As propriedades semânticas dos signos
 
 

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior



 

Todos os signos significam, quer dizer, têm um significado. Por natureza e por definição não há signos sem significado, pois que o significado é precisamente aquilo pelo qual estão para alguém. Agora o que é o significado, esse é um dos problemas maiores de toda a semiótica e que constitui o campo da semântica.

Sirva como introdução à problemática semântica a crítica que Saussure faz à concepção nomenclaturista de língua, que mais não é do que uma concepção vulgar de significado. Contra a ideia de que as palavras são nomes das coisas e que, portanto, são as próprias coisas os significados das palavras, aquilo pelo qual estas estão, Saussure faz notar em primeiro lugar que essa concepção parte do pressuposto errado de que as ideias são anteriores às palavras. Se a assunção das palavras como nomes parece plausível à primeira vista, no tocante a objectos físicos, essa plausibilidade é depressa posta em causa quando se repara que a mesma palavra pode designar muitos objectos físicos e por vezes muito diferentes uns dos outros. As palavras "homem" ou mesmo "cadeira", por exemplo, dificilmente terão como significado determinado objecto físico. E a dificuldade aumenta logo que se consideram palavras que não designam objectos físicos, como "liberdade", "ir", "então", "embora". Ninguém pode negar que estas palavras têm um significado, mas não se vê do que seriam elas nomes. As outras críticas de Saussure à teoria nomenclaturista são a que "não nos diz se o nome é de natureza vocal ou psíquica", e ainda a que "deixa supor que o laço que une um nome a uma coisa é uma operação simples".1

Numa obra marcante da semântica do Século XX, The Meaning of Meaning de 1923, Ogden e Richards apuram nada menos que dezasseis definições de significado, desde a definição de significado como propriedade intrínseca às palavras, passando pelas definições, entre outras, de significado como conotação, essência, consequências práticas, emoção, até às definições de significado como sendo o que é referido.

Desde a obra de Ogden e Richards muita investigação foi feita no âmbito da semântica, por filósofos, linguistas, e até psicólogos. Contudo, uma distinção básica tem guiado a investigação semiótica contemporânea deste século, a distinção entre significado e referência, feita inicialmente por Frege.2

Frege chega à distinção entre significado e referência partindo da questão sobre a igualdade. É a igualdade uma relação de objectos ou uma relação de nomes ou signos de objectos? Frege defende que a igualdade é uma relação de signos. Ele argumenta do seguinte modo: as proposições "a = a" e "a = b" possuem valores cognitivos diferentes; enquanto a primeira é, em linguagem kantiana, um juízo analítico que nada de novo nos ensina, a segunda representa bastas vezes uma importante ampliação do conhecimento. A descoberta de que é o mesmo sol, e não um novo, que cada manhã nasce constitui um dos conhecimentos de maior alcance na astronomia. Ora se a igualdade fosse uma relação entre objectos – isto é, entre aquilo a que "a" e "b" se referem – então "a = a" e "a = b" não seriam proposições diferentes. É que nesse caso, apenas se afirmaria a relação de igualdade de um objecto consigo mesmo. Mas isso não nos traria um novo conhecimento. Aqui há que introduzir um novo elemento. Para além da referência deve-se considerar o significado do nome ou do signo. O significado consiste na forma como o objecto é dado. A mais valia cognitiva da proposição "a = b" relativamente a "a = a" reside justamente em "a" e "b" se referirem de modo diferente ao mesmo objecto. Têm significados diferentes e uma mesma referência. "A estrela da manhã" não significa o mesmo que "a estrela da noite" mas ambas as expressões referem o mesmo objecto. Por estrela da manhã entende-se (significa-se) o último astro a desaparecer do céu com a aurora, ao passo que por estrela da noite entende-se o primeiro astro a aparecer no firmamento ao entardecer. Num e noutro caso designa-se o planeta Vénus.

