Hua XII- Philosophie der Arithmetik, pp. 340-373
[340] Mas como é possível falar de conceitos que propriamente
(eigentlich) não temos, e como é que não é
absurdo que sobre esses conceitos se funde a mais segura de todas as ciências,
a aritmética? Vamos responder a isto com uma reflexão do
âmbito da lógica.
Conceitos, conteúdos, podem-nos ser dados de duplo modo:
primeiro, de um modo próprio, isto é, como aquilo que
eles são;
segundo, de um modo impróprio ou simbólico, isto é,
pela mediação de sinais (Zeichen), que são eles mesmos
representados propriamente. Assim, por exemplo, cada representação
intuitiva na sensação ou na fantasia é uma representação
própria, na medida em que não nos serve de sinal de uma outra;
se o fizer, porém, então é, relativamente a esta,
uma representação simbólica.
A palavra sinal, como aqui a definimos, deve ser tomada no sentido
mais amplo que é possível conceber. Não nos limitamos,
pois, aos sinais sensíveis exteriores que associamos às coisas,
a fim de mais facilmente as distinguirmos e reconhecermos. Desse género
são os nomes próprios como Pedro e João; o mesmo se
diga dos nomes das entidades abstractas. Mas também os nomes gerais
são sinais. Todo o nome geral é um sinal de uma representação
geral, e esta por sua vez é um sinal de cada um dos objectos que
são subsumidos sob o conceito abstracto correspondente; assim, cada
nome geral é, nesta mediação, um sinal de cada um
dos objectos que abarca, graças à sua "co-assinalação"
(Mitbezeichnung). Ademais, entendemos (e isso já se depreende do
último exemplo dado) como sinal cada marca (Merkmal) conceptual,
desde que sirva precisamente como marca. Qualquer qualidade, [341] seja
ela absoluta ou negativa, pode servir ocasionalmente como sinal marcante
do objecto que a possui. É evidente que aqui reside a fonte dos
equívocos do nome 'marca': no seu sentido originário significa
o mesmo que sinal, sendo depois restringido às qualidades tomadas
como sinais, para no fim, em sentido figurado (in übertragenem Sinn),
significar o mesmo que qualidade em geral. No entanto, não é
em todas as circunstâncias que uma qualidade nos serve de sinal,
embora cada uma possa servir ocasionalmente para esse fim. Por vezes, interessam-nos
as qualidades do alumínio enquanto tais, na medida em que enriquecem
o conhecimento que temos desse metal; noutros casos, porém, podem
precisamente as mesmas qualidades, constatadas num corpo ainda desconhecido,
serem utilizadas como sinais marcantes de que se trata justamente de alumínio.
Como sinal de uma coisa (de um conteúdo em geral) pode servir
tudo aquilo que a distingue, que é adequada a diferenciá-la
de outras, e pelo qual somos capazes de a reconhecer de novo. Não
consideramos, todavia, esse reconhecimento como um mecanismo psicológico,
que funciona sem que dêmos conta disso; que devido a uma representação
nos chama à consciência uma outra, sem que, contudo, sejamos
capazes (pelo menos em geral) de dar conta de que foi aquela que nos recordou
esta e mediou o seu reconhecimento. Para que o conceito de sinal seja possível,
para que possamos utilizar e encontrar intencionalmente (mit Absicht) sinais,
temos de atender particularmente à relação entre sinal
e assinalado, e, na realidade, fizemos vezes sem conta a experiência
de que marcas sensíveis-exteriores e conceptuais são apropriadas
para dirigir o nosso pensamento para os conteúdos que as possuem.
O conceito de sinal é justamente um conceito de relação;
ele aponta para um assinalado.
Os sinais permitem múltiplas divisões. Distinguimos:
1) sinais exteriores e conceptuais, ou seja, sinais em sentido restrito
e marcas. Um sinal exterior é aquele que nada tem a ver com o conceito
especial do assinalado, com o seu conteúdo ou com as suas qualidades
específicas. É nesta relação que, por exemplo,
se encontra o nome de uma pessoa com esta mesma; ele assinala-a, mas não
a caracteriza (charakterisiert).
[342] Um sinal conceptual é uma marca interior ou exterior que
serve como sinal, no sentido habitual destes termos. Ambas as marcas dependem
do conceito especial do assinalado. As primeiras são determinações
que estão incluídas como conteúdos parciais na representação
do conteúdo assinalado; as últimas são determinações
relativas que caracterizam o conteúdo como o fundamento de certas
relações nele baseadas. De resto é digno de nota que
também as marcas absolutas, se virmos bem, representam determinações
relativas. Quando alguém nos descreve um objecto desconhecido, assinalando-o
entre outros como sendo vermelho, então não é o vermelho
enquanto tal que nos serve de característica do objecto, mas sim
o ser vermelho, isto é, a relação, por nós
bem conhecida na sua especificidade, entre coisa e cor. Mas, deste modo
são também relativas as marcas exteriores, independentemente
do seu conteúdo especificamente relacional. Nestas encontramos,
portanto, uma relação múltipla: a relação
da coisa assinalada com outras coisas e, além disso, a relação
da mesma com a própria relação, mediante a qual o
atributo relativo enquanto atributo recebe o seu significado. Se, por exemplo,
a primeira relação for uma relação de semelhança
entre A e B, então a última é aquela que possibilita
o atributo "semelhança com A". Podemos exprimir da seguinte maneira
a representação sinalética (Zeichenvorstellung) para
marcas absolutas e relativas: uma vez, "algo que tem a cor vermelha"; a
outra vez, "algo que se encontra numa relação de semelhança
com B".
2) Sinais unívocos e equívocos, havendo a distinguir
entre sinais que são casualmente unívocos ou equívocos
e sinais que o são pela sua natureza e determinação
(Bestimmung). Por determinação é unívoco, por
exemplo, todo o nome próprio; encerra, porém, uma equivocidade
casual quando várias pessoas têm o mesmo nome. Por outro lado,
todo o nome geral é casualmente unívoco quando de facto apenas
existe um objecto do conceito por ele co-assinalado, embora seja equívoco
por sua natureza e determinação.
Mediante a associação e a limitação recíprocas
de vários sinais equívocos podem construir-se sinais compostos
unívocos, um processo de que a língua se serve continuamente
em relação aos nomes gerais, do que resulta uma [343] enorme
economia de sinais e uma importante promoção do conhecimento
obtido com os sinais descritivos (umschreibenden).
Seguidamente refira-se a divisão dos sinais em: 3) sinais simples
e compostos (zusammengesetzte), que contudo não deve ser confundida
com uma outra divisão particularmente importante e que se cruza
com ela: 4) a dos sinais directos e indirectos. Sinal e coisa podem nomeadamente
estar ligados directa ou indirectamente, através da mediação
de outros sinais. O sinal indirecto é um sinal composto, em que
os sinais parciais não se encontram uns ao lado dos outros, mas
sobrepostos e relacionados uns aos outros. S é um sinal do objecto
O pelo facto de S ser um sinal de S0 e este um sinal de O; ou então,
pelo facto de S ser um sinal de S1, este um sinal de S2 e este, por sua
vez, talvez um sinal de S3, etc., até finalmente o sinal Sn assinalar
directamente O. Todo o nome próprio é um sinal directo, todo
o nome geral é um indirecto. De facto o nome geral assinala o objecto
através da mediação de certas marcas conceptuais.
O adjectivo vermelho assinala directamente o ser-vermelho (abarcando a
entidade abstracta vermelho como parte metafísica) e justamente
este pode servir como sinal marcante para o próprio objecto, embora
tenha que se acrescentar outro para a assinalação se tornar
unívoca. Todos os sinais equívocos, que co-assinalam um determinado
âmbito da equivocidade, são indirectos; pois que esta assinalação
só pode ocorrer mediante uma marca geral que, portanto, faz a mediação
entre sinal e assinalado.
Nos sinais indirectos é necessário distinguir: aquilo
que o sinal significa (bedeutet) e aquilo que ele assinala. Nos sinais
directos identificam-se. O significado de um nome próprio, por exemplo,
consiste em justamente designar este determinado objecto. Em contrapartida,
existem nos sinais indirectos mediações entre sinal e coisa,
e o sinal assinala a coisa precisamente através dessas mediações,
e é por isso que elas constituem o significado. O significado do
sinal indirecto S é de que assinala directamente S1, este directamente
S2 etc. e finalmente Sn assinala directamente O. Assim, por exemplo, o
significado do nome geral consiste em que ele [344] assinala qualquer objecto
na base de e mediante certas marcas que este possui.
Todos os sinais matemáticos superiores são indirectos,
são sinais sobrepostos de sinais sobre sinais. É fácil
de ver que esta divisão se cruza com as duas divisões já
referidas. Em particular é de notar que os sinais parciais mediadores
podem ser tanto unívocos como equívos, tanto exteriores como
conceptuais (eventualmente ambos à mistura). Veremos como sinais
indirectos, puramente exteriores, e completamente unívocos (ao lado
de sinais indirectos e misturados) desempenham um papel importantíssimo
na aritmética.
5) Sinais idênticos e não-idênticos, equivalentes
e não-equivalentes. Dois sinais são idênticos aquando
assinalam do mesmo modo o mesmo objecto ou os objectos de um e mesmo conjunto.
Um é a simples repetição do outro, por exemplo, cavalo
e cavalo, cinco e cinco. Sinais identicamente equívocos não
assinalam em geral identicamente o mesmo objecto, mas sempre objectos de
um identicamente mesmo âmbito, determinado pelo significado do sinal.
