A semiose e a divisão da semiótica em sintaxe, semântica e pragmática

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

Cabe a Charles Morris o mérito de ter estabelecido a divisão da semiótica em sintaxe, semântica e pragmática. Essa divisão decorre da análise feita por Morris do processo semiósico.

A semiose é o processo em que algo funciona como um signo. A análise deste processo apura quatro factores: o veículo sígnico – aquilo que actua como um signo; o designatum – aquilo a que o signo se refere; o interpretante – o efeito sobre alguém em virtude do qual a coisa em questão é um signo para esse alguém; e o intérprete – o alguém. Formalmente teremos: S é um signo de D para I na medida em que I se dá conta de D em virtude da presença de S. Assim, a semiose é o processo em que alguém se dá conta de uma coisa mediante uma terceira. Trata-se de um dar-se-conta-de mediato. Os mediadores são os veículos sígnicos, os dar-se-conta-de são os interpretantes, os agentes do processo são os intérpretes.

Antes de mais convém salientar que esta análise é puramente formal, ela não tem minimamente em conta a natureza do veículo sígnico, do designatum ou do intérprete. Os factores da semiose são factores relacionais, de tal ordem que só subsistem enquanto se implicam uns aos outros. Só existe veículo sígnico se houver um designatum e um interpretante correspondentes; e o mesmo vale para estes dois últimos factores: a existência de um deles implica a existência dos outros. Isto tem o seguinte corolário, que é da maior importância: a semiótica não estuda quaisquer objectos específicos, mas todos os objectos desde que participem num processo de semiose.

Estas considerações são sobretudo pertinentes relativamente aos designata. Os designata não se confundem com os objectos do mundo real. Pode haver e há signos que se referem a um mesmo objecto, mas que têm designata diferentes. Isso ocorre quando há interpretantes diferentes, ou seja, quando aquilo de que é dado conta no objecto difere para vários intérpretes. Os designata podem ser produtos da fantasia, objectos irreais ou até contraditórios. Os objectos reais quando referidos constituem apenas uma classe específica de designata, são os denotata. Todo o signo tem, portanto, um designatum, mas nem todo o signo tem um denotatum.

A semiose é tridimensional: ela contempla sempre um veículo sígnico, um designatum e um intérprete (o interpretante é dar-se-conta de um intérprete, pelo que por vezes se pode omitir). Ora desta relação triádica da semiose podemos extrair diferentes tipos de relações diádicas, nomeadamente as relações dos signos aos objectos a que se referem e as relações entre os signos e os seus intérpretes. As primeiras relações cabem na dimensão semântica da semiose e as últimas na dimensão pragmática. A estas duas dimensões acrescenta-se necessariamente a dimensão sintáctica da semiose que contempla as relações dos signos entre si.

Cada uma destas dimensões possui termos especiais para designar as respectivas relações. Assim, por exemplo, "implica" é um termo sintáctico, "designa" e "denota" termos semânticos e "expressa" um termo pragmático. É deste modo que a palavra 'mesa' implica (mas não designa) a sua definição 'mobília com um tampo horizontal em que podem ser colocadas coisas', denota os objectos a que se aplica e expressa o pensamento do seu utilizador. As dimensões de um signo não têm todas o mesmo realce. Há signos que se reduzem à função de implicação e, por conseguinte, a sua dimensão semântica é nula – vejam-se os signos matemáticos! –, há signos que se centram totalmente na denotação e, portanto, não têm uma dimensão sintáctica, e há signos que não têm intérpretes efectivos, como é o caso das línguas mortas, e, por conseguinte, não têm dimensão pragmática.

Em suma, a divisão da semiótica em sintaxe, semântica e pragmática, decorre da análise do processo semiósico em que uma coisa se torna para alguém signo de uma outra coisa.