O consumo de informação. Interesse e
curiosidade
António Fidalgo, Universidade da Beira Interior
1996
A abundância de fait-divers nos telejornais e na
imprensa, o sensacionalismo noticioso mais variegado, o sucesso da imprensa de
coração, revelam que para lá do interesse público há uma curiosidade
informativa insaciável que da informação espera mais diversão que formação.
1- A informação como formação cívica
Uma das ideias fundamentais
da imprensa moderna, em particular, e da comunicação social, em geral, é a de
que a informação é um elemento essencial à formação cívica dos cidadãos. Ainda
hoje o grau de cidadania de um povo também se mede pela percentagem dos
leitores de jornais relativamente à população e pelas taxas de audiência dos
telejornais relativamente aos programas de variedades. Quanto maior o peso dos
programas de informação, quantos mais jornais vendidos, tanto maior será a
consciencialização socio-política de um povo e, correspondentemente, maior a
sua capacidade de participação e de decisão. Enquanto participação do indivíduo
na condução da res publica a
cidadania exige não só um conhecimento actualizado do que de relevante ocorre
nas diferentes áreas da vida pública, mas também uma determinada forma de tomar
conhecimento dessas ocorrências. Antes de mais, a informação tal como é
realizada pelos meios de comunicação social não é uma listagem de informações
diversas, não é uma base de dados informativos à laia da teletela orwelliana
desbobinando listas de números relacionados com a produção de ferro. A
informação mesmo na forma da simples notícia, de mera divulgação de um facto,
está enformada pela ideia básica do que interessa ou possa interessar ao
destinatário. Toda a informação da comunicação social, seja impressa,
radiofónica ou televisiva, obedece a critérios de selecção e de destaque. Há
notícias que são dadas, outras que são omitidas; há umas a que se dá destaque a
outras não. É o interesse público que define a informação, que selecciona o que
é notícia e a destaca, que uniformiza de algum modo o conteúdo informativo dos
diferentes órgãos de comunicação. Ora por mais amplo que seja o sentido de
interesse público, por mais vulnerável que seja a interesses particulares, ele
tem uma faceta formativa. A informação representa sempre uma integração dos
receptores de informação na vida política, social, económica e cultural da
sociedade a que pertencem. O simples facto da informação só por si constitui um
elo de ligação entre o indivíduo informado e a esfera pública em que se insere.
Ao ser informado o indivíduo é eo ipso
enformado socialmente. Aliás, a organização da informação, de que são exemplo
típico as secções dos jornais política, educação,
ciências, cultura, economia, desporto , além de retratar a
diversidade das esferas que compõem a vida pública, reflecte e reforça a
variedade dos interesses e dos laços que unem o receptor de informação ao todo
social.
Mas a faceta formativa da
informação é sobretudo proeminente na forma como a informação é dada. A
informação não se limita a dar conhecimento do que é de interesse público; ao
fazê-lo fá-lo de uma certa perspectiva e com uma certa finalidade. Os
destaques, o tipo de referência, a adjectivação, revelam um determinado
posicionamento da informação, de como esta é feita. Ao informar, um órgão de
comunicação fá-lo como narrativa, louvor, crítica, apoio, ataque. Contudo, de
preferência a tomar uma posição explícita relativamente às matéria da
informação, a informação dada visa muito mais suscitar nos destinatários da
informação um certo posicionamento ou atitude. E é aqui que efectivamente
reside a função formativa e cívica da informação: induzir o público a
participar na gestão da coisa pública e dar-lhe meios para essa participação.
Toda a informação apela, de
certo modo, a uma tomada de posição do público. A distinção entre notícias e
artigos de opinião, longe de contradizer esta afirmação, constitui a base para
que o leitor, o ouvinte, o telespectador, se sinta impelido a ter também a sua
opinião. O jornalismo de investigação, o esclarecimento de um acontecimento
através da indicação das causas próximas e remotas, visa dotar o público dos
meios para poder emitir um juízo, fazer uma apreciação, tecer uma crítica,
tomar uma decisão. A maneira de como que isto se faz, é exemplificada pelos
próprios órgãos de comunicação. A imprensa tem os seus articulistas habituais
que, ao exporem opiniões e respectivas razões, são de algum modo figurinos a
seguir pelos leitores. Mas há também a secção das Cartas ao Director onde
qualquer leitor pode exprimir a sua opinião sobre um tema da actualidade. A
rádio e a televisão além de chamar especialistas a darem o seu parecer e a
justificarem-no, entrevistam cidadãos anónimos para se pronunciarem sobre o
assunto em causa. Em suma, a informação é sempre dada de modo a promover a
capacidade crítica e interventiva dos seus destinatários.
