O Homem e o seu Duplo1
Alexandre Figueiredo
Índice
``[...] tirar do limo da Ciência Humana actual um ser feito à nossa imagem, e que será para nós, em consequência disso, o que somos para Deus.''
``Oh! Ninguém poderia suportar o horror daquele rosto. Uma múmia que ressuscitasse não seria tão hedionda. Vira-o inacabado, e já era feio, mas, quando o animei, tornou-se algo que o próprio Dante não teria podido imaginar.''
1 Prólogo
``Neste momento, apercebi-me da silhueta de um homem que avançava para mim a uma velocidade sobre-humana. Saltava por cima das fendas, entre as quais eu caminhara com precaução; a sua altura, à medida que se aproximava, parecia ultrapassar a de um homem. Fiquei perturbado. Os meus olhos velaram-se e julguei desmaiar, mas logo fui reanimado pelo vento frio das montanhas. Vi, horrorizado, dirigir-se para mim o miserável que tinha criado. Tremia de cólera e de horror, mas decidi aguardá-lo e acabar de uma vez para sempre com ele. Aproximou-se. Lia-se-lhe no rosto um grande medo misturado com desdém e crueza, a sua fealdade fora do humano tornava-o demasiado horrível de ver. Mas mal reparei em tudo isto. A raiva e o ódio tinham-me tirado ao princípio a palavra, e só me dominei para esmagá-lo com cólera e desprezo:
--- Demónio! --- exclamei. --- Ousas aproximar-te de mim? Não temes a vingança selvática do meu braço levantado por cima da tua miserável cabeça? Desaparece, vil criatura! Ou, antes, fica, para eu poder reduzir-te a pó! Oh, se pudesse, suprimindo a tua miserável existência, devolver a vida às vítimas que tão diabolicamente assassinaste!
--- Contava com este acolhimento --- respondeu o demónio. --- Todos os homens odeiam os infelizes; como sou odiado, eu, mais miserável do que qualquer ser humano! Contudo, tu, o meu criador, detestas e repeles com desprezo a tua criatura, a quem estás ligado por laços que só a morte de um de nós pode quebrar. Queres matar-me! Como te atreves a brincar assim com a vida? Cumpre o teu dever para comigo, que eu cumprirei o meu para contigo e para com o resto da humanidade. Se quiseres subordinar-te às minhas condições, deixar-te-ei em paz; mas se recusares, saciar-me-ei no sangue dos amigos que te restam!
--- Monstro detestado! Demónio que és, as torturas do Inferno são uma vingança demasiado suave para os teus crimes! Censuras-me por ter-te criado; aproxima-te então, para poder extinguir a centelha de vida que te dei tão imprudentemente!
A minha raiva não tinha limites. Atirei-me a ele, impelido por todos os sentimentos que podem armar um homem para matar outro.
Afastou-me sem dificuldade e disse:
--- Acalma-te! Ouve bem antes de dares livre curso ao teu ódio! Não sofri eu já o bastante para que ainda procures aumentar o meu infortúnio? A minha vida, a minha triste vida ainda me é querida e defendê-la-ei. Não esqueças que me fizeste mais forte do que tu; mas não quero lutar contigo. Sou a tua criatura e serei meigo e dócil para com o meu amo e senhor, se quiseres desempenhar o papel que te cabe. Oh!, Frankenstein, se és justo para todos, não me esmagues, a mim a quem deves não só a tua justiça, mas a tua demência e o teu afecto. Eu deveria ser o teu Adão; mas sou, antes, o anjo caído em descrédito que banes do Paraíso. Vejo em todo o lado uma ventura de que estou irrevogavelmente excluído. Eu era benevolente e bom; a mágoa fez de mim um demónio! Torna-me feliz e voltarei a ser virtuoso...
--- Desaparece! Não quero ouvir-te. Não temos nada em comum, somos inimigos. Desaparece, ou mediremos forças num combate em que um de nós sucumbirá.
--- Como posso eu comover-te? Nenhum dos meus rogos logrará fazer-te encarar com um olhar favorável a tua criatura que implora a tua bondade e a tua piedade? Acredita-me, Frankenstein, eu era bom, a minha alma transbordava de amor e de caridade; mas não estou só, desesperadamente só? Tu, o meu criador, detestas-me; que posso esperar dos teus semelhantes que não me devem nada? Repelem-me e odeiam-me. As montanhas desertas e os tristes glaciares são o meu refúgio. Errei aqui durante inúmeros dias; as grutas de gelo, que sou o único a não temer, constituem a minha casa, a única que os homens não me recusam. Saúdo o céu inclemente porque é melhor para mim do que os teus semelhantes. Se todos os humanos conhecessem a minha existência, fariam como tu, armar-se-ia para destruir-me! Como não hei-de eu odiar os que me detestam? Não pouparei os meus inimigos. Todavia, está em teu poder prestar-me justiça. Deixa-te enternecer e não me desdenhes. Ouve a minha história; quando a tiveres ouvido, abandona-me ou lastima-me, mas ouve-me. Os culpados que ainda têm as mãos cobertas de sangue são autorizados pelas leis humanas a defenderem-se antes de serem condenados. Frankenstein, acusas-me de ter assassinado e, no entanto, matar-me-ias, a mim, a tua criatura, com uma consciência tranquila. Bela justiça a do homem!
--- Porque me lembras --- repliquei --- acontecimentos em
que só penso estremecendo? Maldito seja o dia em que viste a
luz! Malditas sejam as mãos, as minhas, que te formaram!
Tornaste-me mais infeliz do que pode exprimir-se. Não me
deixaste a força de saber se sou justo ou não para
contigo. Desaparece, livra-me da tua presença
horrível!''4
O trecho da popular obra de horror do século XIX que acabamos de
convocar constitui apenas uma das muitas referências que ao longo da
história da criação literária ficcional poderão ser
encontradas no que à produção de criaturas artificiais diz
respeito.
Com efeito, o processo ascensorial do Homem à categoria de divindade com
todos os predicados que a esta entidade estão adstritos constitui um dos
mais antigos projectos da humanidade, anterior mesmo à noção da
própria divindade na forma e conceito hoje assumidos nas sociedades
ocidentais.
Na realidade, ``o tema das criaturas artificiais construídas pelo homem à sua imagem é abordado por um conjunto de narrativas que recorrem tanto à linguagem da literatura, da religião ou da arte, como à linguagem das ciências e das técnicas''5 e que se estendem ``por cerca de dois mil anos''6.
O artificial é, todavia, ainda que criado à imagem e semelhança
do homem7, tal como o Homem o fora já em
relação à divindade sua criadora, na esmagadora maioria das
obras produzidas acerca da temática, entendido enquanto uma entidade
ética, moral e ontologicamente inferior ao seu criador não obstante
ser dotado de todos os artifícios necessários a suplantar a
imperfeição original e fundadora humanas, sendo também capaz dos
maiores feitos e prodígios de todo impossíveis ao limitado corpo
carnal do criador.
Parecendo convocar a rebelião original da espécie humana contra o
seu próprio criador no momento em que Adão e Eva são expulsos do
Paraíso por terem desrespeitado a imposição divina de não
tocarem/provarem dos frutos da árvore do conhecimento8, também no caso das
criaturas artificiais é frequente a insurreição destes contra o
génio criador, neste caso, com efeitos particularmente destrutivos, uma
vez que na generalidade destas narrativas o engenho humano tende para a
fatal mitigação das suas faltas e fraquezas fundadoras, donde
decorrem criações/existências infinitamente mais poderosas que o
ser gerador e, consequentemente, amplamente mais perigosas para a
própria manutenção e preservação do ``pai''.
Ironicamente a espécie humana parece ser aqui alvo de uma dupla
punição pela sua ``arrogância'' intelectual. A primeira resulta
da expulsão do Paraíso; a segunda decorre do terror e tormento das
perseguições movidas pelas criaturas aos criadores. Sendo as
primeiras mais completas e potentes que os segundos, é frequente a
criatura superar e aniquilar o criador. A materialização da ironia
acima enunciada parece configurar um impedimento formal de Deus em
relação à duplicação/geração de ``vida'' pelo
homem. Não será permitida à criatura do supremo criador a
criação das suas próprias criaturas.
Dos postulados acima enunciados ressalta uma evidência: seja na sua
qualidade de criatura ou criador, o Homem, parece fatalmente convergir para
a condição de vítima de uma justiça negra que se perpetua e
centra naquele que constitui o seu principal activo -- o património
intelectual.
De tudo o que atrás se disse, conclui-se então que, a maioria das
criaturas artificiais, emanadas do génio e engenho criadores do Homem,
aparentam concorrer para uma negatividade essencial, que julgamos ter origem
na presença dos múltiplos dogmas oriundos da tradição moral
cristã (que vedam à Humanidade a possibilidade de ascensão à
categoria de criadores), e se encontram ainda fortemente presentes na
criatividade dos escritores, enquanto constrangimentos formais.
Desta conclusão decorrem duas realidades distintas: o artificial, ainda
que duplo do humano é sempre e em qualquer circunstância entendido
enquanto ``outro'' e apresentado como algo de pecaminoso ou ilegítimo.
Por outro lado, o ``outro'' representa por norma a superação
física e material do humano9. A rebelião da criatura convoca todos os
``fantasmas'' e medos humanos derivando a narrativa dramaticamente para algo
de terrífico, monstruoso e medonho onde o Homem surge confrontado com
os seus terrores mais profundos. Fruto de uma moral e intelecto superiores o
criador acaba também por, invariavelmente, derrotar e destruir a
criatura, facto que, apresenta novo paradoxo, (que consiste, sumariamente,
num primeiro momento no intenso esforço e investimento que são
realizados em prol de uma criação que, num segundo estágio, se
constituirá como o alvo da fúria e empenho humanos visando a
inversão desse instante gerador donde decorre a posterior e
inevitável aniquilação da criatura).10
Neste contexto, a temática que serve de base ao presente trabalho de
investigação centra-se essencialmente na reflexão e
confrontação entre o Homem e o ``Outro'' atrás enunciado, assim
como na procura de elementos que possam justificar a repetida
apresentação do ``Outro'' que afinal resulta de um trabalho de
reprodução do próprio e pelo próprio, enquanto monstro
terrível e, como de resto, enuncia Mary Shelley, como o
``inimigo''11.
