O consumo de informação. Interesse e curiosidade

 

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

 

1996

 

A abundância de fait-divers nos telejornais e na imprensa, o sensacionalismo noticioso mais variegado, o sucesso da imprensa de coração, revelam que para lá do interesse público há uma curiosidade informativa insaciável que da informação espera mais diversão que formação.

 

1- A informação como formação cívica

Uma das ideias fundamentais da imprensa moderna, em particular, e da comunicação social, em geral, é a de que a informação é um elemento essencial à formação cívica dos cidadãos. Ainda hoje o grau de cidadania de um povo também se mede pela percentagem dos leitores de jornais relativamente à população e pelas taxas de audiência dos telejornais relativamente aos programas de variedades. Quanto maior o peso dos programas de informação, quantos mais jornais vendidos, tanto maior será a consciencialização socio-política de um povo e, correspondentemente, maior a sua capacidade de participação e de decisão. Enquanto participação do indiví­duo na condução da res publica a cidadania exige não só um conhecimento actualizado do que de relevante ocorre nas diferentes áreas da vida pública, mas também uma determinada forma de tomar conhecimento dessas ocorrências. Antes de mais, a informação tal como é realizada pelos meios de comunicação social não é uma listagem de informações diversas, não é uma base de dados informativos à laia da teletela orwelliana desbobinando listas de números relacionados com a produção de ferro. A informação mesmo na forma da simples notícia, de mera divulgação de um facto, está enformada pela ideia básica do que interessa ou possa interessar ao destinatário. Toda a informação da comunicação social, seja impressa, radiofónica ou televisiva, obedece a critérios de selecção e de destaque. Há notícias que são dadas, outras que são omitidas; há umas a que se dá destaque a outras não. É o interesse público que define a informação, que selecciona o que é notícia e a destaca, que uniformiza de algum modo o conteúdo informativo dos diferentes órgãos de comunicação. Ora por mais amplo que seja o sentido de interesse público, por mais vulnerável que seja a interesses particulares, ele tem uma faceta formativa. A informação repre­senta sempre uma integração dos receptores de informação na vida política, social, económica e cultural da sociedade a que pertencem. O simples facto da informação só por si constitui um elo de ligação entre o indivíduo informado e a esfera pública em que se insere. Ao ser informado o indivíduo é eo ipso enformado socialmente. Aliás, a organização da informação, de que são exemplo típico as secções dos jornais política, educação, ciências, cultura, economia, desporto , além de retratar a diversidade das esferas que compõem a vida pública, reflecte e reforça a variedade dos interesses e dos laços que unem o receptor de informação ao todo social.

Mas a faceta formativa da informação é sobretudo proeminente na forma como a informação é dada. A informação não se limita a dar conhecimento do que é de interesse público; ao fazê-lo fá-lo de uma certa perspectiva e com uma certa finalidade. Os destaques, o tipo de referência, a adjectivação, revelam um determinado posicionamento da informação, de como esta é feita. Ao informar, um órgão de comunicação fá-lo como narrativa, louvor, crítica, apoio, ataque. Contudo, de preferência a tomar uma posição explícita relativamente às matéria da informação, a informação dada visa muito mais suscitar nos destinatários da informação um certo posicionamento ou atitude. E é aqui que efectivamente reside a função formativa e cívica da informação: induzir o público a participar na gestão da coisa pública e dar-lhe meios para essa participação.

Toda a informação apela, de certo modo, a uma tomada de posição do público. A distinção entre notícias e artigos de opinião, longe de contradizer esta afirmação, constitui a base para que o leitor, o ouvinte, o telespectador, se sinta impelido a ter também a sua opinião. O jornalismo de investigação, o esclarecimento de um acontecimento através da indicação das causas próximas e remotas, visa dotar o público dos meios para poder emitir um juízo, fazer uma apreciação, tecer uma crítica, tomar uma decisão. A maneira de como que isto se faz, é exemplificada pelos próprios órgãos de comunicação. A imprensa tem os seus articulistas habituais que, ao exporem opiniões e respectivas razões, são de algum modo figurinos a seguir pelos leitores. Mas há também a secção das Cartas ao Director onde qualquer leitor pode exprimir a sua opinião sobre um tema da actualidade. A rádio e a televisão além de chamar especialistas a darem o seu parecer e a justificarem-no, entrevistam cidadãos anónimos para se pronunciarem sobre o assunto em causa. Em suma, a informação é sempre dada de modo a promover a capacidade crítica e interventiva dos seus destinatários.