2- A curiosidade informativa
A curiosidade informativa é
uma forma da curiosidade humana. O desejo de saber é intrínseco à natureza
humana, como Aristóteles declara no início da sua Metafísica (980 a, 21). Não
há homem algum completamente desprovido de curiosidade. Tanto é assim, diz
Aristóteles, que temos prazer na actividade dos sentidos, independentemente da
sua utilidade. Gostamos de ver, de ouvir, cheirar, degustar, tocar, tão só pelo
facto de o fazermos. E o prazer no exercício dos sentidos é de tal ordem que
acaba por desembocar numa "concupiscência dos olhos", como confessa
St Agostinho (Confissões, X 35). Aplicado aos outros sentidos, o termo
"ver" significa efectivamente conhecimento. "Vê como soa",
"vê como cheira bem", "vê como é duro", etc., são exemplos
de como há nos sentidos uma volúpia do conhecimento.
Heidegger desenvolve a
análise do fenómeno da curiosidade (Ser e Tempo, § 36), no seguimento destes
pensadores da antiguidade. Antes de mais, a curiosidade não se fica por aquilo
que lhe está próximo; pelo contrário, procura o que está longe. Mas ao chegar
ao longe, torna-o perto, e, assim, vai matando a distância que sempre procura.
A curiosidade caracteriza-se pela instabilidade, pela incapacidade de
permanecer no mesmo sítio, no mesmo conhecimento. Tem de passar necessariamente
a outro, tem de buscar incessantemente novas distâncias. Há, pois, um
desassossego contínuo, uma excitação permanente. Sempre e sempre em busca da
novidade, da mudança das coisas, não para compreender, que para isso é preciso
permanecer, mas tão só para ver, para satisfazer o desejo e a gulodice da
vista. O que se ganha é a distracção. Quanto mais pura a curiosidade, quanto
mais longínquas as notícias, maior a distracção. A atenção volta-se para a
novidade e esquece o seu sítio.
A análise existencial
heideggeriana da curiosidade aplica-se também à curiosidade informativa.
Compra-se o jornal, ouvem-se os noticiários da rádio, vêem-se os telejornais
não porque se julgue que trazem informações de monta, importantes, mas
unicamente para saber o que se passa. Um homem que matou a tiro a mulher numa
aldeia rural, o afundamento de um barco no Pacífico Sul, a transferência de um
jogador de futebol, a reunião de uma comissão parlamentar, o estado do tempo.
No noticiário seguinte espera-se que haja novas informações, as últimas. Se
está a acontecer, é preciso que se saiba, quanto mais rapidamente melhor. O
melhor mesmo é saber imediatamente, assistir em directo ao facto da notícia. O
desassossego, a excitação, não estão só nas redacções dos jornais, das rádios e
televisões, mas também nos destinatários que querem as notícias frescas,
acabadas de sair.
O que caracteriza
primeiramente a curiosidade informativa é a procura de actualização constante.
Só as últimas notícias satisfazem e, como tal, há que assegurar que as notícias
recebidas sejam as mais recentes, que não haja ainda notícias posteriores.
Sendo o fluxo dos acontecimentos incessante, isso obriga a acompanhar esse
fluxo, a estar sempre à frente. Um diário não lido, um noticiário não ouvido,
significa uma falha de actualização, só reposta com a leitura de um diário ou a
audição de um noticiário posteriores.
Para satisfazer a ânsia de actualização informativa, a rádio e a
televisão são mais adequados que a imprensa. Aí emissão e recepção são em
simultâneo, enquanto aqui não. O hiato temporal provocado pela impressão e
distribuição desaparece com a difusão electrónica. Mas mesmo na rádio e na
televisão tradicionais existe um espaço informativo vazio entre o último
noticiário e o próximo. Neste caso a curiosidade informativa fica como que
suspensa no presente entre dois momentos noticiosos: o que passou e o que ainda
não chegou. É aqui que entre a informação contínua; todo o momento de emissão é
momento de informação. O sucesso das cadeias de rádio e de televisão a
transmitirem continuamente notícias as 24 horas do dia reside no imperativo da
actualização da curiosidade informativa. Não aguardar por um horário para
transmitir, mas fazê-lo logo em cima do acontecimento é a única maneira de
garantir a perfeita actualização, o acompanhamento a par e passo do que
acontece. A metáfora dos órgãos de comunicação electrónicos como janelas para o
mundo assenta no ideal de noticiar os acontecimentos em directo. Efectivamente,
só a informação em directo satisfaz cabalmente a necessidade de actualização
informativa.