Dois sinais são equivalentes desde que assinalem de diferentes
modos o mesmo objecto ou os objectos de um e mesmo conjunto de objectos,
seja através de meios exteriores ou conceptuais, por exemplo um
par de nomes sinónimos como rei e rex; Guilherme II = actual imperador
alemão; 2 + 3 = 5 = 7 - 2 = + 25.
Exemplos especiais de equivalências de sinais são as definições
no sentido de uma lógica verdadeiramente formal. Uma definição
é uma frase que exprime o significado de um sinal exterior mediante
um sinal equivalente desta espécie. Um sinal exterior directo não
tem um significado exprimível em sinais, não pode portanto
ser definido, por exemplo, nomes próprios, nomes de entidades abstractas,
o sinal 1 e semelhantes.
Por fim, os sinais podem ser divididos em sinais para conteúdos-de-representação
e sinais para actos psíquicos, sobretudo para juízos. A maior
parte das palavras da língua são sinais independentes (selbstständige)
ou dependentes para conteúdos. Juízos aparecem linguisticamente
na forma de frases. Juízos matemáticos aparecem nas [345]
formas simbólicas das equações, inequações,
congruências e semelhantes.
Os sinais para conteúdos subdividem-se em sinais para conteúdos
absolutos e sinais para relações (Relationen), para ligações
(Beziehungen) e conexões (Verbindungen); os últimos são
expressos linguisticamente com frequência mediante palavras sincategoremáticas
tais como: "e", "mas". Na aritmética distinguem-se os sinais de
números dos sinais =, =, e dos sinais de operações
+, *, etc.
Da divisão dos sinais em naturais e artificiais.
As mesmas leis naturais estão na base dos sinais artificais
e dos naturais. O elemento novo que surge nos sinais artificiais é
a influência da vontade orientada por motivos gnosiológicos
(Erkenntnismotiven) e a capacidade de, através dela, regular, consoante
esses interesses, o decurso da actividade judicativa.
A descoberta de sinais artificiais em geral ocorre já ao nível
mais primário do desenvolvimento humano. As precondições
psicológicas que ela exige, a compreensão para a função
dos sinais e o poder da vontade sobre os motores psíquicos subjacentes,
são justamente tão simples e tão frequentemente realizados
que não podemos admirar-nos de mesmo animais se entenderem, até
um certo grau, através de sinais. Uma expressão sensível,
por exemplo aquela que a um indivíduo singular se apresenta como
um sinal natural, pode tornar-se ao mesmo tempo para um outro indivíduo
mediadora da compreensão. O reconhecimento deste sucesso pode dar
azo a utilizar conscientemente o sinal natural como um meio de compreensão.
Através de um uso frequente e recíproco surgem assim sinais
com um significado fixo e convencional. Analogamente se passa também
com o surgimento de sucedâneos artificiais, por exemplo dos primeiros
mais simples que conhecemos, os sinais numéricos. Na maior parte
das línguas a palavra cinco significa tanto como "uma mão".
Uma outra distinção entre sinais é a entre sinais
formais e materiais. Ela é de importância fundamental para
a lógica. É revelador do estado da lógica formal que
não se tenham até hoje clarificado as opiniões relativamente
à distinção entre forma e matéria. [346] Duas
distinções completamente heterógenas têm sido
desde sempre metidas no mesmo saco: a distinção entre conteúdo
do juízo e acto do juízo, por um lado, e a entre fundamentos
da relação e relação, por outro. Confundia-se
forma do acto judicativo (Beurteilung) e forma da relação.
Na velha explicação do juízo como uma relação
ou conexão de representações subjaz indubitavelmente
esta confusão. Sem comparação, a maioria dos nossos
juízos incide sobre relações, e daí que se
identifique o ajuizar com o relacionar. Entretanto não se procedia
com a necessária consequência e atribuiam-se elementos da
relação ora à forma ora ao conteúdo. No juízo
"Deus é justo" atribuia-se "Deus" e "justo" à matéria;
no juízo "Todos os homens são mortais" o "todos" (como em
geral os sinais de quantidade) à forma, na opinião de que
a quantidade respeita ao modo de ajuizar. As investigações
epocais de Brentano puseram um fim a estas teorias erróneas. De
acordo com os seus resultados, todo o juízo é uma afirmação
ou negação de um conteúdo representativo (Vorstellungsinhaltes).
Se nos deixarmos orientar pelo princípio até agora vigente
da distinção entre forma e matéria, pelo qual se atribui
à forma tudo aquilo que respeita ao modo de ajuizar, ou seja, ao
acto do juízo, então haveria que encarar como matéria
do juízo o conteúdo sobre que se ajuiza, e como forma o reconhecimento
ou a rejeição. Contudo, para uma lógica formal, o
outro princípio de distinção é seguramente
de bem maior importância, pelo qual o formal se funda no modo da
relação. Com efeito, as uniformidades na construção
das frases, que dão azo a classes bem distintas, dependem quase
sempre das formas de relação, e só as respectivas
inferências permitem em maior escala um modo de tratamento formal,
isto é, algorítmico.
Vamos agora explicar melhor a distinção aqui visada.
Em qualquer pensamento (Gedanken) composto distinguimos matéria
e forma. A matéria é representada por nomes, e a forma por
expressões sincategoremáticas, sejam elas simples ou compostas.
Os nomes servem, e essa é a sua especial função, para
designar os conteúdos absolutos, os fundamentos da relação.
Em contrapartida, as expressões sincategoremáticas têm
a função de exprimir a relação entre os elementos
absolutos do pensamento (Gedanken). A [347] palavra relação
é entendida aqui, como aliás em toda a obra, num sentido
muito amplo. Incluimos nela tanto as relações em sentido
restrito, que pertencem ao conteúdo primário, como também
aquelas que são mediadas por actos psíquicos. Do último
ponto de vista apenas nos interessam os juízos e os actos relacionais.
Compreender uma relação a partir de um "ponto de vista" (Standpunkt)
de um e de outro fundamento, é uma actividade psíquica especial
que pertence ao género do representar. Se ligarmos esta com um reconhecimento
ou rejeição, então obtemos a classe mais importante
de juízos, em que a matéria se dispõe e se ordena
(gegliedert und geordnet ist). Se imaginarmos, por exemplo, uma semelhança
de A e B, então a actividade relacional produz a representação
de A com o atributo relativo "semelhante a B"; o reconhecimento, porém,
produz o juízo "A é semelhante a B". Uma relação
de grandezas entre A e B produz a representação relacional
(Verhãltnisvorstellung) A maior que B, donde surge o juízo
"A é maior que B", etc. Os fundamentos da relação
A e B pertencem à matéria, as expressões complementares:
"maior que", "é maior que" etc. à forma. À forma pertence
ainda a diferença da posição que caracteriza sujeito
e predicado enquanto fundamentos da relação - digo da relação
e não do "juízo". Através da actividade relacional
perdem os fundamentos relacionais, nomeadamente, a sua equivalência:
um torna-se o fundamento principal, o sujeito, ao qual se acrescenta como
atributo o estar-em-relação com o outro fundamento. O fundamento-predicado
é parte integrante do predicado gramatical. Se disser "oiro é
amarelo", então "oiro" é o fundamento-sujeito, o abstracto
(a "parte metafísica") "cor amarela" o fundamento-predicado, o predicado
gramatical, porém, é amarelo, isto é, "tendo cor amarela"
(Gelbe habend) ou "sendo amarelo". O reconhecimento incide sobre o atributo
enquanto atributo do oiro; ele exprime * a disposição, estabelecida
pela actividade relacional, do conteúdo judicado. A diferença
entre sujeito e predicado pertence, portanto, por completo ao conteúdo
judicado e não ao modo do juízo. Apenas não incluimos
todo o predicado, mas só o fundamento-predicado na matéria,
de acordo com o nosso princípio.
A diferença entre matéria e forma é evidentemente
uma diferença relativa. Qualquer conteúdo representado pode
servir-nos ocasionalmente de fundamento de relação, portanto,
também uma relação representada [348], um juízo
de relação, uma cadeia de inferência, etc., podem pertencer
à matéria. Em qualquer raciocínio, os juízos
singulares constituem partes integrantes da matéria. É que
um raciocínio é um juízo composto. Nesses casos, porém,
o ponto de vista da análise mostrará de um modo cada vez
mais claro o que é matéria e o que é forma. Então
perguntar-se-á sempre qual a relação que lhe está
na base.
Do ponto de vista do juízo singular, pertence à forma,
por exemplo na frase, tudo aquilo que exprime a relação judicada,
e ao conteúdo tudo aquilo que é aqui fundamento da relação
*. Se um destes for composto, então pertence á matéria,
relativamente a esta composição, o elemento da ligação,
e à forma o modo da ligação. No raciocínio,
as premissas e a conclusão constituem a matéria e a sua disposição
(Anordnung), na medida em que for característica da relação
das frases, a forma. Só em segunda linha é que a forma das
frases singulares e em terceira linha a forma das suas matérias
pertence à forma do raciocínio, na medida em que processo
e conteúdo da actividade inferencial são também condicionados
por elas.
