António Fidalgo, Universidade da Beira Interior
A compilação do saber, de todos os conhecimentos em todas
as áreas, obtidos em todas as épocas, em todos os lugares,
foi sempre uma aspiração, ou pelo menos uma tendência,
de todas as comunidades científicas. As bibliotecas são o
caso mais paradigmático da reunificação do saber.
Elas constituíram sempre um dos principais instrumentos do trabalho
científico. Mas as bibliotecas estão mais ou menos bem apetrechadas,
e não há bibliotecas que, sob pena de se converterem em arquivos,
não tendam a aumentar o seu acervo de documentos, sejam eles livros,
manuscritos, revistas, ou quaisquer outras formas de fixação
do pensamento.
Graças à digitalização e às telecomunicações,
podemos vislumbrar a realização do sonho de uma biblioteca
universal. Esta mais não será do que a biblioteca virtual
de todos os livros e documentos, guardados em todas as bibliotecas do mundo.
Tal biblioteca não estará numa localidade ou num país,
mas consistirá de todos os documentos disponíveis em rede
e, portanto, ela estará espalhada por todo o mundo.
Umberto Eco, numa célebre conferência feita em 10 de Março
de 1981 na Biblioteca Municipal de Milão , começa por longamente
citar a ficção "A Biblioteca de Babel" de Jorge Luis Borges,
para perguntar "se será possível falar do presente ou do
futuro das bibliotecas existentes, elaborando puros modelos fantásticos".
Com efeito, a biblioteca fantástica de Borges, feita à imagem
e semelhança do universo, ilimitada no seu acervo, contendo todos
os livros possíveis pela combinatória dos vinte e cinco símbolos
ortográficos, é "iluminada, solitária, infinita, perfeitamente
imóvel, recheada de volumes preciosos, inútil, incorruptível,
secreta" . Porém, nenhum modelo, por mais fantástico, de
biblioteca real iguala a real possibilidade da biblioteca virtual.
Segundo Eco, foram várias as finalidades de uma biblioteca ao
longo da história. Desde a biblioteca de Assurbanípal em
Ninive às de hoje, passando pelas de Alexandria, de Roma e dos conventos
beneditinos, coube às bibliotecas as tarefas de recolher os rolos
ou volumes, para não ficarem dispersos, depois a de entesourar,
pois eram valiosos os volumes recolhidos, a de transcrever, tal como faziam
os copistas medievais, a de dar a ler e, finalmente, a de esconder, para
permitir que nelas se achasse a obra julgada perdida para sempre. Ora,
se atendermos bem às possibilidades da rede de computadores, veremos
que as funções de recolha, consulta, leitura, e até
de esconder, podem ser cabalmente realizadas na biblioteca virtual.
A recolha de uma obra significa na biblioteca virtual tão só
o seu armazenamento no disco rígido de um computador e o registo
do seu endereço electrónico. Não é necessário
conceber um disco rígido de capacidade infinita correspondente ao
imenso edifício que albergasse fisicamente todas as obras publicadas
e a publicar. A obra pode estar num disco de um qualquer computador numa
qualquer parte do mundo. Só é preciso que esse computador
esteja em rede aberta. Cada biblioteca digital "particular" está
localizada - um determinado endereço com um conjunto limitado de
documentos -, mas a biblioteca virtual é utópica e tópica,
em lado nenhum e em toda a parte. Neste ponto, curiosamente, poderá
dizer-se que cada disco equivalerá a uma galeria hexagonal da borgeana
Biblioteca de Babel composta de um "número indefinido, e talvez
infinito, de galerias hexagonais".
Há projectos em curso para digitalizar o acervo das bibliotecas
existentes e, portanto, incluir os fundos bibliográficos realmente
existentes na biblioteca virtual . Será uma questão de tempo
a digitalização dos milhões de documentos das maiores
bibliotecas do mundo, como a Bibliothèque National de Paris ou a
norte-americana Library of Congress. Neste momento, a rede já possui
bibliotecas com um espólio muito superior ao de algumas bibliotecas
públicas, e até universitárias, sobretudo no que concerne
às grandes obras dos autores clássicos, da literatura e da
ciência. As obras de Platão, Aristóteles, Cícero,
Sto Agostinho, Shakespeare, Descartes, Newton, Kant, a Bíblia, entre
tantos, tantos outros, já se encontram digitalizadas e disponíveis
em rede
Na tarefa de recolha dos documentos bibliotecáveis, há
que ter em conta que a digitalização da escrita é
hoje uma realidade. Veja-se a utilização quase universal
dos processadores de texto. Quase já não há documentos
escritos que não tenham sido processados por computadores. Provavelmente
já todas as editoras utilizam, pelo menos no que diz respeito ao
texto, a edição electrónica, e aquelas que o não
fazem têm os dias contados. A escrita é cada vez mais uma
escrita digitalizada e, consequentemente, passível de circular na
rede.
