SEMIÓTICA, A LÓGICA DA COMUNICAÇÃO

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

 

 Segunda parte

 LINGUÍSTICA E SEMIÓTICA

 A Linguística de Saussure e a ideia de Semiologia | A pansemiotização de Barthes

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

A LINGUÍSTICA DE SAUSSURE

E A IDEIA DE SEMIOLOGIA

A tradição da semiótica europeia contemporânea assenta na obra de Ferdinand de Saussure 1, particularmente no Curso de Linguística Geral 2.
Um dos contributos essenciais de Saussure para a linguística consiste na fixação da língua como sistema semiológico. A partir da já célebre esquematização do sistema de comunicação entre um emissor e um receptor, Saussure separa os elementos psíquicos, dos elementos físicos e fisiológicos. Mas a linguística só trata dos elementos psíquicos na medida em que deixa de lado o acto individual da fala e se centra no facto social, isto é, no facto de que "todos os indivíduos reproduzirão – não exacta, mas aproximadamente – os mesmos signos unidos aos mesmos conceitos" 3.
Saussure demarca a língua tanto da linguagem, como da fala. Face à linguagem a língua caracteriza-se por ser uma parte determinada, essencial, da linguagem. Enquanto a linguagem é multiforme e heteróclita, estendendo-se sobre vários domínios, físicos, fisiológicos e psíquicos, indivi-duais e sociais, sem uma unidade própria, a língua enquanto sistema de sinais para exprimir ideias é uma instituição social entre outras instituições sociais. A língua é um todo em si e compete-lhe a ela servir de princípio de classificação à linguagem.
Relativamente à fala que é individual e acidental, a língua distingue-se por ser social e essencial. "A língua não é uma função do sujeito falante, é o produto que o indivíduo regista passivamente; ela nunca supõe premeditação.. Ela é um objecto bem definido no conjunto heteróclito dos factos da linguagem. Podemos localizá-la no momento deter-minado do circuito em que uma imagem auditiva se vem associar a um conceito. É a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, e este, por si só, não pode criá-la nem modificá-la; ela só existe em virtude de um contrato firmado entre os membros da comunidade. Por outro lado, o indivíduo tem neces-si-dade de uma aprendizagem para lhe conhecer as regras; a criança só pouco a pouco a assimila."4. Relativamente à caracterização saussureana da língua escreve Roland Barthes a paráfrase: "Como instituição social, ela não é um acto, escapa a qualquer premeditação; é a parte social da linguagem; o indivíduo, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; é essencialmente um contracto colectivo, ao qual nos temos de submeter em bloco, se quisermos comunicar; além disso este produto social é autónomo, à maneira de um jogo que tem as suas regras, pois só o podemos manejar depois de uma aprendizagem" 5.
O apuramento que Saussure faz da língua enquanto sistema de signos com singularidade e unidade próprias é extremamente importante, pois que esse sistema é exemplar de todos os outros sistemas semiológicos. As características que lhe são essenciais enquanto sistema sígnico estendem-se eo ipso a todos os outros sistemas.
a) As características do signo
i) Uma entidade de duas faces. Contra a visão simplista e vulgar da língua, que considera esta como nomenclatura, faz Saussure três críticas: essa concepção da língua "supõe que as ideias são anteriores às palavras", "não nos diz se o nome é de natureza vocal ou psíquica", "deixa supor que o laço que une um nome a uma coisa é uma operação simples" 6. A concepção de Saussure é radicalmente diferente: "O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última não é o som material, puramente físico, mas a marca psíquica desse som, a sua representação fornecida pelo testemunho dos sentidos, é sensorial e se, por vezes, lhe chamamos 'material' é neste sentido e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstracto.
(...) O signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces, que pode ser representado pela figura:
 
 

conceito 
imagem acústica

 
 