O significado de um nome ou signo é apreendido por quem conhece a língua ou o conjunto dos signos em que esse signo se enquadra. Normalmente um signo tem um significado e a esse significado corresponde uma referência. O mesmo significado e a correspondente referência têm em diferentes línguas diferentes expressões.

Nem sempre a um significado corresponde uma referência. A expressão "o corpo mais afastado da Terra" tem certamente um significado, mas é questionável se ela refere algum objecto.

Frege sublinha enfaticamente que o significado não é uma representação subjectiva. O significado é objectivo. A representação que uma pessoa faz de um objecto é a representação dessa pessoa e é diferente das representações que outras pessoas têm do mesmo objecto. A representação de uma árvore, por exemplo, varia de pessoa para pessoa, e isso torna-se bem patente quando lhes pedimos para desenhar uma árvore. Cada uma fará um desenho diferente. O significado de árvore, em contrapartida, é comum a todos aqueles que o apreendem.

Mas a distinção entre significado e referência não se restringe aos nomes próprios, entendendo-se aqui por nomes próprios quaisquer designações como sejam "Aristóteles", "o professor de Alexandre o Grande", "4", "2+2". Segundo Frege, também as proposições têm um significado e uma referência. O significado de uma proposição é o pensamento ou a ideia que ela exprime. Admitindo que uma proposição tem uma referência, a substituição de um seu elemento por um outro com a mesma referência, não alterará a referência da proposição. No entanto, o sentido poderá ser muito diferente. As proposições "a estrela da manhã é um planeta iluminado pelo sol" e "a estrela da noite é um planeta iluminado pelo sol" exprimem ideias diferentes de tal modo que alguém pode aceitar uma e negar a outra. Em termos de referência nada, porém, se modificou. Se a ideia expressa pela proposição constitui o seu significado, então qual é a sua referência? A questão é importante na medida em que em muitas frases com significado o sujeito não tem referência. A frase "Ulisses aportou a Ítaca enquanto estava a dormir" é certamente uma proposição com significado, embora não se possa garantir que Ulisses tenha uma referência. Aliás, tenha ou não tenha Ulisses uma referência, o significado da proposição não se altera. A questão é ainda mais evidente na frase "Um círculo quadrado é uma impossibilidade geométrica". "Círculo quadrado" não designa manifestamente nada, mas a frase é cheia de significado. Tem aqui cabimento perguntar se uma proposição não terá apenas significado. Frege responde que se assim fosse, isto é, que se uma proposição tivesse apenas significado, então não faria sentido investigar a referência de um dos seus elementos, pois que bastaria o significado desse elemento. Ora o que efectivamente se passa, é que em regra preocupamo-nos com saber se um elemento da frase tem ou não referência. Sendo assim, então teremos de admitir que também as proposições têm referência. Ademais o valor do pensamento expresso na proposição depende da referência dos seus elementos. Esse valor é justamente o valor de verdade da proposição.

Quando se trata de ficção mitológica ou literária o nosso interesse prende-se exclusivamente ao significado das proposições. É irrelevante se os nomes próprios integrantes nas proposições têm ou não referência. Porém, quando não se trata de ficção, então a questão referencial dos elementos da proposição é fundamental para aquilatar da verdade da proposição. É justamente no respectivo valor de verdade que Frege vê a referência de uma proposição. Valor de verdade de uma proposição significa tão somente o facto dessa proposição ser verdadeira ou falsa. Não havendo outros valores de verdade que a verdade e a falsidade, conclui-se que toda e qualquer proposição tem como referência ou o verdadeiro ou o falso. Todas as proposições verdadeiras têm a mesma referência, o verdadeiro, e todas as falsas o falso.

