António Fidalgo, Universidade da Beira Interior
1- Idade Média - o intercâmbio de conhecimentos, as universidades, a língua franca
A criação medieval das universidades no dealbar do século
XIII constitui um dos momentos mais altos da realização e
da celebração comunitária do conhecimento científico.
As universidades surgiram com as cidades, como diz Jacques le Goff: "No
princípio foram as cidades. O intelectual da Idade Média
- no Ocidente - nasce com elas. É com o seu desenvolvimento, ligado
à função comercial e industrial (artesanal) que ele
aparece, como um dos homens de ofício que se instalam nas cidades
onde se impõe a divisão de tarefas." Em termos institucionais
a universidade começa por ser a corporação dos que
ensinam e aprendem a ler e escrever. A universidade é uma entre
as outras corporações existentes nas cidades medievais e
que contemplam as mais diversas formas de actividade profissional, como
as dos sapateiros e dos carpinteiros. Mestres e aprendizes organizam-se
na defesa socio-económica da sua profissão. Mas as universidades
surgem nas cidades medievais, e é isso que me interessa hoje aqui
realçar, porque as cidades são pontos de passagem e de comércio.
Mais uma vez cito Le Goff: p.33: "As cidades são placas giratórias
da circulação dos homens, carregados de ideias como de mercadorias,
local de trocas, mercados e encruzilhadas do comércio intelectual.
Nesse século XII em que o Ocidente não faz mais do exportar
matérias primas - embora comece a despertar o desenvolvimento têxtil
- os produtos raros, os objectos de valor vêm do Oriente, de Bizâncio,
de Damasco, de Bagdade, de Córdova. Com as especiarias e a seda,
os manuscritos trazem para o Ocidente a cultura greco-árabe." Certamente
não é mera coincidência que o nascimento das universidades
ocorra na mesma altura em que as obras dos pensadores gregos (filósofos,
geómetras e médicos) desaparecidas ao longo de séculos,
chegam às cidades medievais. Outra vez Le Goff: "As obras de Aristóteles,
Euclides, Ptolomeu, Hipócrates, Galiano haviam seguido para o Oriente
os cristãos heréticos - monofisitas e nestorianos - e os
judeus perseguidos por Bizâncio e tinham sido legadas às bibliotecas
e às escolas muçulmanas que as receberam abertamente. Ei-las
agora, num périplo de retorno, que desembarcam nas praias da cristandade
ocidental. (...) Acolhem os manuscritos orientais duas zonas primordiais
de contacto: a Itália e sobretudo a Espanha.
Os caçadores cristãos de manuscritos gregos e árabes
desfraldam as velas até Palermo, onde os reis normandos da Sicília
e depois Frederico II com a sua chancelaria trilingue - grega, latina e
árabe - animam a primeira corte italiana renascentista; precipitam-se
sobre Toledo, reconquistada aos Infiéis em 1087, onde os tradutores
cristãos já puseram mãos à obra, sob a protecção
do arcebispo Raimundo (1125-1151)."
As universidades desenvolvem como que uma sofreguidão intelectual
pelas obras científicas redescobertas. Numa enorme tensão
com as autoridades eclesiásticas, os universitários lançam-se
temerariamente ao comentário de teorias filosóficas e cosmológicas
elaboradas na antiguidade pagã e contrárias às verdades
dogmáticas proclamadas pelo magistério cristão, nomeadamente
a criação do mundo e a imortalidade da alma. Mais do que
isso, as universidades competem entre si quanto ao ensinamento das obras
dos pensadores pagãos. Quando o ensino da física e da metafísica
de Aristóteles era proibido em Paris (1215), ele era autorizado
em Toulouse e os mestres aqui não se coibiam de tirar os louros
e os proveitos desse ensino. Étienne Gilson explica por que razão
era tão grande a apetência pelos escritos de Aristóteles:
"a física de Aristóteles oferecia um conjunto de conceitos
e de princípios tão flexíveis e tão fecundos
para explicar as coisas naturais que não era de bom grado que se
punha de lado. Esta física podia ser inquietante e difícil,
mas ela era a única física sistemática que então
havia. Pela primeira vez, e de repente, os homens da idade média
deparavam com uma explicação integral dos fenómenos
da natureza. Os conceitos fundamentais que estavam na base dessa explicação
eram os mesmos que eles encontravam nos tratados de astronomia, de física
e de medicina."