 

2- A curiosidade informativa

A curiosidade informativa é uma forma da curiosidade humana. O desejo de saber é intrínseco à natureza humana, como Aristóteles declara no início da sua Metafísica (980 a, 21). Não há homem algum completamente desprovido de curiosidade. Tanto é assim, diz Aristóteles, que temos prazer na activi­dade dos sentidos, independentemente da sua utilidade. Gostamos de ver, de ouvir, cheirar, degustar, tocar, tão só pelo facto de o fazermos. E o prazer no exercício dos sentidos é de tal ordem que acaba por desembocar numa "concupiscência dos olhos", como confessa St Agostinho (Confissões, X 35). Aplicado aos outros sentidos, o termo "ver" significa efectivamente conhecimento. "Vê como soa", "vê como cheira bem", "vê como é duro", etc., são exemplos de como há nos sentidos uma volúpia do conhecimento.

Heidegger desenvolve a análise do fenómeno da curiosidade (Ser e Tempo, § 36), no seguimento destes pensadores da antiguidade. Antes de mais, a curiosidade não se fica por aquilo que lhe está próximo; pelo contrário, procura o que está longe. Mas ao chegar ao longe, torna-o perto, e, assim, vai matando a distância que sempre procura. A curiosidade caracteriza-se pela instabilidade, pela incapacidade de permanecer no mesmo sítio, no mesmo conhecimento. Tem de passar necessariamente a outro, tem de buscar incessantemente novas distâncias. Há, pois, um desassossego contínuo, uma excitação permanente. Sempre e sempre em busca da novidade, da mudança das coisas, não para compreender, que para isso é preciso permanecer, mas tão só para ver, para satisfazer o desejo e a gulodice da vista. O que se ganha é a distracção. Quanto mais pura a curiosidade, quanto mais longínquas as notícias, maior a distracção. A atenção volta-se para a novidade e esquece o seu sítio.

A análise existencial heideggeriana da curiosidade aplica-se também à curiosidade informativa. Compra-se o jornal, ouvem-se os noticiários da rádio, vêem-se os telejornais não porque se julgue que trazem informações de monta, importantes, mas unicamente para saber o que se passa. Um homem que matou a tiro a mulher numa aldeia rural, o afundamento de um barco no Pacífico Sul, a transferência de um jogador de futebol, a reunião de uma comissão parlamentar, o estado do tempo. No noticiário seguinte espera-se que haja novas informações, as últimas. Se está a acontecer, é preciso que se saiba, quanto mais rapidamente melhor. O melhor mesmo é saber imediatamente, assistir em directo ao facto da notícia. O desassossego, a excitação, não estão só nas redacções dos jornais, das rádios e televisões, mas também nos destinatários que querem as notícias frescas, acabadas de sair.

O que caracteriza primeiramente a curiosidade informativa é a procura de actualização constante. Só as últimas notícias satisfazem e, como tal, há que assegurar que as notícias recebidas sejam as mais recentes, que não haja ainda notícias posteriores. Sendo o fluxo dos acontecimentos incessante, isso obriga a acompanhar esse fluxo, a estar sempre à frente. Um diário não lido, um noticiário não ouvido, significa uma falha de actualização, só reposta com a leitura de um diário ou a audição de um noticiário posteriores.  Para satisfazer a ânsia de actualização informativa, a rádio e a televisão são mais adequados que a imprensa. Aí emissão e recepção são em simultâneo, enquanto aqui não. O hiato temporal provocado pela impressão e distribuição desaparece com a difusão electrónica. Mas mesmo na rádio e na televisão tradicionais existe um espaço informativo vazio entre o último noticiário e o próximo. Neste caso a curiosidade informativa fica como que suspensa no presente entre dois momentos noticiosos: o que passou e o que ainda não chegou. É aqui que entre a informação contínua; todo o momento de emissão é momento de informação. O sucesso das cadeias de rádio e de televisão a transmitirem continuamente notícias as 24 horas do dia reside no imperativo da actualização da curiosidade informativa. Não aguardar por um horário para transmitir, mas fazê-lo logo em cima do acontecimento é a única maneira de garantir a perfeita actualização, o acompanhamento a par e passo do que acontece. A metáfora dos órgãos de comunicação electrónicos como janelas para o mundo assenta no ideal de noticiar os acontecimentos em directo. Efectivamente, só a informação em directo satisfaz cabalmente a necessidade de actualização informativa.

