Os novos meios de comunicação e
o ideal de uma comunidade científica universal
(Oração de Sapiência, proferida em 30 de Abril de 1996,
por ocasião do X Aniversário da Universidade da Beira Interior)

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

1- Idade Média - o intercâmbio de conhecimentos, as universidades, a língua franca

A criação medieval das universidades no dealbar do século XIII constitui um dos momentos mais altos da realização e da celebração comunitária do conhecimento científico. As universidades surgiram com as cidades, como diz Jacques le Goff: "No princípio foram as cidades. O intelectual da Idade Média - no Ocidente - nasce com elas. É com o seu desenvolvimento, ligado à função comercial e industrial (artesanal) que ele aparece, como um dos homens de ofício que se instalam nas cidades onde se impõe a divisão de tarefas." Em termos institucionais a universidade começa por ser a corporação dos que ensinam e aprendem a ler e escrever. A universidade é uma entre as outras corporações existentes nas cidades medievais e que contemplam as mais diversas formas de actividade profissional, como as dos sapateiros e dos carpinteiros. Mestres e aprendizes organizam-se na defesa socio-económica da sua profissão. Mas as universidades surgem nas cidades medievais, e é isso que me interessa hoje aqui realçar, porque as cidades são pontos de passagem e de comércio. Mais uma vez cito Le Goff: p.33: "As cidades são placas giratórias da circulação dos homens, carregados de ideias como de mercadorias, local de trocas, mercados e encruzilhadas do comércio intelectual. Nesse século XII em que o Ocidente não faz mais do exportar matérias primas - embora comece a despertar o desenvolvimento têxtil - os produtos raros, os objectos de valor vêm do Oriente, de Bizâncio, de Damasco, de Bagdade, de Córdova. Com as especiarias e a seda, os manuscritos trazem para o Ocidente a cultura greco-árabe." Certamente não é mera coincidência que o nascimento das universidades ocorra na mesma altura em que as obras dos pensadores gregos (filósofos, geómetras e médicos) desaparecidas ao longo de séculos, chegam às cidades medievais. Outra vez Le Goff: "As obras de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu, Hipócrates, Galiano haviam seguido para o Oriente os cristãos heréticos - monofisitas e nestorianos - e os judeus perseguidos por Bizâncio e tinham sido legadas às bibliotecas e às escolas muçulmanas que as receberam abertamente. Ei-las agora, num périplo de retorno, que desembarcam nas praias da cristandade ocidental. (...) Acolhem os manuscritos orientais duas zonas primordiais de contacto: a Itália e sobretudo a Espanha.
Os caçadores cristãos de manuscritos gregos e árabes desfraldam as velas até Palermo, onde os reis normandos da Sicília e depois Frederico II com a sua chancelaria trilingue - grega, latina e árabe - animam a primeira corte italiana renascentista; precipitam-se sobre Toledo, reconquistada aos Infiéis em 1087, onde os tradutores cristãos já puseram mãos à obra, sob a protecção do arcebispo Raimundo (1125-1151)."
As universidades desenvolvem como que uma sofreguidão intelectual pelas obras científicas redescobertas. Numa enorme tensão com as autoridades eclesiásticas, os universitários lançam-se temerariamente ao comentário de teorias filosóficas e cosmológicas elaboradas na antiguidade pagã e contrárias às verdades dogmáticas proclamadas pelo magistério cristão, nomeadamente a criação do mundo e a imortalidade da alma. Mais do que isso, as universidades competem entre si quanto ao ensinamento das obras dos pensadores pagãos. Quando o ensino da física e da metafísica de Aristóteles era proibido em Paris (1215), ele era autorizado em Toulouse e os mestres aqui não se coibiam de tirar os louros e os proveitos desse ensino. Étienne Gilson explica por que razão era tão grande a apetência pelos escritos de Aristóteles: "a física de Aristóteles oferecia um conjunto de conceitos e de princípios tão flexíveis e tão fecundos para explicar as coisas naturais que não era de bom grado que se punha de lado. Esta física podia ser inquietante e difícil, mas ela era a única física sistemática que então havia. Pela primeira vez, e de repente, os homens da idade média deparavam com uma explicação integral dos fenómenos da natureza. Os conceitos fundamentais que estavam na base dessa explicação eram os mesmos que eles encontravam nos tratados de astronomia, de física e de medicina."