Pelo modo em que definimos matéria e forma, temos de dizer que
uma frase existencial "A é", em que "A" representa um conteúdo
simples ou não articulado ou que não inclui qualquer atribuição,
não tem forma nem matéria. Para abranger todas as frases,
poderíamos talver definir: à matéria pertencem os
conteúdos ou substratos das nossas actividades lógicas, à
forma estas mesmas. Actividades lógicas são o ajuizar e as
actividades de representação que o adjuvam, sobretudo relacionar,
conectar, particularizar, etc. Na frase "A é" seria então
"A" a expressão da matéria, "é" a expressão
da forma. Na expressão "Semelhança de A e B" pertenceriam
à matéria "A" e "B", "Semelhança" e o "e" e o "de"
à forma; é que as últimas indicam uma actividade relacional
e disposicional que é pressuposta no juízo.
De que a nossa distinção entre matéria e forma
tem realmente valor para uma lógica formal, disso temos a melhor
prova nas ciências em que uma actividade inferencial, verdadeiramente
frutuosa e [349] abrangente, ocorre mediante mecanismos formais: as ciências
dos números, grandezas, extensões. Por toda a parte vemos
que não se distinguem nos sinais acto do juízo e conteúdo
judicado, mas entre sinais para fundamentos da relação e
sinais para relações; sendo os últimos de dulpa espécie:
uns exprimem a existência (Bestehen) ou não-existência
de uma relação, e implicam por conseguinte uma judicação,
enquanto os outros não o fazem, mas tão só indiciam
a formação de uma representação relacional
composta. Assim,, por exemplo, na aritmética os sinais =, , #, ­p;,
etc, e na geometria os sinais , , etc. são da primeira espécie;
= significa: é igual, > significa: é maior, etc. Os sinais
das operações aritméticas +, *, etc. são da
segunda espécie. Para os métodos formais (formale Verfahrensweisen)
não há necessidade de sinais especiais para o reconhecimento
ou rejeição.
Outra divisão dos sinais em naturais e artificiais:
Não é nossa tarefa aqui apresentar em detalhe o imenso
significado que as representações impróprias, como
sejam os símbolos em geral, têm para toda a nossa vida psíquica.
Elas começam por surgir nos estádios iniciais do desenvolvimento
psíquico e acompanham estes, cada vez mais abrangentes, assumindo
funções cada vez mais gerais e complexas, até aos
estádios mais altos. Podemos até afirmar mais: não
só acompanham o desenvolvimento psíquico, como o condicionam
essencialmente, o tornam primeiro possível. Sem a possibilidade
de sinais marcantes exteriores e permanentes enquanto apoios da nossa memória,
sem a possibilidade de representações simbólicas substitutas
de representações próprias, mais abstractas, e mais
difíceis de distinguir e de manejar, ou mesmo de representações
que nos são de todo interditas enquanto próprias, não
haveria qualquer vida espiritual superior, para já não falar
de ciência. Os símbolos são o maior meio de ajuda natural
com que ultrapassamos os limites estreitos da nossa vida psíquica,
com que podemos tornar inofensivas, pelo menos até um certo grau,
estas imperfeições essenciais do nosso intelecto. Por desvios
peculiares, poupando actos superiores do pensamento, capacitam o espírito
humano a realizações que directamente, com um [350] trabalho
gnosiológico próprio, nunca poderia alcançar. Os símbolos
servem a economia do trabalho intelectual tal como as ferramentas e as
máquinas servem o trabalho mecânico. Com a simples mão,
o melhor desenhador não traçará tão bem um
círculo como um rapaz de escola com o compasso. O homem mais inexperiente
e mais fraco produzirá com uma máquina (desde que a saiba
manejar) incomparavelmente mais que o mais experiente e mais forte sem
ela. E o mesmo se passa no campo intelectual. Tirem-se ao maior génio
as ferramentas dos símbolos e ele tornar-se-á menos capaz
que a pessoa mais limitada. Hoje em dia uma criança que aprendeu
a fazer contas está mais capacitada que na antiguidade os maiores
matemáticos. Problemas que para eles eram de difícil compreensão
e de todo insolúveis resolve-os hoje um principiante sem grande
dificuldade e sem qualquer mérito especial. E assim como as ferramentas,
em crescente complexificação até às máquinas
mais maravilhosas, constituem uma série gradativa que reflecte o
progresso da humanidade no trabalho mecânico, assim também
acontece com os símbolos relativamente ao trabalho intelectual.
Com a aplicação consciente dos símbolos o intelecto
humano eleva-se a um novo nível, a um nível verdadeiramente
humano. E o progresso do desenvolvimento intelectual corre paralelo a um
progresso na ciência dos símbolos. O fantástico desenvolvimento
das ciências da natureza e a técnica nelas fundada constituem
sobretudo a glória e o orgulho dos últimos séculos.
Mas não menor título de glória parece merecer, com
efeito, esse notável sistema de símbolos, ainda não
esclarecido, a que aquelas devem imenso, e sem o qual tanto teoria como
prática ficariam completamente desamparadas: o sistema da aritmética
geral, a mais admirável das máquinas espirituais que já
alguma vez apareceram.
Entre os sinais desempenham as representações "impróprias"
um papel particularmente importante. Conforme à nossa definição,
é representado impropriamente todo o conteúdo que nos é
dado não como aquilo que ele é, mas só indirectamente,
mediante qualquer sinal. Assim, torna-se evidente que os conceitos sinal
e representação imprópria não coincidem. Toda
a representação imprópria é, sem dúvida,
um sinal, mas um sinal não é inversamente uma representação
imprópria. Se uma coisa não nos for dada directamente, mas
apenas sob a mediação [351] de sinais, então o complexo
desses sinais ou a sinal por eles composto faz de representante (vertritt)
da coisa. Mas nem todos os sinais têm esta função de
fazer-de-representante (stellvertretende), e também nem todos têm
aptidão para isso. É que só quando o sinal for unívoco,
suficiente por si só, para assinalar (kennzeichnen) a coisa, quer
exteriormente, quer conceptualmente, é a coisa dada indirectamente
através do sinal; só então pode o sinal servir como
representante (Stellvertreter) da coisa.
De resto, não se deve urgir o conceito do sinal unívoco
e do de fazer-de-representante (Stellvertretung) num sentido lógico
rigoroso. Para a possibilidade lógica de fazer-as-vezes-de exige-se
simplesmente a univocidade do sinal em sentido psicológico. Em e
para si, e logicamente considerado, pode o sinal ser equívoco, mas,
sob as circunstâncias reais hic et nunc, nesta orientação
dominante do interesse, é unívoco e, por isso, apto a fazer-de-representante.
Só onde quisermos empregar representações impróprias
(eventualmente com a consciência particular da sua função)
para fins cognitivos, é que temos necessariamente de nos libertar
de todas as circunstâncias contingentes e mutáveis e, desse
modo, atribuir aos sinais um significado (Bedeutung) lógico bem
definido que lhes confere univocidade rigorosa. Para realçar mais
vincadamente a diferença entre representação imprópria
e sinal, vamos dar a seguinte definição: Todo o sinal (simples
ou composto, exterior ou conceptual, etc.) que funciona como representante
da coisa assinalada, é uma representação imprópria.
Este fazer-de-representante pode ser passageiro ou (mais ou menos)
duradoiro. As representações impróprias podem nomeadamente:
1) servir como simples mediadores para a produção das
correspondentes representações próprias. Deste modo
funcionam, por exemplo, os emblemas (Abzeichen) convencionais, sequências
verbais mnemotécnicas, versos decorados mecanicamente, etc.
2) As representações impróprias podem também,
enquanto representações sucedâneas, substituir as próprias.
Aqui há que distinguir dois casos:
A) As representações impróprias servem de [352]
substitutos cómodos às próprias, para aliviar uma
actividade psíquica superior. Consideram-se nesta perspectiva como
actividades psíquicas superiores: o representar na fantasia face
ao sentir; o representar de conteúdos mais abstractos face ao de
conteúdos mais concretos; o representar em actos de nível
superior face ao representar em actos de nível inferior e, correspondentemente,
também o representar de uma multiplicidade face ao representar de
um conteúdo singular; o representar de actos psíquicos face
ao de um conteúdo primário e, assim também, o representar
de uma relação psíquica face ao de uma relação
de conteúdo primário. Sempre que possível, os conteúdos,
que exigem uma actividade psíquica inferior, sobretudo os conteúdos
primários e as relações primárias, funcionam
como sucedâneos dos conteúdos superiores. No decurso de um
pensamento rápido prevalecem num montante extraordinário
as representações impróprias do género aqui
considerado. Palavras ou caracteres, acompanhados de fantasmas vagos e
obscuros, em e com marcas singulares abruptas, começos rudimentares
de actividades psíquicas superiores, ora reduzindo-se a à
simples representação verbal, ora aproximando-se, neste ou
naqueles aspecto, da representação real (wirklichen) - isso
são, vendo bem, os nossos pensamentos. E tão perfeita e seguramente
substituem os conceitos realmente intendidos que não nos damos conta,
na maior parte dos casos, da diferença entre eles, apesar da enorme
distância que os separa. Os sinais e rudimentos fazem as vezes dos
conceitos reais, mas nós não reparamos no facto de eles fazerem
as vezes destes. Como é possível que estes sucedâneos
extremamente pobres e, em parte, intrinsecamente estranhos ao verdadeiro
conceito das coisas, possam contudo substituir estes e servir de fundamento
aos juízos, às volições, etc. que sobre eles
incidem? A resposta é a seguinte: devido ao facto de que os sinais,
que fazem-as-vezes-de (e que em relação à mesma coisa
se alteram de momento a momento), ou encerrarem em si as marcas, em que
cai o interesse momentâneo, como conteúdos parciais ou então,
pelo menos, possuirem a aptidão de servir como os pontos de partida
e de ligação de processos ou actividades psíquicos
que conduziriam a essas marcas ou mesmo aos conceitos plenos e que nós,
[353] sempre que necessário, podemos provocar e produzir. Se se
tratar, por exemplo, do conceito de uma esfera, então surge com
a palavra repentinamente a representação de uma bola em que
se dá particular atenção apenas à forma. Esta
representação acompanhante, cuja marca apresenta uma tosca
aproximação ao conceito intendido e mediante isso o simboliza,
pode desaparecer então de novo, ficando a simples palavra; mas o
seu surgimento bastou para nos assegurar a familiaridade com a coisa. Muitas
vezes mesmo basta a palavra só com o juízo de reconhecimento
reproduzido repentinamente. No decurso da corrente do pensamento emerge
então do tesouro da memória este ou aquele momento de que
justamente precisamos; por exemplo, a definição geométrica
- seja como simples proposição com o complexo sonoro já
conhecido, seja num deficiente "tornar sensível" (Versinnlichung)
(por exmplo, três ou quatro rectas partindo do mesmo ponto como fantasmas
muito imprecisos) - ou a maneira de produção através
da rotação de um círculo ou qualquer teorema etc.
