -- qualquer um dos nomes atrás citados constituem exemplos esplendorosos dessa mesma realidade26), lançam-se na produção em massa de seres artificiais, não necessariamente com fisionomias análogas à humana.

A este nível, poderão ser referenciados os exemplos dos andróides27 e cyborgs28 da saga de George Lucas -- A Guerra das Estrelas (ainda não concluída, decorridas mais de três décadas do lançamento do primeiro filme), o supercomputador presente a bordo de nave espacial Voyager, HAL 9000, em 2001 -- Odisseia no Espaço, a saga dos Terminators que Arnold Schwarzenegger incarnou29, mas também as narrativas em torno dos Replicants de Blade Runner, o andróide Data e a civilização Borg30 da popular série televisiva e cinematográfica Star Trek, as diferentes existências de Inteligência Artificial de Steven Spielberg e, por fim, a mais recente produção do género materializada na adaptação de Alex Proyas à obra de Isaac Asimov, Eu, Robot.

A curta lista que aqui apresentamos poderia ser facilmente alargada quase até ao infinito, tal é a vasta profusão de seres artificiais presentes tanto na literatura como no cinema. Não constituindo, todavia, esse, o objectivo central desta investigação, recentremos a nossa atenção na análise e enquadramento de cada uma destas criações num contexto específico de positivo/negativo.

Deste modo, os andróides dos contos de George Lucas representam claramente uma visão do artificial, não só enquanto extensão e substituto do próprio homem como também até no modo em como a sua ligação, afinidade e relacionamento com o elemento humano é apresentado, uma visão construtiva e altamente positiva na abordagem a esta temática, características, aliás, bem evidentes no tratamento do elemento supra-humano enquanto uma existência colocada em plano de igualdade. De entre os exemplos mais populares e, no âmbito da enumeração atrás gerada, o figurino das criaturas presentes nas produções de George Lucas constituem clara e inequivocamente a visão mais afirmativa face à coexistência entre o elemento humano e o artificial.

Ainda num quadro de projecção de um artificial encarado benignamente, surge o andróide Data, que as sucessivas séries/temporadas televisivas de Star Trek, celebrizaram, enquanto membro da tripulação da Enterprise, aceite enquanto igual aos demais tripulantes desempenhando mesmo em alguns episódios o papel-chave no solucionamento das sucessivas dificuldades com que a nave se defronta na sua acção. O caso de Data é, ainda merecedor de uma análise mais profunda (que retomaremos no capítulo final deste trabalho), tendo presente a questão da confrontação natural/artificial que constitui a essência desta criatura cujo mais profundo desejo (o termo empregue -- desejo -- é o mesmo utilizado na obra e não é inocente) de se tornar um humano de verdade -- incluindo, sentir e possuir carne que sangre.

Ainda no domínio de Star Trek uma outra criatura artificial é convocada, sobretudo nas produções mais recentes: trata-se do programa holográfico da enfermaria -- uma criatura com imagem (holográfica -- sem existência material, portanto) mas, capaz de interagir, tal como o andróide Data, totalmente com os membros da tripulação quando o seu programa é activado.

Inversamente, porém, a quantidade de apresentações é substancialmente superior, reflectindo um vasto e diversificado conjunto de reflexões onde imperam essencialmente temores e receios num ambiente que poderemos classificar como amplificador das enormes apreensões humanas não só relativamente à dimensão artificial da própria ``vida'' mas, também e, principalmente, no respeitante à preservação e manutenção/conservação da humanidade.

As abordagens a criaturas artificiais inteligentes, materiais ou imateriais, fisicamente análogas ao Homem ou sem qualquer tipo de correspondência a este nível, constitui uma das duas temáticas recorrentes no género da ficção científica31. Com efeito, assim acontece num sem número de criações literárias ou cinematográficas, desde as mais conhecidas até outras que, embora, igual ou, por vezes, mesmo superiormente válidas, não mereceram a aceitação junto do público ou da crítica sempre tão ciosa na obscura promoção de alguns dos ``seus'' protegidos, a expensas dos superiores valores de uma pretensa intelectualidade, enquanto, simultaneamente, legiões de génios e visionários são ostracizados apenas por não figurarem no lote dos ``eleitos''.

Assim, optamos também aqui por concretizar uma rápida e fugaz referência aos casos mais populares, sendo certo que muitos outros existirão, (alguns dos quais, por nós conhecidos, embora inomináveis por força dessa mesma lógica de mercado que quase apaga os registos que não obtiveram a aceitação do grande público, e que, por conseguinte, coloca insuperáveis obstáculos à reunião dos mesmos).

Antes de referência adicionais, voltamos a convocar a mais longa e popular de todas as produções de ficção científica -- Star Trek. Na realidade, mesmo neste conjunto de narrativas, o tema do artificial enquanto algo de negativo e sombrio é também alvo de tratamento, nomeadamente, no filme inaugural (em que a nave Voyager regressa à Terra a fim de se reunir com o criador após vários séculos evoluindo e reunindo informação, tendo-se tornado a tal ponto poderosa que retorna como uma sociedade de máquinas, infinitamente superior às criaturas de carbono que originalmente a haviam criado de tal modo que, até que o enredo seja efectivamente cumprido, a humanidade é ameaçada de extinção por acção de uma sua produção).