Estes dois elementos estão intimamente unidos e postulam-se um ao outro. Quer procuremos o sentido da palavra latina arbor, quer investiguemos qual a palavra com que o latim designa o conceito "árvore", é evidente que só as aproximações consagradas pela língua nos aparecem conformes à realidade e, por isso, afastamos qualquer outra que se pudesse imaginar." 7.
Em ordem a demarcar o signo enquanto totalidade desta entidade de duas faces e a impedir a sua identificação com a imagem acústica, Saussure procede a uma precisão terminológica: "Propomos manter a palavra signo para designar o total e substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante; estes dois termos têm a vantagem de marcar a oposição que os separa entre si e que os distingue do total de que fazem parte" 8.
ii) A arbitrariedade do signo. A associação entre significante e significado é arbitrária. O vínculo que une as duas faces do signo é de natureza convencional, ele assenta num hábito colectivo. "Assim, a ideia de "pé" não está ligada por nenhuma relação à cadeia de sons [p] + "e" que lhe serve de significante; podia ser tão bem representada por qualquer outra: provam-no as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes"9.
Podemos, portanto, dizer que os sinais puramente arbitrários realizam melhor do que os outros o ideal do processo semiológico; é por isso que a língua, o mais complexo e o mais difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos; neste sentido, a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular."
É pela arbitrariedade que o signo se distingue do símbolo: "O símbolo nunca é completamente arbitrário; ele não é vazio; há sempre um rudimento de ligação natural entre o significante e o significado" 10.
Mas que quer dizer arbitrário? Quando dizemos que o signo é arbitrário isso "não deve dar a ideia de que o significante depende da livre escolha do sujeito falante; queremos dizer que ele é imotivado, isto é arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem, na realidade, qualquer ligação natural" 11.
É justamente devido à arbitrariedade do signo linguístico que Saussure considera a língua como o mais característico de todos os sistemas semiológicos, podendo, por isso mesmo, a linguística tornar-se o padrão geral de toda a semiologia 12.
iii) A linearidade do significante. "O significante, porque é de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo e ao tempo vai buscar as suas características: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão; é uma linha" 13. Esta linearidade caracteriza o signo linguístico na medida em que, enquanto acústico, o distingue dos signos visuais, passíveis de ser apreendidos simultaneamente. "Por oposição aos significantes visuais (sinais marítimos, etc.), que podem oferecer complicações simultâneas em várias dimensões, os significantes acústicos só dispõem da linha do tempo; os seus elementos apresentam-se uns após outros; formam uma cadeia. Esta característica aparece mais nítida quando os representamos na escrita: a linha espacial dos sinais gráficos substitui a sucessão no tempo." 14.
A importância desta característica do signo reside no facto de sobre ela assentar a dimensão sintagmática da língua.
iv) Mutabilidade e imutabilidade do signo. Paradoxalmente o signo linguístico é simultaneamente mutável e imutável. Parece ser uma contradição, mas a contradição desaparece atendendo às diferentes perspectivas em que o signo é mutável e imutável. O signo é imutável pela simples razão de que "relativamente à comunidade linguística que o emprega, o signo não é livre mas imposto. A massa social não é consultada, e o significante escolhido pela língua não poderia ser substituído por qualquer outro. (...) Não só um indivíduo seria incapaz, se o quisesse, de modificar no quer que fosse a escolha que foi feita, mas a própria comunidade não pode exercer a sua soberania sobre uma só palavra: ela está ligada à língua tal como é" 15.
A língua aparece pois como um corpo imutável, independente não só do sujeito como da própria comunidade linguística. "Em qualquer época, e por muito que recuemos, a língua aparece como uma herança dura geração precedente. O acto pelo qual, num dado momento, os nomes foram distribuídos pelas coisas, e que estabeleceu o contrato entre os conceitos e as imagens acústicas - esse acto, podemos imaginá-lo, mas nunca foi verificado. A ideia de que tudo se tivesse passado dessa forma é-nos sugerida pela nossa consciência muito viva da arbitrariedade do signo" 16. A língua aparece pois como um bem adquirido e acabado que aceitamos em bloco e não como algo informe. Saussure apresenta quatro razões para a imutabilidade dos signos linguísticos. Antes de mais o carácter arbitrário do signo. É que "para que uma coisa seja posta em questão é preciso que assente numa norma racional. Podemos, por exemplo, discutir se o casamento monogâmico é mais racional do que o poligâmico e apresentar argumentos a favor de um ou do outro. Podíamos também atacar um sistema de símbolos, porque o símbolo tem uma relação racional com a realidade significada; mas na língua, sistema de signos arbitrários, não temos esta base e sem ela não há fundamento sólido para discussão; não há nenhum motivo que leve a preferir irmã a soeur, ox a boi, etc." 17. Segundo, a enorme quantidade de signos necessários para constituir qualquer língua torna o sistema tão pesado que é quase impossível substitui-lo por outro. Terceiro, a complexidade do sistema. A língua é um sistema tão complexo que mesmo a maior parte dos falantes desconhecem o mecanismo que lhe está subjacente. Por fim, há a resistência da inércia colectiva a todas as inovações linguísticas. Saussure considera mesmo que de entre todas as instituições sociais a língua é a mais resistente à mudança na medida em que é a mais utilizada pelo maior número de indivíduos de uma comunidade. "A língua é, de todas as instituições sociais, a que oferece menor margem às iniciativas. Ela incorpora a vida da comunidade, e esta, naturalmente inerte, aparece antes de mais como um factor de conservação" 18.
Numa outra perspectiva, porém, o signo linguístico aparece como mutável. Como instituição social também a língua está sujeita à acção do tempo. "O tempo que assegura a continuidade da língua, tem um outro efeito, à primeira vista contraditório em relação ao primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos linguísticos, e, num certo sentido, podemos falar ao mesmo tempo de imutabilidade e da mutabilidade do signo." 19. A mutação provocada pelo tempo sobre a língua consiste fundamentalmente num desvio na relação entre significante e significado.