Tudo isto é reproduzido com aquele grau da aproximação
aos respectivos verdadeiros conceitos, de que naquele momento necessitamos,
ou logo e imediatamente ou então em passos sucessivos. Pressupõe-se
aqui que os necessários processos de reprodução se
desenvolvem com uma fiabilidade incondicional. Se o não fizerem,
se a memória nos falhar, de imediato acaba a compreensão,
os símbolos não alcançam o seu objectivo, a corrente
dos pensamentos pára, e então damo-nos conta nós mesmos
de que nos faltam os conceitos verdadeiros.
Deste modo cada representação real (wirklichen) possui
um complexo de recordações mais ou menos extenso: palavras,
frases, fantasmas com marcas habitualmente consideradas absolutas ou relativas
que se encontram intimamente ligadas por associação e das
quais, consoante a direcção do interesse, ora são
reproduzidas estas ora aquelas. Não se entende isto como se o interesse
devesse ou pudesse visar algo inconsciente (nomeadamente os conteúdos
"inconscientes" guardados na caixa da memória). O interesse incide
naturalmente sobre o conteúdo realmente presente; este acto psíquico,
porém, constitui a causa psicológica para a reprodução
de um conteúdo ligado associativamente ao conteúdo presente,
conteúdo esse que, [354] unido anteriormente a este último,
esteve na base de um interesse semelhante.
No decurso da corrente rápida do pensamento, os sinais fazem
de sucedâneo (como já foi dito), sem que saibamos disso. Julgamos
operar com os conceitos verdadeiros (wirklichen). Mas mesmo quando, obrigados
à reflexão, nos damos conta da verdadeira situação,
como quando, tomados de repente pela dúvida, meditamos sobre o significado
de uma palavra, não nos satisfazemos, em regra, com simples sucedâneos.
Quaisquer restos reproduzidos e, a estes ligado, um vivo juízo de
reconhecimento são-nos suficientes. Certificam-nos da possibilidade
de que seríamos capazes a cada momento de explicitar o conteúdo
pleno do significado da palavra. Sentimo-nos familiarizados com a coisa
e prosseguimos, na expectativa de que o mecanismo da reprodução
funcionará bem.
B) A classe de representações sucedâneas, que temos
estado a tratar, caracteriza-se pelo facto de as representações
próprias, que os sucedâneos substituem, estarem todo o momento
à nossa disposição. Onde o interesse só puder
ser satisfeito por elas próprias, emergem de novo da memória.
Também é claro que a existência anterior das representações
próprias constitui a condição para as impróprias
que servem de substitutas. Completamente diferente é o que se passa,
em todas estas relações, com as representações
simbólicas da segunda classe. Estas não servem a uma simples
comodidade do pensamento, não são sinais ou abreviaturas
para as representações próprias originais e a cada
momento fáceis de reproduzir. Os símbolos reportam-se, ao
contrário, a coisas cuja representação própria
nos é interdita, seja temporariamente, seja permanentemente. Em
muitos casos, as representações próprias têm,
pelo menos, uma prioridade psicológica relativamente às simbólicas.
É o caso de muitas representações da fantasia e da
memória. Nas primeiras é ainda possível, que os objectos
respectivos sejam levados posteriormente a uma representação
própria, como quando penso num quadro no quarto ao lado e vou lá
e o observo; ao contrário, os objectos da última ficam para
sempre inacessíveis a uma intendida apropriação (vermeinten
Vereigentlichung). Nenhuma força do mundo pode chamar de novo à
realidade um acontecimento passado, de que me recordo. [355] É claro
que esta distinção é válida em geral. -- Por
outro lado, há imensos casos onde a representação
simbólica tem a prioridade relativamente à própria.
E também aqui se dividem novamente os casos em dois grupos, consoante
a representação própria intendida puder posteriormente
ser realizada ou ficar-nos para sempre interdita. Explicitemos isto com
exemplos fáceis de obter. Lemos compreensivamente um relato geográfico
de uma viagem, sem no entanto nunca termos visto paisagens, homens, animais,
etc., do tipo ali descrito, para não falar já deles próprios.
Mas pode ser, que viajemos um dia até lá e os conheçamos
posteriormente. Os casos mais fáceis são aqueles onde os
objectos descritos pertencem a um género que conhecemos normalmente
bem. São-nas dadas as marcas singulares, o seu agrupamento e contexto
é reconstituído facilmente na fantasia de acordo com modelos
conhecidos e a representação de um algo, que se iguala ao
fantasma construído, serve de substituto suficiente para a coisa
que agora também pode ser reconhecida, caso apareça alguma
vez. Logo que estejamos suficientemente familiarizados com as representações
simbólicas tão concretas daí resultantes, passamos
à sua substituição através de representações
sucedâneas mais cómodas, menos concretas ou até exteriores
(portanto, através de uma simbolização de segundo
nível), de acordo com o já várias vezes mencionado
pendor económico do nosso espírito. Consideremos agora exemplos
do segundo grupo. Antes de mais, conceitos do tipo Àfrica, a Terra
etc., embora afins aos exemplos citados, pertencem aqui; depois, o conceito
do homem no sentido da fisiologia e da psicologia e, em sentido análogo,
o conceito de um animal e de uma planta, os conceitos de ciências
etc. Um enorme complexo de representações impróprias,
ordenado por múltiplos juízos, com a possibilidade de uma
extensão ilimitada, mas circunscrita por marcas características
(charakteristische Merkmale), constitui a soma do que o melhor conhecedor
desse conceito pode ter presente ou designar indirectamente como pertencendo-lhe.
Naturalmente também aqui não operamos com os próprios
complexos, nem sequer na extensão ao nosso dispor, mas com sucedâneos
concisos, por conseguinte, com símbolos indirectos que, sob mediação
de marcas características (as quais constituem o cerne à
volta do qual se [356] cristalizam todas as restantes) e de sinais exteriores,
assinalam e substituem os conceitos intendidos. A maior distância
das representações reais (wirklichen) é alcançada
pela constituição das representações simbólicas
como Deus, coisa exterior, espaço real, alma de um outro, etc.,
depois, na constituição de conceitos contraditórios
como ferro de pau, quadrado redondo, etc. Enquanto nos exemplos anteriores
mesmo assim é pensável que um certo alargamento quantitativo
das capacidades intelectuais possibilitasse uma representação
real (por exemplo, de Àfrica), é claro, nos exemplos agora
expostos, que nenhum aumento de que tipo for das nossas capacidades poderia
levar aos conceitos intendidos; em alguns não, porque um juízo
evidente garante-nos a impossibilidade de união das marcas; noutros
não, porque o intendido, através de determinações
negativas, pertencentes ao conteúdo conceptual, é pensado
expressamente como extra-psíquico e, portanto, como irrepresentável;
alguns encerram, além disso, como marcas os conceitos de aumentos
infinitos, não só no sentido de ilimitado, mas de actualmente
infinito (como, por exemplo, o conceito de Deus, as perfeições
infinitas), conceitos cuja apropriação pressuporia uma capacidade
psíquica actualmente infinita, a nós de todo imcompreensível.
A compreensão psicológica das representações
sucedâneas da classe aqui considerada não exige, em comparação
com as da anterior, novos princípios. Apenas um merece referência,
a saber, que as representações simbólicas, que são
derivadas das representações próprias respectivas,
têm, pela natureza da coisa, uma prioridade psicológica relativamente
às representações que não foram engendradas
desse modo. Temos de estar já familiarizados com a equivalência
prática das representações próprias e dos seus
símbolos, que torna possível empregar estes em vez daquelas,
a fim de que possa realizar-se uma formação de representações
simbólicas não fundadas em precedentes representações
próprias. O facto de que, com a constituição da língua,
as representações impróprias deste tipo teriam de
ganhar cada vez maior expansão e importância, não precisa
de uma explicação especial. Com o desenvolvimento da língua
ocorre simultaneamente uma formação superior de conceitos.