Deste modo será proposta uma viagem de âmbito genealógico à
eclosão das criaturas artificiais e sua consequente
evolução/apresentação nas diferentes épocas
históricas para, posteriormente, recentrarmos, já no epílogo da
presente investigação, o enfoque na polémica em torno da
qualificação/classificação deste Outro no conjunto das
categorias humanas. Será o outro, vida? Existência? Representará
uma mera extensão do humano ou, poderá, em breve, ser incluído
na definição de humano, enquanto legítimo constituinte de uma
humanidade em transformação e evolução(?)? Será o outro
ainda outro? Ou, poderá o outro vir a assumir-se enquanto próprio do
próprio? Ou estará, pelo contrário, condenado à eterna
condição de um outro ou, se preferirmos, de um próprio menor ou
de segunda categoria?
2 Genealogia das Criaturas Artificiais
``As narrativas que evocam a fabricação de criaturas à imagem do homem inscrevem-se assim numa genealogia particular [...]. Elas estendem-se por cerca de dois mil anos e o corpus por elas constituído é formado por cerca de uma dúzia de grandes textos, que põem em cena seres tão distintos como Pigmalião, o golem, os autómatos de Jacques de Vaucanson, a criatura do Dr. Frankenstein, os robots da ficção científica e o computador. [...] evoca-se o projecto precedente de construção de uma tal criatura, mas criticam-se os seus métodos primitivos e inadequados. Cada época introduz a sua ``solução moderna'' para o problema colocado por essa construção. A modernidade será, assim, sucessivamente assumida pela magia, pela mecânica, pela automação, pela informática [...] pela biologia (e, pela nanotecnologia,
acrescentamos nós -- que constituirá a ``solução moderna''
para o problema na viragem do século XXI e, pelo menos até meados
deste -- assim o projecto actual seja efectivamente cumprido). O projecto em si mesmo faz prova de uma notável permanência através do tempo.''12
Os cinco momentos/abordagens, marcantes de outras tantas épocas, à
problemática em causa identificadas por Philppe Breton, (ao qual
ousámos acrescentar uma sexta, enquanto actualização do
próprio trabalho de Breton, e que consiste no fenómeno ainda
embrionário da nanotecnologia que, representará possivelmente a
superação da visão biológica antes mesmo desta ser
efectivamente esgotada), constituem, efectivamente, a recolha de diferentes
soluções para um mesmo e perpétuo problema, cuja solução
poderá emergir nesta nossa modernidade. Todavia, aquele que consideramos o ponto
mais importante da questão reside justamente na alargada escala temporal
que o mesmo tem ocupado no pensamento e ciência humanas que, nas
palavras de Breton, será mesmo superior a dois milénios.
Porém, destes dois milénios de história do projecto de
duplicação humana, emerge uma concepção comum a todos os
momentos e que, apenas a nossa ``modernidade'' parece procurar (ainda que
tenuemente) mitigar, diz respeito à concepção do duplo sempre
enquanto outro e, nunca, enquanto próprio ou mesmo extensão do
próprio. Ponto assente: o artificial é sempre e, em qualquer caso, o
outro, o diferente, o monstruoso, o perigoso, o ``sombrio'' e cuja natureza
tende natural, inevitável e fatalmente para a rebelião contra o
criador, quase como se de uma investida divina punitiva se tratasse sobre a
ousadia humana de procurar imitar o seu próprio criador.
2.1 Nos Antípodas das Criaturas Artificiais
As primeiras referências a criaturas não humanas animadas
encontram-se nas histórias do Golem e Pigmalião13 ,
ainda que o tema que tratam possa já ser encontrado quase um milénio
antes nos escritos de Platão a propósito do pretenso carácter
vivo e animado de algumas estátuas que careciam de ser acorrentadas de
modo a impedi-las de partir durante a noite.
Será aliás em torno da problemática das estátuas que a
produção ficcional a propósito das criaturas artificiais tem na
verdade o seu início. A história de Pigmalião e Galateia retoma
o tema da vida nas estátuas já anteriormente ``observado'' por
Platão. Nesta narrativa impregnada de crenças e ``magia'', segundo a
investigação de Philippe Breton, um jovem rei de Chipre,
Pigmalião teria esculpido, em marfim branco, com arte e sucesso
extraordinários, uma mulher artificial à imagem daquela que
pretendia como esposa. Após a intervenção de Afrodite a
estátua ter-se-ia animado, sendo então elevada à categoria de
ser artificial fundador, concebido pelo homem à sua imagem. Não
obstante o seu carácter vincadamente primitivo, bem patente aliás na
necessidade de recurso à magia/intervenção divina para conferir
vida à obra de Pigmalião, concluindo deste modo o seu trabalho,
não poderá, contudo, ser ignorada enquanto objecto inaugural na
problemática da duplicação/reprodução da vida e forma
humanas em seres ``artificiais''.
O golem inicial, produzido num contexto religioso específico e, as suas
diferentes variações ao longo dos séculos (a figura do golem
perdurou até ao início do século XX -- sempre com grande
proximidade à doutrina judaica), marcam já uma evolução
relativamente à criação de Pigmalião, nomeadamente ao
nível do processo gerador de tais existências e, mesmo no
respeitante à própria natureza das mesmas que poderiam ser invocadas
por meio da oração, substituindo ainda o homem em algumas tarefas
concretas. Assinale-se, neste particular, a introdução de uma
conceptualização deveras inovadora. Com efeito, o golem introduz na
genealogia das criaturas artificiais a noção de substituição
do seu análogo humano em tarefas específicas e contextos concretos.
``Eles (homens judeus, mas em casos acarretados também cristãos) fabricam, depois de determinadas orações e alguns dias de jejum, a forma de um homem em barro e quando pronunciam sobre ele a fórmula hamephorasch, a figura anima-se e, embora não saiba falar, compreende o que se lhe diz e ordena e executa toda a espécie de trabalhos domésticos; mas não deve sair de casa.''14
Como se pode inequivocamente aferir pelo trecho acima transcrito, o Golem,
ainda que tenda a perpetuar a longínqua tradição das
estátuas animadas, é convocado para junto dos homens com uma
intenção concreta: a de auxiliar/executar todo o tipo de tarefas
domésticas, elemento que, estamos em crer inaugura toda
concepção do artificial enquanto substituto do homem, num quadro em
que as semelhanças se encontram apenas no foro físico e, nunca no
domínio intelectual, excesso próprio do humano como refere
Nietzsche15 e, necessariamente inalienável, visão que imperou até
pelo menos ao século XIX.
Deve ainda salientar-se que a história das criaturas artificiais é
de algum modo paralela à do Golem, chegando mesmo, em momentos concretos
a confundir-se, uma vez que o Golem constitui a única
configuração artificial que acompanha todas as etapas deste
projecto, desde os seus antípodas até pleno século XX. Com
efeito, se o Golem surge referido pela primeira vez em escritos que datam de
um tempo próximo da fábula de Pigmalião, o seu registo
estende-se pela Antiguidade Clássica, Idade Média, Renascimento,
Modernidade e século XX, sendo que a invocação de tal criatura
não acompanhou a evolução das diferentes concepções do
artificial, uma vez que o procedimento surge sempre associado a um quadro
mesclado que combina magia com crença e práticas religiosas.
Os primeiros autómatos, concebidos à imagem do homem datam, nos
termos enunciados por Philippe Breton, do século XIII, época, à
qual Albert Le Grand terá alegadamente construído um homem
artificial recorrendo para tal ao metal, madeira, couro e cera. Idêntica
foi a obra de Roger Bacon que também neste mesmo século terá
desenvolvido, a partir do ferro, um projecto análogo aos robots,
projecto que lhe teria valido inclusive a acusação de práticas
de magia.
Embora não totalmente ausente no Renascimento, mormente por meio dos
trabalhos de Leonardo Da Vinci (que se preocupou com o estudo do
funcionamento do corpo humano) e do inevitável Golem (ainda que, numa
franja bastante restrita da cultura e sociedades presentes) é, contudo,
na Modernidade que a questão adquire toda uma nova actualidade. Com
efeito, os séculos XVII e XVIII marcam a ascensão do pensamento
mecanicista e o entendimento da natureza e do corpo humano enquanto as
máquinas por excelência. ``É nesta perspectiva que os mecanicistas do Iluminismo são frequentemente citados, nomeadamente Jacques de Vaucanson (1709-1782) que tenta, desde 1730, a realização de ``anatomias móveis'' que reproduzam as principais funções da vida: respiração, digestão, circulação. O século XVIII é incontestavelmente o grande século do autómato. O desejo de criar um homem artificial incorpora-se então claramente no seio do mundo das realizações técnicas. E, em particular, da mecânica, então em grande expansão. Este projecto é
considerado, graças a estas novas tecnologias, como estando prestes a realizar-se.''16
São exemplos desta geração criadora, os autómatos de Pierre
Jaquet-Droz e seu filho, o escritor, o desenhador ou a tocadora de
música. Já no final do século são efectuadas tentativas mais
arrojadas que incidem sobre a reprodução da voz humana. Neste
domínio destacam-se o abade Mical, autor das ``cabeças falantes'', o barão Von
Kempelen com a sua ``máquina falante'' ou ainda e, principalmente, Jacques de Vaucanson que
construiu vários autómatos antropomorfos, cujo intuito final seria o
da realização de um projecto superior e amplamente mais grandioso: o
de construir um homem artificial, empresa essa decorrente das
realizações anteriores.