Uma outra característica da
curiosidade informativa é a totalidade, isto é, a tentativa de captar todas as
notícias e, por isso, de seguir todos os órgãos de informação. Há o receio de
perder uma notícia. Compram-se diversos jornais, quantos mais melhor, se
possível todos, e faz-se o zapping à hora dos noticiários entre as diferentes
estações de rádio e de televisão. Teme-se que alguma esteja a dar uma notícia
não dada pelas outras. A este receio respondem os órgãos de informação
informando aquilo que os outros órgãos estão a noticiar. Televisões e rádios
fazem revistas de imprensa e sínteses das emissões de outras rádios e
televisões, jornais fazem apanhados de afirmações feitas no dia anterior em
outros jornais, nas rádios e nas televisões. Cada órgão de informação procura
transmitir aos seus destinatários a ideia de que ele basta, de que não
necessitam de outro meio de comunicação para estar totalmente informado, pois
que além das suas informações faz a síntese das informações dadas pelos outros
órgãos de comunicação.
A seguir a estas duas
grandes características da curiosidade informativa, a actualização e a
totalidade, destacam-se ainda mais duas: a novelização e o sensacionalismo. A
curiosidade informativa fomenta a expectativa de notícias a partir de notícias,
ao jeito das telenovelas em que se ficam a aguardar os episódios seguintes. Uma
notícia de monta leva a desenvolvimentos posteriores, a outras notícias,
nomeadamente sobre as reacções à primeira. Por outro lado, o interesse de uma
notícia é tanto maior quanto melhor for o enredo em que a situa ou que mesmo a
motiva. O valor de uma notícia depende das expectativas criadas ao seu redor. A
novelização aguça a curiosidade informativa.
O sensacionalismo da
informação funciona, por sua vez, como o correlato da novelização. Não há uma
boa novela onde não entre o inesperado,
o súbito surgir de elementos que alteram o normal desenrolar das coisas.
Aliás o que faz de um facto um acontecimento de interesse jornalístico, isto é,
o que torna um facto notável, são factores que o demarcam do decurso trivial
dos acontecimentos, factores como o excesso, a falha e a inversão [1].
O homem que corre uma distância em tempo record, o revólver que fica encravado
no momento do disparo, o homem que morde o cão são justamente notícia porque
irrompem imprevistamente da normalidade. A novidade é tanto maior quanto mais
inesperada. É a sensação do novo que a curiosidade informativa sempre busca.
Expostas as principais
características da curiosidade informativa é bom de ver que ela se restringe
aos factos. Só os factos permitem o saltitar constante de uns para os outros,
dos velhos para os novos, só eles oferecem a novidade. Aqui não se buscam
propriamente explicações, até porque estas permanecem. As únicas explicações
aceites são aquelas em que factos explicam factos. Procurar explicações que não
sejam novos factos é deter-se no tempo, é desactualizar-se, é centrar-se num
caso particular e perder a totalidade. A curiosidade informativa não admite
explicações profundas; as explicações terão de se manter também à tona dos
acontecimentos, não podem ser enfadonhas. O que explica um facto é o enredo com
outros factos, enredo que toma a forma de narrativa.
Feita cada vez mais à medida
da curiosidade informativa, a informação cumpre cada vez menos a função de
formação cívica. Por várias razões. Desde logo porque informação de eminente
interesse público não é muitas vezes do tipo de suscitar curiosidade. Assuntos
que em princípio deveriam concitar o maior interesse público são relegados pela
sua complexidade para um círculo restrito de interessados. Questões
fundamentais da vida pública passam ao lado da grande informação porque não se
coadunam com a curiosidade informativa. Em contrapartida, temas que pouco ou
nada interferem com a vida dos cidadãos ocupam crescentemente o espaço
noticioso. Por exemplo, a dimensão e o destaque que as notícias sobre a
corrupção, real ou alegada, no futebol português têm em finais de 1996,
princípios de 1997, na comunicação social portuguesa são ditados claramente
pela curiosidade informativa, continuamente suscitada e alimentada. A
curiosidade compraz-se muito mais com factos sensacionais, como a vida
sentimental atribulada de princesas ou os actos de indisciplina de uma estrela
de futebol, do que com o lento desenrolar de um complexo processo parlamentar.