Qualquer composição de conceitos marcantes (Merkmalbegriffen),
ligada pelo conceito indeterminado de um algo [357] (ou de um substituto
a ele equivalente), poderia agora servir como representação
simbólica na base da conhecida relação entre símbolo
e coisa.
Queremos agora discutir alguns pontos mais importantes que dizem respeito
a todas as representações impróprias. Como ponto de
partida tomamos uma distinção a que já aludimos aqui.
Não se deve confundir o facto da aplicação de representações
sucedâneas com o conhecimento dessa aplicação. Este
último falta em muitos casos, senão até na maior parte
deles; os rudimentos e sinais fazem de sucedâneo, mas que o fazem,
disso não nos damos conta. Mesmo onde a relação-símbolo
pertence ao conteúdo da representação imprópria,
costuma perder-se ao realizar-se uma substituição (Surrogierung)
de segundo nível. Fala-se, por exemplo, de Bismarck. Sei muito bem
que a minha representação dele é imprópria
e que o seu carácter simbólico pertence ao seu conteúdo
pleno, mas na corrente rápida do pensamento substitui-a de novo
uma abreviatura, seja uma imagem rudimentar da fantasia, e então
a relação sinalética perdeu-se. As representações
impróprias são os fundamentos da nossa comum actividade prática
de ajuizar. Portanto, se é certo que em regra operamos com sinais
sem um conhecimento particular de que o fazemos, então também
é claro que, para o nosso ajuizar prático, a circunstância
de que os sinais são sinais não pode funcionar como motivo
gnosiológico, e isto apesar de os juízos visarem os conceitos
próprios e não os símbolos. Por conseguinte, é
certo que não são motivos lógicos, isto é,
motivos do conhecimento, a guiarem-nos na actividade prática de
ajuizar, mas sim leis psicológicas cegas. Não operamos, pois,
com os sinais em vez das coisas porque tenhamos feito uma indução,
ou porque uma experiência variada nos tivesse ensinado: sinais e
coisas estão numa tal relação que um processo judicativo,
fundado em sinais, prova todas as vezes ser também certo para as
respectivas coisas. Não. Procedemos sem reflexão, e, portanto,
também sem indução. A verdadeira situação
é muito mais simples. No ajuizar seguimos a linha da associação
de ideias que no percurso do nosso interesse reproduz ora este ora aquele
grupo do complexo associativo pertencente ao conceito; e os nossos juízos
e [358] raciocínios, nestes rudimentos ora mais ricos ora mais pobres
e por vezes, como iremos ver, continuados e ligados exclusivamente a sinais,
procedem como se tivessem por base sempre e em todo o lado o verdadeiro
conceito da coisa, e, com efeito, apenas porque justamente não reparamos
que operamos com sucedâneos em vez do conceito pleno. O que se passa
com os nossos juízos é análogo ao que se passa com
as nossas representações, em vez de juízos próprios
temos juízos simbólicos, mas que estes o são, disso
não nos damos nós conta.
Entretanto, não nos devemos cingir à elucidação
dos factos psicológicos. Nos juízos aparece uma perspectiva
que falta nas representações, a saber, a dupla questão
da justificação e da verdade. No que respeita ao seu lado
subjectivo, há que, no nosso caso, perguntar o seguinte: com que
direito operamos nós, nos nossos juízos práticos,
e da maneira atrás descrita, com símbolos em vez de conceitos
verdadeiros? A resposta encontra-se nas exposições anteriores.
Procedemos sem qualquer justificação, não nos guia
um motivo gnosiológico, mas sim um mecanismo psicológico.
Com isto, porém, não ficou resolvida o segundo lado,
o lado objectivo da questão, o da verdade. É muito bem possível
que um processo, logicamente injustificado, leve por fim ao verdadeiro
resultado. Temos aqui um tal caso, que é com efeito extremamente
notável. A priori poder-se-ia muito bem pensar que uma disposição
psicológica da nossa natureza impelisse o nosso ajuizar prático
(extra-lógico) sempre ou de preferência ao erro e só
excepcionamente à verdade. Na realidade passa-se precisamente o
contrário. Em regra saimo-nos muito bem no ajuizar com sucedâneos
(e a incomparável maioria dos juízos é deste tipo).
Isto é um facto metafisicamente muito interessante. Poder-se-ia
aqui dizer, recorrendo a uma observação de Hume, que corresponde
à
sabedoria geral da natureza assegurar, através de um impulso mecânico,
uma actividade da alma tão essencial à conservação
do género humano, impulso que na sua actividade está em regra
livre de erro, que entra em função logo no início
da vida e do pensamento e que é independente das fundamentações
da razão, só [359] possíveis num período mais
maduro do desenvolvimento. Autores mais recentes poderiam talvez preferir
explicar este pendor teleológico da nossa natureza com princípios
darwinistas - contudo, aqui onde não se trata de metafísica,
nada temos a ver com isto. O que procuramos, e devemos procurar, é
uma elucidação lógica do estado de coisas. Como? Uma
elucidação de um processo reconhecidamente não lógico,
perguntar-se-á; não há aí uma contradição?
Não será difícil tornar clara a justeza da nossa intenção.
Se um típico processo judicativo, apesar de não guiado por
motivos gnosiológicos, conduzir a resultados certos, então
teremos de procurar e encontrar na sua estrutura interna (inneren Bau),
caso seja perscrutável, as razões por que é adequado
a produzir a verdade (embora não conhecimento). Por outras palavras,
tem de se indicar um processo lógico paralelo que explique o mecanismo
do processo judicativo e de certo modo o esclareça como se o tivesse
inventado racionalmente; com a sua ajuda compreenderemos porque é
que esse processo não-lógico tinha de agir como se fosse
processo lógico, e isso é a explicação lógica
de que falámos acima.
Perguntamos pois: Como é possível que, na prática
habitual do ajuizar, possamos prescindir dos conceitos próprios?
Cremos ajuizar sobre eles, mas o que está na base dos nossos juízos
são aqueles sucedâneos tão pobres e tantas vezes mutáveis
(e mutáveis relativamente à mesma coisa!). Como é
possível que os nossos juízos sejam, por um lado, independentes
destes últimos e, por outro, fiáveis relativamente aos conceitos
verdadeiros, que exclusivamente intendem?
A fim de obtermos uma resposta há que distinuir duas classes
principais de casos: 1) aqueles em que o processo, tanto nos seus passos
singulares como no encadeamento destes, encerra um ajuizar próprio,
o qual só possui um carácter simbólico, aliás
não particularmente notório, visto a matéria ajuizada
consistir em sucedâneos em vez de representações próprias;
2) aqueles casos em que o próprio ajuizar é impróprio,
e o é na medida em que sinais exteriores, por exemplo, proposições
ou complexos proposicionais sistemáticos, fazem as vezes de sucedâneos
de juízos e raciocínios.
Para a primeira classe, a solução simples do enigma reside
no seguinte. [360] É certo que os nossos juízos implicam
apenas sucedâneos oscilantes, obscuros, mutáveis. Mas estes
sucedâneos encerram em cada momento justamente as partes e marcas
dos conceitos reais (wirklichen) em que incide o interesse judicativo.
Enquanto objectos de particular atenção não são
obscuros e oscilantes, mas antes são representados com o grau da
nitidez que o ajuizar precisamente requer, por mais que as restantes partes
do sucedâneo sejam difusas; pode ser que variem momento a momento,
mas nisso elas seguem a variação do interesse judicativo.
Se perguntarmos qual o valor gnosiológico desses juízos,
então é claro que eles têm de ter validade para os
conceitos próprios, na medida em que estes justamente também
possuem as marcas particularmente consideradas e judicadas dos sucedâneos.
Encarado logicamente é o seguinte esquema que lhe está subjacente:
Um juízo liga-se exclusivamente a um X na medida em que possui a
marca O; O possui a marca O; logo o juízo também é
válido para O, precisamente sob o mesmo ponto de vista. O sinal
X faz de representante da nossa representação simbólica,
por exemplo um fantasma de resto muito pouco claro, em que é exclusivamente
considerada e judicada a marca O. Ora justamente a mesma é comum
à coisa intendida (G) e, por isso, o juízo também
é válida para esta. No decorrer natural do nosso pensamento
não se encontra qualquer vestígio de considerações
lógicas deste tipo. O nosso ajuizar prático não é
justamente nenhum ajuizar lógico. Fazemos juízos na base
de sucedâneos e, indiferentes à questão de legitimidade,
manejamo-los sem mais como juízos acerca de conceitos próprios.
Mas reconhecemos aqui porque é que tal acção não
leva a qualquer erro; vemos que o processo não lógico tem
de dar o mesmo resultado que o lógico, com a única diferença
(essencialmente teórica, mas não prática) de que o
último garante evidência na sua legitimidade, ao passo que
o primeiro não.
Até aqui limitámo-nos a investigar as razões da
verdade objectiva dos juízos singulares do tipo considerado. Mas
é claro que para a compreensão dos raciocínios que
pertencem a isto não há a acrescentar nada de essencialmente
novo. Se os juízos singulares sobre sucedâneos são
equivalentes aos dos conceitos próprios respectivos, então
também um raciocínio com juízos [361] de um tipo é
equivalente a um com juízos do outro tipo.