2.2 A Temática das Criaturas Artificiais na Literatura do Séc. XIX
O século XIX trás por outro lado, imbuído do espírito
fantasmagórico que caracteriza o período, três importantes
transformações importantes; a primeira inscreve-se no desvelamento
de novos trilhos no que à problemática em epígrafe diz respeito
(as concepções maquínicas dos séculos imediatamente
precedentes evoluem e actualizam-se para a era da electricidade17 -- no caso da Eva Futura de Auguste Villiers de L'Isle Adam, ou tendem
para uma biologia emergente18 -- altamente ingénua,
irreal e ficcional -- no exemplo da criatura do Dr. Victor Frankens-tein que
encontramos na história de horror de Mary Shelley, podendo também
assumir a recuperação do tema das estátuas animadas da
antiguidade através do romance de Ernst Hoffmann). A segunda poderá
ser enquadrada numa mutação que identificamos enquanto metamorfose
de registo: na realidade, as criações técnicas mecânicas
cedem o seu espaço a criaturas mais evoluídas mas sem
existência material, porquanto se encontram unicamente (a
excepção conhecida consiste no texto de Heinrich Von
Kleist19) presentes no
domínio da ficção literária.
Por último ocorre também uma transmutação ao nível das
implicações do próprio projecto de construção de
criaturas artificiais. Com efeito, o século XIX abandona um certo ideal
de optimismo e esperança na criação de seres análogos ao
homem (que até então parecia ter vigorado -- ou pelo menos, não
eram equacionados potenciais efeitos negativos nesta demanda) para
desembocar no espírito fantasmagórico, críptico, pessimista,
céptico e profundamente negativista relativamente ao artificial,
encarnando na verdade o essencial do espírito e pensamentos desse
período.
Esta desconfiança e cinzentismo essenciais, se questionáveis na
ficção de Villiers já o não serão seguramente na obra de
Mary Shelley, que parece ser representativa dos mais profundos receios
humanos relativamente à duplicação do próprio, ao mesmo
tempo que aparenta recuperar uma certa moral de índole religiosa,
sempre ciosa e altamente interventiva na defesa da suprema criação,
como dom exclusivo e inalienável da sua própria Criatura. Neste
contexto, merece especial referência o afastamento cada vez mais
evidente entre o Humano criador e o objecto da sua criação.
Também, a este nível a obra de Mary Shelley é inequívoca.
Na mesma linha é apresentada Hadaly Habal, a obra/produto do engenho
inventivo de Thomas Edison para o nobre britânico Lorde Ewald, se bem
que, neste caso, a referência seja amplamente mais rica do que no
primeiro exemplo citado. A escolha do nome Hadaly Habal, para designar a
criatura a que o génio literário de Villiers dá corpo e
``alma'', em A Eva Futura, não é aliás inocente e, procura
mesmo, convocar essa mesma ruptura fundadora ente o humano e a sua
cópia/duplo. Hadaly e Habal constituem respectivamente os termos
iraniano e hebraico para designar Ideal e Ilusão, em suma, a realidade
à qual a Andróide está condenada por materializar uma mera
cópia de Miss Alicia Clary por cuja singular beleza e atributos
físicos, Lorde Ewald se apaixonou, desprezando, porém, a sua
componente imaterial e a sua mui pouco nobre alma.
Ainda que, no final da obra os sentidos apurados e as dúvidas de Lorde
Ewald relativamente a Hadaly sejam testados e fracassem perante a realidade
de uma cópia/ilusão tão fiel no seu aspecto material quanto o
original, o que não é possível ignorar é o tema recorrente
ao longo das várias centenas de páginas da ficção de
Villiers, na profundas clivagens que se estabelecem entre o elemento humano
e a sua cópia, entre a carne e a sua duplicação, entre a pele e
as suas réplicas, entre a alma e a alma que Hadaly irá encarnar, em
suma, entre a alteridade e a mesmidade, entre o próprio e o
não-próprio.
Ao longo de todo o extenso diálogo entre os dois principais
protagonistas da saga, Lorde Ewald e Thomas Edison, acompanhamos as
dúvidas do primeiro quanto à
``naturalidade''/''realidade''/''fidelidade'' da cópia de Miss Alicia
Clary, relativamente ao original, e as garantias fornecidas pelo segundo sob
juramento, das quais abaixo se reproduz um dos trechos mais marcantes, em
jeito de súmula da temática central nesta obra genial e como
conclusão à ilustração que se procurou fazer às
criaturas artificiais no século XIX:
``[...] Isto é o braço de uma andróide à minha maneira, movida pela primeira vez por esse fantástico agente vital a que chamamos Electricidade, que lhe dá, como vê, todo o natural, toda a maciez, toda a ilusão da vida!
- Uma Andróide?
- Uma Imitação Humana, se preferir. A dificuldade a ser evitada é não fazer o fac-simile ultrapassar, fisicamente, o modelo. Está lembrado, meu caro lorde, desse cientistas de outrora que tentaram forjar simulacros humanos? [...]
- Mas hoje, prosseguiu, o tempo passou! A Ciência multiplicou as suas descobertas! As concepções metafísicas aperfeiçoaram-se. Os instrumentos de cópia, de identidade, são hoje de uma precisão perfeita. [...] Agora podemos realizar fantasmas espantosos, misteriosas presenças mistas com as quais nossos antecessores nem ousavam sonhar, pois teriam sorrido dolorosamente diante dessa ideia decretada impraticável! [...] -- Ainda uma experiência: quer apertar esta mão? Quem sabe? Talvez lhe responda.
Lorde Ewald pegou os dedos e apertou-os levemente.
Que assombro! A mão correspondeu a essa pressão com uma afabilidade tão suave, que o rapaz pensou que talvez fizesse parte de um corpo invisível. Tomado de uma profunda inquietação deixou cair aquela coisa das trevas. [...]
Vou demonstrar-lhe, matematicamente, e agora mesmo com os formidáveis recursos actuais da Ciência --- e isso de maneira fria, talvez, mas indiscutível --- posso apoderar-me de graça, da plenitude de seu corpo, do odor de sua carne, do timbre sua voz, da flexibilidade de sua cintura, da luminosidade de olhos, das características de seus movimentos e de seu andar, personalidade de seu olhar, de seus traços, de sua sombra no de sua aparência, do reflexo de sua Identidade, enfim. - assassino de sua animalidade triunfante. Primeiramente vou reencarnar toda essa exterioridade, que, para o senhor, e deliciosamente mortal, em uma Aparição cuja semelhante a encantos HUMANOS ultrapassarão sua esperança e todos os seus sonhos! Em seguida, no lugar dessa alma que lhe repugna na moça de carne osso, insuflarei uma outra espécie de alma, menos consciente de si mesma, talvez (aliás, que importância tem isso? Como vamos saber?), mais sugestiva de impressões mil vezes mais belas, mais nobres, mais elevadas, isto é, revestidas desse toque de eternidade sem o que tudo não passa de comédia20 entre os que vivem. Reproduzirei fielmente e, desdobrarei essa mulher com a ajuda sublime da Luz! E, projectando-a sobre sua MATÉRIA RADIANTE, iluminarei com sua melancolia, milorde, a alma imaginária dessa nova criatura, capaz de maravilhar os anjos. Aniquilarei a Ilusão! Fá-la-ei prisioneira. [...]
Enfim, para resgatar-lhe o ser, pretendo poder -- e provar-lhe previamente, ainda uma vez que, realmente, posso fazê-lo: tirar do limo da Ciência Humana actual um Ser feito à nossa imagem, e que será para nós, em consequência disso, O QUE SOMOS PARA DEUS.
E o cientista jurou, levantando a mão. [...]
A essas palavras, Lorde Ewald ficou como que desvairado diante de Edison. Parecia que não queria compreender o que lhe era proposto.
Depois de um minuto de assombro:
- Mas...uma tal criatura sempre seria apenas uma boneca insensível e sem inteligência!
- Milorde, respondeu Edison gravemente, juro-lhe: preste atenção para que, ao comparar o modelo e ouvindo as duas, não seja a humana que lhe pareça o autómato.
Ainda não tendo voltado completamente a si, o rapaz sorria amargamente, com uma espécie de palidez um tanto constrangida.
- Vamos esquecer isso, disse. O projecto é estarrecedor: o resultado será sempre uma máquina! Ora! O senhor não irá criar uma mulher! [...]
- Juro que não distinguirá uma da outra! [...]
IMPOSSÍVEL, Edison. [...]
- O senhor pode reproduzir a IDENTIDADE de uma mulher? O senhor, nascido de uma mulher?
- Mil vezes mais idêntica a ela..., do que ela própria! [...]
- O senhor seria capaz de reproduzi-la com toda a sua beleza? sua carne? sua voz? seu andar? seu aspecto, enfim?
- Com o Eletromagnetismo e a Matéria-radiante enganaria o instinto de uma mãe, quanto mais a paixão de um amante. - Veja! irei reproduzi-la de tal forma que se, daqui a uns doze anos, ela tiver oportunidade de ver sua sósia ideal, que ficou imutável, derramará lágrimas de inveja -- e de assombro! [...]
- Mas empreender a criação de um tal ser, murmurou Lorde Ewald, pensativo, parece-me que será afrontar...Deus. [...]
- Dar-lhe-á uma inteligência?
- Uma inteligência? não: a INTELIGÊNCIA, sim.''21
2.3 As Criaturas Artificiais no Quadro do Nosso Tempo Moderno -- Séculos XX
e XXI
Neste nosso percurso genealógico eis-nos, enfim, chegados ao século
XX, pioneiro na apresentação de um projecto científico coerente
e credível no sentido do solucionamento do projecto da
duplicação do homem ou, se preferirmos, da assumpção do
papel de criador por parte do homem, mantendo, todavia, no capítulo da
produção ficcional, as características mais marcantes das obras
emblemáticas que dominaram o século antecessor e o mesmo
timbre/registo crítico, céptico e profundamente sombrio
relativamente ao projecto da criação de vida artificial e de
duplicação do humano.