Uma outra característica da curiosidade informativa é a totalidade, isto é, a tentativa de captar todas as notícias e, por isso, de seguir todos os órgãos de informação. Há o receio de perder uma notícia. Compram-se diversos jornais, quantos mais melhor, se possível todos, e faz-se o zapping à hora dos noticiários entre as diferentes estações de rádio e de televisão. Teme-se que alguma esteja a dar uma notícia não dada pelas outras. A este receio respondem os órgãos de informação informando aquilo que os outros órgãos estão a noticiar. Televisões e rádios fazem revistas de imprensa e sínteses das emissões de outras rádios e televisões, jornais fazem apanhados de afirmações feitas no dia anterior em outros jornais, nas rádios e nas televisões. Cada órgão de informação procura transmitir aos seus destinatários a ideia de que ele basta, de que não necessitam de outro meio de comunicação para estar totalmente informado, pois que além das suas informações faz a síntese das informações dadas pelos outros órgãos de comunicação.

A seguir a estas duas grandes características da curiosidade informativa, a actualização e a totalidade, destacam-se ainda mais duas: a novelização e o sensacionalismo. A curiosidade informativa fomenta a expectativa de notícias a partir de notícias, ao jeito das telenovelas em que se ficam a aguardar os episódios seguintes. Uma notícia de monta leva a desenvolvimentos posteriores, a outras notícias, nomeadamente sobre as reacções à primeira. Por outro lado, o interesse de uma notícia é tanto maior quanto melhor for o enredo em que a situa ou que mesmo a motiva. O valor de uma notícia depende das expectativas criadas ao seu redor. A novelização aguça a curiosidade informativa.

O sensacionalismo da informação funciona, por sua vez, como o correlato da novelização. Não há uma boa novela onde não entre o inesperado,  o súbito surgir de elementos que alteram o normal desenrolar das coisas. Aliás o que faz de um facto um acontecimento de interesse jornalístico, isto é, o que torna um facto notável, são factores que o demarcam do decurso trivial dos acontecimentos, factores como o excesso, a falha e a inversão [1]. O homem que corre uma distância em tempo record, o revólver que fica encravado no momento do disparo, o homem que morde o cão são justamente notícia porque irrompem imprevistamente da norma­lidade. A novidade é tanto maior quanto mais inesperada. É a sensação do novo que a curiosidade informativa sempre busca.

Expostas as principais características da curiosidade informativa é bom de ver que ela se restringe aos factos. Só os factos permitem o saltitar constante de uns para os outros, dos velhos para os novos, só eles oferecem a novidade. Aqui não se buscam propriamente explicações, até porque estas permanecem. As únicas explicações aceites são aquelas em que factos explicam factos. Procurar explicações que não sejam novos factos é deter-se no tempo, é desactualizar-se, é centrar-se num caso particular e perder a totalidade. A curiosidade informativa não admite explicações profundas; as explicações terão de se manter também à tona dos acontecimentos, não podem ser enfadonhas. O que explica um facto é o enredo com outros factos, enredo que toma a forma de narrativa.

