Sinais e Signos
(Aproximação aos conceitos de signo e de semiótica)

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

1- Os sinais chamados sinais

Em português dá-se o nome de sinal a coisas assaz diferentes. Temos os sinais da pele, os sinais de trânsito, o sinal da cruz, o sinal de pagamento. Uma pergunta que se pode fazer é o que têm de comum para poderem ter o mesmo nome. Com efeito, o mesmo nome dado a coisas diferentes normalmente significa que essas coisas têm algo em comum. Se chamamos pessoa tanto a um bebé do sexo feminino como a um homem velho é porque consideramos que têm algo de comum, nomeadamente o ser pessoa. Que as coisas atrás chamadas sinais são diferentes umas das outras não sofre contestação. Os sinais da pele são naturais, os sinais de trânsito são artefactos, o sinal da cruz não é uma coisa que exista por si, é um gesto que só existe quando se faz, e o sinal de pagamento é algo, que pode ser muita coisa, normalmente dinheiro, que se entrega a alguém como garantia de que se lhe há-de pagar o resto. Que há então de comum a estas coisas para terem o mesmo nome? A resposta deve ser buscada na análise de cada uma delas.

Os sinais da pele são manchas de maior ou menor dimensão, normalmente escuras, que certas pessoas têm na pele. É assim que dizemos que certa pessoa tem um sinal na cara e que outra tem um sinal na mão. Essas manchas são sinais porque distinguem as pessoas que as têm. As pessoas ficam de certa forma marcadas por essas manchas, ficam por assim dizer assinaladas. Os sinais são marcas características dessas pessoas. A partir daqui, é fácil de ver que outros elementos característicos também podem ser designados como sinais. Um nariz muito comprido pode servir de sinal a uma pessoa, tal como qualquer outro elemento físico que a distinga das outras.

Daqui pode-se já tirar um sentido de sinal, a saber, o de uma marca distintiva. É sinal tudo aquilo que pode servir para identificar uma coisa, no sentido de a distinguir das demais. E o que pode servir de sinal podem ser coisas muito diversas. No caso de uma pessoa, tanto pode ser um sinal da pele, como uma cicatriz, a cor dos olhos, a altura, a gordura, a falta de cabelo, ou outro elemento qualquer que distinga essa pessoa.

Os sinais de trânsito são diferentes. Não são marcas de nada, não caracterizam um objecto. No primeiro caso, os sinais têm de estar associados a algo que caracterizem, de que sejam sinais; não têm enquanto sinais uma existência autónoma. Os sinais de trânsito, ao contrário, não se associam a outros objectos, estão isolados. Nisto se diferenciam os sinais de trânsito dos marcos de estrada. Estes estão associados à estrada, marcam ou assinalam o seu percurso ao longo do terreno. Por sua vez, os sinais de trânsito só indirectamente assinalam a estrada. A sua função primeira é outra, a de regulamentarem o trânsito das estradas. O sinal de stop, por exemplo, é um sinal de que os condutores devem obrigatoriamente parar por momentos ali. Dizemos também que significa paragem obrigatória. Os sinais de trânsito têm um significado e é isso que os distingue dos primeiros sinais, os distintivos. Estes, os sinais da pele, limitam-se a assinalar, mas nada significam, ao passo que os segundos significam, mas não assinalam ou então só o fazem indirectamente. Os sinais indicativos podem ser muito diferentes entre si, mas a sua função é a mesma: assinalar. Os sinais de trânsito têm significados diferentes consoante a sua forma (configuração geométrica, cor e elementos que o compõem); há sinais de limite de velocidade, de sentido único, de prioridade, de aviso, etc. A pergunta que se coloca é sobre a proveniência do significado. A que se responde com o código da estrada. É o código que estabelece que este sinal significa isto e aquele significa aquilo. O significado não é automático, não é um dado imediato a quem olha para o sinal. Os sinais cujo significado é determinado por um código exigem uma aprendizagem do seu significado.

Como os sinais de trânsito há muitos outros sinais. Temos os galões das fardas militares que significam o posto do portador na hierarquia militar, temos as insígnias do poder, a coroa e o ceptro do rei, a tiara do Papa, a mitra e o anel do bispo, as fardas dos polícias, mas também uma bengala de cego, os sinais indicativos das casas de banho, os sinais de proibição de fumar, etc. etc. O que caracteriza todos estes objectos enquanto sinais é o serem artefactos com a finalidade de significarem. Dito de outra maneira, há subjacente a todos eles uma intenção significativa. Conhecer esses objectos como sinais é conhecer o seu significado. De contrário perdem toda a dimensão de sinal. Os sinais deste tipo mais importantes são os sinais linguísticos, mas destes falaremos à frente.