Observemos então, mais detalhadamente cada uma destas categorias:
2.3.1 As Criações Artificiais no Cinema e na Literatura
Este será com efeito o registo, tanto no domínio
cinematográfico quanto na literatura da ficção científica.
Ninguém, por certo, desconhecerá pelo menos uma de entre a vasta
profusão de criações artificiais com que a criatividade de
argumentistas e escritores vem desde há décadas povoando o nosso
imaginário colectivo.
``As criaturas artificiais à imagem do Homem estão abundantemente presentes na literatura de ficção científica ou de antecipação. A riqueza sobre este domínio é tal sobre a questão dos robots, dos andróides, ou dos cyborgs, que é difícil escolher entre as múltiplas histórias que evocam a criação e a existência de tais seres22. Tanto mais que, para a maioria dos autores de ficção científica, a questão da criatura artificial é ponto assente e a sua existência considerada frequentemente um facto adquirido, sobre o qual nada há a explicar. O robot tornou-se de tal forma num lugar comum neste tipo de literatura que, muitas vezes é a sua presença que permite identificar o género literário de um texto.''23
Ainda seguindo a investigação de Breton são convocados para o
seio da discussão dois dos mais populares autores de ficção
científica: Philip K. Dick e Isaac Asimov24, enquanto contendores numa mesma causa, ainda que
advogando posições manifestamente opostas. O primeiro prossegue a
linha pessimista do século XIX; Asimov, ao invés, procura reunir um
conjunto de criaturas dóceis, respeitadoras da sua condição
existencial e, projectando, por conseguinte, uma imagem necessariamente
diferente das demais. Aliás, como advoga Breton ``o trabalho de Asimov inscreve-se menos no contexto da literatura propriamente dita, do que numa tentativa mais militante de fazer o mundo partilhar de uma certa forma de optimismo tecnológico.''25
Será, contudo, no período que se seguiu à IIa Grande
Guerra Mundial, especialmente a partir das décadas de 60 e 70, com
especial incidência nesta última, que o tema das criaturas
artificiais na literatura e cinema adquire uma actualidade e
preponderância avassaladoras.
Esta situação é directamente decorrente dos espantosos
avanços científicos que se registaram a este nível,
demasiadamente optimistas e que se inscrevem na emergência de novas
disciplinas científicas, que se dedicam exclusivamente a esta
temática: pela mão de Norbert Wiener surge primeiro a
cibernética, ainda durante a década de 40, para, anos mais tarde,
já nos meados dos anos 60 emergir uma ramificação da área
mãe que visava explicitamente a criação de
``seres''/máquinas inteligentes (baseadas nos progresso obtidos no campo
das ciências informáticas) dispondo de capacidades senão
superiores, pelo menos, análogas às dos humanos. Referimo-nos,
concretamente, à Inteligência Artificial, que será objecto de
uma análise mais exaustiva em capítulos próximos.
Estava então inaugurada a época de ouro das criaturas artificiais.
Impulsionados pelas descobertas científicas e por uma outra área
que trilhava também os seus primeiros passos (a divulgação
científica -- de que Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e Carl Sagan
são os percursores mais conhecidos), os autores do género
ficção científica (que, não raras vezes construíam
histórias e enredos tomando como ponto de partida as suas próprias
investigações -- qualquer um dos nomes atrás citados constituem
exemplos esplendorosos dessa mesma realidade26), lançam-se na produção em massa de seres
artificiais, não necessariamente com fisionomias análogas à
humana.
A este nível, poderão ser referenciados os exemplos dos
andróides27 e cyborgs28 da saga
de George Lucas -- A Guerra das Estrelas (ainda não concluída, decorridas mais de
três décadas do lançamento do primeiro filme), o supercomputador
presente a bordo de nave espacial Voyager, HAL 9000, em 2001 -- Odisseia no Espaço, a saga dos Terminators que Arnold
Schwarzenegger incarnou29, mas também as narrativas em torno dos Replicants de Blade Runner, o
andróide Data e a civilização Borg30 da popular série televisiva e cinematográfica Star Trek, as
diferentes existências de Inteligência Artificial de Steven Spielberg e, por fim, a mais
recente produção do género materializada na adaptação de
Alex Proyas à obra de Isaac Asimov, Eu, Robot.
A curta lista que aqui apresentamos poderia ser facilmente alargada quase
até ao infinito, tal é a vasta profusão de seres artificiais
presentes tanto na literatura como no cinema. Não constituindo, todavia,
esse, o objectivo central desta investigação, recentremos a nossa
atenção na análise e enquadramento de cada uma destas
criações num contexto específico de positivo/negativo.
Deste modo, os andróides dos contos de George Lucas representam
claramente uma visão do artificial, não só enquanto extensão
e substituto do próprio homem como também até no modo em como a
sua ligação, afinidade e relacionamento com o elemento humano é
apresentado, uma visão construtiva e altamente positiva na abordagem a
esta temática, características, aliás, bem evidentes no
tratamento do elemento supra-humano enquanto uma existência colocada em
plano de igualdade. De entre os exemplos mais populares e, no âmbito da
enumeração atrás gerada, o figurino das criaturas presentes nas
produções de George Lucas constituem clara e inequivocamente a
visão mais afirmativa face à coexistência entre o elemento
humano e o artificial.
Ainda num quadro de projecção de um artificial encarado
benignamente, surge o andróide Data, que as sucessivas séries/temporadas
televisivas de Star Trek, celebrizaram, enquanto membro da tripulação da
Enterprise, aceite enquanto igual aos demais tripulantes desempenhando mesmo em alguns
episódios o papel-chave no solucionamento das sucessivas dificuldades
com que a nave se defronta na sua acção. O caso de Data é, ainda
merecedor de uma análise mais profunda (que retomaremos no capítulo
final deste trabalho), tendo presente a questão da confrontação
natural/artificial que constitui a essência desta criatura cujo mais
profundo desejo (o termo empregue -- desejo -- é o mesmo utilizado na
obra e não é inocente) de se tornar um humano de verdade --
incluindo, sentir e possuir carne que sangre.
Ainda no domínio de Star Trek uma outra criatura artificial é convocada,
sobretudo nas produções mais recentes: trata-se do programa
holográfico da enfermaria -- uma criatura com imagem (holográfica --
sem existência material, portanto) mas, capaz de interagir, tal como o
andróide Data, totalmente com os membros da tripulação quando o seu
programa é activado.
Inversamente, porém, a quantidade de apresentações é
substancialmente superior, reflectindo um vasto e diversificado conjunto de
reflexões onde imperam essencialmente temores e receios num ambiente que
poderemos classificar como amplificador das enormes apreensões humanas
não só relativamente à dimensão artificial da própria
``vida'' mas, também e, principalmente, no respeitante à
preservação e manutenção/conservação da humanidade.
As abordagens a criaturas artificiais inteligentes, materiais ou imateriais,
fisicamente análogas ao Homem ou sem qualquer tipo de
correspondência a este nível, constitui uma das duas temáticas
recorrentes no género da ficção científica31. Com efeito, assim acontece num sem número de
criações literárias ou cinematográficas, desde as mais
conhecidas até outras que, embora, igual ou, por vezes, mesmo
superiormente válidas, não mereceram a aceitação junto do
público ou da crítica sempre tão ciosa na obscura
promoção de alguns dos ``seus'' protegidos, a expensas dos
superiores valores de uma pretensa intelectualidade, enquanto,
simultaneamente, legiões de génios e visionários são
ostracizados apenas por não figurarem no lote dos ``eleitos''.
Assim, optamos também aqui por concretizar uma rápida e fugaz
referência aos casos mais populares, sendo certo que muitos outros
existirão, (alguns dos quais, por nós conhecidos, embora
inomináveis por força dessa mesma lógica de mercado que quase
apaga os registos que não obtiveram a aceitação do grande
público, e que, por conseguinte, coloca insuperáveis obstáculos
à reunião dos mesmos).
Antes de referência adicionais, voltamos a convocar a mais longa e
popular de todas as produções de ficção científica --
Star Trek. Na realidade, mesmo neste conjunto de narrativas, o tema do artificial
enquanto algo de negativo e sombrio é também alvo de tratamento,
nomeadamente, no filme inaugural (em que a nave Voyager regressa à Terra a fim
de se reunir com o criador após vários séculos evoluindo e
reunindo informação, tendo-se tornado a tal ponto poderosa que
retorna como uma sociedade de máquinas, infinitamente superior às
criaturas de carbono que originalmente a haviam criado de tal modo que,
até que o enredo seja efectivamente cumprido, a humanidade é
ameaçada de extinção por acção de uma sua
produção).
O exemplo, contudo, mais interessante, encontra-se, na nossa
perspectiva, numa civilização -- os
Borg32
(abreviatura de cyborg), cuja existência e finalidade resulta
de uma evolução baseada na assimilação de outras
espécies e a hibridação destas com componentes de
índole artificial. Esta forma de vida é apresentada como
a mais sombria e escravizante existência a que qualquer forma
de vida poderá ser ``condenada'', o que configura,
inequivocamente, uma concepção altamente negativa enquanto
de uma forma de vida, pretensamente, superior.