Debrucemo-nos agora sobre o segundo grupo de casos em que apenas símbolos
exteriores subjazem aos nossos juízos, enquanto, sem entraves, prosseguimos
com o processo judicativo. Isto é possível por o próprio
ajuizar aqui não ser como antes um ajuizar próprio, mas sim
um exteriormente impróprio. Sinais sensíveis das representações
(por exemplo, nomes) são ligados precisamente aos de reconhecimento
ou rejeição; surgem proposições; encadeamentzos
sistemáticos de proposições simbolizam raciocínios
e o processo judicativo consiste em que um prosseguir exteriormente ao
longo da cadeia de sinais faz de sucedâneo do raciocinar real (wirkliche
Schließen). Alguns exemplos esclarecerão isto: a é
maior que b, este é maior que c, este é maior que e, logo
a é maior que e; a = b, b = c, c = d, d = e, logo a = e; todos os
A são B, todos os B são C, todos os C são E, logo
todos os A são E. Sejam pelas letras sempre entendidos nomes de
conteúdos visados pela nossa actividade judicativa. Raciocínios
deste tipo realizamo-los em regra simbolicamente. Frequentemente, logo
nos passos singulares, agarramo-nos não a conteúdos próprios
e plenos nem a conteúdos parciais sucedâneos, mas simplesmente
a nomes ou letras, de modo que não podemos falar eo ipso de um ajuizar
ou raciocinar próprios. Mecanicamente vamos ao longo da cadeia,
ligamos e eliminámos elementos, como o exige o modelo, e obtemos
assim um juízo simbólico (uma proposição),
que nos serve de sinal de uma verdade. Mais frequentemente, porém,
os passos singulares são feitos numa judicação real;
mas na medida em que os seus resultados se expressam simultaneamente em
sinais exteriores, por exemplo em proposições, são
estes que, no decorrer subsequente do processo, fazem de sucedâneo
dos juízos reais, e o raciocínio faz-se, como anteriormente,
de modo simbólico-exterior.
De novo pomos a questão quanto à legitimidade lógica
destes métodos simbólicos. Que são simbólicos,
nem sequer o notamos. Seguimo-los sem reflexão, e não na
base de uma indução anterior ou de qualquer outra reflexão
legitimadora. Não são métodos lógicos precisos
(kunstgerechte), mas antes processos mecânicos naturais. [362] A
nossa pergunta é outra: Em que se fundamenta o valor de verdade
dos resultados destes mecanismos naturais? A resposta exige algumas considerações.
Há que notar, em primeiro lugar, que métodos simbólicos
deste tipo não possuem a mesma originalidade que os métodos
reais respectivos, antes se constroem, a partir destes, na forma de simplificações
cómodas. O carácter uniforme dos raciocínios de determinada
espécie, cunhado em uniformidades da expressão exterior,
leva por si e sem especial reflexão, a sequir estas uniformidades
da expressão, mesmo também onde faltam as actividades psíquicas
fundantes. De novo, é a força da associação
de ideias o motor invisível do processo, mas obviamente funciona
aqui num modo muito próprio. A conclusão não é
reproduzida de uma vez, num acto; isso pressuporia que tivéssemos
feito já repetidas vezes a mesma conclusão com as mesmas
premissas, quando precisamente o que é característico do
processo reside no facto de, em cada novo caso, se aplicar mecanicamente
e com sucesso. A reprodução faz-se indirectamente, sob mediação
da forma. Por isso entendemos algo de parecido à lógica formal,
quando fala de formas de raciocínio, onde obviamente não
nos agarramos à explicação que nos dá das formas
como tais, mas à utilização fáctica que delas
faz. A forma de um raciocínio consiste no género exterior
do encadeamento e ordenamento das premissas Desse modo, cada premissa e,
consoantemente, cada um dos nomes inseridos na premissa adquirem um lugar
determinado no sistema. Naturalmente são qualidades internas do
sistema judicativo, inserido no processo intelectual do raciocínio,
que fundamentam a forma sistemática da expressão linguística
e lhe concedem uma universalidade muito para além do caso concreto.
Mas aqui não é preciso aprofundar mais isso. Basta dizer
que é possível conceber inúmeros raciocínios
que se exprimem de forma igual. Se tivermos feito frequentemente raciocínios
de uma determinada forma, e o tivermos feito realmente, e se o seu tipo
sistemático for fácil de aprender, então o mesmo inculcar-se-á
na memória, e posteriormente bastará um sistema de premissas
conforme para [363] reproduzir a conclusão. Desde que, passo a passo
ajuizando e falando, entramos na rotina bem conhecida, a reprodução
antecipatória (voraneilende) manifesta-nos a forma da conclusão.
Mas não só isto, também o conteúdo que
preenche a forma, isto é, os nomes que a completam numa conclusão
plena, é dado pela reprodução. De facto, onde, como
já foi referido, cada nome tem o seu lugar sistemático, e
na conclusão os nomes são ligados numa posição
caracterizada muito determinadamente, (como nos exemplos anteriores o primeiro
e último nome), aí os valores da posição (Stellenwerte)
servem como momentos reprodutivos que evocam os nomes respectivos e desse
modo possibilitam uma reprodução plena da conclusão
toda.
Após termos adquirido mediante estas análises um conhecimento
mais exacto do mecanismo psicológico natural do raciocínio
simbólico, torna-se possível construir o processo lógico
paralelo que resolve a nossa pergunta e nos dá a experiência
porque é que aquele processo mecânico tinha de produzir resultados
correctos. A fim de que um tal mecanismo possa construir-se e funcionar,
têm os respectivos raciocínios e seus correlatos linguísticos
de satisfazer certas exigências. Enumeremo-los por ordem. Antes de
mais, reside na natureza dos meios de assinalar linguísticos (sprachlichen
Bezeichnungsmittel) a utilizar, que eles, embora nem sempre em todas as
circunstâncias, sejam unívocos nas ligações
sistemáticas aqui em causa. As formas de ligação sistemáticas
das palavras têm de reflectir exactamente as dos pensamentos, de
outro modo não poderiam as primeiras alguma vez tornar-se os sucedâneos
habituais das últimas. Os equívocos obrigariam, apesar de
toda a reprodução, a realizar sempre as representações,
juízos e raciocínios reais, e um mecanismo seria impossível.
Mas há ainda uma outra qualidade, mais especial, que um sistema
de sinais tem de ter, tendo em conta que uma reprodução da
conclusão deve poder realizar-se com base unicamente nas premissas.
Uma parte do sistema, aquela que contém as premissas na ordem e
ligação adequadas, tem evidentemente de determinar de um
ponto de vista unicamente formal (rein formell) a outra parte, aquela que
contém a conclusão, e mais, de a determinar univocamente;
só então pode a fantasia reprodutiva, em casos onde só
a primeira é dada, [364] de imediato (no modo acima descrito) construir
a segunda parte em falta, a conclusão. Tendo em conta a univocidade
da assinalação segue-se que o sistema judicativo correspondente
tem de ser constituido de tal modo que o conjunto dos juízos das
premissas determine univocamente o juízo da conclusão. Tudo
isto leva a um resultado importante. Se uma determinada forma de raciocínio
ou uma classe de raciocínios por ela caracterizados preencher todos
os requisitos, então o conhecimento desta situação
capacitar-nos-á a substituir, com consciência do objectivo
e por razões lógicas, o raciocínio real por um raciocínio
simbólico. Com efeito, desde que seja dado in concreto um sistema
de premissas pertencente a esta classe, podemos, com base unicamente nas
expressões linguísticas e sem relação aos correlatos
psíquicos, construir a conclusão, e termos a plena certeza
lógica de ter no juízo correspondente o juízo conclusivo
intendido e correcto. O que fazemos deste jeito por razões gnosiológicas,
fá-lo o mecanismo da reprodução por causalidade cega.
Para que este possa construir-se e funcionar, são precisos, como
já vimos, justamente as qualidades dos raciocínios que, caso
fossem conhecidas, legitimariam logicamente o processo mecânico.
A univocidade da expressão linguística e a determinação
unívoca da conclusão pelas premissas, tanto pelo lado psíquico
como pelo simbólico -- isso são exigências necessárias
e suficientes para o processo mecânico cego, por um lado, e para
o processo lógico-mecânico, por outro. Deste modo, resolveu-se
a nossa tarefa: a teleologia aparente do processo natural fica perfeitamente
esclarecida. De particular interesse aqui, porém, é a circunstância
de que o processo lógico paralelo também é um processo
mecânico, só que a instalação do mecanismo foi
inventada intencionalmente com base em considerações lógicas;
a universalidade do mesmo concentra-se numa regra lógica que, para
a classe respectiva de formas de raciocínio ensina como o raciocínio
próprio se substitui por um operar exterior com os sinais linguísticos
e, desse modo, se constrói a expressão linguística
do juízo conclusivo a partir dele mesmo. Nisso consiste, contudo,
todo o raciocínio formal no verdadeiro e genuíno sentido
da palavra. Mas que um raciocínio desse tipo não é
(como se [365] poderia supor pelos exemplos simples atrás apontados)
irrelevante, mas, ao contrário, constitui um importantíssimo
instrumento do progresso científico, disso deverá a nossa
teoria da aritmética dar as provas mais fortes.
Até aqui as nossas investigações incidiram sobre
os símbolos de processos simbólicos de grau ínfimo,
sobre aqueles que no decurso do pensamento natural e irreflectido, graças
à constituição legítima da nossa natureza,
fazem de sucedâneo das representações, juízos
e raciocínios próprios, sem que haja uma consciência
especial desta sua função, e muito menos que motivos lógicos
(anteriores ou simultâneos) regulem a sua utilização.