b) Unidade e identidade das entidades da língua e valor do signo.
A questão da unidade do signo linguístico é diferente da questão sobre a sua identidade. Se à unidade se opõe a pluralidade, à identidade opõe-se a alteridade. A questão da unidade é atinente ao problema de demarcar os elementos básicos da língua. A questão da identi-dade interroga-se sobre a mesmidade do signo nas suas diferentes aplicações.
As entidades da língua são concretas. "Os signos de que a língua se compõe não são abstracções, mas objectos reais" 20. Mas em que consiste a natureza concreta do signo? Em primeiro lugar, na sua estrutura dupla de significante e significado. "A entidade linguística só existe pela associação do significante e do significado; quando só retemos um destes elementos, ela desaparece; em vez de um objecto concreto, temos diante de nós uma pura abstracção (...) Uma série de sons é linguística se é o suporte de uma ideia; tomada em si mesma só pode ser matéria para um estudo fisiológico" 21. Isto é, os objectos da língua, as entidades linguísticas, apesar de psíquicos são algo bem concreto, definido, "palpável". A determinado significante corresponde um conceito e vice-versa. A concreção reside justamente na associação concreta entre este significante e aquele significado, e não entre possíveis outros. Em segundo lugar, a concreção da língua reside na sua delimitação, isto é, é concreta porque tem contornos bem definidos. Ela é uma unidade. "A entidade linguística só fica completamente determinada quando está delimitada, livre de tudo o que a rodeia na cadeia fónica. São estas entidades delimitadas, ou unidades, que se opõem entre si no mecanismo da língua" 22. Mas esta delimitação é feita justamente pela associação de significante e significado. Considerada em si mesma, a linha fónica é uma linha contínua em que o ouvido não distingue quaisquer unidades. Estas só surgem com a associação de determinadas porções de sonoridade dessas linhas a determinados conceitos.
Para apurar as entidades concretas da língua há que saber, portanto, delimitá-las no todo da língua. Assim, chegamos à importantíssima noção de corte ou segmentação. O método de corte consiste em estabelecer duas cadeias paralelas, uma de significantes e outra de significados, e fazer corresponder a cada elo da primeira um elo da segunda. Este corte não é um dado da experiência, nem é um dado perceptível; o corte é comandado pela língua. Uma pessoa por mais que ouça um discurso em chinês, se não souber chinês, não conseguirá distinguir, cortar ou delimitar, as respectivas unidades.
A questão da identidade das entidades da língua diz respeito à mesmidade do signo nas suas diferentes aplicações. O que se questiona, pois, é a identidade "em virtude da qual declaramos que duas frases como 'não sei nada' e 'nada nos falta' contêm o mesmo elemento" 23. É que dois sons diferentes e até com significado algo diferente podem ser identificados sincronicamente. Saussure dá exemplos, onde, apesar de variação aos dois níveis, fónico e semântico, a identidade se mantém, isto é, afirmamos que se trata da mesma unidade linguística. "Quando, numa conferência, ouvimos repetir várias a palavra Senhores!, temos a certeza de que se trata sempre da mesma expressão e, todavia, as variações de elocução e a entoação apresentam-na, nas diversas passagens, com diferenças fónicas muito apreciáveis..., além disso, esta certeza da identidade persiste, se bem que no plano semântico não haja a identidade absoluta de um Senhores! a outro, quando uma palavra pode exprimir ideias bastante diferentes sem que a sua identidade fique seriamente comprometida (cf. “adoptar uma moda” e “adoptar uma criança”, “a flor da cerejeira” e “a flor da sociedade”" 24. Esta observação leva-nos a perguntar: se a identidade da unidade linguística não reside na linha fónica, nem na linha semântica, então onde reside? No seu valor. Trata-se de uma identidade funcional. Deste tipo é a identidade de dois rápidos que partem às 8.30, com vinte e quatro horas de intervalo ou a de uma rua que foi completamente reconstruída. Em contrapartida a identidade material é a identidade de um casaco que permanece o mesmo tanto nas diferentes combinações de vestuário como quando é vestido por pessoas diferentes.
A questão do valor só é inteligível à luz das dois elementos da língua: sons e conceitos. Uns sem os outros não têm forma. Sem os sons, o pensamento é disforme, "amorfo", "indistinto". É uma "nebulosa em que nada é necessariamente delimitado". Trata-se de um "reino flutuante" 25. Por seu lado, "a substância fónica não é mais fixa nem mais rígida; não é um molde a que o pensamento se deva adaptar; mas uma matéria plástica que, por sua vez, se divide em partes distintas para fornecer os significantes de que o pensamento necessita" 26.
Olhados abstractamente em si, pensamento e matéria fónica, são amorfos, nebulosas, matérias plásticas, que se podem moldar posteriormente. Só na sua união ganham contornos definidos. A língua pode-se, assim representar "como uma série de subdivisões contíguas desenhadas ao mesmo tempo sobre o plano indefinido das ideias confusas e sobre o igualmente indeterminado plano dos sons" 27.
Posto isto, não se pode considerar a língua como um simples veículo do pensamento, algo exterior ao pensa-mento que nada tem a ver com ele. "O papel característico da língua nas suas relações com o pensamento não é criar um meio fónico material para a expressão das ideias mas servir de intermediário entre o pensamento e o som, de tal forma que a sua união conduz necessariamente a limitações recíprocas de unidades. O pensamento, caótico por natureza, é forçado a organizar-se, por decomposição. Não há nem materialização dos das ideias nem espiritualização dos sons, mas trata-se de algo misterioso: o 'pensamento-som' implica divisões, e é a partir das duas massas amorfas que a língua elabora as usas unidades" 28.
A língua não é exterior ao pensamento ordenado. O pensamento ordena-se à medida em que se exprime linguisticamente. É como se dois líquidos, sem determinada forma, se solidificassem ao contacto um com o outro e, assim, ganhassem formas bem determinadas.
A língua, diz ainda, Saussure é o domínio das articula-ções. Nós podemos dizer, é o domínio das solidificações mínimas. "Cada termo linguístico é um pequeno membro, um articulus em que uma ideia se fixa num som e em que um som se torna o signo de uma ideia" 29.
Só que esta associação determinadora de pensamento e sons é de ordem funcional, isto é, as entidades concretas, as unidades por ela criadas, são formas, não substâncias: "A linguística move-se num terreno limítrofe em que se combinam os elementos dos dois níveis; esta combinação produz uma forma, não uma substância" 30.
Que se deve entender por isto, de que as unidades criadas são formais, não substanciais? É que a solidificação em causa, a determinação recíproca de pensamento e sons, não pode ser encarada como independente das outras solidificações. Estas são articuli: articulações. A determinação de uma unidade tem a ver com as determinações de todas as outras unidades da língua. A língua não pode ser vista como um aglomerado de elementos, mas tem de ser vista como um todo, como uma estrutura.
"Além disso, a ideia de valor, assim determinada, mostra-nos que é uma grande ilusão considerar um termo apenas como a união de um certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema de que faz parte; seria acreditar que podemos começar pelos termos e construir o sistema a partir da sua soma; pelo contrário, é do todo solidário que temos de partir para obtermos, por análise, os elementos que ele encerra" 31.
É nisto que reside o estruturalismo de Saussure: não é possível entender nem compreender um signo sem entrar no jogo global da língua, isto é, sem saber o seu lugar e a sua função no todo linguístico.