Um dos proveitos mais importantes que as universidades tiravam da leccionação
das novas (velhas) matérias era a atracção de estudantes
de todos os cantos da Europa. É sem dúvida algo que nos fascina
hoje a enorme mobilidade de mestres e alunos (deslocando-se a pé
e a cavalo - quem sabe, de burro! -, e sem os fundos dos programas comunitários
Erasmo e Sócrates!) na Idade Média. Talvez o caso mais típico
seja o do nosso conterrâneo Tomás de Portugal, citado por
Veríssimo Serrão na sua História das Universidades:
"pluribus anni[s] in partibus Angliae artes et theologiam audiverit,
et demum in Provincia Portugaliae pluribus anni[s] legi ... et demum in
studio parisiensi... Theologiae facultatem annis pluribus audiverit, et
subsequenter in studio Salamantino duobus ut Baccalarius et tribus annis
ut lector regerit ... subsequenter Parisius ad hoc canonice electus redierit
ibique sermones et disputationes plures perfecit, postea ad legendum librum
sententiarum in Studio Cantabrigiae... et demum in Studio Tolosano electus
fuit ubi magisterium recipiat" p.16. Le Goff fala mesmo da vagabundagem
intelectual dos estudantes pobres que, escolhendo o estudo e não
a guerra, partem à aventura intelectual "seguindo o mestre que lhes
agradou, acorrendo em direcção àquele de quem se fala,
respigando de cidade em cidade os ensinamentos nela ministrados." As próprias
universidades (note-se que originariamente o termo "universidade" não
designa uma instalação física, mas sim uma corporação
de pessoas) mudam de local. Veja-se a Universidade de Coimbra, que anda
num corrupio entre Lisboa e Coimbra no primeiro século de vida;
criada primeiro em Lisboa no reinado de D. Dinis no ano da graça
de 1290, transferida pelo mesmo rei em 1308 para Coimbra por o "movimento
e bulício de Lisboa não ser o lugar apropriado para sede
de um estabelecimento escolar de tipo universitário" (Rómulo
de Carvalho, História do Ensino em Portugal, p. 74), transferida
novamente para Lisboa em 1338 e de volta a Coimbra em 1354 no reinado de
D.Afonso IV, e outra vez mudada para Lisboa em 1377 por D. Fernando "por
alguns lentes que de outros reinos mandámos vir não queriam
ler senão na cidade de Lisboa. Por isso, havendo sobre isto acordo
com os do nosso conselho, mandámos que o dito estudo, que ora está
na dita cidade de Coimbra, seja em a dita cidade de Lisboa pela guisa que
antes soía de estar" (ibidem, p.82). (E há ainda quem critique
a UBI por ter professores estrangeiros!)
Uma tremenda mobilidade das pessoas, uma concomitante intensa troca
de ideias, são características marcantes das universidades
medievais. Mas tudo isto tornado possível pela unidade de uma Europa
cristã e por uma língua franca, o latim. E quero aqui deter-me
um pouco sobre a importância do latim como língua franca na
vida universitária e científica de então.
Nas universidade s os estudantes organizam-se pelo sistema das nações,
consoante o lugar de origem. A universidade de Paris tem no século
XIII quatro nações: a francesa, a picarda, a normanda, a
inglesa, a de Oxford tem os Boreais, incluindo os escoceses, e os Austrais,
incluindo galeses e irlandeses, a de Bolonha tem os citramontanos e os
ultramontanos, mas todos se entendem em latim. Nas universidades ensina-se
em latim, lê-se e escreve-se em latim. O texto bíblico é
a Vulgata e rezam-se as horas, laudes, matinas e vesperas, obviamente em
latim. Escreve Le Goff: "A língua científica é o latim.