Mas, além destes sucedâneos naturais (assim os podemos designar
numa palavra), utilizamos também, e em muito maior grau, sucedâneos
artificiais. Inventamos símbolos e processos simbólicos ou
utilizamos os que outros inventaram como apoios e sucedâneos de representações
e processos judicativos e fazemo-lo com consciência, sabendo bem
que lidamos com símbolos.
Vamos agora dedicar algumas considerações à lógica
das representações e juízos simbólicos. A elaboração
de uma tal lógica teria como objectivo fundamentar a função
das representações e juízos simbólicos na actividade
judicativa teórica e, sobretudo, elucidar os métodos algorítmicos
que se tornaram, em medida tão extraordinária, no veículo
do progresso das ciências exactas, e estabelecer as regras de exame
e descoberta desses métodos. Investigações do tipo
como as que fizemos atrás sobre a actividade judicativa natural
e prática, teriam de constituir naturalmente um fundamento para
essas investigações superiores. Com efeito, um processo lógico
não é de modo algum, face ao processo natural correspondente,
diferente toto genere. Ambos fazem uso das leis psicológicas da
nossa natureza e, em grande medida, das mesmas. Mas só em parte,
e precisamente nisso reside a diferença. Como novo momento surge
a influência da vontade, guiada por motivos gnosiológicos,
e a capacidade de através dela regular o curso da actividade judicativa
justamente de acordo com estes interesses lógicos. O ajuizar natural
precisa [366] de uma tal regulação dadas as múltiplas
fontes naturais de erro que fazem com que os processos naturais, embora
em média tenham uma direcção correcta, levem ao erro
em casos especiais. Deste ponto de vista, o processo lógico serve
como segurança dos conhecimentos; por outro lado, serve para alargar
o conhecimento; é que os métodos artificiais não só
fazem o mesmo melhor que os naturais, como fazem incomparavelmente mais.
Em todo o caso, a origem dos métodos artificiais reside nos naturais.
Se tomarmos especial consciência da força, produtora de verdade,
dos primeiros métodos, então, tendo em conta o poder da vontade
sobre os motores psicológicos que lhe estão subjacentes,
pode realizar-se uma invenção sistemática e uma aplicação
consciente de métodos análogos, mas agora artificiais. Portanto,
também deste ponto de vista se justifica a nossa afirmação
de que a análise dos métodos naturais tem de preceder a dos
artificiais.
Os sucedâneos artificiais são uma classe especial de sinais
artificiais. Com efeito, sinais artificiais não se inventam em geral
com o fito de com eles substituir representações e juízos
impróprios, mas para servir como marcos da memória, como
apoios sensíveis da actividade psíquica, como ajudas da comunicação
e do intercâmbio, etc. Só no seguimento de um uso contínuo
e da associação que assim se forma, por vezes pela experiência
ou por uma mistura de ambas, tomam os sinais artificiais (desde que se
adequem devidamente a isso) o carácter de sucedâneos, de modo
semelhante como os sinais naturais tomam o carácter de sucedâneos
naturais. A parte de longe mais considerável das representações
e processos judicativos simbólicos reside na língua. Mas
os sinais linguísticos não foram com toda a certeza inventados
para esse fim, mas sim para mútuo intercâmbio. Nas ciências
abstractas os sinais aritméticos e respectivas operações
desempenham o papel mais significativo. No lugar de uma dedução
real de relações de grandeza a partir de relações
de grandeza, dedução essa de uma complexidade inapreensível,
surge o mecanismo cego dos símbolos sensíveis. Mas se seguirmos
os vestígios do desenvolvimento histórico [367], então
é fácil de reconhecer que não foi a antevisão
deste objectivo que condicionou a invenção dos símbolos.
Com efeito, eles serviam originalmente como simples sinais marcantes da
distinção e rememoração e, através disso,
também como apoios para os processos judicativos próprios
baseados neles. É preciso já um elevado nível de desenvolvimento
da cultura intelectual para inventar sucedâneos artificiais com a
plena consciência da sua função ou mesmo apenas para
utilizar os que já existem. É desta espécie que têm
de ser os símbolos e processos simbólicos de uma aritmética
bem entendida, rigorosa e logificada, tal como de uma lógica formal
em geral e, correspondentemente, também dos seus domínios
de aplicação, as ciências abstractas. Entretanto, os
sucedâneos artificiais que habitualmente utilizamos na vida e na
ciência, não têm este carácter puro. Sinais artificiais,
tornados sucedâneos pela acção dos mesmos motores psicológicos,
exigem a nossa actividade judicativa, sem que houvesse uma compreensão
correcta do verdadeiro estado de coisas.
`A distinção atrás feita queremos agora fazer
juntar algumas outras, importantes para uma teoria dos sinais.
Sob o título "sucedâneo" compreendemos dois tipos: Sinais
ou ligações de sinais que fazem de sucedâneo de representações
e sinais ou ligações de sinais que fazem de sucedâneo
de juízos e raciocínios. Em maior medida e regularmente,
o fazer-de-representante só pode ter lugar onde as representações
e os processos judicativos têm um carácter sistemático,
capaz então de se reflectir num sistema de sinais e regras uniformes
da sua ligação e equivalente substituição.
Para a lógica formal são, por isso, de especial interesse
os sistemas de sinais e os algoritmos neles fundados. Relativamente à
origem psicológica e histórica há que distinguir em
cada sistema de sinais: a dos sinais singulares e a do sistema como tal.
Sinais artificiais (inventados) podem, ao apoderar-se deles o pensamento
natural, desenvolver-se em sistemas de sinais, e, na verdade, em sistemas
de estrutura tão rica e finamente articulada, que a reflexão
posterior chegará primeiro e mais facilmente a qualquer outra ideia
do que à ideia de esses sistemas terem surgido pela interacção
cega de leis naturais. [368] Isso vale, por exemplo, para a língua.
Os sinais singulares da mesma são artificiais. Por mais toscos que
fossem os primeiros meios de assinalar no início do desenvolvimento
linguístico, eles tinham, todavia, o carácter de invenções.
A sua adequação para exprimir fenómenos exteriores
(ãußere Vorgãnge) ou estados internos foi o motivo
para a aplicação intencional dos mesmos com o objectivo da
comunicação. E, do mesmo modo, são invenções
os sinais introduzidos sempre de novo. Mas dos sinais singulares surgiu,
por via de desenvolvimento natural, o sistema da língua com a sua
fina estrutura gramatical, e é tal o realce da utilidade e beleza
da sua sistemática, que a ideia de que ela poderia ser produto de
leis cegas da natureza, já pressupõe um desenvolvimento elevado
da psicologia. De modo semelhante se passa também com a aritmética.
Os sinais singulares são invenções. Mais, aqui há
ainda outra coisa: também os métodods singulares são
invenções. E, no entanto, o sistema da aritmética
como todo na sua maravilhosa estrutura não é produto de uma
intenção prevista, mas de um desenvolvimento natural.
Em cada sistema de sinais distinguimos entre sinais fundamentais (Grundzeichen)
e sinais derivados ou compostos. A derivação dos últimos
a partir dos sinais fundamentais ocorre mediante operações
de sinais (Zeichenoperationen). Estas são sistemáticas, métodos
do representar, ajuizar e raciocinar simbólicos, métodos
esses levados a efeito segundo determinadas regras. Assim, por exemplo,
as operações aritméticas, na medida em que são
constituintes de números, são métodos regulados para
a produção de representações impróprias;
mas na medida em que constituam regras da formação e transformação
de equações e inequações, são métodos
para a produção de juízos simbólicos (verdadeiros).
Os sinais fundamentais da teoria dos números (Zahlentheorie) são
os sinais 0, 1,..., 9. Todos os restantes sinais numéricos, e depois
os sinais como 2+3, 5.6, 4/2, etc. são sinais derivados para números
representados impropriamente. Cda conta, por exemplo, uma adição,
é uma formação simbólica de verdade (symbolische
Wahrheitsbildung) mediante certas operações efectuadas com
os sinais fundamentais.
Cada operação artificial com sinais serve em certa medida
objectivos do conhecimento; mas nem todas levam realmente a conhecimentos,
no sentido verdadeiro e genuíno da intelecção lógica.
Se o processo for ele mesmo lógico, se [369] tivermos a intelecção
lógica de que assim, tal como é e porque é assim,
terá de levar à verdade, só então será
o seu resultado não uma simples verdade de facto, mas um conhecimento
da verdade (eine Wahrheiterkenntnis). Só então temos a plena
certeza, de estar protegidos do erro, e não ajuizamos por um impulso
cego, nem por uma convicção mais ou menos intensa, mas sim
por uma intelecção clara. Neste sentido distinguimos: 1)
as operações sinaléticas pré-lógicas
que visam a verdade, que provavelmente a atingem, sem que, no entanto,
a aplicação (como já a invenção) destes
métodos assentasse numa compreensão lógica; 2) as
operações sinaléticas lógicas que se seguem
por razões cognitivas e, por isso, não só atingem
a verdade, como também uma verdade certa.
Esta distinção estende-se, como é bom de ver,
a todas os processos judicativos simbólicos em geral, também
os naturais, resultantes unicamente da acção da associação
de ideias e com exclusão de motivos lógicos. Estes pertencem
no seu conjunto a um nível pre-lógico *.
É útil chamar aqui a atenção para o facto
de que uma aplicação sistemática de sinais, feita
com fins cognitivos, não é só por isso lógica.