c) Relações sintagmáticas e paradigmáticas
As identidades linguísticas residem no seu valor, mas este, como se viu, estabelece-se num sistema de relações e oposições. Ou seja, "a língua é um sistema completamente assente na oposição das suas unidades concretas" 32. Quer isto dizer que não nos interessam os signos em si, substancialmente, mas sim formalmente, funcionalmente. O que interessa à linguística são as relações entre os signos e que verdadeiramente constituem os signos enquanto signos. Quais são essas relações? Como é que funcionam? São estas as perguntas.
Na língua Saussure distingue dois tipos de relações, que também podem ser considerados como os dois eixos da língua: as relações sintagmáticas e as relações paradigmáticas ou associativas. "As relações e as diferenças entre termos linguísticos desenrolam-se em duas esferas distintas, cada uma das quais gera uma certa ordem de valores; a oposição entre estas duas ordens ajuda a compreender a natureza de cada uma. Correspondem a duas formas da nossa actividade mental, igualmente indispensável à vida da língua" 33.
Para compreender um destes tipos de relação é preciso compreender o outro; é que também eles se definem por oposição, como tudo na língua. Um é de tipo horizontal e outro de tipo vertical. Primeiro, temos o plano sintagmático assente na linearidade do signo linguístico. Quando caracterizamos o signo linguístico vimos que, além de arbitrário e mutável/imutável, era também linear. Esta linearidade caracteriza o signo linguístico na medida em que, enquanto acústico, o distingue dos signos visuais, passíveis de ser apreendidos simultaneamente. Os signos linguísticos sucedem-se uns aos outros numa mesma linha, encontram-se numa cadeia, estabelecem relações ao nível dessa linearidade: "No discurso, as palavras contraem entre si, em virtude do seu encadeamento, relações que assentam no carácter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. Eles dispõem-se, uns após outros, na cadeia fónica. Estas combinações que têm como suporte a extensão podem ser chamados sintagmas" 34. Um sintagma é, portanto, uma combinação entre dois ou mais signos de uma mesma cadeia linear. "O sintagma compõe-se sempre de duas ou mais unidades consecutivas (por exemplo: re-ler, contra todos, a vida humana, Deus é bom, amanhã saímos, etc.). Num sintagma, o valor de um termo surge da oposição entre ele e o que o precede, ou que se lhe segue, ou ambos" 35.
O termo grego sintagma significa: "contingente de tropas, tropa; composição, obra, doutrina; constituição política; contribuição, taxa 36. Em português, significa esse termo: "Qualquer tratado cujo assunto é metodicamente dividido em classes, números, etc.; Mil. Subdivisão da falange grega, que tinha também o nome de xenágia, composta de dezasseis fileiras e outras tantas filas." 37. O termo designa pois organização. A especificidade que Saussure lhe empresta é a de se desenvolver ao mesmo nível linear.
Antes de aprofundar mais a definição de sintagma, convém desde já, diferenciá-la da de paradigma: "Por outro lado, fora do discurso, as palavras que têm qualquer coisa em comum associam-se na memória, e assim se formam grupos, no seio dos quais se exercem relações muito diversas. Por exemplo, a palavra ausente fará surgir diante do espírito uma série de outras palavras (ausência, ausentar, ou então presente, clemente, ou ainda distante, afastado, etc.), de uma forma ou doutra, todos têm qualquer coisa de comum entre si" 38. Este tipo de relações entre os signos é completamente diferente do sintagma. "O seu suporte não é a extensão; a sua sede está no cérebro, fazem parte do tesouro interior que a língua representa para cada indivíduo. Chamar-lhe-emos relações associativas" 39.
A diferença entre os dois tipos de relações é que um é feito in praesentia, o sintagmático, e o outro in absentia, o associativo ou paradigmático: "A relação sintagmática é in praesentia; refere-se a dois ou mais termos igualmente presentes numa série efectiva. Pelo contrário, a relação asso-ciativa une termos in absentia numa série mnemónica virtual" 40.
Saussure dá o exemplo célebre da coluna dórica para ilustrar a diferença entre relações sintagmáticas e paradigmáticas: "Segundo este duplo ponto de vista, uma unidade linguística é comparável a uma determinada parte de um edifício, a uma coluna, por exemplo; esta encontra-se, por um lado, numa certa relação com a arquitrave que suporta: este ajustamento de duas unidades igualmente presentes no espaço lembra a relação sintagmática; por outro lado, se essa coluna é ordem dórica, ela evoca a comparação mental com as outras ordens (jónica, coríntia, etc.), que são elementos não presentes no espaço: a relação associativa" 41.