Originais árabes, versões árabes de textos gregos,
originais gregos, são portanto traduzidos quer por indivíduos
isolados quer, mais frequentemente, por equipas. Os cristãos do
Ocidente fazem-se acompanhar de cristãos espanhóis que viveram
sob a dominação muçulmana - os moçárabes;
e também por judeus ou até por muçulmanos." (p.34)
2) As Academias do século XVII e XVIII
De certo modo a revolução científica dos séculos
XVII e XVIII está para a fundação das academias de
ciências como a redescoberta da ciência grega está para
a criação das universidades medievais. O paradigma científico
moderno, de Copérnico, Galileu, Leibniz e Newton entre outros, encontra
nas academias uma sede de debate e de publicitação. Cito
aqui Dias Agudo, membro da Academia das Ciências de Lisboa e Prof.
Visitante da UBI: "...como as universidades se mantiveram, e por alguns
séculos, pouco envolvidas nos novos métodos científicos,
a nova ciência foi sendo desenvolvida por indivíduos ou por
pequenos grupos à volta de um ou dois líderes. Os resultados
eram comunicados oralmente, ocasionalmente através de textos manuscritos
muitas vezes por cartas aos amigos; livros impressos, quando os havia,
e frequentemente à custa dos próprios autores, eram de elevado
custo devido a terem um mercado muito restrito. Mas, com o aumento do número
de interessados nestas actividades científicas - com a democratização
da ciência, como hoje diríamos - surge o desejo (e a necessidade)
de ampliar a troca de informações, de estimular encontros
entre pessoas com os mesmos interesses intelectuais; e são estas
reuniões, de início informais, que acabam por conduzir à
fundação das academias científicas da era moderna."
É assim que se fundam as academias pela Europa fora: a dei Lincei,
a primeira, em Roma em 1603, e da qual fez parte Galileu, a del Cimento
em Florença em 1657, tendo tido como sócio Torricelli, a
Royal Society em Londres em 1662, de que foi destacado sócio Isaac
Newton, a Académie Royal des Sciences em Paris em 1666, e a de Berlim
em 1700, graças aos esforços de Leibniz, e a portuguesa Academia
das Ciências de Lisboa em 1779, obra do empenho do Duque de Lafões,
D. João Carlos de Bragança e do Abade Correia da Serra.
"Além de permitirem contactos directos entre cientistas - o
que é essencial para o desenvolvimento da sua capacidade inventiva
e inovadora - a influência das academias para o progresso das ciências
pode avaliar-se por outras acções igualmente importantes:
por um lado, passaram a publicar ou a apadrinhar actas, memórias,
jornais científicos que facilitavam e estimulavam a divulgação
dos resultados que se iam obtendo."
Na difusão da ciência moderna os correios desempenham
um papel crucial. Mais que isso, os correios são um dos serviços
que marcam os tempos modernos e sobremaneira o iluminismo. Das cartas de
Madame de Sévigné (1626-1696, Lettres) ao romance
epistolar de Choderlos Laclos, Les Liaisons Dangereuses (1782) os
homens da luzes, fazem uma utilização intensiva dos serviços
da mala-posta. Voltaire (1694-1778) escreve cerca de 20.000 cartas e Leibniz
(1646-1720) cerca de 15.000. Aqui há a atender que a maioria do
intercâmbio científico-epistolar era feito nas línguas
francas da altura: ainda o latim e o francês.
São os serviços postais que permitem a existência
de sócios correspondentes das academias e a difusão de revistas
científicas, que surgem efectivamente ligadas às academias.
3) Os novos meios de comunicação
Muitas das virtualidades das comunidades científicas passadas
tornam-se hoje uma realidade graças aos novos meios de comunicação.
Refiro-me em especial à universalização da ciência
e da comunidade científica.