O que ficou dito aplica-se às proposições principais, que podem ser consideradas também como nomes próprios, como designações da verdade ou da falsidade. Quanto às proposições acessórias o caso é diferente. Considerem-se as proposições integrantes começadas por "que". Nestes casos há que distinguir entre referência directa e indirecta. Quando alguém se quer referir ao significado das palavras e não aos objectos por estas designados, então essa referência é indirecta. Assim, quando uma pessoa cita em discurso directo as palavras de uma outra pessoa, as próprias palavras referem-se às palavras do outro e só estas últimas é que têm a referência habitual. A referência directa consiste, portanto, nos objectos designados, a indirecta no significado habitual das palavras ou dos signos. As frases integrantes têm uma referência indirecta, isto é, a sua referência coincide com o seu sentido habitual e não com o respectivo valor de verdade. É assim que o diferente valor de verdade das proposições acessórias não modifica o valor de verdade da proposição principal no exemplos seguintes: "Copérnico julgava que as órbitas dos planetas eram circulares" e "Copérnico julgava que a ilusão do movimento solar era provocada pelo movimento real da terra". Ambas as proposições citadas são verdadeiras, embora no primeiro caso a referência directa da proposição acessória seja falsa. Só que não se trata aqui de avaliar se o juízo de Copérnico estava correcto ou errado, mas sim se efectivamente ele julgava isso. A questão não se prende, portanto com a referência, mas com o sentido da frase. Por isso mesmo, a primeira proposição é tão verdadeira como a segunda.

A distinção fregeana entre significado e referência abre caminho à distinção hoje mais comum entre intensão e extensão e de extrema importância na semiótica actual. A intensão de uma expressão é o conjunto de atributos (qualidades e propriedades) das entidades a que a expressão se refere, e a extensão da expressão o conjunto de objectos ou características a que se refere.3
 
 

Feita a distinção entre significado e referência, mais fácil se torna compreender a diferença entre as concepções duais e as concepções triádicas de signo. A concepção dual de signo abstrai da referência, considera-o uma questão ontológica e não semiótica, enquanto a concepção triádica de signo considera o referente uma parte integrante da relação sígnica. Saussure e Peirce são respectivamente os representantes máximos das concepções de signo referidas.

Saussure considera o signo linguístico como uma entidade psíquica de duas faces, que pode ser representado pela figura:
 

Conceito
Imagem acústica

"Estes dois elementos estão intimamente unidos e postulam-se um ao outro. Quer procuremos o sentido da palavra latina arbor, quer investiguemos qual a palavra com que o latim designa o conceito "árvore", é evidente que só as aproximações consagradas pela língua nos aparecem conformes à realidade e, por isso, afastamos qualquer outra que se pudesse imaginar."4

Em ordem a demarcar o signo enquanto totalidade desta entidade de duas faces e a impedir a sua identificação com a imagem acústica, Saussure procede a uma precisão terminológica: "Propomos manter a palavra signo para designar o total e substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante; estes dois termos têm a vantagem de marcar a oposição que os separa entre si e que os distingue do total de que fazem parte."5

A partir da acepção do signo linguístico como entidade de duas faces, Saussure procede à sua caracterização. Desde logo, Saussure apura a arbitrariedade do signo. A associação entre significante e significado é arbitrária. O vínculo que une as duas faces do signo é de natureza convencional, ele assenta num hábito colectivo. "Assim, a ideia de "pé" não está ligada por nenhuma relação à cadeia de sons [p] + [e] que lhe serve de significante; podia ser tão bem representada por qualquer outra: provam-no as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes".6

"Podemos, portanto, dizer que os sinais puramente arbitrários realizam melhor do que os outros o ideal do processo semiológico; é por isso que a língua, o mais complexo e o mais difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos; neste sentido, a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular."7

É pela arbitrariedade que o signo se distingue do símbolo: "O símbolo nunca é completamente arbitrário; ele não é vazio; há sempre um rudimento de ligação natural entre o significante e o significado."8 Mas que quer dizer arbitrário? Quando dizemos que o signo é arbitrário isso "não deve dar a ideia de que o significante depende da livre escolha do sujeito falante; queremos dizer que ele é imotivado, isto é arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem, na realidade, qualquer ligação natural."9