Quanto à função de entesourar volumes valiosos
é evidente que não há uma bibliofilia virtual. Uma
obra em rede vale unicamente pelo seu valor informativo, de conteúdo.
Ali não há primeiras edições, exemplares numerados,
edições especiais, hard-cover ou paperbacks. Contudo, a falta
da dimensão bibliófila na biblioteca virtual em nada diminui
o seu estatuto de biblioteca. É que a função bibliófila
de um biblioteca é de cariz museológico. Uma biblioteca cuja
finalidade fosse unicamente entesourar exemplares preciosos de livros seria
um museu de livros e não uma biblioteca.
Eco elabora nessa conferência um modelo negativo, em dezanove
pontos, de uma má biblioteca, desde uma má organização
dos catálogos e dificuldades de empréstimo de livros, a reduzidos
horários de abertura e à má vontade dos bibliotecários.
A biblioteca virtual consitui a melhor solução possível
para esses pontos negativos. Abordemos os três pontos fundamentais
de uma biblioteca hodierna: catalogação, acessibilidade,
empréstimos.
Sem catálogo uma biblioteca seria um simples depósito
de livros. Uma boa catalogação, isto é, uma catalogação
bem estruturada, é meio caminho andado na utilização
de uma biblioteca. Neste ponto, é indubitável que a informatização
representa um avanço tremendo. Os catálogos das grandes bibliotecas
são já hoje autênticas bases de dados, pesquisáveis
por múltiplas entradas, autor, título, temática, editora,
etc. Um catálogo que dantes exigia várias filas de dezenas
de gavetas cheias de fichas para se organizar por uma só entrada,
encontra-se agora num ficheiro informatizado, onde é possível
pesquisar não só por uma das múltiplas entradas possíveis,
como ainda cruzar entradas, por exemplo um autor e uma determinada temática.
A informatização dos catálogos permite não
só uma consulta incomparavelmente mais rápida, mas sobretudo
muito mais completa. As antigas salas de catálogos das grandes bibliotecas
são hoje salas com um conjunto apreciável de computadores
de mesa, ligados em rede, à disposição dos utilizadores
da biblioteca.
A consulta dos catálogos das grandes bibliotecas pode já
hoje ser feita comodamente em casa. Basta para isso uma ligação
à internet. Com efeito, a grande maioria dessas bibliotecas já
estão em rede e, portanto, acessíveis de qualquer parte do
mundo. Antes de uma pessoa se deslocar a uma biblioteca, averigua primeiro
se lá existe a obra pretendida. Pode mesmo levar já pronta
a lista de obras que quer consultar e que efectivamente existem nessa biblioteca.
Mas quem faz a consulta de casa pode também fazer a consulta a outras
bibliotecas. Avalia-se o acervo de uma biblioteca, em si e em relação
ao acervo de outras bibliotecas, a partir de casa. O mesmo se passa relativamente
às livrarias. As livrarias mais ao par do novo tempo dispõem
de um servidor com bases de dados de milhões de livros, que possivelmente
não têm em armazém, mas que podem rapidamente encomendar.
Quem quiser comprar um livro não necessita de se deslocar à
livraria, basta procurá-lo e encomendá-lo pela internet.
Da consulta de um catálogo de uma biblioteca pela rede vai apenas
um pequeno passo à consulta das próprias obras. O sistema
é ao fim e ao cabo o mesmo; poder-se-á dizer que a ficha
electrónica do livro inclui o próprio texto do livro. Mas
este pequeno passo significa justamente a possibilidade real da biblioteca
virtual. O que era impossível em termos físicos com as fichas
e com os livros, já que colocar um livro atrás da respectiva
ficha no catálogo seria criar um catálogo tão grande
como a biblioteca, é perfeitamente possível na biblioteca
virtual. A catalogação de um livro, o seu registo electrónico,
não é mais do que um elo de ligação electrónica
(link) ao conteúdo do livro.