Uma segunda razão por que o lado formativo da informação é menor encontra-se no
tipo de abordagem que esta faz mesmo dos assuntos de nítido interesse público.
O que se informa aqui são sobretudo factos que dentro desses assuntos despertam
alguma curiosidade. Destacam-se frases, encontros, ocorrências pontuais, que
acabam por obliterar o assunto em questão. Veja-se, por exemplo, a revisão da
constituição portuguesa. A maior parte das informações sobre ela prendem-se
directamente com episódios com algum valor de curiosidade. Uma informação de
fundo, detalhada e fundamentada, sobre a revisão da constituição, e não sobre
os faits-divers do processo da
revisão, seria muito provavelmente destituída de qualquer interesse
jornalístico e encarada como uma informação especializada, destinada
unicamente a juristas. Virada para a satisfação da curiosidade, a informação
vê-se assim obrigada a respigar episódios ou ocorrências que dentro dos temas
importantes despertem alguma curiosidade, mesmo que sejam epifenómenos.
3. As mil e uma imagens da informação
A televisão é muito mais
apta que a imprensa a satisfazer a curiosidade informativa. Desde logo pelo
poder da imagem. A afirmação de que uma imagem vale mais do que mil palavras
traduz a importância da visualização dos acontecimentos noticiados. Não há
narrativa, falada ou escrita, por mais detalhada que seja, que consiga ser tão
próxima e tão concreta como uma imagem. A notícia de uma catástrofe ou de um
escândalo na imprensa provoca a curiosidade de ver imagens da catástrofe, dos
danos causados, ou das pessoas envolvidas no escândalo frente às câmaras de
televisão. Foi dito atrás que a curiosidade informativa se centra em factos
concretos, ora nada mais concreto que uma imagem. Como escreve Neil Postman (Amusing ourselves to death), a linguagem
da televisão é uma linguagem que se restringe às particularidades. Não há uma
imagem do homem em geral, mas deste ou daquele homem, bem concreto e definido.
Enquanto as palavras designam conceitos, representações gerais, as imagens são
de cariz intuitivo, e, portanto, representações particulares.
Uma reportagem televisiva
sobre, por exemplo, a droga segue habitualmente o figurino de filmar as zonas
urbanas degradadas em que se transaccionam as drogas, de captar imagens de
seringas caídas, e de entrevistar um ou outro toxicodependente e algum polícia
da brigada contra o narcotráfico. A curiosidade alimenta-se muito melhor com as
imagens de uma reportagem deste tipo do que com um artigo de jornal referindo
números, estatísticas, causas e consequências do tráfico e consumo de drogas.
Aqui não há casos, situações concretas, emoções de um rosto, mas tão só uma
narração abstracta que, mais do que não satisfazer a curiosidade, lhe diz pouco
ou nada.
A televisão pode dar
notícias sem imagens, e também as dá, mas a tendência natural desse meio é de
cada notícia ter imagens por base. Isso leva a muitas vezes a recorrer a
imagens de arquivo ou então imagens de algum modo relacionado de algum modo com
o tema da notícia. Pode este recurso ao arquivo significar uma distorção da
notícia (noticiar incidentes de ordem pública actuais com imagens de graves
confrontos passados), mas a necessidade de fornecer imagens é superior à
objectividade nua das palavras. Do mesmo modo, um repórter de televisão filmado
com a Casa Branca ao fundo, informando sobre as medidas tomadas pelo presidente
norte-americano relativamente a determinada questão política, dá o suporte
visual à notícia que, quanto à matéria, poderia ser dada pelo locutor do
telejornal.