É justamente devido à arbitrariedade do signo linguístico que Saussure considera a língua como o mais característico de todos os sistemas semiológicos, podendo, por isso mesmo, a linguística tornar-se o padrão geral de toda a semiologia.10

Como segunda característica do signo linguístico Saussure aponta a linearidade do significante. "O significante, porque é de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo e ao tempo vai buscar as suas características: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão; é uma linha."11 Esta linearidade caracteriza o signo linguístico na medida em que, enquanto acústico, o distingue dos signos visuais, passíveis de serem apreendidos simultaneamente. "Por oposição aos significantes visuais (sinais marítimos, etc.), que podem oferecer complicações simultâneas em várias dimensões, os significantes acústicos só dispõem da linha do tempo; os seus elementos apresentam-se uns após outros; formam uma cadeia. Esta característica aparece mais nítida quando os representamos na escrita: a linha espacial dos sinais gráficos substitui a sucessão no tempo."12

A terceira característica do signo reside na sua mutabilidade e imutabilidade. Paradoxalmente, o signo linguístico é simultaneamente mutável e imutável. Parece ser uma contradição, mas a contradição desaparece atendendo às diferentes perspectivas em que o signo é mutável e imutável. O signo é imutável pela simples razão de que "relativamente à comunidade linguística que o emprega, o signo não é livre mas imposto. A massa social não é consultada, e o significante escolhido pela língua não poderia ser substituído por qualquer outro. (...) Não só um indivíduo seria incapaz, se o quisesse, de modificar no quer que fosse a escolha que foi feita, mas a própria comunidade não pode exercer a sua soberania sobre uma só palavra: ela está ligada à língua tal como é."13

A língua aparece pois como um corpo imutável, independente não só do sujeito como da própria comunidade linguística. "Em qualquer época, e por muito que recuemos, a língua aparece como uma herança duma geração precedente. O acto pelo qual, num dado momento, os nomes foram distribuídos pelas coisas, e que estabeleceu o contrato entre os conceitos e as imagens acústicas - esse acto, podemos imaginá-lo, mas nunca foi verificado. A ideia de que tudo se tivesse passado dessa forma é-nos sugerida pela nossa consciência muito viva da arbitrariedade do signo."14 A língua aparece pois como um bem adquirido e acabado que aceitamos em bloco e não como algo informe. Saussure apresenta quatro razões para a imutabilidade dos signos linguísticos. Antes de mais o carácter arbitrário do signo. É que "para que uma coisa seja posta em questão é preciso que assente numa norma racional. Podemos, por exemplo, discutir se o casamento monogâmico é mais racional do que o poligâmico e apresentar argumentos a favor de um ou do outro. Podíamos também atacar um sistema de símbolos, porque o símbolo tem uma relação racional com a realidade significada; mas na língua, sistema de signos arbitrários, não temos esta base e sem ela não há fundamento sólido para discussão; não há nenhum motivo que leve a preferir irmã a soeur, ox a boi, etc."15 Segundo, a enorme quantidade de signos necessários para constituir qualquer língua torna o sistema tão pesado que é quase impossível substitui-lo por outro. Terceiro, a complexidade do sistema. A língua é um sistema tão complexo que mesmo a maior parte dos falantes desconhecem o mecanismo que lhe está subjacente. Por fim, há a resistência da inércia colectiva a todas as inovações linguísticas. Saussure considera mesmo que, de entre todas as instituições sociais, a língua é a mais resistente à mudança na medida em que é a mais utilizada pelo maior número de indivíduos de uma comunidade. "A língua é, de todas as instituições sociais, a que oferece menor margem às iniciativas. Ela incorpora a vida da comunidade, e esta, naturalmente inerte, aparece antes de mais como um factor de conservação."16

Numa outra perspectiva, porém, o signo linguístico aparece como mutável. Como instituição social também a língua está sujeita à acção do tempo. "O tempo que assegura a continuidade da língua, tem um outro efeito, à primeira vista contraditório em relação ao primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos linguísticos, e, num certo sentido, podemos falar ao mesmo tempo de imutabilidade e da mutabilidade do signo."17 A mutação provocada pelo tempo sobre a língua consiste fundamentalmente num desvio na relação entre significante e significado.