Um dos proveitos mais importantes que as universidades tiravam da leccionação das novas (velhas) matérias era a atracção de estudantes de todos os cantos da Europa. É sem dúvida algo que nos fascina hoje a enorme mobilidade de mestres e alunos (deslocando-se a pé e a cavalo - quem sabe, de burro! -, e sem os fundos dos programas comunitários Erasmo e Sócrates!) na Idade Média. Talvez o caso mais típico seja o do nosso conterrâneo Tomás de Portugal, citado por Veríssimo Serrão na sua História das Universidades: "pluribus anni[s] in partibus Angliae artes et theologiam audiverit, et demum in Provincia Portugaliae pluribus anni[s] legi ... et demum in studio parisiensi... Theologiae facultatem annis pluribus audiverit, et subsequenter in studio Salamantino duobus ut Baccalarius et tribus annis ut lector regerit ... subsequenter Parisius ad hoc canonice electus redierit ibique sermones et disputationes plures perfecit, postea ad legendum librum sententiarum in Studio Cantabrigiae... et demum in Studio Tolosano electus fuit ubi magisterium recipiat" p.16. Le Goff fala mesmo da vagabundagem intelectual dos estudantes pobres que, escolhendo o estudo e não a guerra, partem à aventura intelectual "seguindo o mestre que lhes agradou, acorrendo em direcção àquele de quem se fala, respigando de cidade em cidade os ensinamentos nela ministrados." As próprias universidades (note-se que originariamente o termo "universidade" não designa uma instalação física, mas sim uma corporação de pessoas) mudam de local. Veja-se a Universidade de Coimbra, que anda num corrupio entre Lisboa e Coimbra no primeiro século de vida; criada primeiro em Lisboa no reinado de D. Dinis no ano da graça de 1290, transferida pelo mesmo rei em 1308 para Coimbra por o "movimento e bulício de Lisboa não ser o lugar apropriado para sede de um estabelecimento escolar de tipo universitário" (Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal, p. 74), transferida novamente para Lisboa em 1338 e de volta a Coimbra em 1354 no reinado de D.Afonso IV, e outra vez mudada para Lisboa em 1377 por D. Fernando "por alguns lentes que de outros reinos mandámos vir não queriam ler senão na cidade de Lisboa. Por isso, havendo sobre isto acordo com os do nosso conselho, mandámos que o dito estudo, que ora está na dita cidade de Coimbra, seja em a dita cidade de Lisboa pela guisa que antes soía de estar" (ibidem, p.82). (E há ainda quem critique a UBI por ter professores estrangeiros!)
Uma tremenda mobilidade das pessoas, uma concomitante intensa troca de ideias, são características marcantes das universidades medievais. Mas tudo isto tornado possível pela unidade de uma Europa cristã e por uma língua franca, o latim. E quero aqui deter-me um pouco sobre a importância do latim como língua franca na vida universitária e científica de então.
Nas universidade s os estudantes organizam-se pelo sistema das nações, consoante o lugar de origem. A universidade de Paris tem no século XIII quatro nações: a francesa, a picarda, a normanda, a inglesa, a de Oxford tem os Boreais, incluindo os escoceses, e os Austrais, incluindo galeses e irlandeses, a de Bolonha tem os citramontanos e os ultramontanos, mas todos se entendem em latim. Nas universidades ensina-se em latim, lê-se e escreve-se em latim. O texto bíblico é a Vulgata e rezam-se as horas, laudes, matinas e vesperas, obviamente em latim. Escreve Le Goff: "A língua científica é o latim. Originais árabes, versões árabes de textos gregos, originais gregos, são portanto traduzidos quer por indivíduos isolados quer, mais frequentemente, por equipas. Os cristãos do Ocidente fazem-se acompanhar de cristãos espanhóis que viveram sob a dominação muçulmana - os moçárabes; e também por judeus ou até por muçulmanos." (p.34)
 