O exemplo, contudo, mais interessante, encontra-se, na nossa perspectiva, numa civilização -- os Borg32 (abreviatura de cyborg), cuja existência e finalidade resulta de uma evolução baseada na assimilação de outras espécies e a hibridação destas com componentes de índole artificial. Esta forma de vida é apresentada como a mais sombria e escravizante existência a que qualquer forma de vida poderá ser ``condenada'', o que configura, inequivocamente, uma concepção altamente negativa enquanto de uma forma de vida, pretensamente, superior.

O tema do artificial enquanto cópia do humano é explorado não só em Inteligência Artificial de Steven Spielberg como também em Blade Runner de Ridley Scott. Em ambos os casos e, não pretendendo ir mais além do que uma mera análise superficial, (uma vez que a multiplicidade das questões tratadas em ambas as obras não se circunscreve unicamente àquela que será aqui alvo de análise), o tema central gira em volta da substituição de humanos desaparecidos por cópias artificiais. A visão negativa não é aqui tão vincada quanto nos exemplos que atrás referimos ou nos que indicaremos em seguida. Na verdade, em ambos os registos o enredo e o nível de questões suscitadas pelas histórias à volta do tema da (des)humanidade destas criaturas substitutivas, uma vez que tudo gira em torno da dificuldade de aceitar o artificial e o duplo/cópia enquanto, por mais conseguida e fiel que seja a reprodução, idêntico, enquanto igual ao original.

Eu, Robot, por seu lado, constitui a abordagem a uma das mais reais e efectivas apreensões do humano face ao seu análogo artificial: a rebelião da criatura contra o seu Deus criador, tema que tem acompanhado todo o desenvolvimento da problemática do artificial desde os seus antípodas nos idos de 50, retomando, ainda que, num contexto alternativo, a complexa teia de problemas presentes naquela que consideramos como, de todas entre as que maior aceitação geraram, a mais genial trilogia propagandística anti-artificial -- referimo-nos, obviamente, aos episódios do Terminator.

Ainda que tendo cedido à lógica comercial que habitualmente desvirtua o bom trabalho/reflexão inicial em favor da escravidão prevalente do capital (esta ilação é válida sobretudo para o terceiro filme -- uma ``sombra''33, quando comparado com os dois primeiros -- especialmente, com o Terminator original, incarnado por Arnold Schwarzenegger34), sucede que esta temática resulta, como acima se referiu, na mais sombria das abordagens à questão do progresso científico em geral e, das criaturas artificiais em particular.

Com efeito, a fobia e pânico generalizados resultantes de um eventual, (mas sempre real e potencial), perigo de rebelião das máquinas contra o criador e tentativa de aniquilação do mesmo, constituem o tema central da trilogia, argumento habilmente explorado pelos autores em favor da inculcação de valores na sociedade e na ciência que façam a humanidade despertar para uma consciência comum face aos efeitos perversos da evolução científica e que possam suscitar um amplo, aceso e rigoroso debate em torno destas questões.

2.3.2  As Criaturas Artificiais nos Laboratórios Científicos e Centros de Investigação

Esta é também uma área onde as referências são imensas, de uma importância avassaladora, em função dos efeitos que estão já a produzir e poderão (julgamos que a proposição correcta será irão -- não se trata de estabelecer se, ou se, antes sim quando, isto é, qual a janela temporal em que tais efeitos poderão ser desencadeados) ainda despoletar num futuro próximo, pelo que, uma abordagem às mesmas, por muito incipiente e superficial como a que ora iniciamos possa constituir, se assume, ainda assim, enquanto um imperativo categórico.

Ainda que tenham existido algumas abordagens pouco conseguidas à concepção das criaturas artificiais na primeira metade do século XX é, essencialmente, no período do pós IIa Guerra Mundial que esta temática adquire, enquanto ciência, uma projecção apreciável. Na verdade, o final da década de 40 representa mesmo um dos períodos mais produtivos desta disciplina emergente: os nomes de John Von Nuemann, Norbert Wiener, Alan Turing, Grey Walter e Herbert Simon, entre outros menos conhecidos tornam-se então célebres pelas suas invenções/criações ou teorias relativamente ao domínio do artificial.

Em Junho de 1945, John Von Neumann, ``descreve a arquitectura lógica de uma nova máquina, o EDVAC, que constituirá a base do computador moderno''35. No ano seguinte, todavia, e após várias tentativas frustradas no sentido da compreensão e reprodução do sistema nervoso humano, conclui que a análise mais correcta ao problema configura uma abordagem da base para o topo, pelo que, se junta ao movimento que outros investigadores haviam já criado, centrando as suas pesquisas nos bacteriófagos, organismos vivos substancialmente mais simples.

Porém a investigação de Neumann estava longe de ser solitária. Alan Turing, terá confidenciado junto dos seus círculos mais íntimos o projecto último da construção de um análogo artificial do cérebro humano. Turing vai mesmo mais longe, apresentando um conjunto concreto de regras a partir do qual sustenta ser possível à máquina ``pensar'', reproduzir o comportamento cognitivo humano e, em consequência disso mesmo, ``enganar'' o homem. Esta formulação ficou celebremente conhecida como o Teste de Turing36.

Outro matemático, Norbert Wiener do MIT, sistematizou um conjunto de problemas que haviam sido identificados no controlo das armas de disparo de longo alcance detectados no contexto da IIa Guerra Mundial. Deste trabalho nasce, em 1948, a obra que inaugura a ciência cibernética, a qual retoma um termo grego habitualmente usado para designar a figura de um piloto/governador. A contribuição desta disciplina introduz o conceito de feed-back positivo enquanto reforço de um conjunto de instruções pré-determinadas no sentido de assegurar um controlo eficaz de máquina e seres humanos. Aliás, no capítulo inicial da sua obra de 1948 Wiener define que ``o propósito da Cibernética é o de desenvolver uma linguagem e técnicas que nos capacitem, de facto, a haver-nos com o problema do controlo e da comunicação em geral, [...]''37. Esta ideia é válida tanto para o homem quanto para as máquinas por si desenvolvidas.