A concepção triádica do signo é bem ilustrada no célebre triângulo de Ogden e Richards, em que na base do triângulo se encontram o símbolo, no lado esquerdo, e o referente, no lado direito, e no topo o pensamento ou referência. Como na base do triângulo não há uma relação directa entre símbolo e referente, a relação entre estes dois é indirecta, mediada pelo pensamento ou referência que se encontra no topo.

A terminologia de Ogden e Richards tem sido substituída por outras terminologias, de que são exemplo as de Peirce, representamen ou signo em vez de símbolo, interpretante em vez de pensamento, objecto em vez de referente, ou a de Morris, respectivamente veículo sígnico, interpretante e designatum. Contudo a estrutura triádica do signo mantém-se a mesma. Utilizando a distinção de intensão e extensão de uma expressão, dir-se-á que o interpretante constitui a intensão de um signo e que a sua extensão reside na classe de objectos que o signo pode referir mediante o interpretante.

À luz do triângulo semiótico pode representar-se a teoria dos signos de Saussure como contemplando apenas o lado esquerdo do triângulo. Significante corresponderia a símbolo e significado a pensamento ou referência. Ora tal como Saussure também Peirce considera que a relação entre signo e interpretante é convencional (ao contrário de Ogden e Richards, que consideravam haver relações causais nos dois lados do triângulo). A diferença reside efectivamente na dimensão extensional do signo que a semiótica de Saussure não contempla.

A importância das investigações de Frege sobre o significado e a referência para a semântica em particular, e para a semiótica em geral, reside em pela primeira vez se associar a questão da verdade à questão do significado. As teorias clássicas da verdade como correspondência partiam do significado como algo dado à partida. Não questionavam o significado da proposição cuja verdade cabia investigar, ou melhor, julgavam que era possível inquirir o significado de uma proposição independentemente de saber o que é que a tornava verdadeira ou falsa. Ora o mérito de Frege consiste justamente em ter mostrado que é impossível apreender o significado de uma frase sem reconhecer as condições da sua verdade. Só em conjunto é possível explicar as noções de verdade e significado, justamente enquanto elementos de uma mesma teoria.

No modelo triádico de signo a relação entre interpretante e objecto é uma relação sujeita aos critérios de adequação. Ora a verdade tem sido entendida desde Aristóteles como uma adequação entre o pensamento e a realidade. O signo pode ter um significado correcto e, no entanto, não ser verdadeiro. É que a correcção do signo (significante, representamen) situa-se no lado ascendente do triângulo, o lado esquerdo, ao passo que a sua adequação situa-se no seu lado descendente, o lado direito. As palavras dos contos de fadas têm um significado correcto, mas não há uma adequação aos objectos referidos.

Charles Morris considera justamente que a questão central da semântica reside no estabelecimento da regra semântica a qual determina sob que condições um signo é aplicável a um objecto ou a uma situação. "Um signo denota o quer que se conforma às condições estabelecidas na regra semântica, enquanto a própria regra estabelece as condições de designação e, desse modo, determina o designatum."18 Quer isto dizer que a dimensão semântica de um signo só existe na medida em que há regras semânticas que determinam a sua aplicabilidade a certas situações sob certas condições.

A diferenciação e classificação dos signos em índices, ícones, símbolos e outros, explica-se pelas diferentes espécies de regras semânticas. Assim, a regra semântica de um signo indexical como o apontar estipula que o signo designa a qualquer momento aquilo que é apontado. Neste caso, o signo não caracteriza o que denota. Em contrapartida, ícones e símbolos caracterizam aquilo que designam. Se o signo caracterizar o objecto denotado por mostrar nele mesmo as propriedades que um objecto tem, como acontece com as fotografias, os mapas ou os diagramas químicos, então o signo é um ícone; se não for esse o caso, então trata-se de um símbolo.