2) As Academias do século XVII e XVIII

De certo modo a revolução científica dos séculos XVII e XVIII está para a fundação das academias de ciências como a redescoberta da ciência grega está para a criação das universidades medievais. O paradigma científico moderno, de Copérnico, Galileu, Leibniz e Newton entre outros, encontra nas academias uma sede de debate e de publicitação. Cito aqui Dias Agudo, membro da Academia das Ciências de Lisboa e Prof. Visitante da UBI: "...como as universidades se mantiveram, e por alguns séculos, pouco envolvidas nos novos métodos científicos, a nova ciência foi sendo desenvolvida por indivíduos ou por pequenos grupos à volta de um ou dois líderes. Os resultados eram comunicados oralmente, ocasionalmente através de textos manuscritos muitas vezes por cartas aos amigos; livros impressos, quando os havia, e frequentemente à custa dos próprios autores, eram de elevado custo devido a terem um mercado muito restrito. Mas, com o aumento do número de interessados nestas actividades científicas - com a democratização da ciência, como hoje diríamos - surge o desejo (e a necessidade) de ampliar a troca de informações, de estimular encontros entre pessoas com os mesmos interesses intelectuais; e são estas reuniões, de início informais, que acabam por conduzir à fundação das academias científicas da era moderna."
É assim que se fundam as academias pela Europa fora: a dei Lincei, a primeira, em Roma em 1603, e da qual fez parte Galileu, a del Cimento em Florença em 1657, tendo tido como sócio Torricelli, a Royal Society em Londres em 1662, de que foi destacado sócio Isaac Newton, a Académie Royal des Sciences em Paris em 1666, e a de Berlim em 1700, graças aos esforços de Leibniz, e a portuguesa Academia das Ciências de Lisboa em 1779, obra do empenho do Duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança e do Abade Correia da Serra.
"Além de permitirem contactos directos entre cientistas - o que é essencial para o desenvolvimento da sua capacidade inventiva e inovadora - a influência das academias para o progresso das ciências pode avaliar-se por outras acções igualmente importantes: por um lado, passaram a publicar ou a apadrinhar actas, memórias, jornais científicos que facilitavam e estimulavam a divulgação dos resultados que se iam obtendo."
Na difusão da ciência moderna os correios desempenham um papel crucial. Mais que isso, os correios são um dos serviços que marcam os tempos modernos e sobremaneira o iluminismo. Das cartas de Madame de Sévigné (1626-1696, Lettres) ao romance epistolar de Choderlos Laclos, Les Liaisons Dangereuses (1782) os homens da luzes, fazem uma utilização intensiva dos serviços da mala-posta. Voltaire (1694-1778) escreve cerca de 20.000 cartas e Leibniz (1646-1720) cerca de 15.000. Aqui há a atender que a maioria do intercâmbio científico-epistolar era feito nas línguas francas da altura: ainda o latim e o francês.
São os serviços postais que permitem a existência de sócios correspondentes das academias e a difusão de revistas científicas, que surgem efectivamente ligadas às academias.

3) Os novos meios de comunicação

Muitas das virtualidades das comunidades científicas passadas tornam-se hoje uma realidade graças aos novos meios de comunicação. Refiro-me em especial à universalização da ciência e da comunidade científica.
Falar dos novos meios de comunicação é falar das diferentes formas de comunicação tornadas possíveis pela associação entre as telecomunicações e a informática: o correio electrónico (e-mail), o protocolo de transferência de ficheiros (ftp), a ligação remota a computadores (telnet), e sobretudo a rede em hipertexto (world wide web). Em suma, falar dos novos meios de comunicação é falar dos diferentes serviços da internet. São estes novos meios de comunicação que potencializam à escala universal o espírito científico tal como foi realizado pelas universidades medievais e pelas academias do iluminismo.

a) a compilação universal do saber.
1- A compilação do saber, de todos os conhecimentos em todas as áreas, obtidos em todas as épocas, em todos os lugares, foi sempre uma aspiração, ou pelo menos uma tendência, de todas as comunidades científicas. Não há ninguém que queira descobrir segunda vez a pólvora.
As bibliotecas são o caso mais paradigmático da reunificação do saber. Elas constituíram sempre um dos principais instrumentos do trabalho científico. Mas as bibliotecas estão mais ou menos bem apetrechadas, e não há bibliotecas que, sob pena de se converterem em arquivos, não tendam a aumentar o seu acervo de documentos, sejam eles livros, manuscritos, revistas, ou quaisquer outras formas de fixação do pensamento.
2- Só hoje, porém, graças à digitalização e às telecomunicações, podemos vislumbrar a realização do sonho de uma biblioteca universal. Esta mais não será do que a biblioteca virtual de todos os documentos, guardados em todas as bibliotecas do mundo. Tal biblioteca não estará numa localidade ou num país, mas consistirá de todos os documentos disponíveis em rede e, portanto, ela estará espalhada por todo o mundo. Ela encontra-se também aqui na Covilhã, graças às obras que a UBI disponibiliza através dos seus servidores.
A digitalização da escrita é hoje uma realidade. Veja-se a utilização quase universal dos processadores de texto. Quase já não há documentos escritos que não tenham sido processados por computadores. Provavelmente já todas as editoras utilizam, pelo menos no que diz respeito ao texto, a edição electrónica, e aquelas que o não fazem têm os dias contados. A escrita será doravante uma escrita digitalizada.
Mas também os livros do passado estão a ser progressivamente digitalizados (técnicas de scanning) e uma vez digitalizados ficarão disponíveis para serem copiados e transferidos electronicamente com uma rapidez extraordinária. Será uma questão de tempo a digitalização dos milhões de documentos das maiores bibliotecas do mundo, como a Bibliotheque Nacional de Paris ou a norte-americana Library of Congress  . Neste momento, a rede já possui bibliotecas com um espólio muito superior ao de algumas bibliotecas públicas, e até universitárias, sobretudo no que concerne às grandes obras dos autores clássicos, da literatura e da ciência. As obras de Platão, Aristóteles, Cícero, S.to Agostinho, Shakespeare, Descartes, Newton, Kant, a Bíblia, entre tantos, tantos outros, já se encontram digitalizadas e disponíveis em rede e podem ser importadas mediante a simples linha telefónica lá de casa, serem gravadas no disco duro do computador pessoal e enviadas para a impressora local.