Feita cada vez mais à medida da curiosidade informativa, a informação cumpre cada vez menos a função de formação cívica. Por várias razões. Desde logo porque informação de eminente interesse público não é muitas vezes do tipo de suscitar curiosidade. Assuntos que em princípio deveriam concitar o maior interesse público são relegados pela sua complexidade para um círculo restrito de interessados. Questões fundamentais da vida pública passam ao lado da grande informação porque não se coadunam com a curiosidade informativa. Em contrapartida, temas que pouco ou nada interferem com a vida dos cidadãos ocupam crescentemente o espaço noticioso. Por exemplo, a dimensão e o destaque que as notícias sobre a corrupção, real ou alegada, no futebol português têm em finais de 1996, princípios de 1997, na comunicação social portuguesa são ditados claramente pela curiosidade informativa, continuamente suscitada e alimen­tada. A curiosidade compraz-se muito mais com factos sensacionais, como a vida sentimental atribulada de princesas ou os actos de indisciplina de uma estrela de futebol, do que com o lento desenrolar de um complexo processo parlamentar. Uma segunda razão por que o lado formativo da informação é menor encontra-se no tipo de abordagem que esta faz mesmo dos assuntos de nítido interesse público. O que se informa aqui são sobretudo factos que dentro desses assuntos despertam alguma curiosidade. Destacam-se frases, encontros, ocorrências pontuais, que acabam por obliterar o assunto em questão. Veja-se, por exemplo, a revisão da constituição portuguesa. A maior parte das informações sobre ela prendem-se directamente com episó­dios com algum valor de curiosidade. Uma informação de fundo, detalhada e fundamentada, sobre a revisão da constituição, e não sobre os faits-divers do processo da revisão, seria muito provavelmente destituída de qualquer interesse jornalístico e encarada como uma informação especia­lizada, destinada unicamente a juristas. Virada para a satisfação da curiosidade, a informação vê-se assim obrigada a respigar episódios ou ocorrências que dentro dos temas importantes despertem alguma curiosidade, mesmo que sejam epifenómenos.

 

3. As mil e uma imagens da informação

A televisão é muito mais apta que a imprensa a satisfazer a curiosidade informativa. Desde logo pelo poder da imagem. A afirmação de que uma imagem vale mais do que mil palavras traduz a importância da visualização dos acontecimentos noticiados. Não há narrativa, falada ou escrita, por mais detalhada que seja, que consiga ser tão próxima e tão concreta como uma imagem. A notícia de uma catástrofe ou de um escândalo na imprensa provoca a curiosidade de ver imagens da catástrofe, dos danos causados, ou das pessoas envolvidas no escândalo frente às câmaras de televisão. Foi dito atrás que a curiosidade informativa se centra em factos concretos, ora nada mais concreto que uma imagem. Como escreve Neil Postman (Amusing ourselves to death), a linguagem da televisão é uma linguagem que se restringe às particularidades. Não há uma imagem do homem em geral, mas deste ou daquele homem, bem concreto e definido. Enquanto as palavras designam conceitos, representações gerais, as imagens são de cariz intuitivo, e, portanto, representações particulares.

Uma reportagem televisiva sobre, por exemplo, a droga segue habitual­mente o figurino de filmar as zonas urbanas degradadas em que se transac­cionam as drogas, de captar imagens de seringas caídas, e de entrevistar um ou outro toxicodependente e algum polícia da brigada contra o narcotráfico. A curiosidade alimenta-se muito melhor com as imagens de uma reportagem deste tipo do que com um artigo de jornal referindo números, estatísticas, causas e consequências do tráfico e consumo de drogas. Aqui não há casos, situações concretas, emoções de um rosto, mas tão só uma narração abstracta que, mais do que não satisfazer a curiosidade, lhe diz pouco ou nada.

A televisão pode dar notícias sem imagens, e também as dá, mas a tendência natural desse meio é de cada notícia ter imagens por base. Isso leva a muitas vezes a recorrer a imagens de arquivo ou então imagens de algum modo relacionado de algum modo com o tema da notícia. Pode este recurso ao arquivo significar uma distorção da notícia (noticiar incidentes de ordem pública actuais com imagens de graves confrontos passados), mas a necessidade de fornecer imagens é superior à objectividade nua das palavras. Do mesmo modo, um repórter de televisão filmado com a Casa Branca ao fundo, informando sobre as medidas tomadas pelo presidente norte-americano relativamente a determinada questão política, dá o suporte visual à notícia que, quanto à matéria, poderia ser dada pelo locutor do telejornal.

O imperativo de conseguir imagens para todas as informações tele­visivas leva, por um lado, a tornar notícia aquilo de que há "boas imagens" e, por outro, a tendencialmente ignorar o que não é filmável ou de que não se tem imagens. A espetacularidade das imagens transforma em notícia o que em si não tem qualquer valor informativo, por exemplo o despiste de um automóvel num país longínquo. Em contrapartida, se não houver imagens, não se dá a notícia ou então aguarda-se o tempo preciso até as ter. Os telejornais transformam-se em séries de reportagens bem conseguidas, no que à imagem toca. A recolha de imagens determina a informação. Mais uma vez "the medium is the message" ou, dito de outra maneira, a forma sobrepõe-se ao conteúdo.