Aceder a uma biblioteca electrónica é poder ler as obras
dessa biblioteca através da internet e isso assume várias
modalidades, ou lê-la por telnet no próprio computador onde
está armazenada, ou importá-la através de ftp para
o disco do próprio computador para a ler posteriormente ou então,
que é actualmente de longe o mais comum, fazer uma ligação
por http a essa biblioteca. O número de servidores de www não
pára de aumentar a um ritmo avassalador e não será
demasiado utópico pensar que um dia todos os computadores incluirão
um domínio de servidor de www.
A biblioteca virtual é uma realidade em construção.
Hoje em dia são já milhões e milhões os documentos,
livros e sobretudo artigos, disponíveis em rede. Cada dia aumenta
a quantidade de obras on-line, e a tendência para o livro e para
a biblioteca electrónicos parece ser irreversível. A própria
ideia de publicação está a ser alterada. Com efeito,
nada mais público, nas suas potencialidades, que um documento disponível
na internet, onde qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, a qualquer
tempo, o pode consultar, importar, citar, enviar por correio electrónico
a outra pessoa, ou mesmo difundir por uma lista de discussão na
internet. Em termos estritamente bibliotécnicos e biblioteconómicos
a ideia de biblioteca virtual é a única ajustada ao futuro.
Os grandes obstáculos à biblioteca virtual prendem-se com
questões que não estão propriamente relacionados com
a escrita e sua divulgação, como sejam as questões
de direito de autor e questões comerciais. Mas é de prever
que mesmos estes obstáculos sejam superados a curto prazo. Uma hipótese
será o pagamento de uma taxa para entrar em bibliotecas virtuais
mais completas e sobretudo com obras recentes. Assim, como já é
possível assinar jornais e revistas tradicionais na sua edição
electrónica (New York Times, Le Monde, The Economist, entre tantos
outros), também será possível comprar o ingresso numa
biblioteca virtual ou mesmo comprar a edição electrónica
de um livro. As bibliotecas físicas do passado serão cada
vez mais museus de livros, até porque a componente laboral associada
às bibliotecas, de estudo, leitura e pesquisa científica,
exigirá mais e mais a versão electrónica das obras.
Isto não significa, todavia, o fim do papel ou mesmo dos livros
na sua forma tradicional. Ler uma obra num monitor é não
só algo de violento à vista, mas também limitativo.
A leitura no papel ainda é, de longe, a forma mais amigável
de leitura. A tendência será para imprimir aqueles documentos
que se tenciona efectivamente ler. Por outro lado, ninguém dispensará
a sua biblioteca particular básica, com dicionários, uma
ou outra enciclopédia, de consulta imediata, e livros de ócio
e recreio. De todas as maneiras, a biblioteca virtual tenderá a
ser a grande biblioteca mundial capaz de substituir todas as actuais grandes
bibliotecas.
Um outro ponto fundamental de uma biblioteca, apontado por Umberto
Eco, é a acessibilidade. Os exemplos que cita de bibliotecas se
não perfeitas, pelo menos feitas "à medida do homem", como
a Sterling Library de Yale e a nova biblitoeca da Universidade de Toronto,
são de bibliotecas que permitem um acesso directo aos livros e com
horários muito alargados, indo mesmo pela noite fora. Relativamente
ao acesso às estantes de uma biblioteca, vale a pena citar integralmente
o que diz Eco, até para avaliarmos neste ponto a biblioteca virtual.
"Ora o que há de importante no problema do acesso às estantes?
É que um dos mal-entendidos que dominam a noção de
biblioteca é o facto de se pensar que se vai à biblioteca
pedir um livro cujo título se conhece. Na verdade acontece muitas
vezes ir-se à biblioteca porque se quer um livro cujo título
se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos
a função da biblioteca da minha casa ou da de qualquer amigo
que possamos ir visitar, é de descobrir livros de cuja existência
não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importantes
para nós. É certo que essa descoberta pode ter lugar desfilhando
o catálogo, mas não há nada mais revelador e apaixonante
do que explorar as estantes que reúnem possivelmente todos os livros
sobre um determinado tema - coisa que, entretanto, não se poderia
descobrir no catálogo por autores - e encontrar ao lado do livro
que se tinha ido procurar, um outro livro, que não se tinha ido
procurar, mas que se revela fundamental. Ou seja, a função
ideal de uma biblioteca é de ser um pouco como a loja de um alfarrabista,
algo onde se podem fazer verdadeiros achados, e esta função
só pode ser permitida por meio do livre acesso aos corredores das
estantes."