No artigo "Sintagma e paradigma", no Dicionário das Ciências da Linguagem, Oswald Ducrot formaliza a noção de sintagma e liga-a à de relação sintagmática: "Não há nenhum enunciado, numa língua, que não se apresente como a associação de várias unidades (sucessivas ou simultâneas), unidades que são susceptíveis de aparecer também noutros enunciados. No sentido lato da palavra sintagma, o enunciado E contém o sintagma uv se, e somente se, u e v forem duas unidades, não obrigatoria-mente mínimas, que apareçam, uma e outra, em E. Diremos ainda que há uma relação sintagmática entre u e v (ou entre as classes de unidades X e Y) se pudermos formular uma regra geral que determina as condições de aparecimento, nos enunciados da língua, de sintagmas uv (ou de sintagmas constituídos por um elemento de X e um elemento de Y). Daí um segundo sentido, mais estrito, para a palavra "sintagma" (é o sentido mais utilizado, e o que será agora aqui utilizado): u e v formam um sintagma em E, não só se estão co-presentes em E, mas também se conhece, ou se julga poder descobrir, uma relação sintagmática que condiciona essa co-presença. Saussure, especialmente, insistiu na dependência do sintagma com a relação sintagmática. Para ele, apenas se pode descrever o verbo "desfazer" como um sintagma compreendendo os dois elementos "des" e "fazer" porque existe em português um "tipo sintagmático" latente, manifestado também pelos verbos "des-colar", "des-vendar", "des-baptizar", etc. Senão, não haveria nenhuma razão para analisar "desfazer" em duas unidades." 42.
Os sintagmas não dizem respeito apenas à combinação de unidades mínimas, mas também à de unidades complexas de qualquer dimensão e de qualquer espécie. Por outro lado, há que ter em conta dois tipos de relação sintagmática: o das partes entre si, e o das partes com o todo: "Não basta considerar a relação que une as diversas partes de um sintagma entre si (por exemplo, contra e todos em contra todos, contra e mestre em contramestre); é preciso tomar em conta a que liga o todo às suas partes (por exemplo, contra todos opõe-se por um lado a contra, por outro a todos; contramestre relaciona-se com contra e com mestre)" 43.
Um exemplo fora da linguística podia ser tomado numa relação entre dois elementos, onde não só estes se relacionam entre si, mas também com o próprio todo da relação. A distância entre Lisboa e Porto é uma relação com dois elementos, mas é possível relacionar Lisboa ou o Porto com a própria distância.
Atendendo aos sintagmas frásicos, Saussure interroga-se se o sintagma é da ordem da língua ou da fala. Sendo o sintagma uma combinação e pertencendo as combinações das unidades linguísticas à fala, parece não ser esta questão do foro da linguística (que estuda apenas a língua), mas da fala. "o sintagma pertencerá à fala? Julgamos que não. O que é próprio da fala é a liberdade das combinações; temos, por isso, que investigar se todos os sintagmas são igualmente livres" 44. Existem combinações solidificadas pela língua, que não são do âmbito da fala. Um estrangeiro que aprende a língua tem de as aprender na sua composição já determinada: "um grande número de expressões pertencem à língua; são locuções estereotipadas que não podem ser alteradas, embora possamos distinguir, pela reflexão, as suas partes significativas (cf. pois é, vá lá!, etc. O mesmo se passa, embora em menor grau, com expressões como perder a cabeça, dar a mão a alguém, pôr-se no olho da rua, ou ainda estar mal de..., à custa de..., por pouco não..., etc. cujo emprego habitual depende das particularidades da sua significação ou da sua sintaxe. Tais expressões não podem ser improvisadas, são-nos fornecidas pela tradição" 45.
Obviamente a fronteira entre os sintagmas estereotipados da língua e as combinações livres da língua não é clara nem, por vezes, fácil de traçar.
Quanto às relações associativas há a dizer desde logo que são múltiplos os seus tipos e de vasta extensão: "Os grupos formados por associação mental não se limitam a pôr lado a lado os termos que apresentam qualquer coisa de comum; a inteligência capta também a natureza das relações que os ligam em cada caso e cria tantas séries associativas quantas as diversas relações. Assim, em ausente, ausência, ausentar, etc., há um elemento comum a todos os termos, o radical; mas a palavra ausente pode encontrar-se implicada numa série com outro elemento, o sufixo (cf. ausente, presente, clemente, etc.); a associação pode assentar também na simples analogia dos significados (ausente, distante, afastado, etc.) ou, pelo contrário, na semelhança das imagens acústicas (por exemplo, tangente, justamente). Umas vezes há comunidade dupla de sentido e de forma, outras apenas de sentido ou de forma. Qualquer palavra pode sempre evocar tudo o que é susceptível de lhe ser associado duma maneira ou doutra." 46.
As séries associativas podem ser de ordem fónica, sintáctica ou semântica. Basta haver um elemento comum, por analogia ou oposição, para que a associação tenha lugar. "Ao passo que um sintagma traz imediatamente à ideia uma ordem de sucessão e um número determinado de elementos, os termos de uma família associativa não se apresentam nem em número definido, nem numa ordem determinada" 47.
Existem, portanto, duas características da série associativa relativamente à sintagmática: i) ordem indeterminada; ii) número indefinido. No entanto, só a primeira, a ordem indeterminada, se verifica sempre. Há séries associativas em que os elementos são definidos, i.e., de número limitado, por exemplo, os casos de uma declinação em latim.
 