 

4. A câmara indiscreta e a diversão informativa

A curiosidade informativa tende a ser indiscreta. O que mais curiosi­dade suscita é o que não se pode ou não se deve saber. Também aqui o fruto proibido é o mais apetecido. A informação toma uma forma inquisi­tiva, de desvendar o que sempre toda a gente quis saber, mas não teve a coragem de perguntar. As revelações são as melhores informações.

Um dos grandes atractivos da televisão é justamente a indiscrição. De algum modo a câmara de televisão é sempre indiscreta; não tanto por recolher imagens proibidas, mas por captar elementos paralelos que podem dar um outro sentido à notícia. O semblante, o tom de voz, a forma como uma figura pública presta declarações aos órgãos de comunicação, podem revelar mais do que aquilo que é dito, mas esses elementos só são cabal­mente captados pela televisão. Os planos de filmagem, a escolha entre grandes planos, próximos, e planos remotos, a selecção de imagens, preten­dem ao fim e ao cabo dar mais a ver do que a própria realidade oferece. É neste mais que reside a indiscrição. Naturalmente que a câmara só filma o que está lá, mas a forma como o filma é a de revelar pormenores que alteram o significado do que é filmado.

A indiscrição da câmara faz do telespectador um mirone. É paradigmático o caso da estação de televisão que transmite em directo uma operação de salvamento. Num caso destes os telespectadores assistem a toda a evolução dos acontecimentos, observam o esforço dos interve­nientes, a angústia dos sinistrados, a alegria do sucesso ou o desespero do insucesso. Tal como os mirones de um acidente de viação que param à beira da estrada e, cheios de curiosidade, assistem à chegada das ambulâncias e da polícia, assim também os telespectadores contemplam do sofá da sua casa os acidentes que ocorrem por todo o mundo. Reportagens de campos de refugiados ou de outros lugares de infortúnio são, pela sua indiscrição, muitas vezes um apelo à curiosidade gulosa dos espectadores.

O que caracteriza os mirones, sejam os dos acidentes de trânsito sejam os das notícias, é que são indiferentes ao que se passa. Remetem-se para o papel passivo de espectadores. Não podem e não querem intervir. Pelo ecrã tanto passa uma notícia vinda da China, como de uma aldeia transmontana, mas a influência de uma ou outra sobre a actividade de quem a recebe é a mesma, isto é, nula. É notícia, mas também podia ser ficção; tudo passa na tela. Não há qualquer interesse pelas notícias, apenas curiosidade.

O carácter intuitivo das imagens tem como correlato a passividade de quem as vê. Enquanto as palavras remetem para conceitos e, portanto, para uma apreensão activa de quem as escuta, as imagens são representações da sensibilidade. Seguindo a distinção kantiana entre sensibilidade e enten­dimento, há a dizer que a sensibilidade se distingue pela passividade e o entendimento pelo espontaneidade. As intuições são dadas ao passo que os conceitos são pensados. Numa informação que assenta sobre imagens e não sobre conceitos o destinatário da informação limita-se a registá-la.

A indiferença, o desinteresse, a passividade de quem recebe a infor­mação é tanto maior quanto mais a informação aparece descontextualizada. Como as notícias em nada influenciam quem as recebe, qualquer notícia se encaixa no noticiário, umas a seguir às outras, agora esta e depois aquela. Mesmo uma notícia de grande monta, dada na abertura do telejornal, é seguida por outras; encadeada com as outras a sua importância esbate-se e acaba por partilhar o estatuto das outras notícias, o de episódios curiosos. O apareci­mento contínuo de novas notícias, a aglutinação das notícias em blocos noticiosos em que há um pouco de tudo, de política, de negócios, de desporto e de meteorologia, acabam por nivelar as notícias a uma dimensão de meras curiosidades.