O imperativo de conseguir imagens
para todas as informações televisivas leva, por um lado, a tornar notícia
aquilo de que há "boas imagens" e, por outro, a tendencialmente
ignorar o que não é filmável ou de que não se tem imagens. A espetacularidade
das imagens transforma em notícia o que em si não tem qualquer valor
informativo, por exemplo o despiste de um automóvel num país longínquo. Em
contrapartida, se não houver imagens, não se dá a notícia ou então aguarda-se o
tempo preciso até as ter. Os telejornais transformam-se em séries de
reportagens bem conseguidas, no que à imagem toca. A recolha de imagens
determina a informação. Mais uma vez "the medium is the message" ou,
dito de outra maneira, a forma sobrepõe-se ao conteúdo.
4. A câmara indiscreta e a diversão
informativa
A curiosidade informativa
tende a ser indiscreta. O que mais curiosidade suscita é o que não se pode ou
não se deve saber. Também aqui o fruto proibido é o mais apetecido. A
informação toma uma forma inquisitiva, de desvendar o que sempre toda a gente
quis saber, mas não teve a coragem de perguntar. As revelações são as melhores
informações.
Um dos grandes atractivos da
televisão é justamente a indiscrição. De algum modo a câmara de televisão é
sempre indiscreta; não tanto por recolher imagens proibidas, mas por captar
elementos paralelos que podem dar um outro sentido à notícia. O semblante, o
tom de voz, a forma como uma figura pública presta declarações aos órgãos de
comunicação, podem revelar mais do que aquilo que é dito, mas esses elementos
só são cabalmente captados pela televisão. Os planos de filmagem, a escolha
entre grandes planos, próximos, e planos remotos, a selecção de imagens, pretendem
ao fim e ao cabo dar mais a ver do que a própria realidade oferece. É neste
mais que reside a indiscrição. Naturalmente que a câmara só filma o que está
lá, mas a forma como o filma é a de revelar pormenores que alteram o
significado do que é filmado.
A indiscrição da câmara faz
do telespectador um mirone. É paradigmático o caso da estação de televisão que
transmite em directo uma operação de salvamento. Num caso destes os
telespectadores assistem a toda a evolução dos acontecimentos, observam o
esforço dos intervenientes, a angústia dos sinistrados, a alegria do sucesso
ou o desespero do insucesso. Tal como os mirones de um acidente de viação que
param à beira da estrada e, cheios de curiosidade, assistem à chegada das
ambulâncias e da polícia, assim também os telespectadores contemplam do sofá da
sua casa os acidentes que ocorrem por todo o mundo. Reportagens de campos de
refugiados ou de outros lugares de infortúnio são, pela sua indiscrição, muitas
vezes um apelo à curiosidade gulosa dos espectadores.
O que caracteriza os
mirones, sejam os dos acidentes de trânsito sejam os das notícias, é que são
indiferentes ao que se passa. Remetem-se para o papel passivo de espectadores.
Não podem e não querem intervir. Pelo ecrã tanto passa uma notícia vinda da
China, como de uma aldeia transmontana, mas a influência de uma ou outra sobre
a actividade de quem a recebe é a mesma, isto é, nula. É notícia, mas também
podia ser ficção; tudo passa na tela. Não há qualquer interesse pelas notícias,
apenas curiosidade.
O carácter intuitivo das
imagens tem como correlato a passividade de quem as vê. Enquanto as palavras
remetem para conceitos e, portanto, para uma apreensão activa de quem as
escuta, as imagens são representações da sensibilidade. Seguindo a distinção
kantiana entre sensibilidade e entendimento, há a dizer que a sensibilidade se
distingue pela passividade e o entendimento pelo espontaneidade. As intuições
são dadas ao passo que os conceitos são pensados. Numa informação que assenta
sobre imagens e não sobre conceitos o destinatário da informação limita-se a
registá-la.
A indiferença, o
desinteresse, a passividade de quem recebe a informação é tanto maior quanto
mais a informação aparece descontextualizada. Como as notícias em nada
influenciam quem as recebe, qualquer notícia se encaixa no noticiário, umas a
seguir às outras, agora esta e depois aquela. Mesmo uma notícia de grande
monta, dada na abertura do telejornal, é seguida por outras; encadeada com as
outras a sua importância esbate-se e acaba por partilhar o estatuto das outras
notícias, o de episódios curiosos. O aparecimento contínuo de novas notícias,
a aglutinação das notícias em blocos noticiosos em que há um pouco de tudo, de
política, de negócios, de desporto e de meteorologia, acabam por nivelar as
notícias a uma dimensão de meras curiosidades.