Como o universo que apesar de todas as coordenadas permite sempre uma
verdadeira descoberta, isto é, completamente inesperada, assim também
a biblioteca ideal, na fantasia de Eco, terá de permitir buscas
e surpresas. Quando Eco escreve que uma biblioteca deve também cumprir
a função de esconder obras ao longo de séculos, a
fim de permitir que pesquisadores as encontrem posteriormente, é
no sentido de que o acervo de uma biblioteca é sempre muito maior
do que aquele que se julga, dando assim azo a descobertas surpreendentes.
Mas essas descobertas fazem-se in loco, percorrendo corredores cheios de
estantes, indo aos corredores mais recônditos e subindo até
às prateleiras mais altas das estantes ou vergando-se para as mais
baixas.
A biblioteca virtual não tem qualquer tipo de horário,
está sempre disponível. Em qualquer momento se pode entrar
nela e percorrê-la em todos os sentidos, saltando instantaneamente
de uma obra para outra, de um autor para outro, ou de uma temática
para outra. Em 1997, a utilização da biblioteca virtual à
noite ou aos fins de semana é mais vantajosa que durante um dia
normal de trabalho, dado a rede estar muito menos sobrecarregada e as ligações
serem muito mais rápidas. Podem-se importar livros e artigos durante
a noite ou o fim de semana para posterior leitura. A organização
do trabalho cabe inteiramente ao utente cibernauta. É que este vive
dentro da própria biblioteca virtual.
Mas é justamente na função de esconder, preservar,
surprender, que a biblioteca virtual, apesar de tão recente, nos
surpreende imenso. Porque a biblioteca virtual não depende nas suas
aquisições unicamente dos favores de mecenas, de esforços
de bibliotecários ou de orçamentos de Estado, mas sobretudo
do desejo de qualquer pessoa de publicitar o que entende deva ser publicitado,
seja da sua autoria ou não, o seu acervo vai muito para além
do produto da indústria editorial tradicional. A paixão de
alguém por um autor quinhentista português poderá significar,
por exemplo, a criação de uma home page sobre esse autor,
onde se inclui toda a sua obra. Encontram-se na rede (web) páginas
e páginas sobre autores e temáticas em quantidade e variedade
que ultrapassam a imaginação mais fértil. Por outro
lado ainda, a biblioteca virtual não se limitará a guardar
o que as editoras acharem por bem editar, mas servirá ela mesma
de veículo de difusão universal da produção.
As únicas restrições ao acervo da biblioteca virtual
serão tão só a
criatividade e a vontade de publicitar
as criações.
Porque ninguém controla as entradas na biblioteca virtual, ela
é o esconderijo ideal onde se vivem verdadeiras aventuras. Andar
hoje pela biblioteca virtual é andar por galerias permanentes e
frequentadíssimas como sejam as bibliotecas on-line disponibilizadas
por universidades, instituições governamentais ou privadas,
mas é também andar por galerias que abrem hoje e fecham amanhã.
O que hoje está disponível num servidor pode não o
estar amanhã, ou pode mesmo esse endereço ter desaparecido.
No entanto, nada impede que nesse curto espaço de tempo em que uma
determinada galeria esteve aberta não tivessem sido feitas réplicas
das obras lá contidas, réplicas iguais ao original e que
poderão entrar numa outra galeria. Na biblioteca virtual há
galerias quase virgens - em termos de cibernauta, páginas pouquíssimo
visitadas -, cuja visita constitui por vezes uma autêntica aventura.
Refira-se aqui que é sobretudo o modo de andar na biblioteca
virtual que induz quase que por si à aventura. A deslocação
instantânea tanto de livro para livro, de estante para estante ou
mesmo de galeria para galeria - de um servidor nos Estados Unidos pode-se
saltar para um servidor na Alemanha ou na Austrália -, leva-nos
a galerias e, claro, às leituras, mais inesperadas. As aventuras
de Umberto Eco vividas em bibliotecas em que pode passar um dia inteiro
serão sempre pequenas comparadas com as possíveis na biblioteca
virtual. A deslocação na biblioteca virtual é tão
fácil que o difícil é precisamente quedar-se pelo
motivo inicial de consulta à biblioteca.