Falar dos novos meios de comunicação é falar das
diferentes formas de comunicação tornadas possíveis
pela associação entre as telecomunicações e
a informática: o correio electrónico (e-mail), o protocolo
de transferência de ficheiros (ftp), a ligação remota
a computadores (telnet), e sobretudo a rede em hipertexto (world wide web).
Em suma, falar dos novos meios de comunicação é falar
dos diferentes serviços da internet. São estes novos meios
de comunicação que potencializam à escala universal
o espírito científico tal como foi realizado pelas universidades
medievais e pelas academias do iluminismo.
a) a compilação universal do saber.
1- A compilação do saber, de todos os conhecimentos em
todas as áreas, obtidos em todas as épocas, em todos os lugares,
foi sempre uma aspiração, ou pelo menos uma tendência,
de todas as comunidades científicas. Não há ninguém
que queira descobrir segunda vez a pólvora.
As bibliotecas são o caso mais paradigmático da reunificação
do saber. Elas constituíram sempre um dos principais instrumentos
do trabalho científico. Mas as bibliotecas estão mais ou
menos bem apetrechadas, e não há bibliotecas que, sob pena
de se converterem em arquivos, não tendam a aumentar o seu acervo
de documentos, sejam eles livros, manuscritos, revistas, ou quaisquer outras
formas de fixação do pensamento.
2- Só hoje, porém, graças à digitalização
e às telecomunicações, podemos vislumbrar a realização
do sonho de uma biblioteca universal. Esta mais não será
do que a biblioteca virtual de todos os documentos, guardados em todas
as bibliotecas do mundo. Tal biblioteca não estará numa localidade
ou num país, mas consistirá de todos os documentos disponíveis
em rede e, portanto, ela estará espalhada por todo o mundo. Ela
encontra-se também aqui na Covilhã, graças às
obras que a UBI disponibiliza através dos seus servidores.
A digitalização da escrita é hoje uma realidade.
Veja-se a utilização quase universal dos processadores de
texto. Quase já não há documentos escritos que não
tenham sido processados por computadores. Provavelmente já todas
as editoras utilizam, pelo menos no que diz respeito ao texto, a edição
electrónica, e aquelas que o não fazem têm os dias
contados. A escrita será doravante uma escrita digitalizada.
Mas também os livros do passado estão a ser progressivamente
digitalizados (técnicas de scanning) e uma vez digitalizados ficarão
disponíveis para serem copiados e transferidos electronicamente
com uma rapidez extraordinária. Será uma questão de
tempo a digitalização dos milhões de documentos das
maiores bibliotecas do mundo, como a Bibliotheque Nacional de Paris ou
a norte-americana Library of Congress . Neste momento, a rede já
possui bibliotecas com um espólio muito superior ao de algumas bibliotecas
públicas, e até universitárias, sobretudo no que concerne
às grandes obras dos autores clássicos, da literatura e da
ciência. As obras de Platão, Aristóteles, Cícero,
S.to Agostinho, Shakespeare, Descartes, Newton, Kant, a Bíblia,
entre tantos, tantos outros, já se encontram digitalizadas e disponíveis
em rede e podem ser importadas mediante a simples linha telefónica
lá de casa, serem gravadas no disco duro do computador pessoal e
enviadas para a impressora local.
b) A actualidade em tempo real
Não é, todavia, apenas o saber do passado que se encontra
digitalizado e acessível em rede. Daqui da UBI, a bem dizer a partir
de qualquer computador instalado na nossa universidade, pois a grande maioria
já se encontra ligada em rede, podemos aceder a uma das muitas milhares
de universidades e de centros de investigação do mundo inteiro
e verificar os cursos que leccionam, quais os planos desses cursos e quais
os projectos de investigação em que se encontram envolvidos.