Gray Walter é outra das referências incontornáveis no âmbito dos antípodas das criaturas artificiais. O mais famoso de entre todos os criadores de ``animais'' artificiais, que desenvolveu entre as décadas de 50 e 60 uma profusão assinalável de criaturas artificiais, as mais famosas das quais, as tartarugas cibernéticas.38

A década de 50 marca ainda a afirmação profética de um dos mais distintos investigadores de uma nova disciplina que, nascida no contexto da cibernética, rapidamente se viria a assumir enquanto motor principal da investigação em torno da criação de seres inteligentes: a Inteligência Artificial. Em 1957 o Prémio Nobel Herbert Simon sustentou que ``de agora em diante existem no mundo máquinas capazes de pensar, de aprender e de criar. E mais, que o campo das suas possibilidades é levado a alargar-se rapidamente, até ao dia em que -- num futuro não muito distante -- a gama dos problemas que elas estarão aptas a tratar, equivalerá à gama de problemas que podem ser apreendidos pelo espírito humano''.39

Porém, o paradigma da Inteligência Artificial cujo consenso no seio da comunidade científica foi amplo até ao início da década de 90, começou, progressivamente, a ser ultrapassado por outro. Fruto de sucessivos adiamentos e outras tantas correcções à matriz ideológica e tecnológica de um projecto que tarda em gerar resultados que permitam combater alguma desmotivação que se instalou junto destes cientistas40 , as gerações mais recentes de investigadores estão a enveredar por concepções inovadoras e que pressupõem, não a radical substituição da carne por análogos cibernéticos, isto é, um efectivo abandono do corpo carnal/humano/biológico, em favor de uma nova existência que se dividiria numa imaterialidade a ter lugar dentro dos computadores com alguns laivos de materialidade que ocorreriam através do recurso a corpos artificiais vazios (preparados portanto a receber uma programação ou, se preferirmos, uma ``alma'' humana previamente digitalizada), antes sim, um upgrading41 , muito menos radical, mas bem mais eficaz cuja finalidade seria a optimização de uma carne que, conforme sustenta Stelarc, está obsoleta.42

A visão inovadora ao problema procura esbater também a profunda clivagem que representa para a Humanidade a superação do Homem pelo Homem que não é mais Homem, que é um misto de Homem e de implantes cibernéticos/tecnologia, que consiste numa amálgama de interconexões artificiais e orgânicas, resultando num estranho conjunto de material/imaterial, donde emerge uma existência que não deixando de ser humana o já não é também na sua totalidade essencial.

Esta problemática que introduziu a presente reflexão/investigação entre o artificial e o não artificial e que ora recuperamos, inscreve-se num registo de procurar aferir até que ponto é ainda humano o cyborg, à semelhança da análise concretizada por Giorgio Agamben a propósito do grau de animalidade que restava ainda numa Humanidade que representava já essa mesma ascensão a um estádio superior ao da própria animalidade, afinal, condição primeira de tal existência.

3  Virá o Duplo do Duplo a Assumir-se Enquanto o Original Único?

A questão que titula esta reflexão final de índole conclusiva que agora se pretende desenvolver, procura, desde logo, inferir acerca da possibilidade de as criaturas artificiais do Homem (enquanto duplas do duplo original de Deus, materializado no Homem), poderem ascender à condição de um original, representado mesmo uma afronta ao Sujeito original da criação, por meio da criação de Sombras (retomando a terminologia empregue por Villiers), superiores à própria Sombra que as criou e, capazes elas também de gerarem novas sombras e, por conseguinte, a Vida.

Na verdade, salvo raras excepções, (nem mesmo o teste de Turing que acima reproduzimos poderá constituir uma), o análogo artificial do homem ou, se preferirmos, o seu duplo, da literatura ao cinema, da ciência à tecnologia, da filosofia à religião (neste último caso a questão assume contornos de quase heresia) é sempre apresentado enquanto o outro. Outro este que, não obstante, a fiel reprodução das características que distinguem o homem das demais existências carbónicas, sejam dos seus traços físicos ou até das suas capacidades/atributos (quando não mesmo as supera), a verdade é que, nunca o outro se poderá assumir enquanto existência humana, por mais humana que seja a sua artificialidade.

São inúmeros os exemplos na literatura e no cinema de criaturas que, não obstante o cuidado desenvolvimento de que foram alvo, no sentido de se obter uma total e perfeita verosimilhança com o ente duplicado, são, ainda assim, rejeitados pela sua dissemelhança fundadora face ao original. É assim em A Eva Futura (num momento inaugural, pelo menos), em que Lorde Ewald recusa a cópia e a despreza antes de compreender que está em presença de Hadaly Habal e não de Miss Alicia Clary e, idêntica ocorrência, sucede também em Inteligência Artificial, em que o andróide produzido para colmatar o desaparecimento precoce do seu original humano, ainda que desconhecendo a sua própria condição essencial de máquina artificial (tal é a perfeição do labor que o seu criador investiu em si -- a tal ponto de conseguir enganar e espantar os caçadores de robots), é ainda assim recusado enquanto ``filho'' pela sua ``mãe'', visto tratar-se afinal de uma (vilipendiosa e desprezível) cópia.