 
2-
A PANSEMIOTIZAÇÃO DE BARTHES

1) A função-signo e o alargamento semiológico em Barthes
Ao retomar em 1957 48 a noção saussureana de semiologia, Barthes introduz novos conceitos de signo linguístico e de língua e modifica eo ipso a própria noção de semiologia. Saussure partiu do sistema de comunicação humana para definir a língua: o signo linguístico é um signo ao qual subjaz a intenção de comunicar. Barthes, por seu lado, encara o signo unicamente do ponto de vista da significação e alarga desse modo a noção de signo e de língua a tudo o que significa. Assim, enquanto a semiologia preconizada por Saussure é uma semiologia da comunica-ção, a de Barthes é uma semiologia da significação 49.
A propósito do mito, diz Barthes que tudo pode lhe servir de suporte: "o discurso escrito, mas também a fotografia, o cinema, a reportagem, o desporto, os espectáculos, a publicidade, tudo isso é susceptível de servir de suporte à fala mítica. O mito não pode definir-se pelo seu objecto nem pela sua matéria, dado que toda e qualquer matéria pode arbitrariamente ser dotada de significação: a flecha que se entrega a fim de significar o desafio é também uma fala" 50. Assim, tudo o que o homem percepciona, faz ou diz, entra no quadro de uma linguagem. O mundo desde que chegue ao contacto com o homem torna-se objecto da semiologia. "Qualquer objecto do mundo pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto, à apropriação da sociedade, dado que nenhuma lei, natural ou não, proíbe de falar das coisas. Uma árvore é uma árvore. Sem dúvida. Mas uma árvore dita por Minou Drouet não é já, de todo uma árvore: é uma árvore decorada, adaptada a um determinado consumo, investida de complacências literárias, de imagens, numa palavra, de um uso social que se acrescenta à pura matéria" 51.
A noção de língua decorrente desta vastíssima noção de signo é também ela extremamente lata. Toda a unidade ou síntese significativa, verbal ou visual, ou de que tipo for, será elemento de uma linguagem. Os próprios objectos poderão tornar-se fala, se significam algo. É pois em conformidade que Barthes define a semiologia como ciência da significação. "Postular uma significação é recorrer à semiologia. Não quero com isto dizer que a semiologia dê igualmente conta de todas essas investigações; elas têm um estatuto comum: são todas ciências dos valores; não se contentam em deparar com um facto: definem-no e exploram-no como algo que vale por" 52. Barthes apresenta a significação como uma valência por, isto é, a significação é de cariz simbólico: algo está em vez de, a valer por ele. O facto é ultrapassado, e é-o pela sua significação. Mas como essas significações são estudadas independentemente do seu conteúdo, a semiologia é definida como uma ciência das formas de significação.
Por outro lado, a semiologia não explica porque é que tal ou tal facto tem tal ou tal significação. Ela não é de ordem explicativa. Não vai às causas. Nem tão pouco lhe interessam. O que ela quer é conhecer a estrutura, o modo de funcionamento. A sua tarefa é exclusivamente descritiva, de leitura ou decifração.
Em 1964 Barthes apura e desenvolve a ideia de semiologia enquanto ciência formal da significação 53. Barthes começa por contrapor à tese de Saussure, de que a "linguística era apenas uma parte da ciência geral dos signos", a tese de que "a linguística não é parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a semiologia que é uma parte da linguística: mais precisamente a parte que tem a seu cargo as grandes unidades significantes do discurso" 54. A razão dada por Barthes para esta inversão deve-se à constatação de que "qualquer sistema semiológico se cruza com a linguagem". Barthes nega aos outros sistemas semiológicos uma autonomia de significação, isto é, eles só significam na medida em que se cruzam com a linguagem. Mas esta não é a linguagem dos linguistas, ela é uma "linguagem segunda, cujas unidades não são já os monemas ou os fonemas, mas fragmentos mais extensos do discurso que remetem para objectos ou episódios que significam sob a linguagem, mas nunca sem ela" 55. Assim, a semiologia transformar-se-á numa translinguística, "cuja matéria tanto pode ser o mito, a narrativa, o artigo de imprensa, como os objectos da nossa civilização, contando que sejam falados" 56.
A novidade introduzida por Barthes relativamente ao conceito de signo reside em considerar também como signos os objectos cuja razão de ser não reside na significação. É aqui o signo semiológico se desvia do signo linguístico. Enquanto a função deste é significar, há sistemas semiológicos se só cumulativamente significam. Barthes dá como exemplos destes sistemas o vestuário e a alimentação. Prioritariamente o vestuário serve para nos protegermos e a alimentação para nos alimentarmos, mas, segundo Barthes, eles também significam e, por isso, são signos. A estes signos chama Barthes "funções-signos". Num primeiro momento há uma fusão entre a função (utilitária) do objecto e o seu sentido. Quem usa um impermeável usa-o para se proteger da chuva, mas esse uso significa que o tempo está de chuva. Esta semantização do uso de objectos é inevitável, segundo Barthes; é que "a partir do momento em que existe sociedade, qualquer uso é convertido em signo desse uso" 57. Num segundo momento, porém, o objecto adquire um outro sentido para além do seu sentido funcional. Esse outro sentido é um segundo sentido da ordem da conotação. Um casaco de peles além de proteger do frio e de significar essa protecção também tem um valor antropológico e social de significação.
A função-signo serve a Barthes para desenvolver uma semântica do objecto. Todo o objecto enquanto objecto significa; não há objectos insignificantes. A significação do objecto começa no exacto momento em que é produzido e consumido pela sociedade 58.
Não é atrevimento algum dizer que o alargamento semiológico efectuado por Barthes reside fundamentalmente na introdução das funções-signos. Desse modo ele semiotiza toda a cultura e vida humanas.