Ditada pela curiosidade dos
consumidores a informação torna-se inane. Tal informação é perfeitamente
dispensável, não condicionando a participação pública. A grande informação,
televisiva, radiofónica e mesmo a dos jornais de grande tiragem, destina-se
justamente às grandes massas sem poder de intervenção. A informação relevante,
que constitui uma vantagem decisiva no combate socio-político, económico e
cultural, encontra-se hoje as mais das vezes em boletins, revistas e estudos
especializados, destinados a pequenos círculos de leitores.
Mas o mais grave é que informações
importantes dadas pelos órgãos de comunicação de massa são, pela própria
natureza destes órgãos, trivializadas. O destaque de primeira página ou de
abertura do noticiário não lhes confere uma natureza diferente das muitas
notícias inanes que se lhes seguem. Além de que muitas outras vezes se
destacaram notícias, reveladas banalidades no dia seguinte. A inanidade geral,
consubstanciada pelo próprio órgão de comunicação, apodera-se das notícias
importantes e retira-lhes o seu valor in-formativo.
Posto isto, quer dizer,
exposta a inanidade informativa resultante da curiosidade informativa, não é
difícil compreender o quanto a informação é diversão. Infotainment lhe chamam os americanos numa feliz síntese de information e entertainment. Diversão antes de mais porque desprovida de real
importância, leve e despreocupada. Não significa isto que seja uma informação
divertida, o conteúdo pode não o ser, mas a sua função. A informação é diversão
quando desvia a atenção de quem a recebe das circunstâncias e dos reais
problemas do dia a dia. É este desvio da atenção que caracteriza justamente a
diversão. Quem se diverte, seja no teatro, no cinema ou no desporto, não pensa
no que o compromete na vida quotidiana. Só que nem tudo serve, ou melhor, tem
a força suficiente para desviar a atenção; é preciso que o diverso oferecido
pela diversão consiga chamar a si a atenção. A diversão é tanto maior quanto
mais chamar a si a atenção e, simultaneamente, mais despreocupada for. Ora,
quanto maiores forem as catástrofes, as misérias e os escândalos noticiados,
tanto mais chamarão a atenção e, por maiores que sejam, em nada afectarão o
quotidiano dos telespectadores. Não há qualquer risco ou compromisso nas
notícias, o consumo da informação é inofensivo e a diversão possível.
5. Conclusão
Há informação e informação,
há uma que forma e outra que diverte. Com o surgimento da rádio e, sobretudo,
da televisão, o pendor da informação passou da formação a diversão. A
informação pela imagem é substancialmente diferente da informação verbal, como
já a informação oral (radiofónica) era diferente da informação impressa. A
introdução da imagem e da cor contribuiu decisivamente para fazer da informação
uma diversão (veja-se a imprensa do coração e a evolução tecnológica dos meios de
comunicação favoreceu a mudança do pendor informativo. Mesmo na imprensa, a
introdução da imagem da moda). Não quer isto dizer que toda a informação se
converteu em diversão ou que é esse o seu destino. O que se diz é que a
informação para o grande público é cada vez mais uma informação talhada à
medida da curiosidade informativa e menos uma informação visando a formação
cívica dos seus destinatários.
Aumentaram e
diversificaram-se os espaços informativos. A informação que não obedece à
curiosidade informativa, que toca os interesses reais dos destinatários, advém
crescentemente uma informação especializada. Economia, finanças, política,
cultura preenchem espaços informativos próprios, espaços estes destinados a
públicos específicos. Ora é esta informação substancial, por vezes designada de
informação séria, que condiciona a participação dos receptores na vida pública.
Donde se conclui que quando hoje em dia se fala de informação e das suas
funções, haja a necessidade de distinguir. A informação continua a ser um
elemento essencial à formação cívica dos cidadãos, só que essa formação é uma
opção dos receptores da informação e não uma educação imposta pelos
jornalistas. A função formativa da informação exerce-se já no âmbito de uma
consciência cívica, ao mesmo tempo que a fortalece, mas raramente a instaura.
Mais fundo que a consciência cívica está enraizada no homem a curiosidade
informativa, pelo que, se não houver um propósito consciente de através da
informação participar na res publica,
a informação se orientará pela curiosidade informativa e se tornará diversão.
[1]- Adriano Duarte Rodrigues, "O acontecimento" em Traquina, Nelson, Org., Jornalismo: Questões, Teorias e 'Estórias', Lx: Vega, 1993, pp. 27-33.