A concepção mais positiva do artificial e sua afirmação não enquanto mesmo/próprio, antes sim, num contexto de plena, harmoniosa e profícua coexistência consiste na personagem do andróide Data43, (de Star Trek) cujo exemplo retomamos agora, pela inclusão de alguns dos momentos mais marcantes da vida de Data.
``In 2364, Data discovered his "brother" Lore, a prototype created by Dr. Soong. However, Lore was psychopathic and deactivated Data in an attempt to take over the Enterprise.

In 2365, cyberneticist Bruce Maddox obtained permission to have Data reassigned for study, wherein he would be deactivated, disassembled, and duplicated. Data refused, and sought and won a legal judgment declaring him a sentient life-form with the same rights as other Federation citizens.

Desiring to reproduce himself, Data created a daughter, in 2366; unfortunately, she suffered a cascade failure of her neural systems and died shortly after being activated.

In 2367, Data was taken over by a homing signal generated by Dr. Soong, who intended to give him an emotions chip which he had perfected in secret after being thought dead. Data was forced to take over the Enterprise and bring it to Soong's lab on Terlina III. Unfortunately, the homing signal summoned Lore as well, who tricked Soong into giving him the chip and then killed him.

In 2370, Data met a woman who appeared to be Dr. Juliana Tainer the widow and collaborator of Dr. Soong; in a sense, Data's mother. However, she turned out to be an android, constructed by Dr. Soong after the original Dr. Tainer died. Unlike Data, she had been unaware of her nature as an android, and had divorced Dr. Soong and remarried.

In 2371, Data chose to use the emotion chip he had obtained from Lore. Despite difficulties in adaptation, Data successfully integrated the emotions chip.''44
Não deixa pois de ser sintomático os estranhos paradoxos que se desenrolam em torno desta personagem, bem explorados nos episódios de um ``irmão''/duplo psicótico, na luta judicial pelo reconhecimento dos seus direitos enquanto ``ser sensível'', no que toca à entrada em cena de uma andróide que, na realidade, desconhece a sua natureza45 e, por fim, mas sobretudo, a questão que gira em torno do chip capaz de conferir emoções análogas às humanas. Ignoradas não poderão ser também as importantes discussões que poderão ser suscitadas pela ambição da máquina em se assumir enquanto humana e, no seu desejo (o termo não é também inocente -- relembre-se que apenas o humano pode desejar) em produzir descendência.

A partir deste ponto Data deixará de ser encarado enquanto um ser (ainda que detentor de direitos sobre a sua existência e o dom do livre-arbítrio), dissemelhante, para ser encarado enquanto a mais humana de todas as criações46. As questões levantadas pela existência de um andróide com as propriedades intrínsecas de Data são por si só merecedores de uma reflexão que a mera enumeração que aqui concretizámos não poderá, de modo algum, explorar, sob pena de a presente reflexão investigação assumir proporções proibitivas.

Por último e já em jeito de ensaiar uma conclusão, para uma investigação que, julgamos, levanta uma tal ordem de problemas que os mesmos não poderiam ser tratados de forma diferente da violência redutora da sua própria riqueza que aqui cometemos, procuraremos estabelecer até que ponto a chegada/emergência de uma nova categoria de existências se poderá ainda designar de humano ou se, ao invés, a humanidade caminhará, na verdade, enquanto essência do seu ser, para uma hibridização em torno do artificial, dando origem aos tão temidos cyborgs.

A questão é tanto mais oportuna, quanto a tecnologia tem vindo progressivamente a invadir o elemento orgânico humano47 e, a sua ulterior difusão a escalas bastante alargadas irá provocar, conforme sustenta Richard Dooling no seu ensaio ficcional Diary of an Immortal Man48 , não só, num primeiro momento uma enorme e insustentável pressão sobre os sistemas de saúde e as gerações mais novas que terão de financiar a preservação dos mais velhos e que já não contribuem para a sustentabilidade financeira dessas mesmas instituições como, também, num tempo subsequente, produzir a emergência de toda uma nova geração de humanos puristas, determinados em reclamar a sua humanidade, nem que, para tal tenham de renunciar à família e a uma existência (expectavelmente) mais confortável, recusando e combatendo toda a artificialidade e renegando para uma condição inferior (ou mesmo agindo como se de inimigos se tratassem) todos quantos optaram pela conversão ao hibridismo cibernético.

Em suma, como parece de algum modo antever Dooling, a humanidade parece, paradoxalmente, caminhar para uma cada vez mais evidente fractura entre a organicidade e a artificialidade quando, seja na ficção ou na ciência o trilho aparenta ser, justamente, o oposto.

Refira-se, todavia que, tanto a obra e difusão científicas, como a literatura ou o cinema de ficção científica pouco têm procurado combater esta tendência. Se, por um lado as suas produções anunciam como inevitável a superação do homem pelo organismo humano-cibernético, a verdade é que o trabalho que tem vindo a ser efectivado neste domínio a fim de mitigar as profundas clivagens e justificadas apreensões emergentes e decorrentes do projecto da pós-humanidade, tem sido insuficiente e em nada contribuído no sentido de uma generalizada preparação da opinião pública para um tempo que parece cada vez mais próximo...