b) A actualidade em tempo real
Não é, todavia, apenas o saber do passado que se encontra digitalizado e acessível em rede. Daqui da UBI, a bem dizer a partir de qualquer computador instalado na nossa universidade, pois a grande maioria já se encontra ligada em rede, podemos aceder a uma das muitas milhares de universidades e de centros de investigação do mundo inteiro e verificar os cursos que leccionam, quais os planos desses cursos e quais os projectos de investigação em que se encontram envolvidos. Mas também de qualquer parte do mundo, uma pessoa pode ligar-se à UBI, ao www.ubi.pt, visitar a home page da nossa universidade, aceder a um dos nossos centros de investigação ou a uma das unidades científico-pedagógicas, verificar quais os cursos que leccionamos, que cadeiras são aí ministradas, e quais os docentes desses cursos (e até verão a fotografia de alguns deles!). Em rede, sabemos o que se passa, o que se lecciona, o que se aprende, o que se investiga, a bem dizer no mundo inteiro. Os mais recentes artigos que circulam pela rede, sobre todas as temáticas, podem ser consultados e importados.
Desta possibilidade de todos sabermos de todos advém um espírito de emulação único na história da ciência. Ninguém quer ficar para trás. Porque sabemos o que se passa nos locais mais afastados do mundo, podemos comparar continuamente, e a bem dizer em tempo real, a nossa realidade com a deles. Nada pior para a ciência que um mundo fechado. Ora, com os novos meios de comunicação, todas as comunidades científicas locais, em todos os ramos da ciência, se vêem confrontados com o trabalho de outras comunidades científicas noutras partes do mundo. A curiosidade e o confronto necessariamente presentes no trabalho científico aumentam à escala universal com os novos meios de comunicação. As palavras de Pinto Peixoto relativamente às academias do iluminismo aplicam-se ainda muito mais nos nossos dias: "Os cientistas do século XVII reconheceram a necessidade e a utilidade em difundir e permutar os conhecimentos obtidos e as novas descobertas, entre os seus pares. (...) Através de jornais científicos, de correspondência e de viagens, estes primeiros "cientistas modernos" trocavam impressões, debatiam ideias e pontos de vista, mantendo acesa a chama da curiosidade científica. Esta, que embora, por vezes, brilhe num só génio, nunca é tão produtiva como quando alimenta o entusiasmo conjunto e é repartida por muitos outros cientistas. Era como se fossem participantes que, para a execução de uma obra, prosseguissem por várias rotas, com a certeza de que, por último, haveriam de atingir a verdade."
Todos sabemos o que o comboio significou para a geração coimbrã de 70. Os caixotes de livros trazidos pelos comboios vindos de Paris provocaram nos estudantes de Coimbra um grande tumulto intelectual. Com os livros chegavam ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários
Aqui e agora, na Universidade da Beira Interior em Abril de 1996, a quantidade de informação que chega, e que sai, através dos novos meios de comunicação é incomparavelmente superior àquela que poderia chegar através dos meios tradicionais de livros e revistas. Actualmente a média do tráfego da UBI, somando as entradas e as saídas, é de cerca de 24.000 bits por segundo, 3 kilobytes, o que representa cerca de 10.800 kilobytes por hora, de dia e de noite, incluindo sábados e domingos. Obviamente há que ter em conta que a larga maioria desse tráfego é composta por gráficos ou por programas, muitíssimo mais pesados que simples textos; mas servindo-nos do texto para podermos fazer uma ideia do que representa esse tráfego, informo que esta oração de sapiência tem cerca de 26 kb e que um livro de 300 páginas, composto só de texto, sem gráficos, terá cerca de 700 a 800 kb. Se nos ativermos, todavia, apenas ao correio electrónico que chega e sai da UBI, a média diária, incluindo sábados e domingos, é de cerca de 2.800 a 3.000 mensagens (diária, repito). Com estes dados bem objectivos, ninguém poderá acusar a UBI de ser uma universidade fechada.