A regra semântica também se estende às proposições. Aqui a regra que estipula as condições de aplicabilidade da proposição a um determinado estado de coisas envolve necessariamente a referência às regras semânticas dos signos que a compõem.
 
 

Hjelmslev fez a distinção entre uma semiótica denotativa e uma semiótica conotativa. A primeira não teria como objecto um sistema sígnico, as passo que a segunda teria como objecto no plano da expressão um sistema semiótico.19

A partir da distinção de Hjelmslev Roland Barthes desenvolve toda uma teoria da estratificação de sentidos. Existem sentidos primeiros, sentidos segundos assentes sobre os primeiros, sentidos terceiros assentes nos segundos, etc. O sentido aparece como um composto de camadas sucessivas de sentidos.

No posfácio às Mitologias Barthes define o mito como um sistema semiológico segundo construído sobre uma série semiológica já existente antes dele. Esta série constitui o significante do signo que o mito é. A língua, enquanto sistema semiológico primeiro, é a matéria prima ou a linguagem objecto do mito enquanto sistema semiológico segundo. Barthes mostra, mediante o exemplo do jovem negro vestido com um uniforme francês fazendo a saudação militar à tricolor, como o sentido primeiro dessa imagem constitui o significante de um outro signo. O sentido primeiro é o de um jovem soldado de cor fazendo continência à bandeira francesa. Mas o sentido segundo que assenta no primeiro sentido é bem diferente. Essa imagem significa "que a França é um vasto Império, que todos os seus filhos, sem distinção de cor, servem fielmente sob a sua bandeira, e que não há melhor resposta aos detractores dum pretenso colonialismo do que o zelo deste negro em servir os seus pretensos opressores."20 Aqui o que importa é saber como o sentido segundo se constrói sobre o sentido primeiro, isto é, descortinar como é que se dá a estratificação dos sentidos de um mesmo objecto. No caso apontado, o sentido segundo tem como significante aquilo que constitui o sentido formado pelo sistema semiológico prévio, a saber, "um soldado negro faz a saudação militar francesa". Este sentido pode ser encarado de dois diferentes pontos de vista: como termo final da decifração da imagem ou como termo inicial de uma mensagem. Terminologicamente, Barthes chama-lhe sentido enquanto termo final e forma enquanto termo inicial. O mito enquanto sistema semiológico tridimensional (significante, significado, signo) vai buscar ao sentido do sistema linguístico a sua forma (o significante).

O ponto de encontro dos dois sistemas é por natureza ambíguo. Se, visto do primeiro sistema, esse ponto é cheio (é o sentido), visto do segundo ele aparece como vazio (é a forma). No exemplo citado, esse ponto é "um soldado negro faz a saudação militar francesa". Se alguém olha para a imagem do jovem negro vestido com um uniforme francês fazendo continência à tricolor o primeiro sentido que obtém é que se trata de um soldado negro a fazer a saudação à bandeira francesa. Porém, visto do segundo sistema, esse ponto comum é vazio. É aqui que surge a pergunta: "Muito bem, trata-se de um soldado negro a fazer a saudação à bandeira francesa, mas que é que isso significa?" E agora procura-se o sentido segundo da imagem. Esse sentido pode ser o da universalidade do império francês.

O segundo sentido apoia-se sobre o primeiro, mas os dois não coexistem pacificamente. Focar um implica desfocar o outro.21 Contudo, a mudança de focagem é a todo o momento possível. Muitas vezes, sem se dar conta, a percepção de um sentido resvala para a do outro. É como se um torniquete entre um e outro se abrisse e se fechasse sucessivamente. Mas há uma diferença. É possível alguém quedar-se pelo sentido primeiro e nunca chegar ao sentido segundo, mas o sentido segundo pressupõe sempre o primeiro, nunca o dispensa completamente.22

Na focagem e desfocagem de sentidos correm-se sempre riscos. Se alguém se ficar pelos sentidos primeiros poderá ser acusado de curto de vistas e de ingénuo, mas se alguém procurar em toda a parte sentidos segundos correrá o risco de ver gigantes onde há apenas moinhos de vento e de ficar cego para os sentidos originários.