4  Bibliografia

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1
Este trabalho foi realizado no âmbito do mestrado em Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
2
L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad. de Écila Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 141.
3
SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003, p. 70.
4
SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003, pp. 119-122.
5
BRETON, Philippe, À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p.15.
6
Idem, ibidem.
7
Cf. ``[...] tirar do limo da Ciência Humana actual um ser feito à nossa imagem, e que será para nós, em consequência disso, o que somos para Deus''. Vd. L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad. de Écila Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 141.
8
Vd. A.A. V.V.; A Bíblia Sagrada para o Terceiro Milénio da Encarnação, Fátima, Difusora Bíblica, Janeiro de 2003. A este propósito não deixa de ser curioso o profundo paradoxo que representa a questão da colocação por parte do criador da árvore do conhecimento no Jardim do Éden. Ora, se foi o Homem criado à imagem do criador, e foi dotado de inteligência/capacidade de reflexão, a colocação da árvore do conhecimento e a consequente interdição de ``uso'' da mesma parecem configurar um estranho e perverso desejo punitivo do criador em relação à criatura pois, nas suas infinitas potencialidades por certo não seria desconhecida ao Senhor a imensa tentação que representariam para o Homem os frutos da árvore proibida, exemplo aliás a que recorre Mikhail Bakunine no seu Ensaio ``Deus e o Estado'' como justificativo da sua profunda aversão aos dogmas da eclesia. Na verdade, o cumprimento da directiva divina de não profanação dos frutos da árvore do conhecimento só poderia representar a negação da própria condição e natureza humanas e o livre-arbítrio de que havia sido provido no momento da sua geração.
9
Inclusive no aspecto moral: as criaturas artificiais não vêem as suas acções constrangidas por imperativos de índole moral -- uma vez que esta é uma propriedade dos fracos.
10
A problemática será aqui ignorada em virtude de não ser esse o intuito desta reflexão. Refiram-se, contudo, alguns de entre os inúmeros exemplos da ficção. O esforço do Dr. Frankenstein na criação do seu monstro que depois despreza e procura destruir. Recordem-se os cyborgs de Terminator, os Replicantes de Blade Runner, os andróides de Inteligência Artificial, os robots da mais recente produção do género, (I, Robot), etc.. O elemento comum em todos estes projectos de ficção consiste no empenho colocado no projecto de duplicação da vida e geração das criaturas artificiais para, mais tarde, se cair no extremo oposto, onde a criatura é encarada enquanto inimiga da ``humanidade'' e, em consequência, deverá ser aniquilada. Em todas as produções do género, a criatura artificial é, não raras vezes, apresentada como monstruosa, diferente, poderosa e potencialmente perigosa para a preservação do criador.
11
SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003.
12
BRETON, Philippe, À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp. 15-17.
13
``[...] é um rei de Chipre que se apaixonou por uma estátua de marfim representando uma bela mulher, que ele próprio teria esculpido, segundo uma das versões da lenda. Abrasado pela paixão, pediu a Arfodite que lhe enviasse uma mulher semelhante à estátua. As súplicas dirigidas à deusa numa das festas em sua honra foram ouvidas: ao chegar a casa, Pigmalião apercebeu-se de que a figura de marfim ganhara vida. Desposou-a e dela teve uma filha chamada Pafo, mãe de Cíniras.'' GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Trad. de Victor Jabouille, Lisboa, Difel, s/ D..
14
ARNOLD, Christophe; cit in BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 42.
15
NIETZSCHE, Frederich; O Livro do Filósofo, Porto, Rés Editora, s/ D., p. 90.
16
BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 38.
17
``[...] Isto é o braço de uma andróide à minha maneira, movida pela primeira vez por esse fantástico agente vital a que chamamos Electricidade, que lhe dá, como vê, todo o natural, toda a maciez, toda a ilusão da vida!''. Vd. L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad. de Écila Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 136.
18
A referência a uma biologia emergente prende-se com a ausência de uma explicação tão detalhada do funcionamento da criatura do Dr. Victor Frankenstein à imagem do que é realizado por Villiers que justifica passo a passo ``segredo'' capaz de vivificar e animar a criatura do Engenheiro Edison. Na verdade, Mary Shelley, apenas revela, fugazmente, que a criação do Dr. Frankenstein, resulta da justaposição e união de diferentes componentes carnais, resultando numa criatura de aspecto horrível, concebida a partir da união de diferentes partes de corpos de diversos dadores. De igual modo, em momento algum são referenciados quaisquer elementos não biológicos na concepção da criatura. O ``Monstro'' resulta portanto, daquilo a que convencionámos aqui apresentar enquanto um biologia ingénua, precisamente por o resultado derivar unicamente de componentes orgânicos, não sendo, contudo, revelado o segredo que permite a posterior animação da carne, pese embora, a menção também quase imperceptível a agentes químicos. Vd. SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003.
19
KLEIST, Heinrich Von; Über das Marionettentheater -- Sobre o Teatro de Marionetas, trad. de José Filipe Pereira, Estarreja, Instituto de Arte Dramática, 1998.
20
A referência neste contexto ao termo comédia não deixa de constituir, tomando por base a elevada erudição de Villiers, facilmente aferível ao longo da leitura da obra, uma clara referência à comédia clássica, género que, após a ascensão da mesma a instituição do Estado, conheceu substanciais modificações estruturais. ``Finalmente, no momento culminante da sua evolução, a comédia adquiriu, por inspiração da tragédia, clara consciência da sua missão educadora. Toda a concepção de Aristófanes acerca da essência da sua arte se encontra impregnada desta convicção e permite colocar as suas criações, pela dignidade artística e espiritual, ao lado da tragédia do seu tempo'' (Vd. JAEGER, Werner; Paideia, Lisboa, Editorial Aster, 1979, p. 388). Este mesmo paradoxo que coloca a comédia num patamar idêntico ao da tragédia parece ser aqui convocado por Villiers relativamente à sua criação. Assim, tendem a lançar-se aqui algumas trevas sobre a ``mulher'' de Edison, recuperando, por meio de uma aparentemente inocente referência à comédia, as dúvidas que o estádio último desta arte, muito próximo da Tragédia parece invocar. Com efeito, na mesma obra, surge indissociável da Tragédia