Nas bibliotecas tradicionais a questão dos empréstimos
prende-se com a de segurança. Eco coloca o problema da seguinte
maneira: "é preciso decidir se queremos proteger os livros ou dá-los
a ler." É que tradicionalmente a protecção dos livros
colocava-se e coloca-se em alternativa com a facilidade de empréstimos
e de acesso directo aos livros por parte dos utentes. Era um dilema que
obrigava a optar por uma ds partes. Tal dilema é inexistente na
biblioteca virtual; aqui a protecção é tanto maior
quanto maior a facilidadade de acesso. E esta é a grande vantagem
da biblioteca digital: leva-se o livro da estante e ele permanece lá,
pronto a ser levado por outro, e assim sucessivamente. E quantas mais vezes
ele for levado, mais aumenta a segurança de que esse livro ficará
pertença da biblioteca universal. Obviamente que aqui se coloca
a questão dos direitos de autor, mas isso é algo que ultrapassa
o âmbito estrito de uma biblioteca. Neste aspecto, a biblioteca virtual
copia as bibliotecas medievais, em que copistas multiplicavam os livros
sem preocupações de direitos de autor, apenas preocupados
com a preservação do saber mediante a multiplicação
dos exemplares dos livros que recebiam e a sua difusão.
Depreciativamente poder-se-á dizer que a biblioteca virtual
não passa de uma fotocopiadora universal, a uma velocidade estonteante,
de textos, imagens e sons. Embora o conceito de fotocópia ajude
de alguma maneira a entender o funcionamento de biblioteca virtual, a biblioteca
virtual não se reduz de algum modo à possibilidade da duplicação
indiscriminada dos seus exemplares. Antes de mais, não há
originais e cópias. A utilizar uma comparação física
dever-se-á dizer que a duplicação de uma obra na biblioteca
virtual equivale mais à duplicação milagrosa de um
exemplar impresso tal como se encontra na estante do que a uma fotocópia.
Por fim, há que realçar o modo de leitura e, simultaneamente
de organização, na biblioteca virtual. O hipertexto constitui
a forma ideal de texto na biblitoeca virtual. Trata-se de um texto entrosado
de ligações a outros textos que podem ser de imediato consultados.
A imagem mais fácil de dizer o que é um texto formatado em
hipertexto é a de notas de roda-pé que podem ser consultadas
de imediato por quem lê um livro. Só que essas notas de roda-pé
digitais, a que se acede mediante a activação no texto principal
da respectiva referência, podem ser textos independentes, armazenados
em outros servidores, de maior ou menor tamanho, podem ser um livro, um
artigo, uma imagem, um som, um vídeo, que, por sua vez, podem também
estar formatados em hipertexto e, assim, remeterem para outros livros,
que poderão eventualmente remeter para o primeiro livro.
A organização da biblioteca é também feita
por hipertexto. Em vez da organização sequencial das bibliotecas
tradicionais, por ordem alfabética ou por anos, a organização
por hipertexto é não sequencial, mais ao jeito de navegação.
Um exemplo ajudará a entender a leitura e a organização
de uma biblioteca em hipertexto. Imaginemos o texto da conferência
de Umberto Eco, aqui referida, formatado em hipertexto. Quando cita Jorge
Luis Borges, poderiam as três palavras que formam o nome do autor
argentino constituir uma ligação a uma página da internet
dedicada a Borges, página essa onde poderia encontrar imagens de
Borges, biografias, textos, a comentários à obra de Borges
etc. Dentro da página de Borges encontraria certamente ligações
a outros endereços como à Argentina, a Buenos Aires, à
literatura, etc. Querendo regressar ao texto de Eco regressa-se, mas querendo
continuar pela via aberta pela referência inicial a Borges continua-se,
não tendo a continuação muito ou nada a ver com o
texto de Eco.
Na biblioteca virtual cada volume convoca em hipertexto cada volume
presente nessa biblioteca. Se uma biblioteca, nas poderosas fantasias de
Borges e Eco, retrata o universo, então podemos dizer que a biblioteca
virtual é o universo informado pelo saber do homem.