c) o debate universal
Mas talvez mais importante ainda que a compilação universal do saber e a informação actualizadíssima de qualquer um, em qualquer local, em qualquer tempo, é o debate universal. O correio electrónico, o escrever uma carta no computador e enviá-la imediatamente para o computador do destinatário, para qualquer canto do mundo, onde chegará após alguns segundos, é sem dúvida um avanço significativo da técnica, todavia, as possibilidades do e-mail não se limitam a substituir o correio tradicional ou a telecópia. Através do correio electrónico podemos enviar um texto, um artigo, um livro, a uma outra pessoa, com custos reduzidíssimos. Mas não só a uma pessoa; a mesma carta, o mesmo texto, pode enviar-se no mesmo acto a dezenas, a centenas de pessoas. É graças a esta facilidade do correio electrónico que surgem os grupos de discussão na Internet. Estes grupos de discussão constituem, em meu ponto de vista, uma das maiores vantagens para os homens de ciência. Os grupos de discussão centram-se à volta de uma temática, que pode ser mais ou menos especializada. Para fazer parte de um desses grupos uma pessoa subscreve-se, sendo a subscrição geralmente livre. Um subscritor recebe então todas as cartas que os outros subscritores enviam para esse servidor, incluindo as que ele próprio envia. Escusado será dizer que nesses grupos encontram-se participantes de todas as partes do mundo.
Uma pessoa pode fazer parte de quantos grupos de discussão quiser, mas isso não é de todo aconselhável; a quantidade de correio que certos grupos desenvolvem é de tal ordem que as mensagens podem chegar às largas dezenas por dia. O melhor é refrear o apetite e participar unicamente nos grupos de maior qualidade e cujas temáticas mais nos interessam.
Nestes grupos pode-se tomar parte de uma discussão em curso lançada por um outro membro, pode iniciar-se uma nova discussão, podem colocar-se questões. Não há qualquer obrigatoriedade de escrever - uma pessoa pode limitar-se a seguir what is going on -, mas há sempre a vantagem de saber não só quais os assuntos que estão em causa, como também de seguir em casa novas questiones disputatae à escala mundial.

4) A comunidade científica universal
Não é certamente linear, em tempos de pós-modernidade (ou, pelo menos, de crítica acérrima à modernidade), falar da universalidade da ciência ou de uma comunidade científica universal. No seguimento da teoria das revoluções científicas de Thomas S. Kuhn e do anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend, a concepção tradicional (moderna, iluminista) de ciência como saber único e universal sofreu um rude golpe. Feyerabend vai mesmo ao ponto de afirmar que "podem existir muitas espécies diferentes de ciência" e que "a ciência do primeiro-mundo [o tipo de saber ocidental e europeu a que se convencionou chamar ciência] é uma ciência entre muitas outras" e ainda que a "A ciência é uma tradição entre muitas outras e uma fonte de verdade apenas para os que fizeram as escolhas culturais adequadas"  .
Efectivamente a crise das ciências nos finais do século passado e inícios deste século e as novas teorias da ciência levaram à derrocada da concepção tradicional de ciência e, outrossim, à universalidade transcendental e anónima de que se revestia. A nova universalidade da ciência, ou das ciências, não será mais monolítica, igual para todos, antes será matizada pela diversidade da história e da cultura dos cientistas de todo o mundo.
A comunidade científica universal tornada possível pelos novos meios de comunicação é uma comunidade muito especial, composta de muitas pequenas comunidades, regidas por línguas, culturas, ramos do saber, ideologias, mas todas elas interligando-se nos mesmos espaços ou vias de comunicação. Nada mais errado do que conceber a comunidade científica universal como uma comunidade perfeitamente organizada, hierarquizada, regida toda ela pelos mesmos princípios e objectivos comuns. Muito pelo contrário, a nova comunidade científica será como uma imensa feira, onde permanentemente se trocam os conhecimentos mais díspares das formas mais díspares.
Quero terminar falando da inserção da Universidade da Beira Interior na comunidade científica mundial. Hoje uma boa universidade não necessita de se encontrar num grande centro urbano para estar em contacto com o vasto mundo da ciência. Basta dispor de bons meios de comunicação. Graças a estes meios não há periferias. Embora a UBI esteja numa região do Interior de Portugal, os seus docentes encontram-se em permanente contacto com os seus colegas cientistas de todas as partes do mundo. A UBI, dez anos após a sua criação, faz já parte da comunidade científica nacional e internacional.