2) Os múltiplos níveis de significação. A conotação e a denotação.
Um dos traços mais marcantes da semiologia de Barthes reside na focagem da estratificação de sentidos. Existem sentidos primeiros, sentidos segundos assentes sobre os primeiros, sentidos terceiros assentes nos segundos, etc. O sentido aparece como um composto de camadas sucessivas de sentidos.
No posfácio às Mitologias Barthes define o mito como um sistema semiológico segundo construído sobre uma série semiológica já existente antes dele. Esta série constitui o significante do signo que o mito é. A língua, enquanto sistema semiológico primeiro, é a matéria prima ou a linguagem objecto do mito enquanto sistema semiológico segundo. Barthes mostra mediante o exemplo do jovem negro vestido com um uniforme francês fazendo a saudação militar à tricolor como o sentido primeiro dessa imagem constitui o significante de um outro signo. O sentido primeiro é o de um jovem soldado de cor fazendo continência à bandeira francesa. Mas o sentido segundo que assenta no primeiro sentido é bem diferente. Essa imagem significa "que a França é um vasto Império, que todos os seus filhos, sem distinção de cor, servem fielmente sob a sua bandeira, e que não há melhor resposta aos detractores dum pretenso colonialismo do que o zelo deste negro em servir os seus pretensos opressores" 59. Aqui o que importa é saber como o sentido segundo se constrói sobre o sentido primeiro, isto é, descortinar como é que se dá a estratificação dos sentidos de um mesmo objecto. No caso apontado, o sentido segundo tem como significante aquilo que constitui o sentido formado pelo sistema semiológico prévio, a saber, "um soldado negro faz a saudação militar francesa". Este sentido pode ser encarado de dois diferentes pontos de vista: como termo final da decifração da imagem ou como termo inicial de uma mensagem. Terminologicamente, Barthes chama-lhe sentido enquanto termo final e forma enquanto termo inicial. O mito enquanto sistema semiológico tridimensional (significante, significado, signo) vai buscar ao sentido do sistema linguístico a sua forma (o significante).
O ponto de encontro dos dois sistemas é por natureza ambíguo. Se, visto do primeiro sistema, esse ponto é cheio (é o sentido), visto do segundo ele aparece como vazio (é a forma). No exemplo citado, esse ponto é "um soldado negro faz a saudação militar francesa". Se alguém olha para a imagem do jovem negro vestido com um uniforme francês fazendo continência à tricolor o primeiro sentido que obtém é que se trata de um soldado negro a fazer a saudação à bandeira francesa. Porém, visto do segundo sistema, esse ponto comum é vazio. É aqui que surge a pergunta: "muito bem, trata-se de um soldado negro a fazer a saudação à bandeira francesa, mas que é que isso significa?" E agora procura-se o sentido segundo da imagem. Esse sentido pode ser da universalidade do império francês.
O segundo sentido apoia-se sobre o primeiro, mas os dois não coexistem pacificamente. Focar um implica desfocar o outro 60. Contudo, a mudança de focagem é a todo o momento possível. Muitas vezes, sem se dar conta, a percepção de um sentido resvala para a do outro. É como se um torniquete entre um e outro se abrisse e se fechasse sucessivamente. Mas há uma diferença. É possível alguém quedar-se pelo sentido primeiro e nunca chegar ao sentido segundo, mas o sentido segundo pressupõe sempre o primeiro, nunca o dispensa completamente 61.
Na focagem e desfocagem de sentidos correm-se sempre riscos. Se alguém se ficar pelos sentidos primeiros poderá ser acusado de curto de vistas e de ingénuo, mas se alguém procurar em toda a parte sentidos segundos correrá o risco de ver gigantes onde há apenas moinhos de vento e de ficar cego para os sentidos originários.
Em Elementos de Semiologia Barthes sistematiza mediante a noção de semiótica conotativa de Hjelmslev a teoria da estratificação dos sentidos. Os sistemas semiológicos conotados são aqueles cujo plano de expressão (significante) é constituído ele próprio por um sistema de significação 62. Os sistemas primeiros são os denotados. Toda a conotação pressupõe uma denotação que lhe serve de significante ou, como Barthes lhe chama, conotador. "As unidades do sistema conotado não são forçosamente do mesmo tamanho das do sistema denotado" 63. Como conotadores podem servir grandes fragmentos do discurso denotado. Assim, por exemplo, o tom de um texto pode remeter para um único significado ao nível da conotação.
Segundo Barthes, há um ponto comum para o qual remetem todos os sistemas conotativos: a ideologia. Quer isto dizer que todos os significados das conotações desembocam na ideologia ou, mais exactamente, "a ideologia é a forma dos significados de conotação" 64. Em contrapartida, a retórica é a forma dos conotadores. A semiologia enquanto ciência das formas de significação tem um papel desideo-logizante da cultura. É que a ideologia encontra-se sempre num sentido segundo, mais ou menos escondida, e o semiólogo o que faz é expor os sistemas semiológicos pelos quais é produzida e em que existe. Por isso mesmo, todo o semiólogo é de certo modo um mitólogo, aquele que decifra os mitos constituintes da civilização.
Barthes apresenta a semiótica da conotação como a semiótica do futuro e a razão que dá para isso reside no facto de "a sociedade desenvolver constantemente, a partir do sistema primeiro que lhe é fornecido pela linguagem humana, sistemas segundos de sentido, e esta elaboração, umas vezes exibida, outras disfarçada, racionalizada, é quase como uma verdadeira antropologia histórica" 65. Aliás, grande parte do labor intelectual de Barthes consiste em decifrar as múltiplas estruturas de significação que como nervos vitais percorrem todo a tessitura da cultura humana.
 