O tema do artificial enquanto cópia do humano é explorado não
só em Inteligência Artificial de Steven Spielberg como também em Blade Runner de Ridley Scott. Em ambos
os casos e, não pretendendo ir mais além do que uma mera análise
superficial, (uma vez que a multiplicidade das questões tratadas em
ambas as obras não se circunscreve unicamente àquela que será
aqui alvo de análise), o tema central gira em volta da
substituição de humanos desaparecidos por cópias artificiais. A
visão negativa não é aqui tão vincada quanto nos exemplos
que atrás referimos ou nos que indicaremos em seguida. Na verdade, em
ambos os registos o enredo e o nível de questões suscitadas pelas
histórias à volta do tema da (des)humanidade destas criaturas
substitutivas, uma vez que tudo gira em torno da dificuldade de aceitar o
artificial e o duplo/cópia enquanto, por mais conseguida e fiel que seja a
reprodução, idêntico, enquanto igual ao original.
Eu, Robot, por seu lado, constitui a abordagem a uma das mais reais e efectivas
apreensões do humano face ao seu análogo artificial: a rebelião
da criatura contra o seu Deus criador, tema que tem acompanhado todo o
desenvolvimento da problemática do artificial desde os seus
antípodas nos idos de 50, retomando, ainda que, num contexto
alternativo, a complexa teia de problemas presentes naquela que consideramos
como, de todas entre as que maior aceitação geraram, a mais genial
trilogia propagandística anti-artificial -- referimo-nos, obviamente,
aos episódios do Terminator.
Ainda que tendo cedido à lógica comercial que habitualmente
desvirtua o bom trabalho/reflexão inicial em favor da escravidão
prevalente do capital (esta ilação é válida sobretudo para o
terceiro filme -- uma ``sombra''33, quando comparado com os dois
primeiros -- especialmente, com o Terminator original, incarnado por Arnold
Schwarzenegger34), sucede que esta temática resulta, como acima se referiu, na mais
sombria das abordagens à questão do progresso científico em
geral e, das criaturas artificiais em particular.
Com efeito, a fobia e pânico generalizados resultantes de um eventual,
(mas sempre real e potencial), perigo de rebelião das máquinas
contra o criador e tentativa de aniquilação do mesmo, constituem o
tema central da trilogia, argumento habilmente explorado pelos autores em
favor da inculcação de valores na sociedade e na ciência que
façam a humanidade despertar para uma consciência comum face aos
efeitos perversos da evolução científica e que possam suscitar
um amplo, aceso e rigoroso debate em torno destas questões.
2.3.2 As Criaturas Artificiais nos Laboratórios Científicos e Centros de
Investigação
Esta é também uma área onde as referências são imensas,
de uma importância avassaladora, em função dos efeitos que
estão já a produzir e poderão (julgamos que a proposição
correcta será irão -- não se trata de estabelecer se, ou se,
antes sim quando, isto é, qual a janela temporal em que tais efeitos
poderão ser desencadeados) ainda despoletar num futuro próximo, pelo
que, uma abordagem às mesmas, por muito incipiente e superficial como a
que ora iniciamos possa constituir, se assume, ainda assim, enquanto um
imperativo categórico.
Ainda que tenham existido algumas abordagens pouco conseguidas à
concepção das criaturas artificiais na primeira metade do século
XX é, essencialmente, no período do pós IIa Guerra
Mundial que esta temática adquire, enquanto ciência, uma
projecção apreciável. Na verdade, o final da década de 40
representa mesmo um dos períodos mais produtivos desta disciplina
emergente: os nomes de John Von Nuemann, Norbert Wiener, Alan Turing, Grey
Walter e Herbert Simon, entre outros menos conhecidos tornam-se então
célebres pelas suas invenções/criações ou teorias
relativamente ao domínio do artificial.
Em Junho de 1945, John Von Neumann, ``descreve a arquitectura lógica de uma nova máquina, o EDVAC, que constituirá a base do computador moderno''35. No ano seguinte, todavia, e
após várias tentativas frustradas no sentido da compreensão e
reprodução do sistema nervoso humano, conclui que a análise mais
correcta ao problema configura uma abordagem da base para o topo, pelo que,
se junta ao movimento que outros investigadores haviam já criado,
centrando as suas pesquisas nos bacteriófagos, organismos vivos
substancialmente mais simples.
Porém a investigação de Neumann estava longe de ser
solitária. Alan Turing, terá confidenciado junto dos seus
círculos mais íntimos o projecto último da construção
de um análogo artificial do cérebro humano. Turing vai mesmo mais
longe, apresentando um conjunto concreto de regras a partir do qual sustenta
ser possível à máquina ``pensar'', reproduzir o comportamento
cognitivo humano e, em consequência disso mesmo, ``enganar'' o homem.
Esta formulação ficou celebremente conhecida como o Teste de
Turing36.
Outro matemático, Norbert Wiener do MIT, sistematizou um conjunto de
problemas que haviam sido identificados no controlo das armas de disparo de
longo alcance detectados no contexto da IIa Guerra Mundial. Deste
trabalho nasce, em 1948, a obra que inaugura a ciência cibernética,
a qual retoma um termo grego habitualmente usado para designar a figura de
um piloto/governador. A contribuição desta disciplina introduz o
conceito de feed-back positivo enquanto reforço de um conjunto de
instruções pré-determinadas no sentido de assegurar um controlo
eficaz de máquina e seres humanos. Aliás, no capítulo inicial
da sua obra de 1948 Wiener define que ``o propósito da Cibernética é o de desenvolver uma linguagem e técnicas que nos capacitem, de facto, a haver-nos com o problema do controlo e da comunicação em geral, [...]''37. Esta ideia é válida tanto para o homem quanto para as
máquinas por si desenvolvidas.
Gray Walter é outra das referências incontornáveis no âmbito
dos antípodas das criaturas artificiais. O mais famoso de entre todos
os criadores de ``animais'' artificiais, que desenvolveu entre as
décadas de 50 e 60 uma profusão assinalável de criaturas
artificiais, as mais famosas das quais, as tartarugas
cibernéticas.38
A década de 50 marca ainda a afirmação profética de um dos
mais distintos investigadores de uma nova disciplina que, nascida no
contexto da cibernética, rapidamente se viria a assumir enquanto motor
principal da investigação em torno da criação de seres
inteligentes: a Inteligência Artificial. Em 1957 o Prémio Nobel
Herbert Simon sustentou que ``de agora em diante existem no mundo máquinas capazes de pensar, de aprender e de criar. E mais, que o campo das suas possibilidades é levado a alargar-se rapidamente, até ao dia em que -- num futuro não muito distante -- a gama dos problemas que elas estarão aptas a tratar, equivalerá à gama de problemas que podem ser apreendidos pelo espírito humano''.39
Porém, o paradigma da Inteligência Artificial cujo
consenso no seio da comunidade científica foi amplo até
ao início da década de 90, começou, progressivamente,
a ser ultrapassado por outro. Fruto de sucessivos adiamentos e
outras tantas correcções à matriz ideológica e
tecnológica de um projecto que tarda em gerar resultados que
permitam combater alguma desmotivação que se instalou
junto destes cientistas40 , as
gerações mais recentes de investigadores estão a
enveredar por concepções inovadoras e que pressupõem,
não a radical substituição da carne por análogos
cibernéticos, isto é, um efectivo abandono do corpo
carnal/humano/biológico, em favor de uma nova existência
que se dividiria numa imaterialidade a ter lugar dentro dos
computadores com alguns laivos de materialidade que ocorreriam
através do recurso a corpos artificiais vazios (preparados
portanto a receber uma programação ou, se preferirmos, uma
``alma'' humana previamente digitalizada), antes sim, um
upgrading41 , muito
menos radical, mas bem mais eficaz cuja finalidade seria a
optimização de uma carne que, conforme sustenta Stelarc,
está obsoleta.42
A visão inovadora ao problema procura esbater também a profunda
clivagem que representa para a Humanidade a superação do Homem pelo
Homem que não é mais Homem, que é um misto de Homem e de
implantes cibernéticos/tecnologia, que consiste numa amálgama de
interconexões artificiais e orgânicas, resultando num estranho
conjunto de material/imaterial, donde emerge uma existência que não
deixando de ser humana o já não é também na sua totalidade
essencial.
Esta problemática que introduziu a presente
reflexão/investigação entre o artificial e o não artificial
e que ora recuperamos, inscreve-se num registo de procurar aferir até
que ponto é ainda humano o cyborg, à semelhança da análise
concretizada por Giorgio Agamben a propósito do grau de animalidade que
restava ainda numa Humanidade que representava já essa mesma
ascensão a um estádio superior ao da própria animalidade,
afinal, condição primeira de tal existência.
3 Virá o Duplo do Duplo a Assumir-se Enquanto o Original Único?
A questão que titula esta reflexão final de índole conclusiva
que agora se pretende desenvolver, procura, desde logo, inferir acerca da
possibilidade de as criaturas artificiais do Homem (enquanto duplas do duplo
original de Deus, materializado no Homem), poderem ascender à
condição de um original, representado mesmo uma afronta ao Sujeito
original da criação, por meio da criação de Sombras
(retomando a terminologia empregue por Villiers), superiores à
própria Sombra que as criou e, capazes elas também de gerarem novas
sombras e, por conseguinte, a Vida.
Na verdade, salvo raras excepções, (nem mesmo o teste de Turing que
acima reproduzimos poderá constituir uma), o análogo artificial do
homem ou, se preferirmos, o seu duplo, da literatura ao cinema, da
ciência à tecnologia, da filosofia à religião (neste
último caso a questão assume contornos de quase heresia) é
sempre apresentado enquanto o outro. Outro este que, não obstante, a fiel
reprodução das características que distinguem o homem das
demais existências carbónicas, sejam dos seus traços
físicos ou até das suas capacidades/atributos (quando não mesmo
as supera), a verdade é que, nunca o outro se poderá assumir enquanto
existência humana, por mais humana que seja a sua artificialidade.