a referência a Ate, por exemplo em Sete Contra Tebas: ``Mas por fim as maldições divinas entoaram o claro canto da vitória, quando a raça inteira foi votada ao extermínio. Em frente da porta junto à qual foram derrubados, ergue-se o monumento que comemora o triunfo de Ate; [...]'' (Vd. JAEGER, Werner; Paideia, Lisboa, Editorial Aster, 1979, p. 283). A referência que aqui concretizamos a Ate não é inocente, nem tão pouco o excerto reproduzido. Na verdade, pretendemos invocar o castigo divino perante a insolência humana de usurpação do Seu dom, convocando para esta reflexão (``as maldições divinas que entoaram o canto da vitória quando a raça inteira foi votada ao extermínio'') a temática das visões apocapípticas e proféticas que têm vindo a anunciar a aniquilação do homem às mãos das suas criaturas, como se Villiers tivesse neste ponto sido acometido de uma das tão ``lúcidas'' predicções de Nostradamus. Julgamos que este raciocínio poderá ainda ser enquadrado no célebre complexo de Édipo que segundo reza a lenda ``à nascença, Édipo estava já marcado por uma maldição. [...] trata-se de um oráculo que teria declarado que o filho gerado por Jocasta (a mãe de Édipo) ``mataria o pai''. [...] Laio (o rei pai de Édipo) não quis saber deste aviso e Édipo nasceu, o que levaria mais tarde à punição do rei.'' (Vd. GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Trad. de Victor Jabouille, Lisboa, Difel, s/ D., p. 127). Esta mesma profecia, julgamos, é invocada por Villiers no sentido de precaver a Humanidade para a possibilidade de análoga repetição do mito edipiano, agora no respeitante à dicotomia criador/criatura, para tal servindo a metáfora apresentada, isto é, a possibilidade de que as criaturas artificiais criadas pelos humanos possam vir, num futuro, a determinar o seu próprio extermínio/aniquilação, tema aliás recorrente, na saga dos Terminators. Quanto a Ate a referência é ainda mais clara. Ate incarna ``a personificação do erro. Divindade leve e ágil, seus pés poisam sobre a cabeça dos mortais sem que eles se apercebam. Aquando do juramento de Zeus, em que este se comprometeu a dar a supermacia ``ao primeiro descendente de Perseu que ai nascer'' e submeteu desse modo Héracles a Eristeu, foi Ate quem o enganou. Zeus vingou-se, precipitando-a do Olimpo. Ate caiu na Frigia sobre uma colina que recebeu o nome de colina do Erro. Foi ali que Ilo construiu a cidadela de Ilión (Tróia). Zeus, precipitando Ate do alto do céu, cortou-lhe para sempre a possibilidade de residir no Olimpo. É por isso que o Erro constitui a triste partilha da Humanidade.'' (Vd. GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Trad. de Victor Jabouille, Lisboa, Difel, s/ D., pp. 52-53). No fundo, estamos em crer que Villiers procura aqui com uma ``inocente'' referência à sua criatura enquanto comédia convocar toda a vasta profusão de fantasmas e criaturas terríficas que ensombram o espírito do Homem e a Humanidade no seu conjunto. Até porque, o proejcto de duplicação do Homem pelo Homem está intrinsecamente mergulhado numa b r z V (hybris)que representa afinal uma ambição desenfreada, desmedida, impetuosa, enfim, um desespero que se poderá vir a revelar fatal.
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L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad. de Écila Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2001, pp. 136-143.
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Não deixa de ser curioso o emprego neste contexto do termo `seres'. Estamos em crer, com efeito, que Philippe Breton aceita já a presença de tais existências como inevitável -- na realidade, as unidades industriais, particularmente as destinadas à montagem de veículos automóveis, encontram-se desde há muito repletas e mesmo super-povoadas desta tipologia de existências, ainda que a sua aparência seja largamente distante da humana e, a sua acção/''alma'', amplamente deterministas e condicionadas por meio de programas informáticos -- aparentando de igual modo preparado para a sua aceitação, enquanto iguais, posição ousamos inferir do emprego do já enunciado termo. Tal leitura das palavras de Breton, justifica-se pelo sentido/conotação por norma atribuídos ao termo `ser' que, tende a designar propriedades e atribuições subjectivas e, portanto próprias de um sujeito -- leia-se, do humano.
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BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp. 24-25.
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Este último alvo de renovado interesse for força da recente estreia do filme de Alex Proyas, I Robot, baseado, justamente numa das obras de Asimov que data da década de 50.
25
BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 25.
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Apenas a título ilustrativo, atente-se nos seguintes exemplos: Contacto -- de Carl Sagan; 2001 -- Odisseia no Espaço -- de Arthur C. Clarke; Eu, Robot -- de Isaac Asimov, para citar apenas os mais conhecidos.
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C3PO e R2D2, respectivamente.
28
A personagem de Darth Vader constitui o exemplo mais esclarecedor desta mesma realidade.
29
Triologia que representa a mais conseguida das abordagens a uma problemática também ela não de todo recente ou, mesmo, original -- a confrontação do homem com a rebelião de criaturas por si concebidas para a superação desse mesmo criador e, por conseguinte, a tentativa da criatura escravizar e aniquilar o criador e o desespero deste face à perda do controlo sobre as suas criações.
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Abrevitura do inglês para cyborg.
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A outra é a existência de vida extraterrestre -- e as visões catastróficas e apocalípticas, na maioria dos casos, para a espécie humana decorrentes do contacto com formas de vida alienígenas incomensuravelmente mais desenvolvidas e na maioria das vezes com intenções pouco ``cristãs'' face aos inquilinos do planeta Terra.
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``Borg are humanoids of different races that are enhanced with cybernetic implants, giving them improved mental and physical abilities. The minds of all Borg are connected via implants to a hive, a collective mind, orchestrated by the Borg Queen. According to themselves, the Borg only seek to "improve the quality of life in the universe" and add to their own perfection. To this end, they travel the galaxy, improving their numbers and advancing by "assimilating" other species and technologies, and forcing captured individuals under the control of the Hive mind by injecting them with nanoprobes.'' [Online] available: http://encyclopedia.thefreedictionary.com/Star%20Trek%2FBorg.