Em Elementos de Semiologia Barthes sistematiza mediante a noção de semiótica conotativa de Hjelmslev a teoria da estratificação dos sentidos. Os sistemas semiológicos conotados são aqueles cujo plano de expressão (significante) é constituído ele próprio por um sistema de significação.23 Os sistemas primeiros são os denotados. Toda a conotação pressupõe uma denotação que lhe serve de significante ou, como Barthes lhe chama, conotador. "As unidades do sistema conotado não são forçosamente do mesmo tamanho das do sistema denotado."24 Como conotadores podem servir grandes fragmentos do discurso denotado. Assim, por exemplo, o tom de um texto pode remeter para um único significado ao nível da conotação.

Segundo Barthes, há um ponto comum para o qual remetem todos os sistemas conotativos: a ideologia. Quer isto dizer que todos os significados das conotações desembocam na ideologia ou, mais exactamente, "a ideologia é a forma dos significados de conotação."25 Em contrapartida, a retórica é a forma dos conotadores. A semiologia enquanto ciência das formas de significação tem um papel desideologizante da cultura. É que a ideologia encontra-se sempre num sentido segundo, mais ou menos escondida, e o semiólogo o que faz é expor os sistemas semiológicos pelos quais é produzida e em que existe. Por isso mesmo, todo o semiólogo é de certo modo um mitólogo, aquele que decifra os mitos constituintes da civilização.

Barthes apresenta a semiótica da conotação como a semiótica do futuro e a razão que dá para isso reside no facto de "a sociedade desenvolver constantemente, a partir do sistema primeiro que lhe é fornecido pela linguagem humana, sistemas segundos de sentido, e esta elaboração, umas vezes exibida, outras disfarçada, racionalizada, é quase como uma verdadeira antropologia histórica."26 Aliás, grande parte do labor intelectual de Barthes consiste em decifrar as múltiplas estruturas de significação que como nervos vitais percorrem toda a tessitura da cultura humana.

Introduzido por Saussure como sinónimo de língua, o termo "código" ganhou um sentido mais lato como um repertório de signos e constitui um dos termos centrais da semiótica.27

À definição extensional de código como conjunto ou classe, no sentido em que se fala de um código de leis, penal ou de estrada, há a acrescentar uma definição intensional de código.28 Do ponto de vista intensional um código consiste em dois conjuntos correlacionados um com o outro numa relação de correspondência dos seus elementos. No domínio da comunicação há o universo dos significantes e o universo dos significados. A natureza intensional do código está em fazer corresponder a cada elemento de um conjunto um elemento do outro conjunto.

O código assume, assim, várias funções, consoante a sua intensão ou extensão. Por um lado, constitui um repertório e possibilita uma enumeração de um conjunto de signos, associados por um atributo comum. Por outro lado, fornece o princípio de formação do próprio repertório, tanto em modo de codificação como de descodificação. O dicionário de uma língua natural é extensionalmente um código lexical, na medida em que abarca as unidades da língua, e é intensionalmente um código semântico, na medida em que fornece os significados dos termos, fazendo corresponder a cada termo uma explicação semântica do mesmo.

Se Saussure empregou o termo código para designar o sistema da língua é porque nesta existem os planos dos significantes e dos significados numa correspondência de um a um, em que a cada significante corresponde um significado e vice-versa. Dominar o código da língua é saber qual o significado que corresponde a determinado significante. As noções de "cifrar", "codificação", "descodificação", "chaves do código" aplicadas aos signos derivam justamente da natureza intensional dos códigos.