São inúmeros os exemplos na literatura e no cinema de criaturas que,
não obstante o cuidado desenvolvimento de que foram alvo, no sentido de
se obter uma total e perfeita verosimilhança com o ente duplicado,
são, ainda assim, rejeitados pela sua dissemelhança fundadora face
ao original. É assim em A Eva Futura (num momento inaugural, pelo menos), em que
Lorde Ewald recusa a cópia e a despreza antes de compreender que
está em presença de Hadaly Habal e não de Miss Alicia Clary e,
idêntica ocorrência, sucede também em Inteligência
Artificial, em que o andróide produzido para colmatar o desaparecimento
precoce do seu original humano, ainda que desconhecendo a sua própria
condição essencial de máquina artificial (tal é a
perfeição do labor que o seu criador investiu em si -- a tal ponto
de conseguir enganar e espantar os caçadores de robots), é ainda
assim recusado enquanto ``filho'' pela sua ``mãe'', visto tratar-se
afinal de uma (vilipendiosa e desprezível) cópia.
A concepção mais positiva do artificial e sua
afirmação não enquanto mesmo/próprio, antes sim,
num contexto de plena, harmoniosa e profícua coexistência
consiste na personagem do andróide Data43, (de Star Trek)
cujo exemplo retomamos agora, pela inclusão de alguns dos
momentos mais marcantes da vida de Data.
``In 2364, Data discovered his "brother" Lore, a prototype created by Dr. Soong. However, Lore was psychopathic and deactivated Data in an attempt to take over the Enterprise.
In 2365, cyberneticist Bruce Maddox obtained permission to have Data reassigned for study, wherein he would be deactivated, disassembled, and duplicated. Data refused, and sought and won a legal judgment declaring him a sentient life-form with the same rights as other Federation citizens.
Desiring to reproduce himself, Data created a daughter, in 2366; unfortunately, she suffered a cascade failure of her neural systems and died shortly after being activated.
In 2367, Data was taken over by a homing signal generated by Dr. Soong, who intended to give him an emotions chip which he had perfected in secret after being thought dead. Data was forced to take over the Enterprise and bring it to Soong's lab on Terlina III. Unfortunately, the homing signal summoned Lore as well, who tricked Soong into giving him the chip and then killed him.
In 2370, Data met a woman who appeared to be Dr. Juliana Tainer the widow and collaborator of Dr. Soong; in a sense, Data's mother. However, she turned out to be an android, constructed by Dr. Soong after the original Dr. Tainer died. Unlike Data, she had been unaware of her nature as an android, and had divorced Dr. Soong and remarried.
In 2371, Data chose to use the emotion chip he had
obtained from Lore. Despite difficulties in adaptation, Data
successfully integrated the emotions chip.''44
Não deixa pois de ser sintomático os estranhos paradoxos que se
desenrolam em torno desta personagem, bem explorados nos episódios de um
``irmão''/duplo psicótico, na luta judicial pelo reconhecimento dos
seus direitos enquanto ``ser sensível'', no que toca à entrada em
cena de uma andróide que, na realidade, desconhece a sua
natureza45 e, por fim, mas sobretudo, a questão que
gira em torno do chip capaz de conferir emoções análogas às
humanas. Ignoradas não poderão ser também as importantes
discussões que poderão ser suscitadas pela ambição da
máquina em se assumir enquanto humana e, no seu desejo (o termo não
é também inocente -- relembre-se que apenas o humano pode desejar)
em produzir descendência.
A partir deste ponto Data deixará de ser encarado enquanto um ser (ainda que
detentor de direitos sobre a sua existência e o dom do
livre-arbítrio), dissemelhante, para ser encarado enquanto a mais
humana de todas as criações46. As questões levantadas pela existência de um
andróide com as propriedades intrínsecas de Data são por si só
merecedores de uma reflexão que a mera enumeração que aqui
concretizámos não poderá, de modo algum, explorar, sob pena de a
presente reflexão investigação assumir proporções
proibitivas.
Por último e já em jeito de ensaiar uma conclusão, para uma
investigação que, julgamos, levanta uma tal ordem de problemas que
os mesmos não poderiam ser tratados de forma diferente da violência
redutora da sua própria riqueza que aqui cometemos, procuraremos
estabelecer até que ponto a chegada/emergência de uma nova categoria
de existências se poderá ainda designar de humano ou se, ao
invés, a humanidade caminhará, na verdade, enquanto essência do
seu ser, para uma hibridização em torno do artificial, dando origem
aos tão temidos cyborgs.
A questão é tanto mais oportuna, quanto a tecnologia tem
vindo progressivamente a invadir o elemento orgânico
humano47 e, a
sua ulterior difusão a escalas bastante alargadas irá
provocar, conforme sustenta Richard Dooling no seu ensaio
ficcional Diary of an Immortal Man48 ,
não só, num primeiro momento uma enorme e
insustentável pressão sobre os sistemas de saúde e as
gerações mais novas que terão de financiar a
preservação dos mais velhos e que já não
contribuem para a sustentabilidade financeira dessas mesmas
instituições como, também, num tempo subsequente,
produzir a emergência de toda uma nova geração de
humanos puristas, determinados em reclamar a sua humanidade, nem
que, para tal tenham de renunciar à família e a uma
existência (expectavelmente) mais confortável, recusando e
combatendo toda a artificialidade e renegando para uma
condição inferior (ou mesmo agindo como se de inimigos se
tratassem) todos quantos optaram pela conversão ao hibridismo
cibernético.
Em suma, como parece de algum modo antever Dooling, a humanidade parece,
paradoxalmente, caminhar para uma cada vez mais evidente fractura entre a
organicidade e a artificialidade quando, seja na ficção ou na
ciência o trilho aparenta ser, justamente, o oposto.
Refira-se, todavia que, tanto a obra e difusão científicas, como a
literatura ou o cinema de ficção científica pouco têm
procurado combater esta tendência. Se, por um lado as suas
produções anunciam como inevitável a superação do homem
pelo organismo humano-cibernético, a verdade é que o trabalho que
tem vindo a ser efectivado neste domínio a fim de mitigar as profundas
clivagens e justificadas apreensões emergentes e decorrentes do projecto
da pós-humanidade, tem sido insuficiente e em nada contribuído no
sentido de uma generalizada preparação da opinião pública
para um tempo que parece cada vez mais próximo...
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- 1
- Este trabalho foi realizado no âmbito do mestrado em Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
- 2
- L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad.
de Écila Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de São
Paulo, 2001, p. 141.
- 3
- SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003, p. 70.
- 4
- SHELLEY, Mary; Frankenstein,
Trad. de João Costa, Publicações Dom Quixote, Lisboa,
2003, pp. 119-122.
- 5
- BRETON, Philippe, À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa,
1995, p.15.
- 6
- Idem, ibidem.
- 7
- Cf. ``[...] tirar do limo da Ciência Humana actual um ser feito à nossa imagem, e que será para nós, em consequência disso, o que somos para Deus''. Vd. L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de;
A Eva Futura, Trad. de Écila Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de
São Paulo, 2001, p. 141.
- 8
- Vd. A.A.
V.V.; A Bíblia Sagrada para o Terceiro Milénio da Encarnação, Fátima, Difusora Bíblica, Janeiro de 2003. A este
propósito não deixa de ser curioso o profundo paradoxo que
representa a questão da colocação por parte do criador da
árvore do conhecimento no Jardim do Éden. Ora, se foi o Homem criado
à imagem do criador, e foi dotado de inteligência/capacidade de
reflexão, a colocação da árvore do conhecimento e a
consequente interdição de ``uso'' da mesma parecem configurar um
estranho e perverso desejo punitivo do criador em relação à
criatura pois, nas suas infinitas potencialidades por certo não seria
desconhecida ao Senhor a imensa tentação que representariam para o
Homem os frutos da árvore proibida, exemplo aliás a que recorre
Mikhail Bakunine no seu Ensaio ``Deus e o Estado'' como justificativo da sua profunda
aversão aos dogmas da eclesia. Na verdade, o cumprimento da directiva
divina de não profanação dos frutos da árvore do
conhecimento só poderia representar a negação da própria
condição e natureza humanas e o livre-arbítrio de que havia
sido provido no momento da sua geração.
- 9
- Inclusive no aspecto moral: as
criaturas artificiais não vêem as suas acções constrangidas
por imperativos de índole moral -- uma vez que esta é uma
propriedade dos fracos.
- 10
- A
problemática será aqui ignorada em virtude de não ser esse o
intuito desta reflexão. Refiram-se, contudo, alguns de entre os
inúmeros exemplos da ficção. O esforço do Dr. Frankenstein
na criação do seu monstro que depois despreza e procura destruir.
Recordem-se os cyborgs de Terminator, os Replicantes de Blade Runner, os
andróides de Inteligência Artificial, os robots da mais recente
produção do género, (I, Robot), etc.. O elemento comum em todos
estes projectos de ficção consiste no empenho colocado no projecto
de duplicação da vida e geração das criaturas artificiais
para, mais tarde, se cair no extremo oposto, onde a criatura é encarada
enquanto inimiga da ``humanidade'' e, em consequência, deverá ser
aniquilada. Em todas as produções do género, a criatura
artificial é, não raras vezes, apresentada como monstruosa,
diferente, poderosa e potencialmente perigosa para a preservação do
criador.
- 11
- SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003.
- 12
-
BRETON, Philippe, À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp. 15-17.
- 13
- ``[...] é um rei de Chipre que se apaixonou por uma estátua de marfim representando uma bela mulher, que ele próprio teria esculpido, segundo uma das versões da lenda. Abrasado pela paixão, pediu a Arfodite que lhe enviasse uma mulher semelhante à estátua. As súplicas dirigidas à deusa numa das festas em sua honra foram ouvidas: ao chegar a casa, Pigmalião apercebeu-se de que a figura de marfim ganhara vida. Desposou-a e dela teve uma filha chamada Pafo, mãe de Cíniras.'' GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Trad. de Victor Jabouille, Lisboa, Difel, s/ D..