``Os Borg (abreviatura de cyborgs) são humanóides de diferentes raças que foram optimizados com implantes cibernéticos, que lhes conferem capacidades mentais e físicas melhoradas. As mentes de todos os Borg estão conectadas através de implantes a uma colmeia, uma mente colectiva, orquestrada pela Rainha Borg. De acordo consigo próprios os Borg apenas procuram ``aumentar a qualidade de vida no Universo'' e incrementar a sua própria perfeição. Para este fim, viajam pela galáxia, aumentando o seu número e prosperando pela assimilação de outras espécies e tecnologias, submetendo os indivíduos capturados sob o controlo da mente da Colmeia injectando-os com nano-sondas.'' Tradução nossa.
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Convoquemos aqui o conceito de ``sombra'' postulado por Villiers em A Eva Futura que versa sobre a impossibilidade real de reproduzir numa cópia toda a ``vida'' presente num original, por mais perfeccionista que seja a duplicação.
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Idêntica situação veio a acontecer mais tarde com as sequelas de outro dos filmes de culto da década de 90 -- Matrix.
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BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 18.
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``You are alone in the room, except for two computer terminals flickering in the dim light. You use the terminals to communicate with two entities in another room, whom you cannot see. Relying solely on their responses to your questions, you must decide which is the man, which the woman. Or, in another version of the famous ``imitation game'' proposed by Alan Turing in the classic 1950 paper ``Computer Machinery and Intelligence'', you use the answers to decide which is the human, which the machine. One of the two entities wants to help you guess correctely. His/her/its best strategy, Turing suggested, may be to answer your questions truthfully. The other entity wants to mislead you. He/she/it will try to reproduce though the words that appear in your terminal the characteristics of the other entity. Your job is to pose questions that can distinguish verbal performance from embodied reality. If you cannot tell the intelligent machine from the intelligent human, your failure proves, Turing argued, that machines can think.'' In HAYLES, Katherine; How We Became Posthuman?, The Chicago University Press, Chicago, 1998, p. xi.