Mas também de qualquer parte do mundo, uma pessoa pode ligar-se
à UBI, ao www.ubi.pt, visitar a home page da nossa universidade,
aceder a um dos nossos centros de investigação ou a uma das
unidades científico-pedagógicas, verificar quais os cursos
que leccionamos, que cadeiras são aí ministradas, e quais
os docentes desses cursos (e até verão a fotografia de alguns
deles!). Em rede, sabemos o que se passa, o que se lecciona, o que se aprende,
o que se investiga, a bem dizer no mundo inteiro. Os mais recentes artigos
que circulam pela rede, sobre todas as temáticas, podem ser consultados
e importados.
Desta possibilidade de todos sabermos de todos advém um espírito
de emulação único na história da ciência.
Ninguém quer ficar para trás. Porque sabemos o que se passa
nos locais mais afastados do mundo, podemos comparar continuamente, e a
bem dizer em tempo real, a nossa realidade com a deles. Nada pior para
a ciência que um mundo fechado. Ora, com os novos meios de comunicação,
todas as comunidades científicas locais, em todos os ramos da ciência,
se vêem confrontados com o trabalho de outras comunidades científicas
noutras partes do mundo. A curiosidade e o confronto necessariamente presentes
no trabalho científico aumentam à escala universal com os
novos meios de comunicação. As palavras de Pinto Peixoto
relativamente às academias do iluminismo aplicam-se ainda muito
mais nos nossos dias: "Os cientistas do século XVII reconheceram
a necessidade e a utilidade em difundir e permutar os conhecimentos obtidos
e as novas descobertas, entre os seus pares. (...) Através de jornais
científicos, de correspondência e de viagens, estes primeiros
"cientistas modernos" trocavam impressões, debatiam ideias e pontos
de vista, mantendo acesa a chama da curiosidade científica. Esta,
que embora, por vezes, brilhe num só génio, nunca é
tão produtiva como quando alimenta o entusiasmo conjunto e é
repartida por muitos outros cientistas. Era como se fossem participantes
que, para a execução de uma obra, prosseguissem por várias
rotas, com a certeza de que, por último, haveriam de atingir a verdade."
Todos sabemos o que o comboio significou para a geração
coimbrã de 70. Os caixotes de livros trazidos pelos comboios vindos
de Paris provocaram nos estudantes de Coimbra um grande tumulto intelectual.
Com os livros chegavam ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos,
interesses humanitários
Aqui e agora, na Universidade da Beira Interior em Abril de 1996, a
quantidade de informação que chega, e que sai, através
dos novos meios de comunicação é incomparavelmente
superior àquela que poderia chegar através dos meios tradicionais
de livros e revistas. Actualmente a média do tráfego da UBI,
somando as entradas e as saídas, é de cerca de 24.000 bits
por segundo, 3 kilobytes, o que representa cerca de 10.800 kilobytes por
hora, de dia e de noite, incluindo sábados e domingos. Obviamente
há que ter em conta que a larga maioria desse tráfego é
composta por gráficos ou por programas, muitíssimo mais pesados
que simples textos; mas servindo-nos do texto para podermos fazer uma ideia
do que representa esse tráfego, informo que esta oração
de sapiência tem cerca de 26 kb e que um livro de 300 páginas,
composto só de texto, sem gráficos, terá cerca de
700 a 800 kb. Se nos ativermos, todavia, apenas ao correio electrónico
que chega e sai da UBI, a média diária, incluindo sábados
e domingos, é de cerca de 2.800 a 3.000 mensagens (diária,
repito). Com estes dados bem objectivos, ninguém poderá acusar
a UBI de ser uma universidade fechada.
c) o debate universal
Mas talvez mais importante ainda que a compilação universal
do saber e a informação actualizadíssima de qualquer
um, em qualquer local, em qualquer tempo, é o debate universal.
O correio electrónico, o escrever uma carta no computador e enviá-la
imediatamente para o computador do destinatário, para qualquer canto
do mundo, onde chegará após alguns segundos, é sem
dúvida um avanço significativo da técnica, todavia,
as possibilidades do e-mail não se limitam a substituir o correio
tradicional ou a telecópia. Através do correio electrónico
podemos enviar um texto, um artigo, um livro, a uma outra pessoa, com custos
reduzidíssimos. Mas não só a uma pessoa; a mesma carta,
o mesmo texto, pode enviar-se no mesmo acto a dezenas, a centenas de pessoas.