O sinal da cruz distingue-se dos sinais anteriores simplesmente porque consiste num gesto e não é um objecto, mas tem como eles um significado. Como o sinal da cruz temos os gestos do polícia sinaleiro, o gesto de pedir boleia, além de outros, cujo significado está previamente determinado.

O sinal de pagamento assinala tanto a intenção de compra como o objecto a comprar e significa o compromisso do comprador a posteriormente pagar o montante em falta. Embora estejamos perante uma situação sígnica mais complexa que a dos sinais de trânsito, no fundo é o mesmo processo. Também aqui há uma intenção significativa subjacente e um código que regulamenta este sinal.

Feita a análise dos sinais chamados sinais, diferentes entre si, verifica-se que o que há de comum a todos eles é o serem coisas (objectos, gestos, acções) em função de outras coisas, que representam ou caracterizam. Não pode haver sinais sem um "de" à frente; ao serem sinais são sempre sinais de algo. É isso que sobressai na definição clássica de sinal: aliquid stat pro aliquo, algo que está por algo. Este "estar por" é muito vasto, pode significar muita coisa: representar, caracterizar, fazer as vezes de, indicar, etc. O mais importante aqui é sublinhar a natureza relacional do sinal, o ser sempre sinal de alguma coisa.

2- As palavras como sinais.

Que uma palavra possa ser um sinal parece claro. Para designar esses casos até existe um termo próprio, o termo de senha. Não há dúvida que certas palavras ditas em determinadas ocasiões, são sinais no sentido apurado atrás. Essas palavras são consideradas palavras-chave e o seu significado é estabelecido por um código. Mais difícil é conceber que todas as palavras, enquanto palavras, sejam sinais. Com efeito, quando dizemos alguma coisa não nos parece que sejam ditadas por qualquer código ou que as nossas palavras estão por outra coisa que não elas próprias. Isso pode ocorrer no sentido metafórico, mas não no sentido corrente em que se usa a linguagem. De tal maneira não é visível a afinidade entre as palavras e os signos, que os gregos apesar de terem estudado a língua e de terem pensado sobre o signos nunca relacionaram as duas coisas, nunca conceberam as palavras como sinais entre outros sinais. Porque uma coisa é dizer que uma palavra pode servir de sinal e outra dizer que, por ser palavra, é um signo. Nos casos em que uma palavra serve de sinal, há algo de artificial por detrás, há uma combinação ou código que determina o significado dela enquanto sinal. Ora, à primeira vista, a língua aparece-nos como algo natural ao homem, parece não ter qualquer código subjacente. A descoberta de um código subjacente a um sinal pressupõe um certo distanciamento face a esse sinal, ora face às palavras esse distanciamento não existe. Estamos mergulhados na linguagem; e mesmo quando pensamos nela e sobre ela reflectimos fazemo-lo ainda dentro da linguagem e através dela. Daqui que seja tão difícil perceber as palavras como sinais.

A consciência clara de que as palavras são sinais surge-nos no contacto com as línguas estrangeiras. É aí que nos damos conta de que as palavras são sons articulados com determinado significado, e de que os mesmos sons podem ter diferentes significados consoante as línguas (vejam-se os exemplos de "padre" e "perro" em português e em espanhol). Foi em confronto com as línguas bárbaras que os estóicos compreenderam que as palavras são também sinais convencionais.

Mas a intelecção de que as palavras são sinais representa como que uma revolução da nossa concepção de sinais, e até mais, da nossa concepção de ciência, de saber, de linguagem, e mesmo do próprio mundo. À uma a noção de sinal alarga-se a tudo o que é expressão, comunicação e pensamento. Porque se poderíamos imaginar um mundo sem sinais, entendidos no sentido restrito de artefactos cuja função é assinalar, em contrapartida não podemos imaginar um mundo humano sem linguagem. A noção de sinal, englobando as palavras, é uma noção que vai à raiz do ser humano, da sua capacidade de pensar, expressar-se e comunicar. Por outro lado, percebemos que o mundo humano, o mundo da linguagem e da cultura, é um mundo constituído de sinais e por sinais.