1-Cf. Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semiótica, Lisboa: Presença, 1991, pp. 26-33.
2-Tradução portuguesa nas Edições Dom Quixote, Lisboa.
3 - Curso de Linguística Geral, p. 40.
4- ibidem, p. 41.
5- Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lisboa: Edições 70, 1989, p. 11.
6- Saussure, ibidem, p. 121.
 7- ibidem, p. 122.
 8- ibidem, p. 124
 9- ibidem.
10- ibidem, p. 126.
11- ibidem.
12- ibidem, p. 125.
13- ibidem, p. 128.
14- ibidem.
 15- ibidem, p. 129.
 16- ibidem, p. 130.
 17- ibidem, p. 132.
18- ibidem, p. 133.
19- ibidem, p. 134.
20- ibidem, p. 176.
21- ibidem.
22- ibidem, p. 177.
23- ibidem, p. 184.
 24- ibidem, p. 185.
25- ibidem, p. 190.
26- ibidem, p. 191.
27- ibidem.
28- ibidem.
29- ibidem, p. 192.
30- ibidem.
 31- ibidem, p. 193.
 32- ibidem, p. 182.
33- ibidem, p. 207.
34- ibidem, p. 207-208.
35- ibidem, p. 208.
36- Dicionário de Grego (Isidro Pereira), Porto:1 Livraria Apostolado da Imprensa, 19765.
37- Grande Dicionário de Língua Portuguesa (José Pedro Machado), Lisboa: Euro-Formação, 19892.
38- ibidem, p. 208.
39- ibidem.
40- ibidem.
41- ibidem, p. 208-209.
42- Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov, Dicionário das Ciências da Linguagem, Lisboa: Dom Quixote, 1991, p.135
43- Saussure, ibidem, p. 209.
 44- ibidem, p. 209.
45- ibidem, p. 210.
46- ibidem, pp. 211-212.
47- ibidem, p. 212.
48- Roland Barthes, Mitologias, Lisboa: Edições 70, 1988, pp. 179-223.
49- Cf Georges Mounin, Introduction à la sémiologie, Paris: Les Éditions de Minuit, 1970, "sémiologie de la communication et sémiologies de la significacion", pp. 11-15.
50 - Barthes, ibidem, p. 182.
51- ibidem, p. 181-182.
52- ibidem, p. 183.
53- Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lisboa: Edições 70, 1989.
54- ibidem, p. 9.
 55- ibidem, p. 8.
 56- ibidem, p. 9.
57- ibidem, p. 34.
58- Cf. a conferência "Semântica do objecto" de 1964, publicada em Roland Barthes, A Aventura Semiológica, Lisboa: Edições 70, 1987, pp. 171-180.
59 - Mitologias, p. 187.
60- "Ao tornar-se forma, o sentido afasta a sua contingência; esvazia-se, empobrece-se, a história evapora-se, nada mais resta do que a letra. Há uma permutação paradoxal das operações de leitura, uma regresssão anormal do sentido à forma, do signo linguístico ao significante mítico." ibidem, p. 188.
61 - "O sentido será para a forma como que uma reserva instantânea de história, como que uma riqueza submissa, que é possível convocar ou afastar numa espécie de alternância rápida: importa que sem cessar a forma possa voltar a enraizar-se no sentido e nele alimentar-se naturalmente: importa sobretudo que possa nele ocultar-se. É este interessante jpogo de esconde-esconde entre o sentido e a forma que define o mito." ibidem, p. 189.
62- Elementos de Semiologia, p. 75.
63- ibidem, p. 77.
64- ibidem.
65- ibidem, p. 76.