- 14
-
ARNOLD, Christophe; cit in BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p.
42.
- 15
- NIETZSCHE, Frederich; O Livro do Filósofo, Porto, Rés Editora, s/ D.,
p. 90.
- 16
- BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais,
Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 38.
- 17
-
``[...] Isto é o braço de uma andróide à minha maneira, movida pela primeira vez por esse fantástico agente vital a que chamamos Electricidade, que lhe dá, como vê, todo o natural, toda a maciez, toda a ilusão da vida!''. Vd. L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad. de Écila
Azeredo, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p.
136.
- 18
- A referência a uma biologia
emergente prende-se com a ausência de uma explicação tão
detalhada do funcionamento da criatura do Dr. Victor Frankenstein à
imagem do que é realizado por Villiers que justifica passo a passo
``segredo'' capaz de vivificar e animar a criatura do Engenheiro Edison. Na
verdade, Mary Shelley, apenas revela, fugazmente, que a criação do
Dr. Frankenstein, resulta da justaposição e união de diferentes
componentes carnais, resultando numa criatura de aspecto horrível,
concebida a partir da união de diferentes partes de corpos de diversos
dadores. De igual modo, em momento algum são referenciados quaisquer
elementos não biológicos na concepção da criatura. O
``Monstro'' resulta portanto, daquilo a que convencionámos aqui
apresentar enquanto um biologia ingénua, precisamente por o resultado
derivar unicamente de componentes orgânicos, não sendo, contudo,
revelado o segredo que permite a posterior animação da carne, pese
embora, a menção também quase imperceptível a agentes
químicos. Vd. SHELLEY, Mary; Frankenstein, Trad. de João Costa,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2003.
- 19
- KLEIST, Heinrich Von; Über das Marionettentheater -- Sobre o Teatro de Marionetas, trad. de José Filipe Pereira,
Estarreja, Instituto de Arte Dramática, 1998.
- 20
- A referência neste contexto ao termo comédia não
deixa de constituir, tomando por base a elevada erudição de
Villiers, facilmente aferível ao longo da leitura da obra, uma clara
referência à comédia clássica, género que, após a
ascensão da mesma a instituição do Estado, conheceu substanciais
modificações estruturais. ``Finalmente, no momento culminante da sua evolução, a comédia adquiriu, por inspiração da tragédia, clara consciência da sua missão educadora. Toda a concepção de Aristófanes acerca da essência da sua arte se encontra impregnada desta convicção e permite colocar as suas criações, pela dignidade artística e espiritual, ao lado da tragédia do seu tempo'' (Vd. JAEGER, Werner; Paideia, Lisboa,
Editorial Aster, 1979, p. 388). Este mesmo paradoxo que coloca a comédia
num patamar idêntico ao da tragédia parece ser aqui convocado por
Villiers relativamente à sua criação. Assim, tendem a
lançar-se aqui algumas trevas sobre a ``mulher'' de Edison, recuperando,
por meio de uma aparentemente inocente referência à comédia, as
dúvidas que o estádio último desta arte, muito próximo da
Tragédia parece invocar. Com efeito, na mesma obra, surge
indissociável da Tragédia a referência a Ate, por exemplo em
Sete Contra Tebas: ``Mas por fim as maldições divinas entoaram o claro canto da vitória, quando a raça inteira foi votada ao extermínio. Em frente da porta junto à qual foram derrubados, ergue-se o monumento que comemora o triunfo de Ate; [...]'' (Vd. JAEGER, Werner; Paideia, Lisboa, Editorial Aster, 1979, p. 283). A
referência que aqui concretizamos a Ate não é inocente, nem tão
pouco o excerto reproduzido. Na verdade, pretendemos invocar o castigo
divino perante a insolência humana de usurpação do Seu dom,
convocando para esta reflexão (``as maldições divinas que entoaram o canto da vitória quando a raça inteira foi votada ao extermínio'') a temática das visões
apocapípticas e proféticas que têm vindo a anunciar a
aniquilação do homem às mãos das suas criaturas, como se
Villiers tivesse neste ponto sido acometido de uma das tão
``lúcidas'' predicções de Nostradamus. Julgamos que este
raciocínio poderá ainda ser enquadrado no célebre complexo de
Édipo que segundo reza a lenda ``à nascença, Édipo estava já marcado por uma maldição. [...] trata-se de um oráculo que teria declarado que o filho gerado por Jocasta (a mãe de Édipo) ``mataria o pai''. [...] Laio (o rei pai de
Édipo) não quis saber deste aviso e Édipo nasceu, o que levaria mais tarde à punição do rei.'' (Vd. GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Trad. de Victor Jabouille, Lisboa,
Difel, s/ D., p. 127). Esta mesma profecia, julgamos, é invocada por
Villiers no sentido de precaver a Humanidade para a possibilidade de
análoga repetição do mito edipiano, agora no respeitante à
dicotomia criador/criatura, para tal servindo a metáfora apresentada,
isto é, a possibilidade de que as criaturas artificiais criadas pelos
humanos possam vir, num futuro, a determinar o seu próprio
extermínio/aniquilação, tema aliás recorrente, na saga dos
Terminators. Quanto a Ate a referência é ainda mais clara. Ate incarna ``a personificação do erro. Divindade leve e ágil, seus pés poisam sobre a cabeça dos mortais sem que eles se apercebam. Aquando do juramento de Zeus, em que este se comprometeu a dar a supermacia ``ao primeiro descendente de Perseu que ai nascer'' e submeteu desse modo Héracles a Eristeu, foi Ate quem o enganou. Zeus vingou-se, precipitando-a do Olimpo. Ate caiu na Frigia sobre uma colina que recebeu o nome de colina do Erro. Foi ali que Ilo construiu a cidadela de Ilión (Tróia). Zeus, precipitando Ate do alto do céu, cortou-lhe para sempre a possibilidade de residir no Olimpo. É por isso que o Erro constitui a triste partilha da Humanidade.''
(Vd. GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Trad. de Victor Jabouille, Lisboa, Difel, s/ D., pp.
52-53). No fundo, estamos em crer que Villiers procura aqui com uma
``inocente'' referência à sua criatura enquanto comédia convocar
toda a vasta profusão de fantasmas e criaturas terríficas que
ensombram o espírito do Homem e a Humanidade no seu conjunto. Até
porque, o proejcto de duplicação do Homem pelo Homem está
intrinsecamente mergulhado numa b r z V (hybris)que representa afinal uma
ambição desenfreada, desmedida, impetuosa, enfim, um desespero que
se poderá vir a revelar fatal.
- 21
- L'ISLE-ADAM, Auguste Villiers de; A Eva Futura, Trad. de Écila Azeredo,
São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2001, pp. 136-143.
- 22
- Não deixa de ser curioso o emprego neste contexto do termo
`seres'. Estamos em crer, com efeito, que Philippe Breton aceita já a
presença de tais existências como inevitável -- na realidade, as
unidades industriais, particularmente as destinadas à montagem de
veículos automóveis, encontram-se desde há muito repletas e
mesmo super-povoadas desta tipologia de existências, ainda que a sua
aparência seja largamente distante da humana e, a sua
acção/''alma'', amplamente deterministas e condicionadas por meio de
programas informáticos -- aparentando de igual modo preparado para a sua
aceitação, enquanto iguais, posição ousamos inferir do
emprego do já enunciado termo. Tal leitura das palavras de Breton,
justifica-se pelo sentido/conotação por norma atribuídos ao
termo `ser' que, tende a designar propriedades e atribuições
subjectivas e, portanto próprias de um sujeito -- leia-se, do humano.
- 23
-
BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp. 24-25.
- 24
- Este último
alvo de renovado interesse for força da recente estreia do filme de Alex
Proyas, I Robot, baseado, justamente numa das obras de Asimov que data da
década de 50.
- 25
- BRETON,
Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 25.
- 26
- Apenas a título
ilustrativo, atente-se nos seguintes exemplos: Contacto -- de Carl Sagan; 2001 -- Odisseia no Espaço -- de
Arthur C. Clarke; Eu, Robot -- de Isaac Asimov, para citar apenas os mais
conhecidos.
- 27
- C3PO e R2D2, respectivamente.
- 28
- A personagem de Darth
Vader constitui o exemplo mais esclarecedor desta mesma realidade.
- 29
- Triologia que representa a mais conseguida
das abordagens a uma problemática também ela não de todo recente
ou, mesmo, original -- a confrontação do homem com a rebelião de
criaturas por si concebidas para a superação desse mesmo criador e,
por conseguinte, a tentativa da criatura escravizar e aniquilar o criador e
o desespero deste face à perda do controlo sobre as suas
criações.
- 30
- Abrevitura do inglês
para cyborg.
- 31
- A
outra é a existência de vida extraterrestre -- e as visões
catastróficas e apocalípticas, na maioria dos casos, para a
espécie humana decorrentes do contacto com formas de vida
alienígenas incomensuravelmente mais desenvolvidas e na maioria das
vezes com intenções pouco ``cristãs'' face aos inquilinos do
planeta Terra.
- 32
- ``Borg are humanoids of different
races that are enhanced with cybernetic implants, giving them
improved mental and physical abilities. The minds of all Borg are
connected via implants to a hive, a collective mind, orchestrated
by the Borg Queen. According to themselves, the Borg only seek to
"improve the quality of life in the universe" and add to
their own perfection. To this end, they travel the galaxy,
improving their numbers and advancing by "assimilating"
other species and technologies, and forcing captured individuals
under the control of the Hive mind by injecting them with
nanoprobes.'' [Online] available:
http://encyclopedia.thefreedictionary.com/Star%20Trek%2FBorg.