Um outro aspecto muito importante da inclusão das palavras no conjunto dos sinais é o tremendo impulso que isso significa para o estudo dos sinais. Desde logo porque o enormíssimo corpus de estudos sobre a língua, acumulado desde os primórdios da antiguidade clássica, passou também a fazer parte dos estudos sobre os sinais. Mas também e sobretudo porque a língua constitui um sistema de signos que, estando presente, em todas as actividades humanas, é extraordinariamente complexo e completo. A língua não é apenas mais um sistema de sinais entre outros sistemas, ela é o sistema de sinais por excelência, o sistema a que necessariamente recorremos não só para analisar os outros sistemas, mas também para o analisar a ele mesmo. De tal modo é relevante o sistema da língua que muitas vezes o seu estudo, a linguística, parece identificar-se com o estudo dos sinais em geral, a semiótica, ou mesmo suplantá-lo, em termos de esta ser apenas um complemento, como que a aplicação das análises linguísticas aos outros sistemas de sinais. Esta tendência é sobretudo patente nas correntes semióticas que tiveram a sua origem precisamente na linguística (Saussure, Escola de Paris).

3- Tudo pode ser sinal

A acepção das palavras como sinais representa um considerável alargamento do universo dos sinais. Contudo, mesmo assim, o universo dos sinais ainda é maior. É que a definição de sinal "algo que está por algo para alguém" estabelece o sinal como algo formal, donde tudo aquilo que, não importa o quê, está por uma outra coisa é, por isso mesmo, um sinal. Assim, será sinal tudo aquilo pelo qual alguém se dá conta de uma outra coisa.

De novo, com a consideração da língua fez-se um extraordinário alargamento do universo dos sinais, mas esse universo ficaria restringido aos sinais que têm por base um código estabelecido. Com o alargamento possibilitado pela natureza formal da relação sígnica, em que para que algo seja sinal basta que alguém através dele se dê conta de uma outra coisa, o universo dos sinais passa a ser idêntico ao universo das coisas.

O método de Sherlock Holmes, o célebre detective dos livros de Sir Arthur Conan Doyle, mostra-nos como tudo pode ser um sinal. As coisas mais díspares, e à vista desarmada mais inverosímeis, podem constituir excelentes pistas para chegar ao criminoso. O que Sherlock Holmes faz é estabelecer relações entre coisas que, à primeira vista, nada têm a ver umas com as outras. Ora no momento em que se estabelece uma relação entre A e B, A deixa de ser um objecto isolado para devir um sinal de B.

O carácter semiótico do método de Sherlock Holmes foi exposto por Thomas Sebeok e Umberto Eco que apuraram uma grande afinidade entre o método do detective e o método abdutivo de Charles Peirce, um dos fundadores da semiótica contemporânea.1

4- Sinais e signos e a sua ciência.

Os compêndios e os manuais de semiótica falam em signos e pouco em sinais. A razão de ser é que signo é hoje um termo técnico e sinal um termo mais vasto, menos preciso. Se, no entanto, utilizei até aqui o termo sinal foi porque procurei mostrar em que medida a investigação semiótica surge de fenómenos com que lidamos no dia a dia. Por outro lado, signo é um termo erudito, provindo directamente do latim, que não sofreu os percalços de uma utilização intensiva como o termo sinal e que por isso não foi enriquecido com termos dele derivados e que representam um contributo assaz importante ao estudo semiótico. Vejam-se os termos sinaleiro, sinalização, sinalizar, assinalar, sinalizado e assinalado.

O termo signo impôs-se na semiótica, pelo que daqui em diante o passarei a utilizar em vez de sinal. Por outro lado, o termo "sinal" tem vindo a ganhar dentro da semiótica um outro sentido que não o tradicional em português. Esse sentido "técnico" é o de um estímulo eléctrico ou magnético que passa por um canal físico.2

De qualquer modo, partindo da análise dos sinais que em português se chamam sinais entrámos num vasto campo de estudo a que se dá o nome de semiótica. Nenhuma ciência nasce feita, antes se desenvolve a partir de uma interrogação inicial sobre o como e o porquê de determinados fenómenos, e com a semiótica ocorre o mesmo. A análise feita sobre os sinais serviu para abrir o campo em que se constrói a ciência da semiótica.

Notas:

1- Umberto Eco e Thomas A. Sebeok, orgs., The Sign of three: Dufin, Holmes, Peirce, Bloomington: Indiana University Press, 1983.
2- "A signal is a pertinent unit of a system that may be an expression system ordered to a content, but could also be a physical system without any semiotic purpose; as such is studied by information theory in the stricter sense of the term. A signal can be a stimulus that does not mean anything but causes or elicits something." Umberto Eco, A Theory of Semiotics, Bloomington: Indiana University Press, 1979.