``Está sozinho na sala à excepção de dois terminais de computador tremeluzindo na luz sombria. Usa os terminais para comunicar com duas entidades na outra sala, que não consegue ver. Guiando-se somente nas respostas delas às suas questões, deverá decidir qual é o homem, qual a mulher. Ou, noutra versão do famoso jogo da imitação, proposto por Alan Turing, no seu escrito de 1950 ``Computer Machinery and Intelligence'', deverá usar as respostas para decidir qual é o humano, qual a máquina. Uma das entidades pretende ajudá-lo a adivinhar correctamente. A sua melhor estratégia, sugere Turing, será responder às questões verdadeiramente. A outra entidade pretende guiá-lo erroneamente. Ela tentará reproduzir, pelas palavras que aparecem no terminal, as características da outra entidade. A sua tarefa será colocar questões que possam distinguir uma performance verbal de uma realidade incorporada/materializada (embodied reality). Se não conseguir distinguir a máquina inteligente do humano inteligente, o falhanço prova, defende Turing, que as máquinas podem pensar''. Tradução nossa.
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WIENER, Norbert; Cibernética e Sociedade -- O Uso Humano de Seres Humanos, Trad. de José Paulo Paes, Editora Cultrix, São Paulo, 1978, p. 17.
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``De entre os pontos mais assinaláveis do esforço cibernético destaca-se uma série de tartarugas electrónicas construídas na década de 50 por um psicólogo britânico, W. Grey Walter. As primeiras versões, com cérebros electrónicos feitos de válvulas subminiaturizadas, olhos giratórios compostos por válvulas fotocatódicas, microfones em vez de ouvidos e interruptores de contacto a servir de sensores, eram capazes de localizar as suas tomadas de corrente de recarga eléctrica quando as baterias estavam em baixo, bem como de evitar sarilhos enquanto se moviam. [...] Possivelmente, a mais impressionante criação dos ciberneticistas terá sido o monstro de Johns Hopkins. Construído por um grupo de investigadores cerebrais no início da década de 60, deslocava-se pelos corredores, guiado por um sonar e uma célula fotoeléctrica específica, capaz de localizar a tampa das tomadas de corrente das paredes onde se ligava a fim de se alimentar''. Vd. MORAVEC, Hans; Homens e Robots, Trad. de José Luís Lima, Lisboa, Gradiva, 1992, pp. 18-19.
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Cit. In DREYFUS, Hubert; Intelligence Artificielle, mythes et limites, Paris, Flammarion, 1984, pp 21-22. Cf. BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 21.
40
A este propósito consultar: FIGUEIREDO, Alexandre; Inteligência Artificial -- Uma nova Caixa de Pandora?, [online] available: http://www.islasantarem.pt/jornal/indexfactualidades.htm
41
Vd. FIGUEIREDO, Alexandre; Morte: Morta e Enterrada?, [online] available: http://www.islasantarem.pt/jornal/indexfactualidades.htm
42
Vd. STELARC, [online] available: http://www.stelarc.va.com.au/index2.html
43
``Data is an android, an advanced form of artificial life, with a positronic brain. He is roughly the equivalent of Spock in the original series, in that he has a logical mind, finds humans hard to understand yet is drawn to the concept of humanity. This desire combined with his apparent innocence about the reality around him charmed viewers and made him one of the most popular characters of the series.'' [online] available: http://encyclopedia.thefreedictionary.com/Data%20(Star%20Trek) ``Data é um andróide, uma forma avançada de vida artificial, com um cérebro positrónico (o conceito foi originalmente desenvolvido por Isaac Asimov). Ele (Data) é aproximadamente o equivalente de Spock nas séries originais, no facto de possuir uma mente lógica, acha os humanos difíceis de entender mas, ainda assim é sensível (aspira ascender à condição de) ao conceito de humanidade. Este desejo combinado com a sua aparente inocência acerca da realidade circundante encantou os espectadores e tornaram-no numa das mais populares personagens da série.'' Tradução nossa.
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``Em 2364 Data descobriu o seu ``irmão'' Lore, um protótipo criado pelo Dr. Soong. Contudo, Lore era psicótico e desactivou Data numa tentativa para assumir o controlo da Enterprise. Em 2365, o ciberneticista Bruce Maddox, obteve permissão para ter Data re-destacado para estudo, donde que ele (Data) seria desactivado, desmontado e duplicado. Data recusou, e travou e ganhou uma batalha judicial que o declarou uma forma de vida sensível com os mesmos direitos tal como os outros cidadãos da Federação. Desejando reproduzir-se, Data criou uma filha, em 2366; infelizmente, ela sofreu uma falha em cascata do seu sistema neural e morreu pouco tempo depois de ter sido activada. Em 2367, Data foi assaltado por um sinal familiar gerado pelo Dr. Soong, cuja intenção era dar-lhe um chip de emoções que havia aperfeiçoado em segredo, depois de ter sido dado como morto. Data foi forçado a assumir o controlo da Enterprise e conduzi-la até ao laboratório de Soong em Terlina III. Infelizmente, o sinal convocou também Lore, que enganou Soong para que este lhe desse o chip, assassinando-o de seguida.

Em 2370, Data foi raptado por Lore e coagido a auxiliar uma insurreição junto com os Borg. Depois da ameaça com que a Federação lidou, Data foi forçado a desmontar o seu irmão. De Lore, Data obteve o chip de emoções que Soong lhe tinha destinado.

Em 2370, Data conheceu uma mulher que parecia ser a Dra. Juliana Trainer, a viúva e colaboradora do Dr. Soong; em certo sentido, a ``mãe'' de Data. Contudo, ela acabou por se revelar ser também um andróide, construído pelo Dr. Soong, após a original Dra. Trainer ter falecido. Ao contrário de Data, ela desconhecia a sua natureza enquanto andróide, e havia-se divorciado do Dr. Soong tendo casado de novo.

Em 2371, Data decidiu usar o chip de emoções que havia obtido de Lore. Apesar das dificuldades na adaptação, Data conseguiu integrar com sucesso o chip de emoções.'' [online] available: http://encyclopedia.thefreedictionary.com/Data%20(Star%20Trek) Tradução nossa.
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Idêntica ocorrência é também explorada por Ridley Scott em Blade Runner, quando ao caçador de seres artificiais, incarnado por Harrison Ford, é apresentada uma andróide que desconhece essa sua mesma condição.
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A questão que aqui se levanta é também de tal modo complexa que optamos apenas pela sua referência. No essencial, o humano enquanto tal e o artificial, não diferem tanto quanto se poderia esperar. A sua composição primária resulta da combinação de uma vasta panóplia de átomos. O que difere é o modo como os mesmos são combinados. Por outro lado, também o ``sentir'' do homem não difere em termos formais do ``sentir'' da máquina. Trata-se apenas de informação: electro-química no caso do Homem; digital e/ou binária no caso das criaturas artificiais. Naturalmente que a controvérsia que aqui convocamos inscreve-se num registo de tal modo complexo que comporta matéria suficiente para a redacção de um tratado unicamente consagrado à reflexão das múltiplas questões daqui decorrentes.
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A este propósito, consultar: FIGUEIREDO, Alexandre; Corpo -- A Última Fronteira, [online] available: http://www.islasantarem.pt/jornal/indexfactualidades.htm
48
DOOLING, Richard; Diary of an Immortal Man, Maio de 2002, [online] available: http://www.kurzweilai.net/articles/art0003.html