Ditada pela curiosidade dos consumidores a informação torna-se inane. Tal informação é perfeitamente dispensável, não condicionando a partici­pação pública. A grande informação, televisiva, radiofónica e mesmo a dos jornais de grande tiragem, destina-se justamente às grandes massas sem poder de intervenção. A informação relevante, que constitui uma vanta­gem decisiva no combate socio-político, económico e cultural, encontra-se hoje as mais das vezes em boletins, revistas e estudos especializados, desti­nados a pequenos círculos de leitores.

Mas o mais grave é que informações importantes dadas pelos órgãos de comunicação de massa são, pela própria natureza destes órgãos, triviali­zadas. O destaque de primeira página ou de abertura do noticiário não lhes confere uma natureza diferente das muitas notícias inanes que se lhes seguem. Além de que muitas outras vezes se destacaram notícias, reveladas banalidades no dia seguinte. A inanidade geral, consubstanciada pelo pró­prio órgão de comuni­cação, apodera-se das notícias importantes e retira-lhes o seu valor in-formativo.

Posto isto, quer dizer, exposta a inanidade informativa resultante da curiosidade informativa, não é difícil compreender o quanto a informação é diversão. Infotainment lhe chamam os americanos numa feliz síntese de information e entertainment. Diversão antes de mais porque desprovida de real importância, leve e despreocupada. Não significa isto que seja uma informação divertida, o conteúdo pode não o ser, mas a sua função. A informação é diversão quando desvia a atenção de quem a recebe das circunstâncias e dos reais problemas do dia a dia. É este desvio da atenção que caracteriza justamente a diversão. Quem se diverte, seja no teatro, no cinema ou no desporto, não pensa no que o compromete na vida quoti­diana. Só que nem tudo serve, ou melhor, tem a força suficiente para desviar a atenção; é preciso que o diverso oferecido pela diversão consiga chamar a si a atenção. A diversão é tanto maior quanto mais chamar a si a atenção e, simultaneamente, mais despreocupada for. Ora, quanto maiores forem as catástrofes, as misérias e os escândalos noticiados, tanto mais chamarão a atenção e, por maiores que sejam, em nada afectarão o quotidiano dos telespectadores. Não há qualquer risco ou compromisso nas notícias, o consumo da informação é inofensivo e a diversão possível.

 

5. Conclusão

Há informação e informação, há uma que forma e outra que diverte. Com o surgimento da rádio e, sobretudo, da televisão, o pendor da informação passou da formação a diversão. A informação pela imagem é substancialmente diferente da informação verbal, como já a informação oral (radiofónica) era diferente da informação impressa. A introdução da imagem e da cor contribuiu decisivamente para fazer da informação uma diversão (veja-se a imprensa do coração e a evolução tecnológica dos meios de comunicação favoreceu a mudança do pendor informativo. Mesmo na imprensa, a introdução da imagem da moda). Não quer isto dizer que toda a informação se converteu em diversão ou que é esse o seu destino. O que se diz é que a informação para o grande público é cada vez mais uma informação talhada à medida da curiosidade informativa e menos uma informação visando a formação cívica dos seus destinatários.

Aumentaram e diversificaram-se os espaços informativos. A informa­ção que não obedece à curiosidade informativa, que toca os interesses reais dos destinatários, advém crescentemente uma informação especializada. Economia, finanças, política, cultura preenchem espaços informativos próprios, espaços estes destinados a públicos específicos. Ora é esta informação substancial, por vezes designada de informação séria, que condiciona a participação dos receptores na vida pública. Donde se conclui que quando hoje em dia se fala de informação e das suas funções, haja a necessidade de distinguir. A informação continua a ser um elemento essencial à forma­ção cívica dos cidadãos, só que essa formação é uma opção dos receptores da informação e não uma educação imposta pelos jornalistas. A função formativa da informação exerce-se já no âmbito de uma consciência cívica, ao mesmo tempo que a fortalece, mas raramente a instaura. Mais fundo que a consciência cívica está enraizada no homem a curiosidade informativa, pelo que, se não houver um propósito consciente de através da informação participar na res publica, a informação se orientará pela curiosidade informativa e se tornará diversão.



[1]- Adriano Duarte Rodrigues, "O acontecimento" em Traquina, Nelson, Org., Jornalismo: Questões, Teorias e 'Estórias', Lx: Vega, 1993, pp. 27-33.