``Os Borg (abreviatura de cyborgs)
são humanóides de diferentes raças que foram
optimizados com implantes cibernéticos, que lhes conferem
capacidades mentais e físicas melhoradas. As mentes de todos
os Borg estão conectadas através de implantes a uma
colmeia, uma mente colectiva, orquestrada pela Rainha Borg. De
acordo consigo próprios os Borg apenas procuram ``aumentar a
qualidade de vida no Universo'' e incrementar a sua própria
perfeição. Para este fim, viajam pela galáxia,
aumentando o seu número e prosperando pela assimilação
de outras espécies e tecnologias, submetendo os
indivíduos capturados sob o controlo da mente da Colmeia
injectando-os com nano-sondas.'' Tradução nossa.
- 33
- Convoquemos aqui o conceito de
``sombra'' postulado por Villiers em A Eva Futura que versa sobre a impossibilidade real
de reproduzir numa cópia toda a ``vida'' presente num original, por mais
perfeccionista que seja a duplicação.
- 34
- Idêntica situação veio a acontecer mais
tarde com as sequelas de outro dos filmes de culto da década de 90 --
Matrix.
- 35
- BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais,
Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 18.
- 36
- ``You are alone in the room, except for two computer terminals flickering in the dim light. You use the terminals to communicate with two entities in another room, whom you cannot see. Relying solely on their responses to your questions, you must decide which is the man, which the woman. Or, in another version of the famous ``imitation game'' proposed by Alan Turing in the classic 1950 paper ``Computer Machinery and Intelligence'', you use the answers to decide which is the human, which the machine. One of the two entities wants to help you guess correctely. His/her/its best strategy, Turing suggested, may be to answer your questions truthfully. The other entity wants to mislead you. He/she/it will try to reproduce though the words that appear in your terminal the characteristics of the other entity. Your job is to pose questions that can distinguish verbal performance from embodied reality. If you cannot tell the intelligent machine from the intelligent human, your failure proves, Turing argued, that machines can think.'' In HAYLES, Katherine; How We Became Posthuman?, The Chicago University Press,
Chicago, 1998, p. xi.
``Está sozinho na sala à excepção de dois terminais de computador tremeluzindo na luz sombria. Usa os terminais para comunicar com duas entidades na outra sala, que não consegue ver. Guiando-se somente nas respostas delas às suas questões, deverá decidir qual é o homem, qual a mulher. Ou, noutra versão do famoso jogo da imitação, proposto por Alan Turing, no seu escrito de 1950 ``Computer Machinery and Intelligence'', deverá usar as respostas para decidir qual é o humano, qual a máquina. Uma das entidades pretende ajudá-lo a adivinhar correctamente. A sua melhor estratégia, sugere Turing, será responder às questões verdadeiramente. A outra entidade pretende guiá-lo erroneamente. Ela tentará reproduzir, pelas palavras que aparecem no terminal, as características da outra entidade. A sua tarefa será colocar questões que possam distinguir uma performance verbal de uma realidade incorporada/materializada (embodied
reality). Se não conseguir distinguir a máquina inteligente do humano inteligente, o falhanço prova, defende Turing, que as máquinas podem pensar''. Tradução nossa.
- 37
- WIENER, Norbert;
Cibernética e Sociedade -- O Uso Humano de Seres Humanos, Trad. de José Paulo Paes, Editora Cultrix, São Paulo, 1978, p.
17.
- 38
- ``De entre os pontos mais assinaláveis do esforço cibernético destaca-se uma série de tartarugas electrónicas construídas na década de 50 por um psicólogo britânico, W. Grey Walter. As primeiras versões, com cérebros electrónicos feitos de válvulas subminiaturizadas, olhos giratórios compostos por válvulas fotocatódicas, microfones em vez de ouvidos e interruptores de contacto a servir de sensores, eram capazes de localizar as suas tomadas de corrente de recarga eléctrica quando as baterias estavam em baixo, bem como de evitar sarilhos enquanto se moviam. [...] Possivelmente, a mais impressionante criação dos ciberneticistas terá sido o monstro de Johns Hopkins. Construído por um grupo de investigadores cerebrais no início da década de 60, deslocava-se pelos corredores, guiado por um sonar e uma célula fotoeléctrica específica, capaz de localizar a tampa das tomadas de corrente das paredes onde se ligava a fim de se alimentar''. Vd. MORAVEC, Hans; Homens e Robots, Trad. de José
Luís Lima, Lisboa, Gradiva, 1992, pp. 18-19.
- 39
- Cit. In DREYFUS, Hubert;
Intelligence Artificielle, mythes et limites, Paris, Flammarion, 1984, pp 21-22. Cf. BRETON, Philippe; À Imagem do Homem -- Do Golem às Criaturas Virtuais, Instituto
Piaget, Lisboa, 1995, p. 21.
- 40
- A este propósito consultar:
FIGUEIREDO, Alexandre; Inteligência Artificial -- Uma
nova Caixa de Pandora?, [online] available:
http://www.islasantarem.pt/jornal/indexfactualidades.htm
- 41
- Vd. FIGUEIREDO, Alexandre; Morte:
Morta e Enterrada?, [online] available:
http://www.islasantarem.pt/jornal/indexfactualidades.htm
- 42
- Vd. STELARC, [online] available:
http://www.stelarc.va.com.au/index2.html
- 43
-
``Data is an android, an advanced form of artificial life,
with a positronic brain. He is roughly the equivalent of Spock in
the original series, in that he has a logical mind, finds humans
hard to understand yet is drawn to the concept of humanity. This
desire combined with his apparent innocence about the reality
around him charmed viewers and made him one of the most popular
characters of the series.'' [online] available:
http://encyclopedia.thefreedictionary.com/Data%20(Star%20Trek)
``Data é um andróide, uma forma avançada de
vida artificial, com um cérebro positrónico (o conceito
foi originalmente desenvolvido por Isaac Asimov). Ele
(Data) é aproximadamente o equivalente de Spock nas
séries originais, no facto de possuir uma mente lógica,
acha os humanos difíceis de entender mas, ainda assim é
sensível (aspira ascender à condição de)
ao conceito de humanidade. Este desejo combinado com a sua
aparente inocência acerca da realidade circundante encantou os
espectadores e tornaram-no numa das mais populares personagens da
série.'' Tradução nossa.
- 44
-
``Em 2364 Data descobriu o seu ``irmão''
Lore, um protótipo criado pelo Dr. Soong. Contudo,
Lore era psicótico e desactivou Data numa
tentativa para assumir o controlo da Enterprise. Em 2365,
o ciberneticista Bruce Maddox, obteve permissão para ter
Data re-destacado para estudo, donde que ele
(Data) seria desactivado, desmontado e duplicado.
Data recusou, e travou e ganhou uma batalha judicial que o
declarou uma forma de vida sensível com os mesmos direitos
tal como os outros cidadãos da Federação. Desejando
reproduzir-se, Data criou uma filha, em 2366;
infelizmente, ela sofreu uma falha em cascata do seu sistema
neural e morreu pouco tempo depois de ter sido activada. Em 2367,
Data foi assaltado por um sinal familiar gerado pelo Dr.
Soong, cuja intenção era dar-lhe um chip de
emoções que havia aperfeiçoado em segredo, depois de
ter sido dado como morto. Data foi forçado a assumir
o controlo da Enterprise e conduzi-la até ao
laboratório de Soong em Terlina III. Infelizmente, o sinal
convocou também Lore, que enganou Soong para que este
lhe desse o chip, assassinando-o de seguida.
Em
2370, Data foi raptado por Lore e coagido a
auxiliar uma insurreição junto com os Borg.
Depois da ameaça com que a Federação lidou,
Data foi forçado a desmontar o seu irmão. De
Lore, Data obteve o chip de emoções que Soong
lhe tinha destinado.
Em 2370, Data conheceu
uma mulher que parecia ser a Dra. Juliana Trainer, a viúva e
colaboradora do Dr. Soong; em certo sentido, a ``mãe'' de
Data. Contudo, ela acabou por se revelar ser também um
andróide, construído pelo Dr. Soong, após a original
Dra. Trainer ter falecido. Ao contrário de Data, ela
desconhecia a sua natureza enquanto andróide, e havia-se
divorciado do Dr. Soong tendo casado de novo.
Em
2371, Data decidiu usar o chip de emoções que
havia obtido de Lore. Apesar das dificuldades na
adaptação, Data conseguiu integrar com sucesso o
chip de emoções.'' [online] available:
http://encyclopedia.thefreedictionary.com/Data%20(Star%20Trek)
Tradução nossa.
- 45
- Idêntica ocorrência é também explorada
por Ridley Scott em Blade Runner, quando ao caçador de seres artificiais, incarnado
por Harrison Ford, é apresentada uma andróide que desconhece essa
sua mesma condição.
- 46
- A questão que aqui se
levanta é também de tal modo complexa que optamos apenas pela sua
referência. No essencial, o humano enquanto tal e o artificial, não
diferem tanto quanto se poderia esperar. A sua composição
primária resulta da combinação de uma vasta panóplia de
átomos. O que difere é o modo como os mesmos são combinados. Por
outro lado, também o ``sentir'' do homem não difere em termos
formais do ``sentir'' da máquina. Trata-se apenas de informação:
electro-química no caso do Homem; digital e/ou binária no caso das
criaturas artificiais. Naturalmente que a controvérsia que aqui
convocamos inscreve-se num registo de tal modo complexo que comporta
matéria suficiente para a redacção de um tratado unicamente
consagrado à reflexão das múltiplas questões daqui
decorrentes.
- 47
- A este propósito, consultar: FIGUEIREDO,
Alexandre; Corpo -- A Última Fronteira, [online]
available:
http://www.islasantarem.pt/jornal/indexfactualidades.htm
- 48
- DOOLING,
Richard; Diary of an Immortal Man, Maio de 2002, [online]
available: http://www.kurzweilai.net/articles/art0003.html