Uma dimensão importante dos códigos nos sistemas sígnicos é a economia que representam no uso dos signos29. Um exemplo simples tornará clara esta dimensão. Para sinalizar os quartos de um hotel é comum hoje usar números de três algarismos em que o primeiro algarismo designa o andar e os dois últimos o número do quarto. É uma maneira mais económica, embora menos simples, do que a de atribuir a cada quarto um número de uma única série. A economia neste caso é conseguida mediante uma hierarquização de dois códigos, o código dos andares e o código dos quartos de cada andar.

Um outro tipo de economia nos signos reside em adaptar o código às circunstâncias específicas em que se faz a descodificação e, desse modo, reduzir o número de unidades codificadas. Quando um camionista faz numa estrada, em determinadas circunstâncias, o sinal de pisca à esquerda, significa com isso, não o significado legal e habitual de que vai virar à esquerda ou que quer ultrapassar, mas simplesmente de que o carro que vai atrás dele não o deve ultrapassar naquele momento. As circunstâncias, a proibição de cortar à esquerda, o andamento lento do camião que não dá para ultrapassar, reduzem o leque de unidades significativas a descodificar naquele momento. Neste último caso encontramo-nos já no domínio das propriedades pragmáticas do signo.

1- Saussure, Ferdinand de, 1986, Curso de Linguística Geral, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 121.
2- Gottlob Frege, Estudios sobre Semántica, Barcelona: Editorial Ariel, 1973, pp. 49-84.
3- Veja-se a entrada "Intension vs. Extension", Enciclopedic Dictionary of Semiotics, pp. 354-384. É uma das entradas mais extensas deste Dicionário.
4- ibidem, p. 122.
5- ibidem, p. 124
6- ibidem.
7- ibidem, p. 125
8- ibidem, p. 126.
9- ibidem.
10- ibidem, p. 125.
11- ibidem, p. 128.
12- ibidem.
13- ibidem, p. 129.
14- ibidem, p. 130.
15- ibidem, p. 132.
16- ibidem, p. 133.
17- ibidem, p. 134.
18- Cf. Morris, ibidem, p. 16.
19- "… denotative semiotic, by which we mean a semiotic none of whose planes is a semiotic. It still remains, through a final broadening of our horizon, to indicate that there are also semiotics whose expression plane is a semiotic and a semiotics whose content plane is a semiotic. The former we shall call connotation semiotics, the latter metasemiotics." Prolegomena to a Theory of Language, Madison: The University of Wisconsin Press, 1961, p.114.
20- Mitologias, Lisboa: Edições 70, 1988, p. 187.
21- "Ao tornar-se forma, o sentido afasta a sua contingência; esvazia-se, empobrece-se, a história evapora-se, nada mais resta do que a letra. Há uma permutação paradoxal das operações de leitura, uma regresssão anormal do sentido à forma, do signo linguístico ao significante mítico." ibidem, p. 188.
22- "O sentido será para a forma como que uma reserva instantânea de história, como que uma riqueza submissa, que é possível convocar ou afastar numa espécie de alternância rápida: importa que sem cessar a forma possa voltar a enraizar-se no sentido e nele alimentar-se naturalmente: importa sobretudo que possa nele ocultar-se. É este interessante jogo de esconde-esconde entre o sentido e a forma que define o mito." ibidem, p. 189.
23- Elementos de Semiologia, Lisboa: Edições 70, 1989, p. 75.
24- ibidem, p. 77.
25- ibidem.
26- ibidem, p. 76.
27- Veja-se Umberto Eco, A Theory of Semiotics, 1976, em que a semiótica é apresentada como uma teoria de códigos.
28- Sobre as definições intensional e extensional de código confira-se a entrada "Code" no Enciclopedic Dictionary of Semiotics, pp. 123-132.
29- Sobre o tema veja-se a obra de Luis Prieto, Mensagens e Sinais, cuja segunda parte se intitula "Economia" (pp. 75-151). São Paulo: Cultrix, 1973.