É graças a esta facilidade do correio electrónico
que surgem os grupos de discussão na Internet. Estes grupos de discussão
constituem, em meu ponto de vista, uma das maiores vantagens para os homens
de ciência. Os grupos de discussão centram-se à volta
de uma temática, que pode ser mais ou menos especializada. Para
fazer parte de um desses grupos uma pessoa subscreve-se, sendo a subscrição
geralmente livre. Um subscritor recebe então todas as cartas que
os outros subscritores enviam para esse servidor, incluindo as que ele
próprio envia. Escusado será dizer que nesses grupos encontram-se
participantes de todas as partes do mundo.
Uma pessoa pode fazer parte de quantos grupos de discussão quiser,
mas isso não é de todo aconselhável; a quantidade
de correio que certos grupos desenvolvem é de tal ordem que as mensagens
podem chegar às largas dezenas por dia. O melhor é refrear
o apetite e participar unicamente nos grupos de maior qualidade e cujas
temáticas mais nos interessam.
Nestes grupos pode-se tomar parte de uma discussão em curso
lançada por um outro membro, pode iniciar-se uma nova discussão,
podem colocar-se questões. Não há qualquer obrigatoriedade
de escrever - uma pessoa pode limitar-se a seguir what is going on -, mas
há sempre a vantagem de saber não só quais os assuntos
que estão em causa, como também de seguir em casa novas questiones
disputatae à escala mundial.
4) A comunidade científica universal
Não é certamente linear, em tempos de pós-modernidade
(ou, pelo menos, de crítica acérrima à modernidade),
falar da universalidade da ciência ou de uma comunidade científica
universal. No seguimento da teoria das revoluções científicas
de Thomas S. Kuhn e do anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend,
a concepção tradicional (moderna, iluminista) de ciência
como saber único e universal sofreu um rude golpe. Feyerabend vai
mesmo ao ponto de afirmar que "podem existir muitas espécies diferentes
de ciência" e que "a ciência do primeiro-mundo [o tipo de saber
ocidental e europeu a que se convencionou chamar ciência] é
uma ciência entre muitas outras" e ainda que a "A ciência é
uma tradição entre muitas outras e uma fonte de verdade apenas
para os que fizeram as escolhas culturais adequadas" .
Efectivamente a crise das ciências nos finais do século
passado e inícios deste século e as novas teorias da ciência
levaram à derrocada da concepção tradicional de ciência
e, outrossim, à universalidade transcendental e anónima de
que se revestia. A nova universalidade da ciência, ou das ciências,
não será mais monolítica, igual para todos, antes
será matizada pela diversidade da história e da cultura dos
cientistas de todo o mundo.
A comunidade científica universal tornada possível pelos
novos meios de comunicação é uma comunidade muito
especial, composta de muitas pequenas comunidades, regidas por línguas,
culturas, ramos do saber, ideologias, mas todas elas interligando-se nos
mesmos espaços ou vias de comunicação. Nada mais errado
do que conceber a comunidade científica universal como uma comunidade
perfeitamente organizada, hierarquizada, regida toda ela pelos mesmos princípios
e objectivos comuns. Muito pelo contrário, a nova comunidade científica
será como uma imensa feira, onde permanentemente se trocam os conhecimentos
mais díspares das formas mais díspares.
Quero terminar falando da inserção da Universidade da
Beira Interior na comunidade científica mundial. Hoje uma boa universidade
não necessita de se encontrar num grande centro urbano para estar
em contacto com o vasto mundo da ciência. Basta dispor de bons meios
de comunicação. Graças a estes meios não há
periferias. Embora a UBI esteja numa região do Interior de Portugal,
os seus docentes encontram-se em permanente contacto com os seus colegas
cientistas de todas as partes do mundo. A UBI, dez anos após a sua
criação, faz já parte da comunidade científica
nacional e internacional.