Logo ao nível pre-lógico pode ocorrer uma procura e aplicação
sistemáticas dos sinais. Pode-se muito bem notar que os sinais prromovem
o nosso conhecimento, sem, contudo, se ter a mínima ideia da razão
dessa promoção. Isto será possível especialmente
então, quando as proposições (juízos simbólicos)
obtidas por vias simbólicas levarem, através da passagem
de sinais aos pensamentos, a juízos reais que se legitimam graças
à verificação respectiva levada a cabo. Assim se passa
na matemática. Pode-se afirmar: a aritmética geral com os
seus números negativos, irracionais e imaginários ("impossíveis")
foi inventada e aplicada durante séculos antes de ser compreendida.
Tinha-se relativamente à significação [370] destes
números as teorias mais contraditórias e incríveis,
mas isso não constituia um obstáculo à sua aplicação.
Uma pessoa podia justamente convencer-se, através de uma verificação
fácil, da exactidão de qualquer um mediante as proposições
suas derivadas, e após inúmeras experiências deste
tipo confiava naturalmente na utilidade incondicional destes métodos,
alargava-os e aperfeiçoava-os cada vez mais - tudo isso sem a menor
intelecção da lógica da coisa, que, apesar dos múltiplos
esforços desde os tempos de Leibniz, D'Alembert e Carnot, não
fez até hoje quaisquer progressos significativos.
Isto é o que se passa em geral com os métodos lógicos,
por exemplo, com os da indução. Nas ciências naturais,
os investigadores utilizam com um sucesso extraordinário estes métodos,
sem se sentirem constritos pela própria falta de clareza, ou pela
da dos lógicos, sobre sentido, limites e valor cognitivo dos mesmos.
Também na indução temos de distinguir entre o processo
indutivo pre-lógico e o lógico. Mesmo onde ambos levam ao
mesmo resultado (o que não sucede sequer numa média grosseira),
fazem-no de modo completamente distinto e só o lógico dá
conhecimento. Fundar a indução sobre o mecanismo psicológico
cego do hábito, que funciona, mas que não legitima, isso
significa confundir a indução pre-lógica com a lógica
ou (com Hume) negar de todo a possibilidade de uma legitimação
racional da indução.
Isto serve de prova drástica de que uma utilização
de símbolos para fins científicos e com sucesso científico
não é, só por isso, lógica. Naturalmente não
é nossa intenção rejeitar por completo a aplicaão
pre-lógica de sinais. Em média ela conduz indubitavelmente
a resultados correctos; mas só em média. E é justamente
por isso que que exigimos para a ciência apenas a aplicação
de sinais legitimados logicamente. Aqui poder-se-ia utilizar contra nós
o exemplo que demos atrás, o da aritmética. Com efeito, é
certo que a aritmética desenvolvida é independente em grandíssima
medida de uma compreensão lógica dos seus métodos
artificiais. Entretanto, a aritmética não surgiu como invenção
acabada da cabeça de um único indíviduo; ela é
o produto de um desenvolvimento de séculos. [371] Surgiu através
de uma espécie de selecção natural. Na luta pela existência
venceu a verdade contra o erro, demonstrada a sua insustentabilidade, e
os métodos aritméticos formaram-se em consonância,
sujeitando-os a sucessivas alterações que excluiam os possíveis
erros que ainda restavam *. Pense-se nas disputas infindas sobre o negativo
e o imaginário, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande,
sobre os paradoxos das séries divergentes, etc. O progresso da aritmética
teria sido rápido e seguro em vez de lento e inseguro, se houvesse,
logo no seu desenvolvimento, uma clara compreensão do carácter
lógico dos seus métodos. E do mesmo modo não há
dúvida alguma de que também para o desenvolvimento futuro
da aritmética (na medida em que se vise um alargamento do seu âmbito)
a intelecção no seu carácter lógico seria de
uma influência decisiva e positiva para o seu progresso.
Fora da aritmética encontramos ainda muitas mais confirmações
de que os sinais não examinados logicamente podem conduzir a erros.
Disso também os lógicos já se deram conta há
muito tempo no caso do mais importante sistema de sinais que possuímos,
a língua. Em que sentido a língua promove o pensamento e,
por outro lado, o tolhe, isso é discutido presentemente em qualquer
lógica que ambicione uma acção prática. Somos
avisados para não confiar demasiado nas palavras, de em cada demonstração
termos presente o seu sentido pleno, de nos precavermos dos equívocos,
etc., regras que, não obstante serem extremamente úteis,
se limitam a um círculo por demais restrito. Ao dar-se atenção
normalmente só ao carácter simbólico das formas mais
simples da fala, das palavras e proposições, ignorava-se
[372] o mesmo nos métodos mecânico-simbólicos que ocorrem
no pensamento natural, métodos esses que substituem por meios linguísticos
compostos um raciocínio mais ou menos complexo. Refiro-me aqui aos
silogismos simples e compostos. Embora na lógica formal tradicional
sejam tratados em medida excessiva, as suas regras não foram, no
entanto, compreendidas. Aquilo que se considerava como regras do raciocínio
real, eram (justamente enquanto regras formais) efectivamente regras do
raciocínio simbólico. Essa interpretação errónea
da verdadeira relação de coisas influenciou tão negativamente
o modo de analisar a coisa que a teoria do conhecimento foi levada a erro
e, por outro lado, não se promoveu a prática no mínimo
que fosse. Tivesse sido reconhecido o carácter simbólico
da sologística (a parte capital e cerne da velha lógica formal)
e da aritmética geral e por meio de investigações
penetrantes precisado exactamente, então poderia a compreensão
teórica destas disciplinas "formais" exercer uma influência
clarificadora e frutuosa sobre a filosofia e as ciências especiais.
Porém, a situação hoje em dia é a de as nuvens
mais densas da confusão confundirem e tolherem para ambos os lados.
Caraterístico da falta de clareza dos lógicos é o
facto de se ou não preocuparem no mínimo com as teorias dos
algoritmos (e isso é a regra) ou então o fazem de um modo
tão displicente e superficial que é o melhor sinal da falta
de clareza. Com a segunda parte desta afirmação tenho em
mira as disputas de Mill (Lógica, 4° livro, cap. VI, 6) e Bain
(Logic, Part first, Appendix B). Tomem-se apenas os algoritmos mais corriqueiros
e simples, os da arte de numerar e contar, em vão se procurará
nas obras de lógica um ensinamento sobre o que é que verdadeiramente
capacita essas operações mecânicas com simples sinais
alfabéticos ou verbais a alargar em tão extraordinária
medida o nosso conhecimento real relativamente aos conceitos numéricos
e a possibilitar-nos realizações que seriam incompreensíveis
aos maiores pensadores da antiguidade. E, por outro lado, encontramos novamente
como sinal característico da falta de clareza dos matemáticos
teorias estranhas que uns adoptaram de uma maneira e outros de outra como
filosofia da sua disciplina, e que bastas vezes os [373] levaram, e justamente
as cabeças mais originais em primeiro lugar, a desvios estéreis.
Uma lógica formal verdadeiramente frutosa constitui-se de antemão
como uma lógica dos sinais, que, quando suficientemente desenvolvida,
constituirá uma das partes mais importantes da lógica (enquanto
ciência do conhecimento). A tarefa da lógica é aqui
a mesma como nas outras partes: assegurar-se dos métodos naturais
do espírito judicativo, examiná-los, compreendê-los
no seu valor cognitivo, a fim de poder determinar rigorosamente limites,
extensão e alcance dos mesmos e estabelecer as respectivas regras
gerais. Se entender bem a sua tarefa, então não poderá
cingir-se a acompanhar a utilizacão pre-lógica dos sinais.
Pelo contrário, a intelecção mais profunda na essência
dos sinais e das ciências dos sinais permitir-lhe-á reflectir
também sobre os métodos simbólicos a que o espírito
humano ainda não chegou, ou então de estabelecer as regras
para a sua invenção. A relação da lógica
dos sinais com as operações lógicas na prática
da vida e da ciência será análoga, por exemplo, à
relação entre a lógica indutiva e as induções
práticas. Esta tardiamente reconhecida tarefa da lógica foi
também aqui de se assegurar destes enormes recursos naturais da
formação de juízos e, mediante reflexões científicas
sobre legitimação, limites e alcance, fazer dos processos
naturais e logicamente ilegítimos um processo artificial e logicamente
legitimado que não oferece só simples convicção,
mas um conhecimento certo.
FIM
Vocabulário
Beschaffenheit = qualidade
Bestimmung = determinação
Beurteilter= judicado
Beurteilung= judicação; beurteiltes = judicado
Bezeichnen = assinalar; bezeichnetes = assinalado
Bezeichnung = assinalação
Charakteristikum = característica
Eigenart = especificidade
Eigentlich = próprio/propriamente
Eindeutig = unívocos
Erfindung = invenção
Kennzeichnen = sinal
Mehrdeutig = equívocos
Merkmal = marca
Merkzeichen = sinal característico
Mitbezeichnung = co-assinalação
Schluß, Schlußfolgerung, Schlußverfahren = raciocínio
Stellvertreter = representante
Stellvertretung = fazer-de-representante
Surrogatvorstellungen = representações sucedâneas
Uneingentlich = impróprio/impropriamente
Urteilen = ajuizar
Vermittlung = mediação
Vertreten = fazer de representante
Vorstellen = representar
Zeichen = sinal
Zeichenvorstellung = representação sinalética